de 2 de Março
A entrada em vigor do Decreto-Lei 205-G/75, de 16 de Abril, pôs termo à estrutura organizativa do sector eléctrico nacional, definida na década de 40 pela Lei 2002, de 26 de Dezembro de 1944, e desenvolvida pelo Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1960, e que assentava, quanto ao regime do exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, na outorga de concessões do Estado a cidadãos portugueses ou a empresas nacionais com maioria de capital português.Ao traduzir a concepção política do Governo de então, o Decreto-Lei 205-G/75, de 16 de Abril, operou a nacionalização das principais empresas concessionárias no âmbito do sector eléctrico e determinou desde logo, no seu artigo 12.º, a criação de uma entidade jurídica resultante da reestruturação daquelas empresas. Na sequência desta reestruturação, surgiu a criação, através do Decreto-Lei 502/76, de 30 de Junho, da Electricidade de Portugal (EDP), E. P., sendo-lhe atribuído, em regime de exclusivo e por tempo indeterminado, o exercício do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica em todo o território continental. Estava, assim, consumada a constituição do monopólio do Estado no sector eléctrico, que viria a ser confirmado pela Lei 46/77, de 8 de Julho, a qual, ao regulamentar o n.º 2 do artigo 85.º da Constituição, vedou à iniciativa privada o acesso às actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público.
Com a publicação do Decreto-Lei 189/88, de 27 de Maio, deu-se um passo significativo na inversão do regime de monopólio do Estado, entretanto já iniciada com a publicação do Decreto-Lei 20/81, de 28 de Janeiro, e da Lei 21/82, de 28 de Julho, no tocante à pequena produção de energia eléctrica, e dos Decretos-Leis n.os 344-B/82 e 297/86, respectivamente de 1 e 19 de Setembro, no que concerne à distribuição de energia eléctrica em baixa tensão. Com efeito, o Decreto-Lei 189/88, de 27 de Maio, publicado no uso de autorização legislativa concedida pela Lei 34/88, de 2 de Abril, veio já permitir o livre acesso das pessoas singulares ou colectivas à actividade de produção de energia eléctrica.
Integrada na linha de racionalização das estruturas de produção desenvolvida pelo XI Governo Constitucional, a alteração da Lei 46/77, operada pelo Decreto-lei 449/88, de 10 de Dezembro, veio finalmente permitir, sem restrições, o acesso de entidades privadas ao exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público.
Importava, por isso, definir o respectivo regime jurídico e regulamentar o exercício das actividades específicas deste sector.
Nas últimas décadas, o sector eléctrico tem assumido um papel fundamental na evolução das economias das sociedades desenvolvidas. Porém, este sector só cumprirá cabalmente o seu papel de incentivo à criação de riqueza nacional se for organizado de modo a poder oferecer energia em quantidades e preços que permitam a intensificação das actividades económicas em condições de concorrência no mercado.
Atenta a necessidade de dinamizar o processo de constituição de entidades produtoras e fornecedoras de energia eléctrica, o presente diploma tem como escopo instituir os princípios gerais do regime jurídico enquadrador do exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica.
Assentam fundamentalmente tais princípios gerais na liberdade de acesso à actividade, na linha do que já desde 1979 acontece com a generalidade das indústrias.
Considerando, todavia, a particular natureza da energia eléctrica como bem de indesmentível interesse público, não pode o Governo alhear-se da imperiosa necessidade de garantir o seu abastecimento fora dos quadros da mera iniciativa dos empresários. Lança-se, assim, um quadro misto em que se estimula a iniciativa privada e se mantém ainda uma zona nuclear, em regime de concessão de serviço público, bastante para garantir a segurança do abastecimento do País.
Nesta óptica, estabelece-se um sistema eléctrico de abastecimento público (SEP), constituído por um lado uma Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT), explorada em regime de concessão de serviço público, e que compreende a rede de transporte de energia eléctrica em alta e muito alta tensão, a rede de interligação e o despacho nacional e, por outro, por entidades que, em regime contratual, se vinculam ao sistema: a montante os produtores, a jusante os distribuidores.
À RNT é confiado, assim, o papel de coordenador do sistema, deste modo assegurando quer a conjugação dos interesses em causa quer a estabilidade e segurança do abastecimento público.
Fora do quadro da concessão de serviço público, estabelece-se o regime de exercício de actividade mediante licença, que comporta dois tipos: a licença vinculada para os que pretendam fazer parte do sistema, abastecendo-o ou por ele sendo abastecidos, mediante contratos a celebrar com a RNT; e a licença não vinculada, para os que pretendam exercer as actividades, para uso próprio ou de terceiros, em claro regime de concorrência.
Por outro lado, quando o exercício das actividades relativas à energia eléctrica envolva a utilização de bens do domínio público ou privado do Estado ou das autarquias, prevê-se a celebração de contrato administrativo, que então englobará a licença.
De notar ainda que se estabelece o regime de open access, permitindo-se o uso das instalações e redes integrantes do sistema mediante acordo entre os vários agentes intervenientes.
Reúnem-se, deste modo, os requisitos legais para que aos interesses de Estado se associem, de forma convergente, as iniciativas das entidades privadas, tendo em vista o desenvolvimento e o progresso económico do País.
Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
O presente diploma estabelece os princípios gerais do regime jurídico do exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica.
Artigo 2.º
Princípios gerais
1 - O exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica tem como objectivos fundamentais contribuir para o desenvolvimento económico nacional e para o bem-estar da população, assegurando, nomeadamente:a) A permanente oferta de energia em termos adequados às necessidades dos consumidores, sob os aspectos quantitativos e qualitativos;
b) A progressiva redução dos custos através da racionalidade e eficácia dos meios utilizados nas suas diversas fases, desde a produção ao consumo.
2 - Sem prejuízo dos poderes conferidos ao gestor do sistema eléctrico de abastecimento público (SEP), é assegurada a todos os interessados no exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, bem como a todos os consumidores, igualdade de tratamento e oportunidades.
Artigo 3.º
Declaração de utilidade pública
O Governo, a requerimento do interessado, poderá, em matéria de expropriações e estabelecimento de servidões, declarar o interesse nacional das empresas que exerçam actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica.
CAPÍTULO II
Sistema eléctrico de abastecimento público
Artigo 4.º
Definição
1 - A satisfação das necessidades dos consumidores de energia eléctrica é assegurada basicamente pelo SEP.2 - O SEP compreende a Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica (RNT) e o conjunto de instalações de produção e redes de transporte e distribuição a ela vinculadas, nos termos do presente diploma.
3 - A RNT é explorada em regime de concessão de serviço público e compreende, para além da rede nacional de transporte de energia eléctrica em alta e muito alta tensão, a rede de interligação e o despacho nacional.
Artigo 5.º
Gestão do Sistema Eléctrico de Abastecimento Público
1 - A gestão global do SEP é exercida pela entidade concessionária da RNT e compreende os poderes que a esta sejam cometidos no âmbito da concessão, nomeadamente a coordenação das actividades desenvolvidas pelas instalações e redes vinculadas ao abastecimento público e sua fiscalização, no âmbito do n.º 2 do artigo 20.º 2 - A gestão global do SEP inclui o poder de suspensão temporária das instalações de produção em função das necessidades do consumo e das cláusulas contratuais respectivas.
Artigo 6.º
Acesso ao SEP
Sem prejuízo da prossecução do interesse público cometido ao SEP, é permitida a utilização das instalações e redes que o constituem, nas condições que sejam acordadas entre os interessados e os titulares daquelas.
CAPÍTULO III
Da licença
Artigo 7.º
Livre acesso
Fora do âmbito da concessão referida no n.º 3 do artigo 4.º, é livre o acesso às actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, a exercer mediante licença a atribuir nos termos do presente diploma e da demais legislação aplicável.
Artigo 8.º
Objecto da licença
São as seguintes as categorias de licenças a atribuir:a) De produção de energia eléctrica;
b) De transporte de energia eléctrica;
c) De distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão;
d) De distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.
Artigo 9.º
Natureza das licenças
1 - As licenças referidas no artigo anterior podem revestir a natureza de:a) Licença vinculada, quando o seu titular assuma o compromisso de alimentar o SEP definido no artigo 4.º ou de por este ser alimentado;
b) Licença não vinculada, quando o seu titular não assuma compromisso nos termos da alínea anterior, explorando a actividade para satisfação de necessidades próprias ou de terceiros em regime de mercado.
2 - As licenças vinculadas de distribuição podem, por lei ou por contrato, ser atribuídas em exclusivo para áreas ou traçados determinados.
Artigo 10.º Cumulação de licenças A cada instalação ou rede corresponde uma licença, podendo a mesma entidade ser titular de várias licenças, sem dependência da categoria ou natureza delas.
Artigo 11.º
Competência na atribuição de licenças
1 - A atribuição da concessão de exploração da RNT no continente é da competência do Ministro da Indústria e Energia e é feita em regime de exclusivo.
2 - A atribuição das licenças é da competência do director-geral de Energia, com sujeição, no caso de licenças vinculadas, à existência prévia de contrato de vinculação celebrado entre o interessado e a entidade responsável pela gestão do SEP.
3 - As competências estabelecidas no presente artigo compreendem igualmente os poderes de revogação das licenças.
4 - O disposto no presente artigo não prejudica as atribuições e competência de outros órgãos no que respeita à emissão de autorizações, licenças ou pareceres.
Artigo 12.º
Duração da licença
1 - A duração da licença vinculada será estabelecida de acordo com a sua natureza, sendo o prazo mínimo de 35 anos e o máximo de 75 anos, salvo quando integrada em contrato administrativo, nos termos do presente diploma, caso em que a sua duração será igual à do contrato em que se integra.2 - Se uma mesma entidade possuir simultaneamente duas ou mais licenças vinculadas, de alguma forma interdependentes, os respectivos prazos de duração poderão ser harmonizados, de modo a assegurar uma maior coordenação e racionalidade de meios no exercício das actividades licenciadas.
3 - O prazo de duração da licença poderá ser prorrogado por períodos idênticos e consecutivos.
4 - Às licenças não vinculadas não é atribuído prazo legal de duração, sem prejuízo da sua revogação nos termos legais.
Artigo 13.º
Extinção da licença
1 - A licença extingue-se:
a) Por caducidade;b) Por revogação;
c) Por extinção do contrato administrativo em que se integre.
2 - As condições de extinção da licença constarão dos diplomas previstos no artigo 25.º 3 - A extinção do contrato de vinculação ao SEP não implica a extinção da licença, que passa nesse caso ao regime de licença não vinculada.
CAPÍTULO IV
Do contrato administrativo
Artigo 14.º
Casos de contrato administrativo
Quando o exercício das actividades relativas à energia eléctrica regidas pelo presente diploma envolva a utilização de bens do domínio público ou privado que dê lugar à celebração de contrato administrativo, deste constará a licença ou licenças atribuídas.
Artigo 15.º
Elementos do contrato
1 - Do contrato administrativo mencionado no artigo anterior deverão constar, para além da licença ou licenças atribuídas e respectiva delimitação, o prazo de duração, as condições de prorrogação e os direitos e obrigações relativos à licença ou licenças.2 - Do contrato poderão ainda constar outras condições específicas relativas a cada uma das actividades.
CAPÍTULO V
Dos direitos e deveres do produtor, transportador e distribuidor de
energia eléctrica
Artigo 16.º
Direitos
A atribuição de licença para o exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica confere ao respectivo titular os seguintes direitos:a) Utilizar os bens do domínio público ou privado do Estado e das autarquias locais para o estabelecimento ou passagem das diferentes partes da instalação ou rede, nos termos da legislação aplicável;
b) Constituir servidões sobre imóveis necessárias ao exercício da actividade licenciada e requerer a expropriação por utilidade pública e urgente, nos termos do Código das Expropriações.
Artigo 17.º
Deveres
São deveres do titular da licença para o exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica:a) Cumprir as disposições e normas regulamentares em vigor respeitantes ao exercício da actividade;
b) Actuar com inteira transparência de procedimentos no exercício da actividade;
c) Permitir e facilitar a fiscalização da actividade, através de entidades competentes, facultando todas as informações pedidas;
d) Pagar as indemnizações devidas pela constituição de servidões e expropriação de direitos.
Artigo 18.º
Direitos e deveres especiais no caso de licenças vinculadas
1 - Os titulares de licenças vinculadas, para além dos deveres consignados nos artigos anteriores, têm ainda o de exercer de forma contínua e regular a sua actividade e só a interromper mediante autorização ou instruções da entidade responsável pela gestão do SEP.
2 - Os titulares de licenças vinculadas têm o direito de, sendo produtores, venderem ao SEP a totalidade da energia eléctrica contratada e, sendo distribuidores, receberem dele a energia eléctrica que necessitem para satisfação dos consumos que lhes sejam solicitados.
Artigo 19.º
Relações entre os agentes
As relações entre os agentes económicos intervenientes nas actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica são reguladas por contratos a celebrar entre si.
Artigo 20.º
Suspensão da actividade
1 - A interrupção do exercício da actividade vinculada, quando não tenha carácter ocasional, é considerada suspensão da actividade.2 - A suspensão da actividade é autorizada pela entidade responsável pela gestão do SEP, salvo quando tenha resultado de razões de força maior.
3 - A entidade licenciada, ainda quando autorizada a suspensão da actividade, manter-se-á responsável pela conservação das instalações e equipamentos afectos ao exercício da mesma.
4 - Sempre que a entidade licenciada interrompa o exercício da actividade sem para tal estar autorizada, responderá pelos danos causados pela interrupção, para além da responsabilidade criminal em que incorra.
CAPÍTULO VI
Da transmissão e extinção do contrato administrativo
Artigo 21.º
Transmissão da posição contratual
A transmissão da posição contratual de uma entidade licenciada como produtora, transportadora ou distribuidora de energia eléctrica carece de autorização expressa da entidade com quem contratou.
Artigo 22.º
Destino do contrato no caso de extinção da licença
A extinção da licença de produção, transporte ou distribuição de energia eléctrica integrada em contrato administrativo implica a extinção deste, salvo disposição expressa em contrário.
CAPÍTULO VII
Disposições finais e transitórias
Artigo 23.º
Disposições gerais
1 - No caso de não utilização dos bens expropriados para os fins que justificaram a expropriação, ou de lhes ser dado destino diferente, aplicam-se as regras previstas no Código das Expropriações.2 - São válidos para as autorizações e licenças de execução de obras destinadas ao exercício da actividade licenciada os prazos de caducidade previstos na lei geral pela não utilização das mesmas.
Artigo 24.º
Destino das instalações estabelecidas em bens do domínio público ou
privado do Estado ou das autarquias locais
1 - A extinção do contrato previsto no artigo 14.º dará lugar a transferência, para a entidade pública respectiva, da titularidade das instalações afectas à produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, salvo quando nele se disponha de outra forma.
2 - As instalações adquiridas nos termos do número anterior poderão ser objecto de utilização para o mesmo fim, acompanhadas das respectivas licenças e autorizações, mediante prévia realização de concurso público.
3 - A transferência da titularidade das instalações prevista no n.º 1 determina a atribuição de uma compensação ao seu proprietário equivalente ao valor dos bens ao tempo da extinção do contrato.
Artigo 25.º
Regulamentação
O exercício de cada uma das actividades a que se refere o presente diploma, incluindo o regime de concessão previsto no n.º 3 do artigo 4.º, bem como o respectivo processo de licenciamento, serão objecto de regulamentação própria, a aprovar por decreto-lei.
Artigo 26.º
Aplicação às regiões autónomas
Os princípios gerais estabelecidos no presente diploma são aplicáveis às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo das competências próprias dos respectivos órgãos de governo próprio.
Artigo 27.º
Norma transitória
A concessão da exploração da RNT considera-se atribuída à EDP - Electricidade de Portugal, S. A., até que diploma próprio a regulamente.
Artigo 28.º
Norma revogatória
1 - Com a entrada em vigor do presente decreto-lei fica revogada a Lei 2002, de 26 de Dezembro de 1944, bem como as disposições do Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1960, que o contrariem, sem prejuízo de, enquanto não entrarem em vigor os diplomas específicos previstos no artigo 25.º, serem aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas relativas ao exercício das actividades de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica em vigor àquela data, mantendo-se os direitos e obrigações delas derivados.2 - É expressamente revogado o artigo 19.º do acima citado Decreto-Lei 43335.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 22 de Novembro de 1990. - Aníbal António Cavaco Silva - Vasco Joaquim Rocha Vieira - Lino Dias Miguel - Luís Francisco Valente de Oliveira - Luís Fernando Mira Amaral.
Promulgado em 6 de Fevereiro de 1991.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 8 de Fevereiro de 1991.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.