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Acórdão 416/2002/T, de 31 de Dezembro

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Texto do documento

Acórdão 416/2002/T. Const. - Processo 29/2002. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - José Artur Pessoa Monteiro Marques interpôs recurso do despacho do director de serviços do IRS de 12 de Novembro de 1998, que negou provimento ao recurso hierárquico por aquele interposto para o Ministro das Finanças. Tal despacho indeferiu a pretensão de dedução das despesas efectuadas nas obras de conservação de um imóvel (Palácio da Serra de El-Rei - classificado como imóvel de interesse público pelo Decreto 29 604, de 16 de Maio de 1939), ao abrigo do artigo 46.º, n.º 2, alínea b), da Lei 13/85, de 6 de Julho, pretensão essa que acompanhava a declaração de rendimentos, modelo n.º 2, relativa ao ano de 1996.

Constitui fundamento essencial do referido despacho o não reconhecimento em sede de IRS do benefício fiscal que decorria do artigo 46.º, n.º 2, alínea b), da Lei 13/85, de 6 de Julho, em virtude de, com a entrada em vigor do Estatuto dos Benefícios Fiscais em 1 de Janeiro de 1989, apenas se manterem os benefícios cujo direito tenha sido adquirido até 31 de Dezembro de 1988 e que resultem de fonte internacional ou contratual e os benefícios temporários e condicionados. Isto, por se ter entendido que "o regime fiscal especial estabelecido na Lei 13/85, não resultar de qualquer contrato nem estar sujeito a qualquer condição, temporal ou outra, não pode aproveitar do regime transitório do artigo 2.º do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho".

Disse o ora recorrente nas conclusões das alegações de recurso (em tudo idênticas às da petição de recurso contencioso) para o Tribunal Central Administrativo:

"1.º O benefício fiscal da alínea b) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei 13/85, de 6 de Julho, encontra-se em vigor e deve ser reconhecido em sede de IRS.

2.º O regime transitório do artigo 2.º do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, nada tem a ver com a alínea b) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei 13/85, nem os artigos 2.º do EBF e 3.º da Lei 8/89, de 22 de Abril, têm nada a ver com aquela alínea b) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei 13/85.

3.º Deve, pois, ser revogada a decisão que indeferiu o recurso hierárquico, decisão a fls. 23 e 24.

4.º Deve, pois, a importância de 1 619 279$ ser deduzida ao rendimento colectável que serviu de base à liquidação do IRS referente a 1996, corrigindo-se assim essa liquidação."

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais contra-alegou, sustentando, em síntese, que tem de improceder a pretensão do recorrente no sentido da dedução de quantitativo certo nos rendimentos sujeitos a IRS relativos ao ano de 1996, por falta de lei que a suporte (cf. de fl. 71 a fl. 77 dos autos).

Por Acórdão de 7 de Novembro de 2001, o Tribunal Central Administrativo considerou que:

"I - O benefício fiscal previsto, para o imposto complementar, na alínea b) do n.º 2 do artigo 46.º da Lei 13/85, de 6 de Julho (dedução de despesas de melhorias em bens classificados do património cultural), não é de fonte internacional, nem contratual, nem assume a natureza de temporário nem condicionado - nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho.

II - Pelo que não se trata de um direito adquirido antes da entrada em vigor do Código do IRS, em 1 de Janeiro de 1989.

III - Com a entrada em vigor do Código do IRS, operou-se a caducidade do benefício fiscal dito no n.º I, pelo que o mesmo não se mantém em sede de IRS", pelo que negou provimento ao recurso contencioso (cf. de fl. 99 a fl. 101).

Inconformado, o contribuinte recorreu para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, tendo dito, a concluir a sua alegação:

"1 - O acórdão recorrido violou o princípio ínsito na Constituição da protecção da confiança (doc. n.º 5).

2 - Violou ainda como se demonstrou:

a) O artigo 9.º do Código Civil, n.os 1, 2 e 3;

b) O artigo 7.º do mesmo Código, revogação infundada do benefício fiscal da alínea b);

c) O artigo 3.º, n.º 1, da Lei 8/89; e

d) O artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 215/89.

3 - A decisão do acórdão recorrido deve ser revogada; e

4 - Substituída por outra que, dando provimento ao recurso, revogue o despacho ministerial e se decrete que a pretensão do recorrente é legal, porque obedece ao disposto nos artigos em vigor n.os 46.º, n.º 2, alínea b), da Lei 13/85, de 6 de Julho, e 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho.

5 - Se proceda à correcção da liquidação do IRS de que é sujeito passivo o recorrente, referente ao ano de 1996, descontando-se no rendimento global a importância de 1 619 279$, nos termos do requerimento apresentado com a respectiva declaração do IRS, em 2 de Abril de 1997."

Posteriormente, a convite do relator do processo, veio o recorrente aos autos precisar "Normas jurídicas violadas pelo acórdão recorrido:

[...]

Violação do princípio da confiança ínsito na ideia do Estado de direito, devendo julgar-se inconstitucional a norma do artigo 2, n.º 1, do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, interpretada no sentido de não salvaguardar o benefício fiscal do artigo 46.º, n.º 2, alínea b), da Lei 13/85, de 6 de Julho."

O Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida, por Acórdão de 21 de Novembro de 2001.

De novo inconformado, o contribuinte interpôs recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, para o Tribunal Constitucional, tendo dito no requerimento de interposição:

"[...] pedir a VV. Exmas. que se aprecie a Constitucionalidade do artigo 2.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, e do Código do IRS, com a interpretação que lhes foi dada pelo Acórdão do STA de 21 de Novembro de 2001, a fl. 151, com os seguintes fundamentos:

1.º

Segundo essa interpretação o n.º 1 daquele artigo 2.º contempla apenas os benefícios fiscais indicados no n.º 2 daquele artigo (os de fonte internacional e contratual e os temporários e condicionados).

2.º

E o n.º 2 significa que o âmbito do n.º 1 fica reduzido apenas aos quatro benefícios indicados nesse n.º 2.

3.º

Ora, é manifesto o erro pois nem a letra da lei nem o seu espírito consentem tal desacerto.

4.º

É bem claro que o n.º 2 se limita a incluir no âmbito do n.º 1 os tais quatro benefícios.

5.º

Logo, no relatório do Decreto-Lei 215/89 se consagra a preocupação de manter os benefícios já concedidos.

6.º

Por outro lado afirma-se no acórdão recorrido que com a entrada em vigor do Código do IRS se operou a caducidade do benefício fiscal em foco [o do artigo 46.º, n.º 2, alínea b), da Lei 13/85, de 6 de Julho], pelo que o mesmo não se mantém em sede de IRS.

7.º

Também é manifesto o erro dessa interpretação do Código do IRS, já que não existe qualquer norma nesse Código que expressa ou tacitamente tenha feito caducar o benefício do artigo 46.º, n.º 2, alínea b), da Lei 13/85, de 6 de Julho, ao contrário, na correcta interpretação do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, foi o mesmo mantido.

8.º

O recorrente suscitou a questão de constitucionalidade nas alegações para o STA a fl. 114 e no complemento delas, a fl. 141.

Conclusão. - Conclui-se que o STA, no acórdão recorrido, viola o princípio da protecção da confiança ínsito na ideia do Estado de direito - Acórdão do TC n.º 410/95, de 16 de Junho de 1995, processo 248/94, in Diário da República 2.ª série, a p. 13 750, e, consequentemente, pede-se que se conceda provimento ao recurso e se revogue o acórdão recorrido afim de o mesmo ser reformado em conformidade com o que for decidido com a questão da invocada inconstitucionalidade invocada".

Notificado para alegar, disse pretender que fosse apreciada a constitucionalidade "das seguintes normas com o sentido que lhes atribuiu aquele acórdão:

a) N.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho;

b) Nº 1 do artigo 3.º da Lei 8/89, de 22 de Abril;

c) Artigo 46.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, da Lei 13/85, de 6 de Julho."

tendo concluído a sua alegação do seguinte modo:

"A - Para efeitos do artigo 690.º do CPC (n.º 2), declara-se que as normas jurídicas violadas foram as seguintes, com a indicação do sentido correcto:

a) O artigo 2.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho:

O n.º 1 abrange o benefício fiscal do artigo 46.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, da Lei 13/85, de 6 de Julho;

b) O artigo 3.º, n.º 1, da Lei 8/89, de 22 de Abril:

Este preceito do n.º 1 impõe que o benefício em causa esteja em vigor;

c) Ao artigo 46.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, da Lei 13/85:

Esta disposição continua em vigor em sede de IRS."

Cumpre apreciar e decidir.

2 - O recorrente interpôs recurso para este Tribunal ao abrigo do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 13-A/ 98, de 26 de Fevereiro).

Ora, a admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo das referidas norma e alínea está dependente da verificação, entre outros, do pressuposto processual que consiste na suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, suscitação essa que deve ser feita perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo processualmente adequado (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Para que tal pressuposto processual se mostre preenchido, é necessário que o tribunal saiba que tem aquela questão para apreciar, devendo pronunciar-se sobre ela.

No caso dos autos, e apesar de nas alegações de recurso para o STA ter arguido a inconstitucionalidade de várias normas, a convite do ali relator, o recorrente, no requerimento de 23 de Maio de 2001, veio aos autos limitar a questão de constitucionalidade à apreciação da "norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, interpretada no sentido de não salvaguardar o benefício fiscal do artigo 46.º, n.º 2, alínea b), da Lei 13/85, de 6 de Julho."

Deste modo, o Tribunal limitar-se-á a apreciar a constitucionalidade da norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, diploma que aprovou o Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretada no sentido de considerar extinto o benefício fiscal consistente na dedução, para efeitos do imposto complementar, até 20% do rendimento global, das despesas de conservação, recuperação, restauro e valorização dos bens classificados, consagrado no artigo 46.º, n.º 2, alínea b), da Lei 13/85, de 6 de Julho, diploma respeitante ao património cultural português.

Esta foi a única questão de constitucionalidade suscitada durante o processo, sendo certo que as restantes normas invocadas nas alegações de recurso para este Tribunal - artigos 3.º, n.º 1, da Lei 8/89 e 46.º, n.º 2, alínea b), da Lei 13/85 - não foram sequer indicadas no requerimento de interposição de recurso, constituindo, assim, uma ampliação inadmissível do objecto do recurso, que ficou delimitado naquele requerimento.

3 - É o seguinte o teor das normas pertinentes:

Decreto-Lei 215/89, de 6 de Julho:

"Artigo 2.º

Regime transitório geral

1 - São mantidos nos termos em que foram concedidos, com as necessárias adaptações, os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido até 31 de Dezembro de 1988 ou aqueles que, tendo sido objecto de decisão em data posterior, forem reportados a 31 de Dezembro de 1988, nos termos do n.º 5, sendo de observar o seguinte:

a) Os benefícios fiscais que se traduziam em aumento de custos, designadamente a aceleração de reintegrações e amortizações ou em deduções ao lucro tributável, efectivam-se em sede de IRS ou de IRC nos termos da legislação que lhes era aplicável;

b) Os benefícios fiscais que se traduziam em isenções dos impostos parcelares e do imposto complementar correspondente convertem-se em isenção dos respectivos rendimentos em sede de IRS ou de IRC;

c) As isenções de imposto de mais-valias convertem-se em exclusão dos respectivos ganhos para apuramento do rendimento ou lucro tributável em IRS ou em IRC;

d) As isenções de contribuição predial concedidas às entidades referidas no artigo 50.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais anteriormente à data da entrada em vigor do presente diploma são convertidas em isenções da contribuição autárquica, com as necessárias adaptações;

e) Os benefícios fiscais não compreendidos nas alíneas anteriores são substituídos por benefícios fiscais equivalentes mediante a aplicação de tabelas de conversão anexas ao Estatuto dos Benefícios Fiscais e que dele fazem parte integrante."

Lei 13/85, de 6 de Julho:

"Artigo 46.º

1 - O Governo promoverá o estabelecimento de regimes fiscais apropriados à mais adequada salvaguarda e ao estímulo à defesa do património cultural nacional que se encontra na posse de particulares.

2 - O regime fiscal especial dos bens classificados do património cultural compreenderá desde logo:

a) [...]

b) Dedução, para efeitos do imposto complementar, até 20% do rendimento global, das despesas de conservação, recuperação, restauro e valorização dos bens classificados e dos juros das dívidas contraídas para aquisição ou conservação de bens imóveis classificados;"

Decreto 29 604, de 16 de Maio de 1939, do Ministério da Educação Nacional, Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas Artes:

"Artigo 2.º

São classificados monumentos de interesse público os imóveis seguintes:

Distrito de Leiria:

Concelho de Peniche - Palácio da Serra de El-Rei."

4 - Em ordem a apreciar o presente recurso, importa fazer uma caracterização, necessariamente breve, do sistema fiscal português vigente no momento em que o benefício fiscal em apreço foi consagrado (1985) e o sistema fiscal oriundo da reforma de 1988, que consagrou a tributação do rendimento das pessoas singulares e a tributação do rendimento das pessoas colectivas, acabando com a dispersão sistemática dos benefícios fiscais até essa data existentes, eliminando-os na grande maioria dos casos.

O sistema fiscal vigente aquando da entrada em vigor da Lei 13/85, de 6 de Julho (lei do património cultural português), foi essencialmente delineado pela chamada reforma fiscal de 1958 a 1965, a qual embora concebida como um "início de uma reforma que culminaria na substituição do sistema dos impostos cedulares e imposto complementar pelo sistema do imposto único de rendimento" (Teixeira Ribeiro, in A Reforma Fiscal, Problemas da Reforma Fiscal, Coimbra Editora, 1989, p. 121) se baseava ainda na tributação do rendimento em impostos cedulares.

Com efeito, entre 1958 e 1965, assistiu-se à promulgação de diversos códigos fiscais, criando impostos que tributavam o rendimento de forma parcelar, tributação essa que era corrigida por um imposto de sobreposição, o imposto complementar, criado provisoriamente em 1928. Nesta reforma, por oposição ao princípio da tributação de valores normais que havia sido adoptado em 1929, optou-se pela tributação de valores reais.

Com o decurso do tempo, tal sistema fiscal foi-se tornando de um arcaísmo cada vez mais notório, sobretudo se comparado com as tendências contemporâneas dos sistemas fiscais dos países mais desenvolvidos, tendo-se forjado um largo consenso nacional sobre a necessidade de o substituir, consenso que assumiu relevo na própria Constituição de 1976.

Como salienta Luís Máximo dos Santos, in Fisco, n.º 99-100, "A reforma da tributação do rendimento de 2000: o reforço do carácter unitário do IRS e a tributação das mais-valias mobiliárias", pp. 24 e 25, "desde 1976 que a Constituição da República consagra o imperativo de que o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares deve ser único e progressivo e deve visar a diminuição das desigualdades. O cumprimento desse imperativo constitucional foi, aliás, um dos objectivos fundamentais da reforma fiscal de 1988-89.

Com efeito, a essência da reforma traduziu-se na adopção do modelo do imposto único sobre o rendimento, isto é, na adopção de um sistema de tributação global, caracterizado pela sujeição, em princípio, da totalidade dos rendimentos individuais a uma única tabela de taxas escalonadas em progressividade".

Na realidade, para satisfazer as necessidades financeiras do Estado e a repartição justa dos rendimentos e da riqueza, realizando tais objectivos e, muito em especial, o Estado social, estabeleceu-se a progressividade do sistema fiscal, com o propósito de contribuir para diminuir a desigualdade na distribuição social dos rendimentos e da riqueza, corolário do princípio da igualdade material.

Ora, com as finalidades de unificar os inúmeros benefícios fiscais dispersos por volumosa legislação, de definir um conjunto de regras comuns aos benefícios e garantir uma maior transparência e conhecimento aos contribuintes da respectiva situação tributária, a reforma fiscal de 1988 procedeu, na linha de anteriores estudos, designadamente o projecto de Alberto Xavier e Sousa Franco (Estatuto dos Benefícios Fiscais - Esboço de Um Projecto, Lisboa, 1969), à concentração dos benefícios fiscais num diploma: o Estatuto dos Benefícios Fiscais, que viria a ser aprovado pelo Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho.

A Lei 8/89, de 22 de Abril, que autorizava o Governo a legislar em matéria de benefícios fiscais em sede de IRS, de IRC, de CA e de imposto sobre sucessões e doações, fixou como um dos princípios fundamentais na concessão de benefícios fiscais em sede destes impostos o relevante interesse público, designadamente de natureza económica, social, cultural ou humanitária, estabelecendo desde logo e, por um lado, um regime transitório que salvaguardasse, com as necessárias adaptações, os benefícios fiscais cujo direito tinha sido adquirido até à data da entrada em vigor dos diplomas criadores de benefícios fiscais em sede de IRS, IRC e Contribuição Autárquica e, por outro, a noção legal de direitos adquiridos (cf. artigos 2.º, n.º 2, e 3.º, n.os 2 e 3).

O relevante interesse público vai assim ser determinante na decisão sobre a manutenção dos benefícios fiscais cujo direito tivesse sido adquirido anteriormente a 1 de Janeiro de 1989, ficando automaticamente extintos, com a entrada em vigor do EBF, os benefícios fiscais concedidos/reconhecidos pela administração fiscal.

Aliás, esta ideia chave de eliminação de benefícios fiscais ou, dito de outro modo, da excepcionalidade dos benefícios fiscais, aliada ao respectivo carácter temporário (cf. preâmbulo do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho), tem vindo a marcar o sistema fiscal português da actualidade, o que pode constatar-se também na reforma fiscal de 2000, aprovada pela Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que elegeu como um dos princípios fundamentais em sede de benefícios fiscais a sua concentração em duas grandes áreas: a poupança e o investimento em habitação (cf. 1.º Relatório Intercalar sobre Algumas Medidas de Aprofundamento e Desenvolvimento da Reforma Fiscal da ECORFI - Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal, Ministério das Finanças, Junho, 2000).

5 - Este Tribunal foi já chamado a pronunciar-se sobre a suspensão de benefícios fiscais (concedidos para fomentar o investimento na subscrição de acções e outros valores mobiliários), tendo concluído pela não inconstitucionalidade das normas que impunham tal suspensão.

Assim, o Acórdão 1006/96, de 8 de Outubro, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º vol., p. 166, e o Acórdão 1204/96, de 27 de Novembro, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º vol., p. 139, destacando-se deste último o seguinte trecho:

"Por sua vez, o Decreto-Lei 321/87, a coberto da autorização concedida pelo n.º 3 do artigo 44.º da Lei 49/86, determinou a suspensão dos incentivos fiscais que o diploma de 1986 concedera, o que fez em nome da estabilidade dos mercados (primários e secundários de títulos) assim intentando responder à conjuntura, reequilibrando oferta e procura.

A curta nota preambular daquele decreto-lei reflecte a preocupação do legislador: Considerando a conjuntura da procura nos mercados primários e secundários de títulos e tendo em atenção a diversidade de incentivos fiscais dirigidos à sua compra ou subscrição, impõe-se, do ponto de vista da estabilidade daqueles mercados, suspender por ora os benefícios fiscais em vigor.

Significa o exposto - e é essa a conclusão que se pretende agora formular - ter a suspensão obedecido a motivações não fiscais (extrafiscais) resultantes da ponderação de interesses eventualmente colidentes, não situados todos eles, integralmente, no campo da fiscalidade. O que vale dizer que o legislador, seja ao criar os benefícios, seja a suspendê-los, não actuou arbitrariamente, antes ponderou e justificou-se por razões de ordem económico-financeira e social, de interesse público."

Ora, a reforma fiscal de 1988, e no que concerne aos benefícios fiscais, teve claramente um propósito de os reduzir consideravelmente.

Com efeito, e nas palavras do presidente da Comissão da Reforma Fiscal de então, Paulo de Pitta e Cunha, in A Reforma Fiscal, Bases da Reforma - Exposição de Motivos do Projecto de Reforma Fiscal (Parte Geral), Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1989, pp. 96 e 97:

"Um dos aspectos mais criticáveis do actual sistema português é a multiplicidade e dispersão dos benefícios fiscais que prevê, os quais, além de constituírem um dos mais evidentes factores da instabilidade dos regimes legais e da sua falta de coerência, afectam de modo muito relevante o princípio da igualdade e originam vultosas perdas de receita, sem cabal justificação ou eficácia económico-social, e acentuadas distorções das regras de funcionamento normal da vida económica.

Na verdade, posto que visando operar selectivamente para influenciar a afectação de recursos, têm consequências negativas no plano da equidade, causando desperequações na distribuição da carga do imposto sobre o rendimento entre os diferentes sujeitos passivos, além de levarem à erosão da base de incidência pelo alargamento do campo das 'despesas fiscais' em que se traduzem.

Mais toleráveis nos sistemas cedulares, onde só reduzem a carga do imposto parcelar em que se aplicam, os incentivos entram, assim, em conflito, com o objectivo central da distribuição equitativa da carga do imposto: daí que devam ser outorgados apenas em casos excepcionais e rigorosamente justificados, como excepções que são às regras de equidade.

[...]

A ampla reestruturação em curso do nosso sistema tributário é uma oportunidade única para efectuar uma revisão profunda e exigente do regime legal dos benefícios fiscais, os quais deverão passar a revestir, obrigatoriamente, carácter excepcional, só devendo ser concedidos em casos de reconhecido e fundamentado interesse público e revestir sempre natureza genérica e temporária, não devendo, em regra, exceder cinco anos e não dispensando nunca a declaração dos rendimentos a que se aplicam, a fim de possibilitar a exacta determinação anual da despesa fiscal e a rigorosa avaliação da sua eficácia económico-social."

A norma do artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, que aprovou o EBF, ao consagrar um regime transitório para os benefícios fiscais cujo direito tivesse sido adquirido até 31 de Dezembro de 1988, fornecendo uma noção legal de direito adquirido para operacionalização dos benefícios fiscais a manter, apresenta-se como o produto de uma ponderação de interesses inseríveis na tutela da prossecução do bem comum que não se tem por constitucionalmente reprovável, decorrendo daquela margem de livre apreciação que a administração fiscal detém em sede de avaliação ou correcção da matéria colectável, de reconhecimento de benefícios e incentivos fiscais, desde que conjugadas ponderadamente segurança e protecção de confiança, por um lado, e prossecução do bem comum e eficiência funcional do sistema fiscal, por outro (cf. no mesmo sentido, Acórdão 1204/96 e Nuno Sá Gomes, in Ciência e Técnica Fiscal, Subsídios para a Revisão da Constituição Fiscal Portuguesa, n.º 381, p. 21).

Por outro lado, a protecção do património cultural português, em cuja lei se estabelecia o benefício fiscal em crise nos presentes autos, terá conhecido importantes desenvolvimentos na última década em Portugal, existindo vários incentivos de natureza económica ao investimento no sector, o que se poderá configurar como fundamento ou razão extra-fiscal adjuvante da extinção (não manutenção) do benefício em sede de IRS.

Diga-se ainda que a Lei 13/85, de 6 de Julho, foi revogada pela Lei 107/2001, de 8 de Setembro, que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural e prevê novas formas de colaboração entre os particulares e o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias e outros entes públicos na preservação, defesa e valorização do património cultural nacional, determinando no seu artigo 97.º que "a definição e estruturação do regime de benefícios e incentivos fiscais relativos à protecção e valorização do património cultural são objecto de lei autónoma", lei autónoma que até ao momento não entrou em vigor.

O recorrente invoca a violação do princípio da confiança por não poder deduzir as despesas efectuadas no imóvel classificado em sede de IRS relativo aos rendimentos auferidos no ano de 1996, contra riamente ao que sucedia em sede de imposto complementar, extinto desde 1 de Janeiro de 1989.

Ora, pelo menos desde a entrada em vigor da Lei 8/89, de 22 de Abril, lei de autorização legislativa ao Governo, os contribuintes deixaram de poder contar de forma segura com a manutenção da dedução fiscal resultante do artigo 46.º, n.º 2, alínea b), da Lei 13/85, em virtude da consagração de um regime transitório cujas linhas gerais logo ali ficaram definidas; passou a ser previsível que, a qualquer momento, o Governo utilizaria essa autorização legislativa.

Não pode, pois, colher a invocada violação do princípio da protecção da confiança quando em 1997, ao apresentar a declaração de rendimentos auferidos no ano de 1996, se pretende deduzir um benefício fiscal fixado para um imposto já extinto - o imposto complementar há, pelo menos, mais de sete anos, por inexistir, em termos absolutos, um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradouras.

Não tem, de resto, qualquer cabimento a invocação do Acórdão 410/95, de 28 de Junho, em que este Tribunal julgou inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 215/89, de 1 de Julho, por "violação do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito, interpretado no sentido de não salvaguardar o benefício fiscal que o artigo 14.º do Decreto-Lei 737-A/74, de 23 de Dezembro, concedia aos sócios de cooperativas de habitação económica, adquirido antes de 31 de Dezembro de 1988".

Com efeito, tratava-se aí de um benefício fiscal de carácter legalmente temporário (valendo, no máximo, durante três anos a contar daquele em que se verificou a entrada do capital social), sucedendo que a extinção do benefício, ocorrido durante esse período, frustrara as expectativas dos investidores que, tendo procedido àquela entrada de capital no momento em que o benefício vigorava, não podiam razoavelmente contar que aquele lhes fosse retirado.

No caso em apreço, o benefício fiscal resultava apenas da lei, não tinha fonte internacional, nem contratual, não se encontrando condicionado e muito menos atribuído temporariamente. E não se mostra violado o princípio da protecção da confiança, na medida em que era previsível a extinção do benefício consagrado em sede de imposto complementar a partir, quer da extinção do próprio imposto complementar a que estava indissociável e funcionalmente ligado, quer da entrada em vigor da lei de autorização legislativa ao Governo em matéria de benefícios fiscais, quer da entrada em vigor do próprio Estatuto dos Benefícios Fiscais em 1989, sendo certo que à data em que as despesas foram efectuadas já há muito se tinham verificado tais alterações legislativas.

6 - É igualmente incontroverso que a norma em causa, na interpretação que lhe foi dada, não viola o princípio da igualdade, uma vez que todos os contribuintes que se encontravam na situação do recorrente mereceram o mesmo tratamento.

Só isso se não verificou para aqueles que efectuaram despesas idênticas às que o recorrente pretendeu deduzir no rendimento colectável anteriormente à extinção do benefício fiscal.

Mas não há qualquer norma ou princípio constitucional que, face às mutações do ordenamento jurídico, obste a que se dê tratamento diverso - mais ou menos favorável aos interesses particulares em causa - a situações idênticas ocorridas antes ou depois da ocorrência dessas mutações.

7 - Finalmente, quanto à alegada colaboração do recorrente na protecção e valorização do património cultural - a propósito do qual vem invocado, certamente por lapso, um preceito constitucional que não existe [artigo 2.º, alínea c) (?)] - basta contrapor que nada na Constituição vincula o Estado a "premiar" essa colaboração com benefícios fiscais.

8 - Decisão. - Pelo exposto, e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.

Lisboa, 10 de Outubro de 2002. - Artur Maurício - Maria Helena Brito - Luís Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2079080.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1939-05-16 - Decreto 29604 - Ministério da Educação Nacional - Direcção Geral do Ensino Superior e das Belas Artes

    Classifica monumentos nacionais e de interêsse público vários imóveis em diversos distritos - Desclassifica o chafariz da Rua de S. Domingos, da cidade do Pôrto, considerado imóvel de interêsse público pelo Decreto n.º 28536 - Manda inventariar vários móveis nos distritos de Évora e Lisboa.

  • Tem documento Em vigor 1974-12-23 - Decreto-Lei 737-A/74 - Ministério do Equipamento Social e do Ambiente - Secretaria de Estado da Habitação e Urbanismo

    Prevê diversas modalidades de auxílio às cooperativas de habitação de interesse social, que passarão a usar da designação de «cooperativas de habitação económica».

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-06 - Lei 13/85 - Assembleia da República

    Aprova a lei do património cultural português. Dispõe sobre as formas e regime de protecção do património cultural (classificacão de bens imóveis e móveis e seus regimes específicos e ainda regime do património arqueológico), sobre o fomento da conservação e valorização do património cultural, bem como sobre as garantias e sanções aplicáveis.

  • Tem documento Em vigor 1986-12-31 - Lei 49/86 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 1987.

  • Tem documento Em vigor 1987-08-28 - Decreto-Lei 321/87 - Ministério das Finanças

    Suspende, com efeitos a partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 49/86, de 31 de Dezembro, os benefícios fiscais estabelecidos para a compra ou subscrição de acções e de certificados de fundo de investimento mobiliário.

  • Tem documento Em vigor 1989-04-22 - Lei 8/89 - Assembleia da República

    Autoriza o governo a legislar em matéria de benefícios em sede de IRS, de IRC, de ca e de imposto sobre as sucessões e doações.

  • Tem documento Em vigor 1989-07-01 - Decreto-Lei 215/89 - Ministério das Finanças

    Aprova o estatuto dos benefícios fiscais e altera os Códigos de IRS e de IRC.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-29 - Lei 30-G/2000 - Assembleia da República

    Reforma a tributação do rendimento e adopta medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, o Estatuto dos Benefícios Fiscais, a Lei Geral Tributária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e legislação avulsa.

  • Tem documento Em vigor 2001-09-08 - Lei 107/2001 - Assembleia da República

    Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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