Decreto-Lei 330/84
de 15 de Outubro
Dez anos volvidos sobre o período imediatamente posterior a 25 de Abril de 1974, é possível um juízo distanciado e sereno sobre actos que, justificados pelos seus autores numa perspectiva revolucionária, carecem de justificação à luz dos direitos fundamentais que precisamente a revolução consagrou e hoje constituem património inalienável dos Portugueses.
Estão nesse caso os actos de saneamento administrativo e discricionário de militares a quem não foi reconhecido o direito de defesa ou sequer de prévia audição.
Há que, embora tardiamente, reparar essa violação de um direito fundamental tão caro à civilização de que Portugal se orgulha, tanto mais que, noutros domínios, idênticas reparações foram sendo efectivadas.
A reparação consiste, em sucinto resumo, na outorga da faculdade de revisão da situação militar, com eventual alteração da mesma, à luz da reconstituição possível da sua evolução presumível, dentro de certos juízos, condicionalismos e limites realistas (mormente o facto inapagável de uma década de ausência da vida militar activa), no pressuposto da sua não interrupção provável, se não fora o acto de saneamento em causa.
O processo de solução do problema não cria mecanismos e procedimentos de excepção, seguindo ao contrário trâmites idênticos aos estabelecidos nos estatutos e regulamentos militares.
Com inteira lógica, em caso de morte ou incapacidade do titular do direito pode este ser exercido pelo respectivo cônjuge ou herdeiro legal de grau de parentesco mais próprio, com legitimidade emergente do direito à outorga da pensão, em alguns casos, e, sempre, do interesse moral na reabilitação da memória do familiar.
Espera-se que esta reparação contribua para o reforço da pacificação da família portuguesa, pondo termo a ressentimentos que só a subsistência de situações injustas 10 anos volvidos alimenta ainda.
Nestes termos:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
(Âmbito de aplicação)
1 - Aos militares dos quadros permanentes dos 3 ramos das Forças Armadas afastados da situação de activo ao abrigo das disposições dos Decretos-Leis 178/74, de 30 de Abril, 309/74, de 8 de Julho, 648/74, de 2 de Dezembro, 147-C/75, de 21 de Março e 383/75, de 22 de Junho, é reconhecida a faculdade de requererem a revisão da sua situação militar, com vista à sua eventual alteração com reconstituição da respectiva carreira.
2 - Em caso de morte ou incapacidade do titular de direito, igual capacidade é reconhecida ao cônjuge ou, na sua falta, ao herdeiro legal de grau de parentesco mais próximo, preferindo, em igualdade de circunstâncias, o mais velho.
3 - O requerimento, dirigido ao Chefe do Estado-Maior do ramo a que o militar pertence, deve ser apresentado no prazo de 90 dias, a contar da data da entrada em vigor do presente diploma.
Artigo 2.º
(Efeitos da revisão da situação militar)
A revisão da situação militar, quando deferida, produz os seguintes efeitos:
a) Cancelamento, em todos os documentos militares, do registo de mudança de situação resultante da aplicação dos diplomas referidos no n.º 1 do artigo 1.º;
b) Reconstituição da carreira militar do requerente, tendo em atenção o disposto nos artigos 3.º e 4.º;
c) Direito à contagem, como tempo de serviço, do tempo decorrido entre a data da mudança de situação e a de produção de efeitos da decisão que ordenar a revisão, para todos os efeitos, designadamente antiguidade, promoções e cálculo das pensões de reserva, de reforma e de sobrevivência, não dando, porém, lugar ao pagamento de quaisquer retroactivos;
d) Assunção pelo Estado do encargo de pagamentos das quotas e diferença de quotas devidas à Caixa Geral de Aposentações e relativas ao período de tempo a que se refere a alínea anterior.
Artigo 3.º
(Apreciação e revisão da situação militar)
1 - A apreciação e a consequente revisão da situação militar, referida no n.º 1 do artigo 1.º, excepto para oficiais generais, deve processar-se do modo seguinte:
a) Os requerimentos são informados e apreciados de acordo com os critérios previstos nos estatutos e demais legislação de cada ramo, no que se refere às qualidades pessoais, intelectuais e profissionais do requerente, bem como do sistema de promoções;
b) Quando, no decorrer da apreciação referida, se suscitarem dúvidas quanto ao comportamento militar e civil, espírito militar e qualidades morais do requerente, o Chefe do Estado-Maior do ramo, nos termos previstos no Regulamento de Disciplina Militar, decide após parecer do Conselho Superior de Disciplina.
2 - Após parecer dos órgãos de apreciação e consulta de cada um dos ramos e, eventualmente, dos conselhos superiores de disciplina, conforme os casos referidos no número anterior, o Chefe do Estado-Maior do ramo decide, através de despacho individual, quanto à reconstituição da carreira militar, nomeadamente no que se refere a promoções e mudanças de situação.
Artigo 4.º
(Reconstituição da carreira)
1 - A reconstituição da carreira militar, tendo sempre em consideração a respectiva idade, faz-se por referência à carreira dos militares à sua esquerda à data em que mudou de situação e que foram normalmente promovidos aos postos imediatos, observando-se, porém, as disposições contidas nas alíneas seguintes:
a) O militar que regressar à situação do activo reocupará o seu lugar na escala do respectivo quadro, depois de ter realizado com aproveitamento os cursos, concursos, estágio ou tirocínios que constituam condição de promoção aos postos por que transita ou a que ascende;
b) O militar que permanecer na situação de reserva fora da efectividade de serviço, a seu pedido ou por ter atingido o limite de idade estabelecido para o seu posto e quadro, é considerado como satisfazendo todas as condições especiais de promoção, com excepção dos cursos ou concursos que constituam condição de acesso a oficial;
c) O militar que, entretanto, haja transitado para a situação de reforma ou falecido será objecto de critério idêntico ao definido na alínea b).
2 - A reconstituição da carreira não pode, em circunstância alguma, ultrapassar o posto de capitão-de-mar-e-guerra ou de coronel.
Artigo 5.º
(Oficiais generais)
1 - A revisão da situação militar dos oficiais generais compete aos conselhos superiores dos ramos, para os fins previstos nas alíneas a) e c) do artigo 2.º, não devendo, no entanto, em caso algum, ser considerada a possibilidade de promoção ou de regresso à situação de activo.
2 - Os militares a que se refere o número anterior que obtenham deferimento do pedido de revisão da sua situação militar passam à situação de reserva na data em que atingirem o limite de idade estabelecido para o seu posto ou, não o tendo atingido, na data referida no artigo 8.º
Artigo 6.º
(Situação perante os quadros)
Os militares que regressem à efectividade de serviço na situação de activo são considerados na situação de supranumerários permanentes até que, por razões de idade, transitem para as situações de adido ao quadro ou de reserva, ou solicitem a passagem a esta última situação.
Artigo 7.º
(Passagem à reserva a pedido)
Sem prejuízo dos efeitos da revisão previstos no presente diploma, deve ser concedida a passagem à situação de reserva a partir da data referida no artigo 8.º, se outra anterior não for indicada pelo requerente, a todos os militares que o solicitem no respectivo requerimento.
Artigo 8.º
(Produção de efeitos)
1 - Os efeitos da decisão que conceder a revisão da situação militar com reconstituição da carreira, relativamente ao pagamento de vencimentos ou pensões, são reportados ao dia 1 do mês seguinte ao da publicação do presente diploma.
2 - Os militares reformados terão as respectivas pensões rectificadas a partir da mesma data, tomando por base a pensão de reserva que lhes competir à data em que a passagem a essa situação for considerada por motivo da revisão da sua situação militar.
Artigo 9.º
(Recursos)
Das decisões proferidas no âmbito das disposições previstas no presente diploma cabe apenas recurso contencioso com fundamento de ilegalidade.
Artigo 10.º
(Disposições complementares)
O Chefe do Estado-Maior de cada ramo das Forças Armadas, até ao termo do prazo previsto no n.º 3 do artigo 1.º, deve, mediante despacho, determinar os procedimentos necessários à apreciação, pelos respectivos serviços, do disposto no presente diploma.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 13 de Setembro de 1984. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - Alípio Barrosa Pereira Dias.
Promulgado em 3 de Outubro de 1984.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 8 de Outubro de 1984.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.