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Relatório 37/2001, de 29 de Agosto

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Texto do documento

Relatório 37/2001. - Relatório de actividade de 2000. - Apresentação. - Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 13.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, vem o Conselho da Concorrência apresentar o seu relatório de actividade de 1999 ao ministro responsável pela área do comércio.

O presente relatório de actividade é o 16.º desde que o Conselho iniciou a sua actividade e será, como os anteriores, publicado no Diário da República, 2.ª série, contendo, em anexo, as decisões proferidas pelo Conselho.

Nota introdutória

O Conselho da Concorrência criado, em 1983, pelo Decreto-Lei 422/83, veio a manter quase intocada a sua composição e competência com o Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, que constitui, hoje, o diploma regulador da concorrência.

Trata-se de um órgão independente da Administração, com isso se visando a necessária certeza e segurança na aplicação das regras sobre concorrência, único meio de criar e manter a segurança por parte dos agentes económicos, elemento fundamental para o desenvolvimento económico em economia do mercado.

A sua competência é vasta indo desde a decisão de processos relativos às práticas restritivas da concorrência até à aplicação de coimas pela violação dessas normas, passando pelos pareceres pedidos pelo Ministro da Economia.

As decisões do Conselho da Concorrência são assim um elemento importante de natureza doutrinária que contribuiu para a transparência das regras a que estão submetidos os agentes económicos.

Para facilitar essa tarefa o Conselho da Concorrência é obrigado, nos termos da lei, a publicar um relatório anual onde constem essas decisões.

Em relatórios anteriores temos vindo a alertar para algumas implicações e para a necessidade de intervir legislativamente nesta área de concorrência, pelo que não vamos repetir aqui o que já está dito.

De resto, como é patente em declarações públicas, os membros do Governo competentes nesta matéria estão conscientes de tal necessidade.

Cabe, no entanto, dentro da mesma linha chamar a atenção para o facto de a eventual substituição do Regulamento 17/62, da Comissão, com a descentralização da aplicação do direito comunitário trazer responsabilidades acrescidas às autoridades nacionais de concorrência.

O Presidente, José Anselmo Dias Rodrigues, juíz conselheiro.

CAPÍTULO I

Actividade do Conselho da Concorrência

a) Sessões do Conselho

Durante o ano de 2000 o Conselho reuniu 14 vezes, perfazendo 456 sessões desde o início da sua actividade.

b) Processos de contra-ordenação

Em 2000 foram submetidos ao Conselho, após conclusão da instrução pela Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência, dois processos de contra-ordenação.

As decisões proferidas foram cinco, sendo quatro relativas a processos pendentes em 31 de Dezembro de 1999.

QUADRO RESUMO

Pendentes em 31 de Dezembro de 1999 ... Recebidos em 2000 ... Decididos em 2000 ... Pendentes em 31 de Dezembro de 2000

7 ... 2 ... 5 ... 4

c) Processos de apreciação prévia

Em 2000 deram entrada no Conselho três requerimentos de avaliação prévia, os quais, bem como um dos pendentes em 1999, aguardavam, em 31 de Dezembro de 2000, a conclusão da instrução. Tendo, num dos referidos processos, sido apresentado um pedido de validade provisória das práticas sujeitas a avaliação, foi proferida pelo Conselho uma decisão de indeferimento.

QUADRO RESUMO

(ver documento original)

d) Processos de controlo de concentração de empresas

Durante o ano de 2000 deu entrada no Conselho um processo de concentração de empresas, tendo sido emitido parecer nos termos do artigo 33.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

Notificante neste processo foi:

LACTOGAL - Produtos Alimentares, S. A.

e) Decisões judiciais proferidos em recurso das decisões do Conselho

Por sentenças datadas de 16 de Outubro, o Tribunal do Comércio de Lisboa considerou prescrito o procedimento contra-ordenacional contra as arguidas nos processos de contra-ordenação n.os 3/98 e 2/99, CENTRALCER - Central de Cervejas, S. A., e UNICER - União Cervejeira, respectivamente. De ambas as sentenças foi interposto recurso pelo Ministério Público

f) Relações com outras entidades

1 - Nacionais

Em cumprimento do disposto no artigo 27.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, o Conselho enviou ao Ministro da Economia e à Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência cópia das decisões proferidas.

2 - Comunitárias e de países comunitários

O Conselho participou nas "Jornadas de Concorrência" organizadas pela Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência no âmbito da Presidência Portuguesa da Comunidade Europeia.

A participação do Conselho teve lugar, quer nas sessões dedicadas ao tema da relação entre Autoridades Nacionais de Concorrência e Entidades Reguladoras Sectoriais, quer no "Dia Europeu da Concorrência", realizado pela primeira vez, durante a presidência portuguesa, em parceria com a Comissão Europeia, e cujo objectivo se centrou, genericamente, na informação dos consumidores sobre as vantagens para eles decorrentes de uma eficaz aplicação da política da concorrência.

Em Friburg, Alemanha, foi organizado pela Comissão e Parlamento Europeus uma conferência sobre a "Reforma da Aplicação da Lei Comunitária pelas Autoridades Nacionais da Concorrência".

Na mesma área de análise, tendo particularmente em vista o conhecimento recíproco das várias autoridades nacionais da concorrência, com o objectivo de estabelecer a melhor cooperação entre estas, foi organizado, em Roma, um encontro informal, pela Autoritá Garante della Concorrenza e del Mercato.

Em todas as sessões o Conselho da Concorrência se fez representar, o mesmo se verificando em Bruxelas, onde teve lugar uma reunião de Directores-Gerais da Concorrência da União Europeia e de Presidentes dos Conselhos da Concorrência, na qual foram abordados os temas tais como: "Modernização: Projecto de Regulamento", "Revisão do Regulamento das Concentrações", "Política de Não-Imposição de Multas", "Concorrência no Sector do Petróleo" e "Forum Internacional da Concorrência".

3 - De países não comunitários

Ainda no âmbito da União Europeia, mas, desta vez, de acordo com o programa de visita da União Europeia - EUVP - destinado a jovens dirigentes de países exteriores, foi recebido pelo Presidente o Dr. Kamal Shehadi, do Ministério da Economia e Comércio do Líbano, tendo-lhe sido dados a conhecer os aspectos essenciais da legislação portuguesa de comércio, bem como da estrutura e funcionamento do Conselho.

No tocante aos trabalhos realizados em colaboração com países exteriores à Comunidade Europeia, merece particular relevo o I Encontro Luso-Brasileiro sobre Direito da Concorrência, organizado pelo Conselho da Concorrência de Portugal e pelo CADE - Conselho Administrativo de Defesa Económica do Brasil, no âmbito do Protocolo de Cooperação Técnica entre o Conselho da Concorrência, a Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência e o Conselho Administrativo de Defesa Económica - CADE. Este encontro verificou-se por ocasião das Comemorações dos quinhentos anos do descobrimento do Brasil, e teve em vista a divulgação do direito da concorrência e o aprofundamento do conhecimento recíproco dos respectivos ordenamentos jusconcorrenciais.

De salientar, também, o facto de ter sido recebida pelo Presidente uma delegação do Gabinete Anti-Monopólio - entidade que tem a seu cargo, na República Eslovaca, a instrução e decisão de processos na área da concorrência, encabeçada pelo respectivo Presidente.

No decurso da reunião foi feito o confronto entre a organização e competências da referida entidade e as do Conselho, tendo sido, igualmente, comparadas disposições essenciais de direito substantivo dos dois ordenamentos jusconcorrenciais.

g) Alterações legislativas

Criação dos tribunais de comércio

A Lei 3/99, de 13 de Janeiro, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, instituiu os tribunais de comércio no âmbito dos tribunais de competência especializada.

Nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 89.º dessa lei, compete aos tribunais de comércio julgar "os recursos das decisões do Conselho da Concorrência referidas no n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, e os recursos das decisões do Conselho da Concorrência [...], em processo de contra-ordenação, nos termos do artigo 38.º do mesmo diploma".

CAPÍTULO II

I - Índice de textos de carácter doutrinário incluídos nos relatórios de actividade do Conselho

A

Abuso de dependência económica - RA93 p. 18.

Abuso de posição dominante - nexo de causalidade - RA96 p. 13.

Agente económico (Conceito de) - RA84/85 p. 13.

Âmbito de aplicação do Decreto-Lei 422/83:

Contrato de agência e regras de concorrência - RA87 p. 12.

Os transportes - RA87 p. 13.

A Administração Central face ao diploma - RA88 p. 13.

Associações patronais como associações de empresas - RA88 p. 14.

O regime das antigas coligações - RA88 p. 15.

Âmbito material de aplicação do Decreto-Lei 422/83 - RA89 p. 11.

Aplicação do Decreto-Lei 422/83 aos diversos sectores da actividade económica - RA84/85 p. 12.

(O) artigo 36.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei 422/83 e o conceito de administração central, regional e local - RA91 p. 12.

Associações de empresas (O direito da concorrência e as) - RA92 p. 15.

Atribuições e competências do Conselho - RA84/85 p. 13.

B

Balanço económico e ónus da prova - RA88 p. 21.

C

Coligações (O regime das antigas) - RA88 p. 15.

Competências (Atribuições e competências do Conselho) - RA84/85 p. 13.

Comportamentos considerados restritivos da concorrência - RA84/85 p. 16.

Conceito de agente económico - RA90 p. 11.

Constitucionalidade das normas que atribuem ao Conselho da Concorrência competência para decidir os processos relativos a práticas restritivas da concorrência e aplicar coimas e à Direcção-Geral de Concorrência e Preços competência instrutória - Acórdão 158/92 do Tribunal Constitucional - RA92 p. 14.

Contratos de distribuição (Requisitos formais dos) - RA92 p. 18.

(O) controle prévio previsto na Portaria 820/84 - RA87 p. 15.

Culpa (Ilicitude e culpa na aplicação do Decreto-Lei 422/83) - RA84/85 p. 15.

D

(A) declaração provisória de validade - RA96 p. 13.

(A) delimitação do mercado relevante - RA87 p. 16.

Denunciante (A posição do denunciante no processo de contra-ordenação) - RA89 p. 16.

Dependência económica (Abuso de) - RA93 p. 18.

(O) direito da concorrência e as associações de empresas - RA92 p. 15.

(O) direito da concorrência e o direito das obrigações - RA92 p. 16.

Distribuição (Sistemas de) - RA88 p. 17.

Distribuição exclusiva e dependência económica - RA92 p. 17.

Distribuição selectiva (Evolução em matéria de) - RA97 p. 12.

E

(A) estrutura das infracções anticoncorrenciais - RA88 p. 19.

Empresa (A noção de empresa e aplicação do Decreto-Lei 422/83 aos institutos públicos) - RA91 p. 11.

Evolução em matéria de distribuição selectiva - RA97 p. 12.

F

Factos delituais (A qualificação jurídica dos) - RA88 p. 18.

Factos supervenientes - RA88 p. 20.

Futebol, Televisão e Concorrência - RA97 p. 12.

H

(A) harmonização das políticas da concorrência nacional e comunitária - RA86 p. 27.

I

Ilicitude e culpa na aplicação do Decreto-Lei 422/83 - RA84/85 p. 15.

Imagem (Marca e imagem comercial) - RA89 p. 18.

Infracções (A estrutura das infracções anticoncorrenciais) - RA88 p. 19.

Institutos públicos (A noção de empresa e a aplicação do Decreto-Lei 422/83 aos institutos públicos) - RA91 p. 11.

Intervenção do Conselho em operações de concentração - RA95 p.

Isenção (Requisitos da isenção prevista no artigo 15.º, n.º 1, e ónus da prova) - RA92 p. 18.

M

Marca e imagem comercial - RA89 p. 18.

Mercado relevante (A delimitação do) - RA87 p. 15.

N

(A) nacionalidade das empresas e o território em que é praticada a infracção e no qual produz efeito - RA91 p. 13.

(A) noção de empresa e a aplicação do Decreto-Lei 422/83 aos institutos públicos - RA91 p. 11.

Noção de prática concertada - RA89 p. 20.

O

Objectivos do Decreto-Lei 422/83 - RA87 p. 11.

Objectivos da lei de defesa da concorrência - RA84/85 p. 11.

Ónus da prova (Balanço económico e) - RA88 p. 21.

Ónus da prova (Requisitos da isenção do artigo 15.º, n.º 1, e) - RA92 p. 18.

P

Políticas da concorrência (A harmonização das políticas da concorrência nacional e comunitária) - RA86 p. 27.

(A) posição do denunciante no processo de contra-ordenação - RA89 p. 16.

Práticas comerciais restritivas (O sistema de controle de) - RA84/85 p. 14.

Prática concertada (Noção de) - RA89 p. 20.

Práticas proibidas (Suspensão de) - RA93 p. 14.

Preços (Recomendação colectiva de) - RA93 p. 19.

(A) prescrição do procedimento nas contra-ordenações anticoncorrenciais - RA92 p. 11.

Princípios basilares do processo de contra-ordenação - RA93 p. 11.

Proibição de práticas concertadas e a questão da prova - RA90 p. 13.

Prova (Proibição de práticas concertadas e a questão da) - RA90 p. 13.

Q

(A) qualificação jurídica dos factos delituais - RA88 p. 18.

R

Recomendação colectiva de preços - RA93 p. 19.

Reenvio prejudicial (Utilização do mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 177.º do Tratado CEE) - RA86 p. 27.

Relações entre o Decreto-Lei 422/83 e outros diplomas legislativos - RA84/85 p. 12 e RA89 p. 14.

Relações entre o direito comunitário e o direito nacional - RA88 p. 16.

Relações entre o direito nacional e o direito comunitário da concorrência - RA86 p. 25.

Requisitos da isenção prevista no artigo 15.º, n.º 1, e ónus da prova - RA92 p. 18.

Requisitos formais dos contratos de distribuição - RA92 p. 18.

S

Sanções pecuniárias (A utilização de) - RA88 p. 22.

(O) sistema de controle de práticas comerciais restritivas - RA84/85 p. 14.

Sistemas de distribuição - RA88 p. 17.

Suspensão de práticas proibidas - RA93 p. 14.

Suspensão preventiva das práticas restritivas da concorrência - RA96 p. 11.

T

Território (A nacionalidade das empresas e o território em que é praticada a infracção e no qual produz efeito) - RA91 p. 13.

U

(A) utilização de sanções pecuniárias - RA88 p. 22.

Utilização do mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 177.º do Tratado CEE - RA86 p. 27.

ANEXO A

Composição do Conselho da Concorrência em 31 de Dezembro de 2000

Presidente - Juiz Conselheiro José Anselmo Dias Rodrigues.

Vogais:

Engenheiro José Álvaro Ubach Chaves Rosa.

Engenheiro Fernando Ivo Gonçalves.

Dr. Pedro Tavares Caldeira de Ordaz.

Dr. Victor João de Vasconcelos Raposo Ribeiro Calvete.

Dr. Miguel José Pinto Tavares Moura e Silva.

Dr.ª Carolina de Castro Nunes Vicente e Cunha.

Secretária - Dr.ª Maria Beatriz dos Santos Ferreira Giesteira.

Assessor jurídico - Dr. José Guerreiro Joaquim.

ANEXO B

Quadros sinópticos das decisões proferidas pelo Conselho em processos de contra-ordenação

I - Entre 1995 e 1999.

II - Em 2000.

Decisões proferidas pelo Conselho em processos de contra-ordenação

I - 1995-1999

(ver documento original)

II - 2000

(ver documento original)

ANEXO C

Textos das decisões proferidas pelo Conselho em 2000,

em processos de contra-ordenação

ANEXO C1

Processo 1/99 - Práticas anticoncorrenciais no mercado de produtos dietéticos e similares

O Conselho da Concorrência, no uso da competência atribuída pelo artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro;

Visto o processo de contra-ordenação registado sob o n.º 3/98, em 22 de Junho de 1998, na Direcção-Geral do Comércio e Concorrência:

Tem a ponderar os seguintes elementos de facto e de direito:

I - Os factos

A) Origem do processo

1 - O presente processo teve origem nas denúncias efectuadas junto da Direcção-Geral do Comércio e Concorrência (DGCC) pela NUTRIDIL - Comércio de Produtos Dietéticos, Lda., pela NND - Nutrição Natural e Dietética, Lda., pela Lobo & Filhos, Lda., e pela SOVEX - Sociedade Internacional de Víveres, Lda., em 7 de Novembro, 13 de Novembro, 3 de Dezembro de 1997 e 13 de Abril de 1998, sobre a existência de um apelo ao boicote de compra feito pela ADN - Associação de Dietéticos Nacionais aos retalhistas seus associados, por intermédio de uma carta assinada pelo presidente da direcção da ADN.

B) Identificação da arguida

2 - A ADN - Associação de Dietéticos Nacionais é uma associação de direito privado constituída por escritura de 23 de Junho de 1997, com sede em Lisboa, cujo fim principal consiste em "promover os interesses legítimos das empresas suas associadas" e na "promoção e valorização dos produtos dietéticos, tendo em conta as suas características específicas" (artigo 4.º, n.º 1, dos Estatutos da ADN).

3 - A ADN tem âmbito nacional e associa "empresas individuais ou colectivas de direito privado que se dediquem [...] a uma ou mais das seguintes actividades: fabrico, importação, exportação, distribuição ou venda ao público de produtos dietéticos" (artigo 5.º, n.º 1, dos Estatutos da ADN).

De acordo com o relatório da DGCC (ver nota 1), a ADN conta com 52 associadas, de um modo geral microempresas do tipo familiar, dispersas por todo o país, das quais:

38 são exclusivamente retalhistas;

1 é simultaneamente importadora e retalhista;

3 acumulam as actividades de produção e importação;

8 são apenas importadoras;

2 são exclusivamente produtoras.

4 - Constituem receitas da ADN os valores da jóia e das quotas pagas pelas empresas suas associadas, valores que variam em função da actividade (grossista ou retalhista) das empresas e da periodicidade (mensal, trimestral ou anual) do pagamento da quota.

Assim, as associadas retalhistas pagam uma jóia de 5000$00, variando a quota anual entre os 32 000$00 e os 36 000$00. As associadas grossistas pagam uma jóia de 10 000$00 e uma quota anual que oscila entre os 97 200$00 e 108 000$00.

Estes montantes terão conduzido, no ano de início de actividade da ADN (1997-1998), a um valor global de proveitos situado entre os 2 922 000$00 e os 3 210 000$00.

C) O comportamento da arguida

5 - Em 26 de Junho de 1997, a assembleia geral da ADN aprovou, ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 2, dos Estatutos da Associação, a criação de uma comissão de trabalho permanente intitulada Gabinete de Apoio aos Sócios.

De acordo com o referido artigo 9.º, n.º 2, "poderão ser criadas pela assembleia geral, ficando, no entanto, na dependência da direcção, comissões de carácter consultivo, cuja composição, funcionamento e duração serão da sua responsabilidade".

6 - Em 2 de Outubro de 1997, o Gabinete de Apoio aos Sócios reuniu com os sócios retalhistas nas instalações da ADN, tendo como ordem de trabalhos a apreciação da situação da venda de produtos dietéticos nas grandes superfícies.

Na reunião foi aprovada uma carta, dirigida genericamente aos comerciantes a retalho de produtos dietéticos, na qual se caracterizava como "grave situação" a circunstância de os produtos dietéticos estarem a ser colocados nas grandes superfícies e de estas os venderem ao público "a preços equiparáveis aos de revenda para os nossos estabelecimentos".

A perspectiva seria assim de "tempos bastante difíceis ", a menos que se verificasse uma união dos retalhistas de produtos dietéticos "numa acção de boicote conjunta relativamente às referidas empresas", que em seguida se identificavam como sendo:

SOVEX;

Bio-Hera (Lobo & Filhos, Lda.);

GEOVITA

DIESE;

SEARA;

Em Linha;

LISNATUR;

NND;

NUTRILATINA;

NOVARTIS;

Raízes da Natureza;

NUTRIDIL;

Martins & Costa;

A carta prosseguia apelando "à solidariedade e apoio" dos retalhistas "quer no sentido de divulgar o conteúdo desta carta, quer no sentido de boicotar a presença destas empresas " nas suas lojas, de modo a não serem obrigados a "fechar a porta" devido ao facto de os clientes "passarem a criar o hábito de comprar nos supermercados".

7 - Em 6 de Outubro de 1997, o presidente da direcção da ADN envia aos associados retalhistas, em papel timbrado da ADN, uma circular à qual vai anexa a carta aprovada pelo Gabinete de Apoio aos Sócios. Nessa circular, pode ler-se que "a Direcção da ADN subscreve integralmente o seu conteúdo (o conteúdo da carta) e manifesta todo o seu apoio aos retalhistas nesta luta".

8 - Em 13 de Maio de 1998, o Gabinete de Apoio aos Sócios aprova nova carta dirigida aos comerciantes retalhistas, na qual começa por dar conta das reacções à divulgação da carta anterior por parte da APARD - Associação Portuguesa de Alimentação Racional e Dietética (que se manifestou desfavorável ao boicote) e de algumas das empresas boicotadas [Bio-Hera (Lobo & Filhos, Lda.), NUTRIDIL e SOVEX]. Refere, nomeadamente, a acção judicial interposta pela SOVEX contra a ADN, contra o presidente da respectiva direcção e ainda contra "um retalhista que deu o nome na defesa da nossa causa".

A carta alerta ainda que a ausência de resposta a "ataques desta natureza" pode "abrir um precedente para que outras firmas coloquem produtos nas grandes superfícies (quem cala, consente) e, sem a ajuda de um profissional capaz para orientar o cliente, estarmos a denegrir a imagem dos nossos produtos", concluindo que "se os produtos dietéticos passarem a ser vendidos em hipermercados, os retalhistas sairão gravemente lesados".

9 - Na mesma data - 13 de Maio de 1998 -, o presidente da direcção da ADN envia, em papel timbrado da ADN, uma nova circular aos associados, anexando a nova carta do Gabinete de Apoio aos Sócios, através da qual o presidente da direcção da ADN entende "que se procura defender o interesse dos centros dietéticos e ervanárias face à venda dos produtos nas grandes superfícies". Na circular pode ainda ler-se que "a ADN entende que são os centros dietéticos e ervanárias o local próprio para venda dos produtos dietéticos com acção terapêutica".

D) As consequências do comportamento da arguida

10 - Os efeitos do comportamento da arguida sobre a actividade das empresas constantes da lista dos alvos do boicote constam do processo sob a forma de declarações dessas mesmas empresas e de documentos por elas fornecidos.

Saliente-se que, das 13 empresas constantes da lista, apenas 4 denunciaram a situação à DGCC - a NUTRIDIL, a NND, a Bio-Hera (Lobo & Filhos, Lda.), e a SOVEX. Terão, aparentemente, sido estas as empresas que mais acentuadamente sentiram os efeitos do boicote.

1) NUTRIDIL

11 - A NUTRIDIL - Comércio de Produtos Dietéticos, Lda., é uma sociedade comercial por quotas, com sede em Lisboa, com um capital social de 300 000$00 e cujo objecto social é o comércio por grosso de produtos dietéticos.

A NUTRIDIL declarou ter começado, em Setembro de 1997 (data da abertura do Centro Comercial Colombo), a fornecer sumos naturais ao Grupo Sonae. Segundo a NUTRIDIL, a divulgação da circular da ADN provocou uma diminuição no volume das encomendas provenientes dos centros dietéticos e ervanárias que se manteve até ao final do mesmo ano. A situação terá sido ultrapassada graças a um esforço de marketing pessoal junto dos clientes.

2) NND

12 - A NND - Nutrição Natural e Dietética, Lda., é uma sociedade comercial por quotas com sede na Serra das Minas (Rio de Mouro Sintra), com um capital social de 7 000 000$00, cujo objecto social é a importação, exportação, distribuição e comercialização de produtos e suplementos alimentares e dietéticos e de produtos de cosmética.

A NND declarou ter começado a comercializar os produtos alimentares em grandes superfícies em Setembro de 1997 (data da abertura do Centro Comercial Colombo), referindo que uma das razões para o fazer foi a de se encontrar no fim do primeiro ano de actividade e necessitar de aumentar o número de pontos de venda para os produtos que tinha dificuldades em colocar nos pontos de venda tradicionais. Acrescentou que, até então, os produtos alimentares não eram distribuídos aos centros dietéticos e ervanárias, dado que estes só encomendavam produtos naturais (suplementos alimentares e alimentos naturais).

Segundo a NND os efeitos da divulgação da circular pela ADN ainda se faziam sentir à data do auto de declarações (5 de Novembro de 1998), tendo alguns dos seus clientes reduzido significativamente as encomendas e outros mesmo suspendido as compras. A NND apoia esta afirmação com mapas de vendas relativos aos clientes cujas vendas sofreram uma quebra entre os anos de 1997 e 1998, e que são cerca de 42. Esclareceu ainda que muitos dos clientes faziam saber aos vendedores da NND que se recusavam a comprar a esta empresa por ela vender ao hipermercado Continente do Centro Comercial Colombo.

Refere ainda a NND que a situação assim gerada dificultou a conquista de novos clientes na fase em que se encontrava de início de actividade.

3) Bio-Hera (Lobo & Filhos, Lda.) (ver nota 2)

13 - A Lobo & Filhos, Lda., é uma sociedade comercial por quotas com sede em Vale Fetal, com um capital social de 1 500 000$00, cujo objecto social consiste na fabricação e comercialização de produtos naturais, dietéticos, macrobióticos e afins.

A Lobo & Filhos, Lda., declarou ter começado, em Setembro de 1997 (data da abertura do Centro Comercial Colombo), a fornecer os seus produtos ao Grupo Sonae, sendo que até então o fazia exclusivamente a retalhistas.

Após o apelo da ADN ao boicote por parte dos retalhistas do sector, a Lobo & Filhos, Lda., sofreu uma quebra significativa das suas vendas, em virtude de alguns clientes terem suspendido as encomendas, de outros terem reduzido acentuadamente o volume das mesmas e ainda por se terem rompido as negociações com novos clientes ao chegar a estes o conhecimento da circular da ADN. A empresa juntou ao processo uma relação dos 30 clientes que terão cessado ou reduzido o seu volume de compras.

A Lobo & Filhos, Lda., considera-se uma das principais visadas pelo boicote, uma vez que é a proprietária da marca Algalimão, a única expressamente mencionada na carta do Gabinete de Apoio aos Sócios (ver nota 3) anexa à circular da ADN.

4) SOVEX

14 - A SOVEX - Sociedade Internacional de Víveres, Lda., é uma sociedade comercial por quotas com sede em Lisboa, com um capital social de 15 000 000$00 que tem por objecto social o comércio de importação e exportação de géneros alimentícios, dedicando-se principalmente à importação e distribuição de produtos de cosmética natural, suplementos alimentares, produtos dietéticos, alimentares e biológicos e plantas medicinais. Já comercializava alguns produtos às grandes superfícies (grupo Auchan) antes do apelo ao boicote por parte da ADN, fornecendo igualmente centros dietéticos, ervanárias e algumas farmácias. Os produtos que terá colocado no hipermercado do Centro Comercial Colombo não serão mais que uma dúzia e são, na sua maioria, bolachas (ver nota 4).

A SOVEX afirmou ter registado efeitos negativos na sua actividade como consequência do comportamento da ADN, sobretudo no mês imediatamente a seguir à emissão da circular - circular da qual, segundo a empresa, terão sido igualmente distribuídas cópias a retalhistas não associados da ADN.

De salientar que a SOVEX tem pendente no tribunal da comarca de Lisboa uma acção judicial contra a ADN, João Mendes Teixeira (presidente da direcção) e João Crisóstomo (director do Gabinete de Apoio aos Sócios), pedindo a condenação dos réus no pagamento de uma quantia de 10 000 000$00, a título de indemnização por ofensa à reputação, imagem e bom nome comercial da SOVEX, bem como da quantia a apurar no decurso dos autos ou em execução de sentença, correspondente aos prejuízos de facturação sofridos pela SOVEX em consequência directa da carta da ADN.

5) As restantes empresas visadas pelo comportamento da ADN

15 - Quanto às restantes empresas constantes da lista de boicote e sobre as quais existe informação no processo (ver nota 5), a situação é a seguinte:

A Martins e Costa, Lda., já não está em actividade ((ver nota 6);

A LISNATUR - Importação e Distribuição de Produtos Naturais, Lda., afirma utilizar exclusivamente o canal de distribuição de grande consumo para exposição dos seus produtos e desconhecer completamente o apelo da ADN;

A Raízes da Natureza - Produtos Naturais, Lda., desconhecia totalmente a existência e o conteúdo da circular da ADN e não registou qualquer prejuízo no respectivo volume de negócios, dado os seus principais clientes serem supermercados e a "meia dúzia" de clientes que são centros dietéticos não haverem reagido a tal circular;

A DIESE, Produtos Dietéticos, Lda., afirma estar ao corrente da situação e ter reagido atempadamente, mas não especifica prejuízos sofridos; relembra apenas que a venda de produtos alimentares de nível dietético é livre e que quando a DIESE iniciou a sua actividade, há 40 anos, não existiam centros de dietética e que as ervanárias só vendiam plantas medicinais, razão pela qual a DIESE terá tido de "abrir o mercado" através dos supermercados; salienta ainda que as compras das lojas de dietética são muito limitadas e que uma só rede de distribuição adquire à DIESE, num ano, mais alimentos correntes e de nível dietético do que todas as lojas de produtos dietéticos existentes no País;

A Em Linha, Lda., considera que a circular da ADN não lhe causou quaisquer prejuízos ou diminuição de vendas e apenas um cliente terá afirmado directamente que deixava de fazer encomendas pelo facto de a Em Linha ter começado a vender para as grandes superfícies;

Finalmente, a NOVARTIS - Nutrição, Lda., apenas afirma ter conhecimento da existência da circular da ADN, não alegando quaisquer prejuízos.

E) O mercado dos "produtos dietéticos"

16 - De acordo com a caracterização elaborada pela DGCC (ver nota 7), o mercado onde operam quer os grossistas constantes da lista de boicote quer os retalhistas que o apelo da ADN toma por destinatários abrange, além dos produtos dietéticos propriamente ditos (ver nota 8), os suplementos alimentares, os produtos alimentares 100% naturais e os produtos à base de plantas. A título de exemplo, podem referir-se as bolachas, o arroz, a soja e as massas integrais, os sumos 100% naturais, o óleo de fígado de bacalhau, o concentrado de acerola, o concentrado de cenoura, o gérmen de trigo, as plantas medicinais destinadas a chás, etc.

Estes produtos são de venda livre e destinam-se, de um modo geral, a complementar a dieta alimentar com o objectivo principal de prevenir o surgimento de doenças. Pelas suas características e fins, constituem um mercado situado entre o dos produtos alimentares correntes e o dos medicamentos.

17 - Neste mercado, a oferta é assegurada por um elevado número de empresas maioritariamente importadoras, já que a produção nacional é diminuta. Apenas 11 das 131 empresas associadas da APARD - Associação Portuguesa de Alimentação Racional e Dietética e 5 das 52 associadas da ADN são produtoras. A importação é assegurada por 38 empresas associadas na APARD, por 12 associadas na ADN e ainda por 8 que integram a ANID - Associação Nacional da Indústria Dietética.

18 - A procura provém, tradicionalmente, de ervanárias, de alguns supermercados e dos centros dietéticos dispersos por todo o país (entre os quais se encontram a maioria dos associados quer da ADN, quer da ANID) e, mais recentemente, de outros canais de distribuição como as farmácias, os hipermercados e as grandes superfícies do ramo alimentar.

II - O direito

Cumpre agora apreciar os factos à luz do direito aplicável.

A) O comportamento da arguida enquanto decisão de associação de empresas

19 - A sucessão de factos que culminou com o envio de duas circulares aos associados pelo presidente da ADN, respectivamente em 6 de Outubro de 1997 e 13 de Maio de 1998, configura, no entender do Conselho, a decisão uma associação de empresas, no sentido pressuposto pelo artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro. Vejamos.

1) A ADN enquanto associação de empresas destinatária das normas jusconcorrenciais

20 - Resulta da matéria de facto acima exposta que a ADN é uma associação, regularmente constituída, de empresas que se dedicam à produção e comercialização de produtos dietéticos e que tem por fim principal a defesa dos interesses dessas empresas, bem como a promoção e valorização dos produtos dietéticos em geral.

Enquanto pessoa colectiva, a ADN é, pois, qualificável como associação de direito privado sem fim lucrativo (ver nota 9), e como tal regulada pelas disposições dos artigos 157.º e seguintes do Código Civil.

21 - Nem por isso colhe o argumento avançado pela arguida na resposta à nota de ilicitude, segundo o qual lhe não seria aplicável a lei de defesa da concorrência uma vez que não teria agido na qualidade de agente económico (dado não produzir nem distribuir bens ou serviços) mas sim na qualidade de "associação privada, sem fins lucrativos, com o escopo de defender os interesses dos seus associados".

Na verdade, como tem repetidamente sustentado o Tribunal de Justiça (ver nota 10), a propósito da aplicação do artigo 81.º do Tratado de Roma (ex-artigo 85.º) às associações de empresas, basta que a actividade específica da associação ou das empresas a ela aderentes tenda a produzir os efeitos que a norma visa reprimir.

2) A existência de uma decisão de associação

22 - Subsiste a questão de saber se a sucessão de factos que culminou com as circulares de 6 de Outubro de 1997 e de 13 de Maio de 1998 preenche a noção legal de "decisão de associação".

"Decisão de associação" é um conceito indeterminado, que tanto pode abranger as normas dos estatutos ou regulamentos internos de uma associação como qualquer decisão ou recomendação tomada ao abrigo dessas normas ou obtida, ainda que informalmente, no quadro geral que propiciam (ver nota 11).

Ora foi o que se verificou no caso em apreço.

O Gabinete de Apoio aos Sócios foi criado pela assembleia geral da ADN ao abrigo da competência atribuída pelo artigo 9.º, n.º 2, dos Estatutos da Associação (ver nota 12). Os associados retalhistas que participaram nas reuniões do Gabinete de Apoio aos Sócios exerceram o direito que lhes é reconhecido pelo artigo 6.º, alínea c), dos mesmos Estatutos, de "prestar a comissões e grupos de trabalho que se criem toda a colaboração que lhes vier a ser solicitada". E, finalmente, a direcção, ao subscrever integralmente o conteúdo da carta aprovada na reunião do Gabinete de Apoio aos Sócios com os associados retalhistas e ao promover a sua divulgação, em papel timbrado da ADN, junto dos restantes associados (e mesmo para lá desse círculo), actuou no exercício da competência atribuída pelo artigo 25.º, alíneas i) e k) dos Estatutos de "assumir todas as iniciativas respeitantes aos fins da associação", bem como de praticar "todos os actos julgados convenientes à realização dos fins da ADN".

23 - Num breve excurso pelo tratamento de idêntica matéria em sede de direito comunitário, saliente-se o apoio que a esta interpretação fornecem algumas decisões do Tribunal de Justiça e da Comissão.

Assim, no caso Groupement des Papiers Peints de Belgique et autres vs. Comissão (ver nota 13), estava justamente em causa o envio de uma circular por parte de uma associação de facto aos seus clientes, tendo o Tribunal considerado que o conteúdo da circular demonstrava suficientemente a existência de uma decisão colectiva por parte dos membros da associação. Já a Comissão (ver nota 14) qualificou como decisão de associação uma recomendação da União Internacional de Caminhos de Ferro (UIC) cujo conteúdo havia sido definido por um grupo de trabalho (a Comissão Passageiros) e que veio posteriormente a ser divulgada às empresas ferroviárias membros da UIC. Finalmente, no caso Verband der Sachversicherer e. V. vs. Comissão (ver nota 15), sustentou o Tribunal de Justiça que, em face das circunstâncias, a recomendação emitida pela associação e dirigida aos seus associados, independentemente da determinação do seu exacto e adequado enquadramento jurídico, constituía uma expressão fiel da vontade da primeira de coordenar o comportamento dos segundos no mercado.

3) A desnecessidade de carácter vinculativo da recomendação aos associados

24 - Mas alega ainda a ADN, na sua resposta à nota de ilicitude, que não foi imposta qualquer acção de boicote e que os seus associados "têm autonomia e experiência comercial suficientes para pensarem pela sua própria cabeça".

Quer dizer, parece que a arguida pretende afastar a aplicação do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, com o argumento de que a recomendação levada ao conhecimento dos associados por intermédio das circulares de 6 de Outubro de 1997 e 13 de Maio de 1998 não teria carácter vinculativo.

Ora, no entender do Conselho, não é imprescindível que as decisões de uma associação de empresas revistam carácter vinculativo - isto é, que os membros da associação estejam juridicamente obrigados a acatar o seu conteúdo - para que lhes seja aplicável o referido artigo 2.º, n.º 1.

25 - Desde logo, há que ter em conta a posição repetidamente assumida pelo Tribunal de Justiça nesta matéria, segundo a qual uma recomendação de uma associação, mesmo desprovida de efeito vinculativo, não escapa à aplicação do artigo 81.º (ex-artigo 85.º) do Tratado a partir do momento em que a aceitação da recomendação pelos destinatários exerce uma influência sensível sobre o jogo da concorrência no mercado em causa (ver nota 16).

No que respeita ao caso decidendo, constam do processo declarações e documentos de algumas das empresas boicotadas que demonstram uma quebra ou diminuição das encomendas por parte de um número considerável de retalhistas, que, tudo leva a crer, terão aderido à recomendação da ADN (ver nota 17).

Entende mesmo o Conselho que a indagação quanto ao acatamento da recomendação não vinculativa por parte dos associados não deve forçosamente ser realizada ex post - sob pena de se tornar impossível a sindicância de recomendações deste género imediatamente após a sua divulgação, porquanto é óbvio que só o decurso do tempo poderá evidenciar se, de facto, as recomendações foram ou não acatadas pelos membros da associação.

O que importa, pois, é - consoante o momento temporal em que nos situemos - determinar se e em que medida a conduta dos membros da associação foi ou poderá vir a ser influenciada pelo conteúdo da recomendação que lhes é dirigida (prognose em que se poderá atender, nomeadamente, ao comportamento dos membros em face de anteriores recomendações) (ver nota 18).

26 - Por outro lado, as recomendações de uma associação aos seus membros não podem deixar de ser consideradas no enquadramento global fornecido pelos estatutos e regulamentos internos dessa associação, com particular atenção aos mecanismos que instituem com o objectivo de controlar e sancionar determinadas condutas dos associados (ver nota 19).

Repare-se, assim, que o artigo 7.º, alínea e), dos Estatutos impõe aos associados o dever de "contribuir, por todas as formas ao seu alcance, para o bom nome e prestígio da associação e para a eficácia da sua acção", e que a prática de "actos contrários ou lesivos dos interesses da ADN ou susceptíveis de afectarem gravemente o seu prestígio" é sancionada com a perda da qualidade de associado, conforme prescreve o artigo 8.º, n.º 1, alínea d).

É, pois, o próprio horizonte normativo dos Estatutos que surge como apto a dotar de um certo grau de obrigatoriedade as recomendações dirigidas pela ADN aos seus membros na prossecução da sua finalidade estatutária essencial de promoção dos interesses legítimos das empresas (in casu, retalhistas) suas associadas (ver nota 20).

B) A recomendação de boicote e os seus efeitos

1 - Qualificação do comportamento da AND como recomendação de boicote

27 - Resulta claramente dos factos acima descritos (ver nota 21) que a ADN recomendou aos seus associados retalhistas que deixassem de adquirir para revenda os produtos comercializados por 13 empresas grossistas constantes de uma "lista negra", como forma de sancionar tais grossistas pela circunstância de terem igualmente passado a fornecer os seus produtos às grandes superfícies e hipermercados e de os constranger, em simultâneo, a deixar de o fazer. Mas não é menos evidente a mensagem que a ADN pretendeu veicular aos grossistas de produtos dietéticos em geral, no sentido de os compelir a não adoptar igual via de comercialização dos seus produtos. E ainda mais claro é o propósito visado pela ADN com todo este comportamento: excluir as grandes superfícies e hipermercados do mercado nacional dos produtos dietéticos (ver nota 22).

28 - Estamos, pois, perante um apelo ao boicote, que a doutrina europeia (ver nota 23) tem caracterizado como uma recusa concertada de um grupo de concorrentes situados num determinado patamar da cadeia de distribuição (in casu, os retalhistas de produtos dietéticos) em negociar com certos fornecedores (in casu, os 13 constantes da "lista negra") com o objectivo imediato de punir estes fornecedores "rebeldes" pelas suas práticas comerciais (in casu, vender às grandes superfícies e hipermercados) - comportamento que constitui uma deliberada violação do artigo 81.º do Tratado de Roma (ex-artigo 85.º), tão óbvia que haverá inclusive poucos casos relatados, pela clara restrição que produz sobre a liberdade de os concorrentes negociarem com quem lhes aprouver.

29 - Já a doutrina norte-americana é mais exaustiva na análise do impacto negativo das decisões de boicote sobre a estrutura concorrencial do mercado, começando logo à partida por distinguir diferentes categorias de boicote, às quais corresponderão efeitos diversos e que, consequentemente, serão alvo de diferente apreciação por parte do direito anti-trust.

Os boicotes de arquitectura semelhante à do promovido pela ADN, no presente caso, merecem um juízo fortemente negativo quando confrontados com as regras de defesa da concorrência norte-americanas (ver nota 24).

Assim, segundo Bork (ver nota 25), estar-se-ia em presença de um naked boycott, como tal ilegal de per se, já que não é acompanhado de um comportamento económico colectivo reputado lícito e dirigido a criar eficiência, ao invés de dirigido a eliminar ou manipular os concorrentes (como, na verdade, sucede no caso decidendo) de um modo que nenhum benefício traz aos consumidores.

Já Sullivan (ver nota 26), partindo de uma noção ampla de boicote como toda a acção proveniente de um grupo concertado de empresas e visando privar a vítima de clientes, de fornecedores ou de outras relações comerciais fundamentais, distingue uma específica categoria - a dos "boicotes convencionais" que envolvem geralmente dois níveis da cadeia de distribuição e em que está presente um elemento de coacção - adequada a receber o caso em apreço. Trata-se de uma situação em que os agentes económicos de um dado patamar do circuito de distribuição (no nosso caso, os retalhistas de produtos dietéticos) pretendem afastar certos concorrentes do mesmo nível (as grandes superfícies e hipermercados); para o conseguir, pressionam os seus fornecedores (os grossistas e fornecedores de produtos dietéticos) a não negociar com esses concorrentes, sob pena (e eis o elemento de coacção) de verem eles próprios, fornecedores, termi nadas as suas relações com o grupo boicotante. O autor conclui que semelhante esquema, como todos os boicotes explícitos, é ilegal de per se, uma vez que comporta sempre a ameaça de uma restrição da concorrência, raramente trará qualquer benefício concorrencial e, mesmo que isso suceda, nunca será um benefício que se não possa obter de modo diferente e menos restritivo.

Finalmente, para Posner (ver nota 27), os casos de boicote agrupam um conjunto de situações extremamente heterogéneas e nem sequer se pode afirmar que o comportamento de boicote, em si mesmo considerado, seja uma prática anticoncorrencial em termos substantivos. O boicote será simplesmente um método de compulsão que pode ser utilizado com objectivos diversos, que vão desde o propósito de garantir o respeito por um cartel ao de garantir o respeito por um código de boas práticas publicitárias, passando pelo objectivo de exprimir oposição ao racismo ou de minimizar o risco de crédito. O autor identifica, todavia, situações em que o boicote releva autonomamente para o direito da concorrência, o que sucede sempre que seja utilizado para fazer valer uma prática anticoncorrencial - exemplificando, nomeadamente, com os casos de comportamentos colusórios, visando a eliminação de concorrentes (ver nota 28), categoria em que se integra sem esforço o caso decidendo.

2) O apelo ao boicote realizado pela ADN enquanto violação do direito da concorrência

30 - O comportamento da ADN é claramente violador do artigo 2.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, ao configurar uma decisão de uma associação de empresas que, directamente, se traduz em recusar a compra de bens aos fornecedores e grossistas (ver nota 29) constantes da "lista negra" e, indirectamente, visa fomentar a recusa de venda por parte dos grossistas de produtos dietéticos às grandes superfícies e hipermercados.

Semelhante decisão tem por objecto restringir a concorrência no mercado nacional dos produtos dietéticos (ver nota 30), já que dele pretende excluir as grandes superfícies e hipermercados - é esse o fim visado - através do boicote de compra levado a cabo pelos seus concorrentes directos [centros dietéticos e ervanárias (ver nota 31)] junto dos grossistas que fornecem as grandes superfícies e hipermercados - é este o meio utilizado -, grossistas que, deste modo, também vêem sensivelmente restringido o seu próprio acesso ao mercado em questão (recorde-se que a ADN tem 38 associadas retalhistas e que o apelo ao boicote foi difundido para lá do círculo das associadas).

3) O relevo das consequências do boicote

i) Determinação das consequências do boicote

31 - Constam do processo autos de declarações e documentos de algumas das empresas boicotadas que revelam uma cessação ou diminuição das encomendas por parte de um número considerável de retalhistas, que, tudo leva a crer, terão aderido à recomendação da ADN.

É certo que o nexo de causalidade entre a quebra das encomendas e a adesão dos clientes retalhistas ao boicote da ADN não está exaustivamente demonstrado; mas também não é menos certo que, para o ficar, seria mister proceder a uma complexa averiguação, caso a caso, das concretas motivações que levaram cada um dos clientes retalhistas a cessar ou diminuir o seu volume de encomendas às empresas boicotadas.

Entende assim o Conselho que, em face dos elementos constantes do processo, com base em juízos de probabilidade alicerçados em regras da experiência, e atendendo ainda ao facto da ADN não ter alegado qualquer explicação (v. g., um declínio geral das vendas no sector dos produtos dietéticos) que contraditasse a imputação da quebra das encomendas à adesão ao boicote (ver nota 32), é de considerar que o decréscimo nas vendas a retalhistas por parte de algumas das empresas boicotadas (a Nutridil, a NND, a Bio-Hera (Lobo & Filhos, Lda.), e a SOVEX) é de atribuir, em boa medida, à recomendação de boicote efectuada pela ADN.

32 - Se esta restrição do acesso de um grupo de grossistas a uma parte do mercado dos produtos dietéticos foi a consequência imediata do boicote, não significa que o boicote não tenha produzido outras consequências nefastas do ponto de vista concorrencial.

É certo que não atingiu o seu objectivo primordial: eliminar a concorrência das grandes superfícies e hipermercados no mercado dos produtos dietéticos, tanto mais que muitos dos grossistas boicotados afirmaram claramente que continuaram a vender (muitos até exclusiva ou principalmente) os seus produtos às grandes superfícies e hipermercados (ver nota 33).

Mas é provável que o boicote promovido pela ADN tenha dissuadido outros grossistas, que não os 13 constantes da "lista negra", a passar a fornecer as grandes superfícies e hipermercados, assim impossibilitando estes últimos de diversificar a oferta de produtos dietéticos nas suas prateleiras. Não há, todavia, no processo, qualquer dado relativo ao comportamento (real ou previsível) dos grossistas ausentes da "lista negra" em reacção à recomendação de boicote da ADN, pelo que não é possível atender a este seu potencial efeito.

ii) O relevo das consequências do boicote

33 - De qualquer modo, não é necessário atender aos efeitos da recomendação da ADN para considerar que preenche [como vimos (nota 34)] a hipótese do artigo 2.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, uma vez que é suficiente para a aplicação da norma em apreço a constatação de que a recomendação da ADN tem por objecto restringir a concorrência no mercado nacional dos produtos dietéticos.

Como, aliás, já considerou o Tribunal de Justiça a propósito das regras de concorrência do Tratado de Roma, "é supérfluo levar em consideração os concretos efeitos de um acordo ou de uma decisão de associação a partir do momento que transparece que o seu objecto é restringir, impedir ou falsear o jogo da concorrência" (ver nota 35).

De todo o modo, o Conselho entende que, estando em causa o preenchimento de um tipo contra-ordenacional que desencadeia a aplicação de uma coima (artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro), a consideração dos efeitos pode ser relevante não para apurar a existência de um ilícito contra-ordenacional mas em sede de determinação da medida da coima a aplicar, em obediência aos critérios fixados pelo artigo 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (ver nota 36).

4) A questão da (ir)relevância das alegadas justificações para o boicote

34 - A ADN, na sua resposta à nota de ilicitude, apresenta várias justificações para o comportamento que assume ter adoptado.

Insiste, sobretudo, em que o que verdadeiramente está em causa "é a sobrevivência do mercado tradicional das ervanárias e centros dietéticos, mercado que se quer personalizado" (ver nota 37).

É claro que a pretendida justificação não colhe.

Desde logo porque evidencia com transparência o objectivo anti-concorrencial da ADN: excluir do mercado dos produtos dietéticos esses agentes "não tradicionais" que são as grandes superfícies e os hipermercados.

Mas também porque o argumento do desejável "atendimento personalizado" do consumidor final de produtos dietéticos, se poderia (e não é líquido) merecer alguma consideração no contexto, por exemplo, da organização de um sistema de distribuição assente em eventuais exclusivos contratuais, já não pode, claramente, servir de pretexto para, mediante recusas de compra (por parte dos retalhistas), compelir terceiros (os grossistas da "lista negra") a deixar de vender aos concorrentes (as grandes superfícies e hipermercados) cuja eliminação se pretende.

Não estão, pois, minimamente preenchidos os requisitos a que o artigo 5.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro subordina a possibilidade de justificação de práticas restritivas da concorrência.

35 - É igualmente improcedente a justificação de que arguida terá agido "no exercício de direitos consagrados constitucionalmente", a saber, o direito à liberdade de expressão (artigo 37.º da CRP) e à liberdade de associação (artigo 46.º da CRP) (ver nota 38).

Quanto à liberdade de associação, a faculdade constitucionalmente consagrada de as associações prosseguirem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas (artigo 46.º, n.º 2, da CRP) não equivale, obviamente, a um livre trânsito da lei fundamental para que as finalidades estatutárias das associações sejam prosseguidas através de meios ilícitos.

É certo que se pode afirmar que, ao recomendar o boicote, a ADN visava, em última análise, defender o interesse das suas associadas retalhistas, o que se integra na sua finalidade estatutária, mas, como é óbvio, a licitude dos fins não determina ipso facto a licitude dos meios. Porque uma coisa é considerar lícito o interesse das associadas retalhistas em manter e reforçar a sua presença no mercado, suplantando na luta concorrencial eventuais concorrentes, outra (e bem diferente) é a aferição da licitude dos meios utilizados para a prossecução desse fim. Ora, em concreto, o meio utilizado constitui um ilícito contra-ordenacional (ver nota 39).

Quanto à liberdade de expressão, é a própria Constituição que prescreve, no n.º 2 do seu artigo 37.º, que as infracções cometidas no exercício de tal direito ficam (também) submetidas aos princípios gerais do ilícito de mera ordenação social, sendo (in casu) a sua apreciação da competência da entidade administrativa independente que é o Conselho da Concorrência.

5) Conclusões: preenchimento do tipo contra-ordenacional e coima a aplicar

36 - A conduta da ADN preenche, deste modo, a hipótese do artigo 2.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, pelo que configura, nos termos do artigo 37.º, n.os 1 e 2, do mesmo diploma, um ilícito contra-ordenacional, punível com coima de 100 000$00 a 200 000 000$00, cuja aplicação cabe ao Conselho da Concorrência, no exercício da competência atribuída pelo artigo 38.º do citado decreto-lei.

37 - Na determinação do montante da coima a aplicar prescreve o artigo 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, que se deve atender à gravidade da contra-ordenação, à culpa revelada, à situação económica do agente e ao benefício económico que retirou da prática da infracção.

Começando pelo benefício económico retirado da infracção, parece certo que a ADN não terá logrado o seu objectivo principal (excluir as grandes superfícies e hipermercados do mercado retalhista dos produtos dietéticos), gorando-se em boa medida o benefício económico que pretendia atingir.

Por outro lado, no que toca à situação económica da ADN, é certo que as suas receitas anuais não ultrapassaram, em 1997-1998, valores na ordem dos 3 200 000$00 (ver nota 40).

Quanto à culpa (ver nota 41), haverá que ter em consideração que a ADN agiu com dolo directo, e que, tratando-se de uma associação profissional, sobre ela impendia um especial dever de se informar quanto à existência das proibições decorrentes das normas que tutelam a concorrência (ver nota 42) - normas que vigoram há já longo tempo na ordem jurídica portuguesa e que foram já, inclusive, várias vezes aplicadas por este Conselho a situações de boicote.

No que à gravidade da contra-ordenação diz respeito, é de notar que a arguida realizou um claro e frontal apelo ao boicote, cuja divulgação não limitou sequer ao círculo das suas associadas e cuja motivação radica directamente na exclusão de concorrentes.

Finalmente, importa não esquecer que a ADN apelou não uma, mas duas vezes, em momentos temporalmente distintos, ao boicote das empresas constantes da "lista negra". Entende o Conselho que estamos, por isso, na presença da figura da contra-ordenação continuada, verificados que estão os respectivos pressupostos (aplicação subsidiária do artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, por força do disposto no artigo 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas). Na verdade, existem duas violações do tipo contra-ordenacional contido no artigo 2.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, através de uma conduta idêntica (divulgação da carta do Gabinete de Apoio aos Sócios mediante circular da Direcção) e no quadro da mesma solicitação exterior (a manutenção da prática comercial dos grossistas de venderam aos hipermercados) (ver nota 43). Dúvidas só se poderiam levantar quanto a saber se a dimensão do intervalo temporal decorrido entre as duas cartas (de Outubro a Maio) se revela apto a desfazer a unidade de motivação ente as duas condutas; entende o Conselho que, no caso concreto, essa unidade de motivação se mantém, uma vez que a divulgação da primeira carta é um comportamento que se prolonga, ele próprio, no tempo.

Assim, a punição do presente ilícito deve fazer-se dentro da moldura fornecida pelo artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, valorando aí adequadamente a repetição do comportamento da ADN.

III - A decisão

Tudo visto e ponderado, o Conselho decide:

1.º A recomendação de boicote emitida pela ADN viola o artigo 2.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, ao configurar uma decisão de uma associação de empresas que, directamente, se traduz em recusar a compra de bens aos fornecedores e grossistas de produtos dietéticos constantes de uma "lista negra" e, indirectamente, visa fomentar a recusa de venda por parte desses mesmos fornecedores e grossistas às grandes superfícies e hipermercados;

2.º Semelhante decisão tem por objecto restringir a concorrência no mercado nacional dos produtos dietéticos, já que dele pretende excluir as grandes superfícies e hipermercados, coarctando em simultâneo o acesso dos próprios fornecedores e grossistas ao mercado em questão;

3.º Em consequência, nos termos do artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, o Conselho decide aplicar à Associação de Dietéticos Nacionais uma coima de 4 000 000$00, coima que deverá ser paga no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da presente decisão, advertindo-se a arguida de que a eventual impossibilidade de pagamento tempestivo deve ser comunicada por escrito a este Conselho (artigo 58.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro);

4.º No uso da competência atribuída pelo artigo 27.º, n. 1, alínea b), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, determina ainda este Conselho que a ADN envie a todos os seus associados retalhistas uma circular alertando para o carácter ilícito do boicote anteriormente recomendado, circular à qual deverá ir anexa uma cópia integral da presente decisão;

5.º Ordena-se à arguida, ao abrigo do disposto no artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, que faça publicar, no prazo de 30 dias, a versão integral da presente decisão na 3.ª série do Diário da República, e a parte decisória, nos termos e conforme cópia que será comunicada, num jornal de expansão nacional;

6.º Em cumprimento do disposto no artigo 58.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, adverte ainda o Conselho que a presente condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º do mesmo diploma e que, em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

(nota 1) Relatório da DGCC, fls. 308 e 309 do processo.

(nota 2) A sociedade Lobo & Filhos, Lda., é proprietária da marca Bio-Hera, que funciona como uma sua verdadeira "imagem de mercado", o que leva a que a Lobo & Filhos, Lda., seja conhecida entre os agentes económicos como "Bio-Hera".

(nota 3) Na verdade, a carta refere expressamente o preço a que "o produto Algalimão em comprimidos" é vendido no hipermercado Continente do Centro Comercial Colombo.

(nota 4) Cf. fl. 163 do processo.

(nota 5) O que não sucede relativamente à GEOVITA e à NUTRILATINA.

(nota 6) Cf. fl. 72 do processo.

(nota 7) Fls. 309 e 310 do processo, cujo conteúdo essencialmente se reproduz no texto.

(nota 8) Refira-se que alguns aspectos relativos à rotulagem, apresentação, publicidade, embalagem e comercialização dos produtos dietéticos são regulados pelo Decreto-Lei 277/99, de 22 de Junho, que transpõe a Directiva n.º 96/84/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho.

(nota 9) Na tradicional classificação das pessoas colectivas de direito privado segundo o critério da finalidade estatutária, a ADN enquadra-se na categoria das pessoas colectivas de fim económico não lucrativo, aquelas que pretendem "conseguir certas vantagens patrimoniais para os seus associados" (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, p. 78).

(nota 10) Vejam-se, por exemplo, os casos NV IAZ International Belgium e outros vs. Comissão, decidido pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, (Recueil de Jurisprudence de la Cour, 1983, pp. 3369 e segs.), e Heintz van Landewyck SARL e outros vs Comissão, decidido pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980 (Recueil de Jurisprudence de la Cour, 1980, pp. 3125 e segs.).

(nota 11) Quer tal decisão ou recomendação seja tomada pelos associados ou os tenha por destinatários - assim D. G. Goyder, EC Competition Law, Oxford, 1998, p. 94.

(nota 12) Cf. supra, O, n.º 4.

(nota 13) Decidido pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1975 (Recueil de Jurisprudence de la Cour, 1975, pp. 1491 e segs., em especial §§ 17.º-20.º).

(nota 14) Decisão da Comissão de 25 de Novembro de 1992 (distribuição de bilhetes de transporte ferroviário pelas agências de viagens - JO, n.º L 366/47).

(nota 15) Decidido pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1987 (Colectânea do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, 1987, pp. 405 e segs., em especial § 32.º).

(nota 16) Cf., entre muitos, o Acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983 (Recueil de Jurisprudence de la Cour, 1983, pp. 3369 e segs.), caso NV IAZ International Belgium e outros vs. Comissão.

(nota 17) Cf. supra, ponto I.D., n.os 1 a 4. Sobre a relevância das consequências do apelo ao boicote, veja-se infra, II.B.3.

(nota 18) Neste sentido, D. G. Goyder, EC Competition Law, Oxford, 1998, p. 484, e também Wish/Sufrin, Competition Law, London, Edinburgh 1993, p. 194.

(nota 19) Como salientou o Tribunal de Justiça na decisão do caso Vereeniging van Cementhandelaren vs. Comissão (Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1972, Recueil de Jurisprudence de la Cour, 1972, pp. 977 e segs.).

(nota 20) Esclareça-se, no entanto, que uma coisa é considerar legítimo o interesse das associadas retalhistas em manter e reforçar a sua presença no mercado, suplantando na luta concorrencial eventuais con correntes, outra (e bem diferente) é a legitimidade dos meios utilizados para a prossecução desse fim.

(nota 21) Cf. supra, ponto I.C.

(nota 22) O caso decidendo tem flagrantes semelhanças com aquele outro -que também mereceu uma decisão de condenação por parte do Conselho - em que era arguida a Associação Nacional de Farmácias, que, com o propósito de excluir os hipermercados e grandes superfícies do mercado dos leites para alimentação infantil, recomendou aos seus associados que deixassem de adquirir esses leites aos fornecedores que abastecessem simultaneamente os hipermercados (cf. processo 13/93, relatório de actividade, 1994). E similar foi também o caso em que a Associação Nacional de Farmácias foi condenada por recomendar às associadas o boicote à compra para revenda de um produto de higiene corporal que passou a ser vendido pelos hipermercados (cf. processo 5/93, relatório de actividade, 1995).

(nota 23) Cf. Van Bael/Bellis, Competition Law of the European Community, 3.ª ed., 1994, p. 558.

(nota 24) Curiosamente, um dos leading cases neste domínio - o Eastern States Retail Lumber Dealers' Association v. United States (234 U.S. 600, apud R. Bork, The Antitrust Paradox - A Policy at War with Itself, New York, 1993, pp. 334-335)-, tem algumas semelhanças com o caso ADN. Na verdade, a associação Eastern States fazia circular entre os seus membros retalhistas listas negras de grossistas que vendiam madeira directamente a utilizadores finais, com o propósito de levar os retalhistas a deixar de comprar aos grossistas constantes da lista que deste modo seriam coagidos a abandonar o mercado dos utilizadores finais, deixando-o entregue aos retalhistas.

Ou seja, enquanto que no caso Eastern States os grossistas boicotados eram simultaneamente os concorrentes que o boicote pretendia afastar, no caso ADN o boicote aos grossistas visa excluir a concorrência das grandes superfícies e hipermercados no mercado de retalho.

(nota 25) R. Bork, The Antitrust Paradox, cit., pp. 334-335- Note-se que o autor inclui especificamente o caso Eastern States na categoria dos naked boycotts.

(nota 26) L. A. Sullivan, Handbook of the Law of Antitrust, 7th reprint, 1998, pp. 229 e segs.

(nota 27) R. Posner, Antitrust Law. An Economic Perspective, Chicago, 1976, pp. 207 e segs.

(nota 28) Uma vez mais, o exemplo concretamente referido é o do caso Eastern States (cf. supra, nota 24).

(nota 29) Por comodidade de exposição, utilizar-se-á daqui para a frente a expressão "grossistas" para referir as empresas constantes da lista de boicote, sem desconhecer que algumas de entre elas também se dedicam à produção para venda, e não apenas à compra para revenda.

(nota 30) Caracterizado supra, ponto E) O mercado dos "produtos dietéticos".

(nota 31) Como do texto resulta evidente, estamos a considerar as grandes superfícies e hipermercados concorrentes directos dos centros dietéticos e ervanárias no (e apenas no) mercado nacional dos produtos dietéticos.

(nota 32) E não se esqueça que poderia tê-lo feito, ao abrigo do artigo 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

(nota 33) Cf. supra, ponto I.D.5. O que vem confirmar a asserção de Bork (op. cit., p. 335), segundo a qual a maioria dos boicotes deste tipo estão ab initio votados ao insucesso, tendo em conta a dificuldade em reunir as pré-condições necessárias à obtenção do efeito visado. De todo o modo, e apesar de estar ciente que tais boicotes poucas vezes reflectirão mais do que "as políticas das associações comerciais e uma evanescente bravata", o autor concorda com a sua ilicitude concorrencial de per se.

(nota 34) Cf. supra, ponto II.B.2.

(nota 35) Caso Verband der Sachversicherer e. V. vs. Comissão, decidido pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1987 (Colectânea do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, 1987, pp. 405 e segs.)

(nota 36) Cuja aplicação subsidiária decorreria já dos princípios gerais da hierarquia de normas e é explicitamente consagrada pelo artigo 21.º, n.º 1, do próprio Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

(nota 37) Fl. 278 do processo.

(nota 38) Desconsideramos a referência da arguida à liberdade de associação na sua vertente de liberdade de constituir ou participar em associações e partidos políticos (artigo 51.º da CRP), que só por manifesto lapso terá sido chamada à colação, uma vez que não faz o menor sentido no presente contexto (a ADN não é uma associação política).

(nota 39) Vejam-se, a propósito das limitações jusconcorrenciais à actuação das associações de empresas, as considerações expendidas por este Conselho no relatório de actividade de 1992 (pp. 15-16).

(nota 40) O Conselho está ciente do problema que pode constituir, no plano da eficácia das normas de defesa da concorrência, a tentação de as empresas de um dado sector "utilizarem" as suas associações representativas para levar a cabo uma violação das proibições do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro. Isto na medida em que a situação económica de tais associações se quede em patamares bastante mais modestos do que a situação económica do conjunto das empresas representadas (os verdadeiros destinatários dos benefícios pretendidos com o comportamento ilícito da associação).

Neste quadro, e do ponto de vista de uma estrita lógica de custo/benefício, poderia compensar às empresas infringir, através das suas associações representativas, as normas de defesa da concorrência - pela limitação que à medida da coima introduz a consideração da situação económica (débil) da associação, assim "utilizada" como escudo contra as consequências patrimoniais da infracção.

Em tal contexto, todavia, haveria que atender ao disposto no artigo 18.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, quanto à possibilidade de elevação do limite máximo da coima para a eliminação do benefício económico do agente da infracção - a sugerir, inclusive, a interpretação segundo a qual consideração do benefício económico alcançado com a infracção deve sobrelevar a consideração da situação económica do agente, no plano dos factores de determinação da medida da coima.

Por outro lado, e de uma diferente perspectiva, haveria que apurar se e em que medida tal hipótese consubstanciaria uma utilização instrumental da personalidade colectiva da associação, a legitimar o apelo ao mecanismo da desconsideração da personalidade jurídica.

Finalmente, caberia em tal contexto estabelecer se e em que medida as empresas associadas haveriam de reputar-se também (ou até exclusivamente) agentes da infracção. A este propósito, e no plano comunitário, tenha-se em conta, por exemplo, o Acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988 (A Åhlström Osakeyhtiö e outros vs. Comissão, in Colectânea do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, 1988, pp. 5193 e segs.) e a decisão da Comissão de 2 de Agosto de 1989 (JO, n.º L 260/1). No primeiro (o caso Wood Pulp - pasta de papel) o Tribunal anulou a decisão da Comissão na parte em que condenava a associação de empresas KEA por práticas anticoncorrenciais, atendendo a que "as recomendações de preços da KEA não podem ser distinguidas dos acordos de preços celebrados pelas empresas membros do grupo "pasta de madeira" (um dos grupos de trabalho constituídos no seio da associação) e [a] que a KEA não desempenhou um papel próprio na execução desses acordos". Na segunda (caso Welded Steel Mesh - rede electrossoldada para betão), a Comissão considerou "justo que as coimas mais importantes sejam infligidas às principais empresas membros, sem considerar as associações", isto tendo sobretudo em conta que os dirigentes das associações em causa ocupavam simultaneamente posições de direcção nas mais importantes empresas membros e que as associações foram utilizadas por estes membros para conferir aos acordos anticoncorrenciais um maior valor e um efeito o mais amplo possível, mantendo-se as empresas como os principais protagonistas da realização de tais acordos.

(nota 41) Que no domínio do ilícito de mera ordenação social, em que nos situamos, não supõe (ao contrário do que sucede no campo do ilícito criminal de justiça) um juízo de censura ao agente por ter agido como agiu, mas que se basta com a existência de um nexo psicológico entre o facto cometido e o seu autor - ou seja, produção do evento proibido a título de dolo ou de negligência - cf., desde logo, Eduardo Correia, Direito Criminal, com a colaboração de J. Figueiredo Dias, vol. I, Coimbra, 1971, p. 29 (as considerações do autor referem-se não ainda ao chamado ilícito administrativo, mas valem mutatis mutandis para o actual ilícito de mera ordenação social).

(nota 42) Note-se que a afirmação de semelhante dever obsta ao carácter desculpável de um eventual erro sobre a ilicitude (artigo 9.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas). Em sentido semelhante, para o direito alemão das contra-ordenações (principal fonte de inspiração do legislador português na matéria), cf. Erich Göhler, Gesetz über Ordnungswidrigkeiten, München, 1992, pp. 83-84, anotação ao § 11.º

(nota 43) Sobre a contra-ordenação continuada v. Maria João Antunes, "Concurso de contra-ordenações - Anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30 de Janeiro de 1991", Revista Portuguesa de Ciência Criminal, pp. 463-474. Note-se que o Conselho sufraga a posição, defendida pela autora, de que à afirmação de uma contra-ordenação continuada basta a verificação de um dolo continuado (renovação da resolução inicial), não sendo de exigir a existência de dolo conjunto (que abranja ab initio a série dos actos a praticar).

Lisboa, 1 de Junho de 2000. - Carolina de Castro Nunes Vicente e Cunha (relatora) - Fernando Ivo Gonçalves - José Álvaro Ubach Chaves Rosa - Miguel José Pinto Tavares Moura e Silva - José Anselmo Dias Rodrigues (presidente).

ANEXO C2

Processo 3/98 - Práticas anticoncorrenciais no mercado da cerveja

O Conselho da Concorrência, no uso da competência atribuída pelo artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 471/93, de 29 de Outubro;

Visto o processo de contra-ordenação registado neste Conselho sob o n.º 3/98, em 29 de Dezembro de 1998, e o respectivo relatório remetido pela Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência, em que é arguida a CENTRALCER - Central de Cervejas, S. A., tem a ponderar os seguintes elementos de facto e de direito.

I - Os factos

A) A origem do processo

1 - De acordo com o relatório da entidade instrutora, a constatação da existência de perturbações no mercado da distribuição e comercialização da cerveja, em consequência do comportamento adoptado pelas principais empresas produtoras que operam no referido mercado, motivou a iniciativa da Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência para a análise e apreciação dos contratos de distribuição em vigor celebrados entre as empresas produtoras e importadoras de cerveja e os seus distribuidores bem como das condições da respectiva oferta.

2 - Em termos sintéticos, o presente processo diz respeito a um conjunto de práticas da arguida relativas aos contratos de distribuição de cerveja por ela celebrados no mercado nacional que impedem os seus distribuidores de comercializar produtos concorrentes dos fornecidos pela CENTRALCER; a alguns aspectos do seu relacionamento com os respectivos distribuidores; e ainda a certos contratos de compra exclusiva celebrados pela arguida com estabelecimentos dos sectores da hotelaria e da restauração.

B) A arguida

3 - A CENTRALCER é uma sociedade anónima com um capital social no montante de 9,5 milhões de contos que se dedica à produção, comercialização e importação de cerveja, à produção e comercialização de refrigerantes e à comercialização de águas minerais.

O capital social era à data da conclusão da instrução deste processo detido pela CERPAR, SGPS, S. A., em 25,004%, pela Parcer - Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda., em 19,986%, pela Centralcontrol, SGP, S. A., em 18,201%, pela Bavpor - Gestão e Investimentos, S. A., em 18,179% pela Bavária, S. A., em 11,012%, estando o remanescente disperso por mais de 2500 accionistas.

Por sua vez participa no capital social de um conjunto de empresas das quais se destacam:

Adegas Camilo Alves, S. A., com 80,67%;

CERVISUL - Sociedade Distribuidora de Cervejas e Vinhos do Sul, Lda., com 99%;

DISCER - Distribuidora Comercial da Estremadura, Lda., com 85,76%;

Quinta do Grajal, Lda., com 99,96%;

Revendedora de Águas, Lda., com 80%;

Empresa de Cervejas da Madeira, Lda., com 30%.

Em 1996, registou vendas líquidas e prestações de serviços no montante de 37,9 milhões de contos, dos quais 85,7%, corresponde a 32,5 milhões de contos, no mercado interno. Das vendas realizadas no mercado interno a cerveja representou cerca de 75%, seguindo-se por ordem decrescente as águas com 16,1% e os refrigerantes com 4,1%, tendo o restante sido realizado na venda de malte, CO2 e subprodutos.

C) O mercado

a) O produto

4 - Os contratos e as práticas imputadas à arguida dizem respeito à sua actuação no âmbito da produção e distribuição de cerveja.

A Portaria 1/96, de 3 de Janeiro, define a cerveja como a bebida obtida por fermentação alcoólica mediante leveduras seleccionadas de um mosto preparado a partir de malte de cereais, ao qual foram adicionadas flores de lúpulo e água potável.

O normativo prevê ainda, com base nesta definição a diferenciação deste produto em vários tipos de cerveja, correspondendo cada um a um diferente nível de teor em álcool e que apresente um extracto primitivo expresso em graus Plato superior a 15B. Em conformidade com esta definição são admitidos os seguintes tipos de cerveja: sem álcool, baixo teor em álcool, corrente, especial, extra, fermentação láctica e de refermentação em garrafa.

De acordo com o mesmo normativo, a cerveja deverá ser apresentada para comercialização na forma embalada e não embalada, formas que determinarão o respectivo prazo de perecibilidade, o qual varia entre 60 e 90 dias.

Trata-se de um produto que, pelas suas características, se distingue dos refrigerantes (ao contrário destes trata-se de uma bebida alcoólica), bem como de outras bebidas alcoólicas, como o vinho (não só pelas suas propriedades como também pelo seu teor alcoólico).

A cerveja constitui um produto de consumo fortemente sazonal em que as condições climatéricas têm uma influência primordial. No que respeita ao seu ciclo de vida trata-se de um produto "maduro", não se prevendo grandes acréscimos no seu consumo.

Actualmente a tendência do mercado encaminha-se no sentido da diferenciação e da segmentação, o que aliás está patente na introdução no mercado de cerveja premium, de cervejas sem álcool, verificando-se contudo que o consumidor continua a procurar as cervejas que mais conhece, pelo que a marca assume um papel de relevo.

5 - Face às características e exigências da respectiva procura, o mercado da cerveja é passível de ser segmentado em mercado do consumo em casa e mercado do consumo fora de casa. De facto nos sectores hoteleiro e da restauração (sector Horeca), o consumidor final adquire um produto diferente do adquirido a retalho, na medida em que obtém também um grau de serviços e ambiente inexistentes na venda a retalho, caso em que a cerveja é consumida em casa.

6 - No que se refere à substituibilidade do lado da oferta a mesma pode ser tomada em consideração na definição dos mercados, tal requerendo que os fornecedores possam transferir a sua produção para os produtos relevantes e comercializá-los a curto prazo, isto é um prazo que não implique qualquer adaptação significativa dos activos corpóreos e incorpóreos existentes, sem incorrer em custos ou riscos suplementares significativos em resposta a pequenas alterações duradouras nos preços.

De acordo com a entidade instrutora, a tecnologia, infra-estrutura de produção, técnica de fabrico e matéria-prima de uma cerveja são distintas das dos refrigerantes, por exemplo. Desta forma a transferência para a produção e comercialização de cerveja implica uma adaptação significativa dos activos corpóreos e incorpóreos existentes e a realização de investimentos adicionais, não devendo por isso ser tida em conta na fase de definição do mercado. O mesmo é válido, por maioria de razão, no que respeita à produção de vinho e de águas.

7 - A prática que tem vindo a ser adoptada pela Comissão Europeia no que se refere à definição de mercado geográfico para as bebidas embaladas, tem sido a de considerar os mercados geográficos relevantes como nacionais (nota 1).

No caso em apreço, a preferência dos consumidores por cervejas nacionais, a dificuldade em obter acesso a uma rede de distribuição organizada, os elevados custos de transporte, as exigências em matéria de embalagem, bem como a importância das marcas, revelam que os fornecedores de cerveja em Portugal estão, em larga medida, protegidos da pressão concorrencial exercida pelos fornecedores localizados noutros países.

b) A oferta

8 - O mercado da cerveja registou, em 1996, e a nível nacional, vendas cujo montante ascendeu a cerca de 68 milhões de contos.

9 - As empresas que produzem cerveja no território nacional são a UNICER - União Cervejeira, S. A. (adiante designada UNICER) e a CENTRALCER que registaram, naquele ano, no mercado nacional, vendas de cerveja no valor de 42 020 000 e 24 340 000 contos, respectivamente.

Existem ainda nas Regiões Autónomas duas fábricas, uma sediada nos Açores, a Fábrica de Cervejas e Refrigerantes João de Melo Abreu, Lda., e outra na Madeira, a Empresa de Cerveja da Madeira, detida a 30% pela CENTRALCER.

Os montantes de vendas atrás referidos conferem aquelas empresas quotas de mercado de 36% e 61%, respectivamente, para a CENTRALCER e a UNICER.

Das vendas realizadas no mercado nacional pela CENTRALCER, esta destinou 62,5% ao segmento do consumo fora de casa.

A CENTRALCER, para além de produzir as cervejas de marca Sagres e Imperial, que representam respectivamente 87% e 6,5% na estrutura das suas vendas totais, distribui a cerveja de marca Budweiser, através de contrato de distribuição celebrado com a filial espanhola da empresa Anheuser-Busch European Trade, Ltd. (A-Bet).

Por sua vez, a UNICER, para além de produzir as cervejas de marca Super Bock e Cristal, que representam perto de 90% do total das suas vendas em cerveja, produz também, sob licença da Carlsberg A/S, a Carlsberg e a Tuborg Royal Danish, comercializando ainda outras marcas estrangeiras das quais destacamos a Guiness.

Cerca de 90% da produção de cerveja da UNICER é apresentada sob marcas nacionais, líderes de mercado como a Super Bock e a Cristal que conjuntamente representam mais de 90% das suas vendas, detendo a Super Bock individualmente mais de 50% de todo o mercado nacional.

Os 3% que constituem a parte remanescente são assegurados por um conjunto de empresas que se dedicam à importação da cerveja

que comercializam, destacando-se a Sumolis, a Danone International Brands Portugal, as Caves D. Teodósio e outras, todas com quotas muito reduzidas, cabendo à Sumolis cerca de metade da parte que cabe à importação.

No entanto, apesar deste desempenho, a capacidade instalada das duas principais empresas que caracterizam a oferta é significativamente excedentária, apresentando a CENTRALCER uma taxa média de utilização de 47%.

10 - O comportamento das cervejas importadas tem-se mantido nos últimos anos estável, mantendo-se constante o seu peso relativo apenas se registando um ligeiro crescimento no segmento médio/alto, que em 1996 representava cerca de 3% do total, detendo as correntes mais de 92%, e as sem álcool a parte restante.

As principais razões apontadas pelos importadores para esta tendência prendem-se com diversas dificuldades que estes agentes económicos enfrentam como sejam: i) necessidade de uma rede de distribuição disponível preferencialmente de bebidas, através da qual as empresas possam escoar os seus produtos, pois verifica-se uma estrutura de distribuição fortemente vinculada às duas principais produtoras; e ii) as campanhas promocionais destas duas operadoras e a forte redução de preços com que reagem, nomeadamente nas grandes superfícies comerciais, às tentativas de penetração levadas a cabo pelas empresas importadoras (v. declarações a fls. 228 e seguintes).

Os preços médios praticados pelas empresas nacionais são, por razões estruturais, em geral inferiores aos das empresas importadoras, fazendo-se evidenciar este comportamento nas cervejas correntes, que representaram em 1996 cerca de 92% do total das cervejas comercializadas.

Contudo no que se refere às cervejas sem álcool, onde se tem registado algum crescimento em prejuízo das correntes e cujo peso em 1996 e 1995, foi de respectivamente 3,1% e 3%, os preços são de idêntico nível.

No que se refere às cervejas comercializadas por importadores, os preços são em regra superiores aos nacionais, pois neste caso resultam custos acrescidos: i) com o transporte; e ii) pelo facto da comercialização da cerveja embalada se efectuar apenas na forma não retornável.

c) A distribuição

11 - A distribuição de cervejas, em especial no que se refere ao canal Horeca, está tradicionalmente associada à distribuição de refrigerantes e de águas, nomeadamente pelas elevadas sinergias com aqueles, apenas por implicarem o respectivo consumo nos mesmos locais, constituindo a distribuição conjunta destes produtos, para o distribuidor, uma forma de optimizar a utilização dos seus recursos logísticos de que dispõe.

Apesar destas economias de gama, a distribuição de cervejas tem certas particularidades que a distinguem da distribuição de outras bebidas. Em primeiro lugar, pela sua maior perecibilidade, a distribuição de cervejas exige uma rápida rotação de stocks, o que tem um impacto na frequência das rondas de distribuição, etc. Seguidamente, o facto de parte significativa do consumo de cerveja ser satisfeito pela cerveja de barril implica custos adicionais em termos de equipamento (máquinas, CO2, adaptação das viaturas de distribuição ao transporte de barris, etc.), bem como a necessidade de o distribuidor manter uma rede de assistência técnica ao cliente. Por último, o facto de o seu consumo ser fortemente sazonal leva a que o distribuidor tenha de manter uma estrutura suficientemente adaptada aos períodos de maior procura (os meses de Verão), com os inerentes custos de relativa inactividade ao longo do resto do ano.

12 - As duas principais produtoras, que conjuntamente detêm no mercado nacional 97% da oferta, realizam grande parte das suas vendas através das suas redes de distribuidores exclusivos que escoaram em 1996 cerca de 66% e 72% das vendas da CENTRALCER e da UNICER, respectivamente.

No ano em apreço a rede de distribuição da CENTRALCER era integrada por 97 distribuidores exclusivos, sendo 90 distribuidores locais e 7 distribuidores regionais. As vendas desta última categoria de distribuidores, cujas áreas contratualmente atribuídas correspondem a distritos, representam nas vendas totais dos distribuidores da CENTRALCER, a nível nacional, cerca de 30%.

A actividade principal dos distribuidores, por força da obrigação contratual perante a CENTRALCER de não concorrência é a da comercialização em exclusivo das suas cervejas, águas e refrigerantes, representando em média, e segundo declarações dos distribuidores, as vendas destes produtos no volume de negócios dos distribuidores mais de 90% (declarações a fls. 486 e seguintes).

Pelo que cerca de 68% de toda a distribuição nacional tendo em conta a ponderação das vendas escoadas por cada empresa através de distribuidores e as respectivas quotas de mercado está afecta a distribuidores vinculados em exclusivo em resultado dos contratos que celebram com as produtoras.

13 - Para além da rede de distribuição exclusiva, a CENTRALCER procede também à distribuição directa, que integra a chamada: I) grande distribuição, ou seja cadeias de supermercados e de hipermercados, tanto grossista, como a Makro, como retalhistas como o Continente, Jumbo, ou Carrefour, as centrais de compras e Cash & Carries; II) os clientes estratégicos que se caracterizam pelo facto de centralizarem as suas compras e a negociação das respectivas condições, muito embora possuam estabelecimentos de localização diversificada como é o caso das lojas tipo MacDonald, Pransor, Galpgest ou Portugália e de cadeias de hotéis; e ainda III) os clientes beer drive, que são abastecidos de cerveja directamente de cisternas para depósitos fixos de grande capacidade existentes nos estabelecimentos respectivos.

No caso da CENTRALCER é de 34% o peso da distribuição directa no total das vendas da empresa. No caso da distribuição directa, as entregas são da responsabilidade da CENTRALCER sendo confiadas a distribuidores que recebem uma compensação pelo serviço prestado, já que as vendas são facturadas directamente pela CENTRALCER [declarações do representante da Associação Portuguesa dos Distribuidores de Cervejas e Outras Bebidas (APDCOB), a fls. 495 e seguintes; no caso da Morar, a fl. 487, a CENTRALCER passou a prestar estes serviços directamente a partir de 1995].

Cabe ainda aos distribuidores o fornecimento físico e a respectiva facturação das vendas a clientes do mercado do consumo fora de casa genericamente designado de sector Horeca que integra os hotéis, restaurantes e cafés com os quais a CENTRALCER celebra contratos de compra exclusiva.

14 - No que se refere ao mercado do consumo fora de casa, a CENTRALCER tem vindo a celebrar com estabelecimentos de bebidas contratos de compra exclusiva fornecidos por um distribuidor designado contratualmente pela CENTRALCER. Igual prática tem sido seguida pela UNICER.

No que respeita ao mercado onde estes contratos produzem efeitos, calcula-se que o número de pontos de vendas vinculados a estes contratos ultrapasse já os 1488, correspondendo a 4% do total deste tipo de estabelecimentos.

A entidade instrutora salienta a este propósito que a CENTRALCER, em 1996, registou no consumo fora de casa vendas cujo montante ascendeu a 15 212 000 contos, correspondente a 62,5% das suas vendas totais e que cerca de 9% das suas vendas de cerveja são realizadas no âmbito de contratos de compra exclusiva, daí resultando que os estabelecimentos vinculados à CENTRALCER através de contratos de compra exclusiva consomem 14,4% da cerveja que a empresa destina ao segmento de mercado em causa.

Uma vez que tomámos como referência o mercado da cerveja, mesmo se a este respeito limitado ao segmento Horeca, o Conselho entende ser mais relevante ter em conta a percentagem destas vendas no total daquele segmento de mercado. Assim, de acordo com os dados constantes do processo, as vendas efectuadas pela CENTRALCER ao abrigo daqueles contratos de compra exclusiva representam apenas perto de 3,5% do total das vendas no sector Horeca.

d) A procura

15 - A procura de cerveja apresentou até 1996 uma evolução regressiva, apresentando variações médias negativas da ordem dos 3%, estimando-se que em 1996 a retracção do consumo tenha atingido entre 5% e 6%. De facto entre 1990 e 1996, o consumo de cerveja reduziu-se em 70,5 milhões de litros, ou seja, uma quebra acumulada de 10,3%.

Esta evolução negativa parece explicar-se quer por condições climatéricas pouco favoráveis ao seu consumo, que se têm vindo a registar nos últimos anos (tratando-se de um produto cujo consumo não é uniforme ao longo do ano, crescendo significativamente nos meses mais quentes), quer ainda por alguma transferência de consumo para outras bebidas decorrente, nomeadamente, de condicionalismos legais referentes à condução automóvel.

No entanto a partir de 1996, assistiu-se a uma inversão neste comportamento, tendo o consumo nacional per capita atingido em 1996, 1997 e 1998 (dados previsionais) 61,6 l, 63,2 l e 65,4 l, respectivamente, o que corresponde a um crescimento acumulado de 6,1%.

e) Antecedentes do processo

16 - Antes de proceder à caracterização do modelo contratual actual, que estabelece as relações comerciais entre os distribuidores e a CENTRALCER, o qual é objecto deste processo de contra-ordenação, considera-se oportuno inserir nesta parte o histórico de um outro processo de contra-ordenação envolvendo também aquela rede de distribuidores, no qual foi também arguida a CENTRALCER e que apresenta grande similitude com o actual.

17 - Na década de 80, a CENTRALCER viu o seu sistema de distribuição então adoptado sujeito à apreciação do Conselho da Concorrência (nota 2).

Entendeu então este Conselho aceitar uma solução consubstanciada nos seguintes pontos:

a) Preservação da rede de "agentes" da CENTRALCER, nas diversas fórmulas existentes, mas em imposição de exclusividade de compra dos produtos por ela fabricados (cerveja, refrigerantes e similares), exactamente para que, através desses agentes, existam possibilidades de concorrência entre marcas;

b) Aceitação do sistema de venda através de uma rede de distribuidores exclusivos e da correlativa limitação da liberdade da CENTRALCER de vender a outros agentes económicos;

c) Eliminação, nos contratos, das cláusulas de fixação de "remunerações" de agentes em desconto referenciado ao preço de venda da CENTRALCER ao retalhista em distribuição directa, e de concessão de "abono de frete" que vêm objectivamente criando práticas de redução indesejável de concorrência de agentes;

d) Clarificação do regime existente quanto a vendas em áreas fora das correspondentes aos contratos com cada agente distribuidor, dado que será de esperar que sejam criadas condições para "vendas activas" fora dessas áreas na sequência da eliminação das restrições decorrentes das condições e práticas mencionadas na alínea c) anterior; a tal propósito, o Conselho aceitará que o regime contratual actual teoricamente mais "aberto" (porque, na prática não funciona, por efeito de igualização dos preços) possa ser modificado para permitir, como contrapartida para os agentes actuais, a proibição de estabelecimento de sucursais, agências, armazéns e outras instalações fixas fora de cada área geográfica visada pelos contratos.

Determinou então o Conselho que a CENTRALCER eliminasse as cláusulas e práticas relativas a:

a) Concessão de "abonos de frete" e "remuneração de agentes distribuidores e revendedores autónomos por desconto sobre o preço de venda ao retalho directamente praticado pela CENTRALCER";

b) Proibição, imposta aos distribuidores, de venderem produtos concorrentes daqueles que são objecto dos referidos contratos.

18 - Foi então tida em consideração a circunstância de o processo ter resultado de uma iniciativa da arguida junto do então Secretário de Estado do Comércio Interno e de a CENTRALCER ter igualmente apresentado um pedido de controlo prévio antes de conhecer formalmente a existência de um processo de contra-ordenação.

19 - Na sequência da comunicação pela arguida dos contratos com as alterações impostas pelo Conselho, deu este por encerrado o processo.

D) Os comportamentos da arguida objecto do processo

a) Os contratos de distribuição exclusiva

20 - A CENTRALCER celebra desde 1993 com os seus distribuidores contratos de distribuição que designa de Contratos de Concessionário de Distribuição e Comercialização de Bebidas ou de Contratos de Distribuição, e que vigoram actualmente, pelos quais estabelece o distribuidor como concessionário autorizado de distribuição e comercialização de um conjunto de produtos (cerveja, águas e refrigerantes), atribuindo-lhe uma área geográfica específica.

21 - Os mesmos contratos prevêem ainda que o distribuidor "não fabricará, comercializará ou distribuirá, directamente ou por interposta pessoa, produtos concorrentes com as bebidas, nem quaisquer outros produtos sob marca ou do tipo susceptíveis de confusão com as marcas ou com a CENTRALCER" [cláusula 12.ª, n.º 2, alínea c), fl. 80].

Ao exigir ao distribuidor a exclusividade, o clausulado do contrato vincula ainda o distribuidor a reconhecer e a aceitar expressamente que, em toda ou em parte da área que lhe está afecta, outros distribuidores ou outros agentes económicos ou até a própria CENTRALCER poderão ter a responsabilidade idêntica ou semelhante à sua (cláusula 9.º, n.º 2, fl. 80).

22 - Os contratos prevêem ainda que os distribuidores se obrigam "[...] a manter uma equipa de vendas adequadas e de pessoal experimentado, o qual se apresentará condignamente e fardado de acordo com os padrões adequados à sua actividade e decoradas com publicidade às marcas sob que são comercializadas as bebidas, de acordo com os padrões a definir pela CENTRALCER" [alíneas a) e b) do n.º 2 da cláusula 11.ª, fl. 80].

23 - De acordo com os contratos celebrados em 1993 entre os distribuidores e a CENTRALCER, os mesmos vigoram por cinco anos, renovando-os por iguais períodos podendo ser resolvidos com efeitos imediatos, na sequência nomeadamente:

i) Do incumprimento dos objectivos acordados;

ii) De uma avaliação da realização de vendas que evidencie um afastamento sensível da tendência geral do segmento de mercado de mercado dos produtos comercializados designadamente por insuficiência e ou inadequação dos meios humanos e materiais [alínea b) da cláusula 16.ª, fl. 81], produzindo com a cessação do contrato o imediato vencimento de todos os créditos e débitos existentes entre as partes.

b) As práticas da arguida no seu relacionamento com os distribuidores exclusivos e com outras empresas de distribuição de cerveja.

24 - Nos contratos de 1984 (fls. 110 e seguintes), apreciados no âmbito do processo de contra-ordenação atrás referido, a concessão de uma área geográfica para efeitos de distribuição e venda activa dos produtos não era acompanhada da ressalva constante do modelo contratual actual que prevê a coexistência na área concessionada de clientes directos da CENTRALCER, o que passou a ser formalmente introduzido nos contratos em 1993.

No entanto, e como resulta dos documentos transmitidos pela CENTRALCER ao Conselho no âmbito daquele processo, os contratos com os distribuidores eram já acompanhados de uma carta onde estes davam o seu consentimento à venda directa pela CENTRALCER às "cadeias alimentares", havendo cópia de uma dessas cartas no actual processo (fl. 463).

c) Os contratos de compra exclusiva celebrados com estabelecimentos de bebidas

25 - Com certos pontos de venda do sector Horeca que considera estratégicos, quer pela localização quer pelas quantidades por estes consumidas, a CENTRALCER celebra contratos de compra exclusiva, sendo neste caso os fornecimentos a estes estabelecimentos facturados pelos distribuidores a quem a área contratual se encontra atribuída.

Os contratos são celebrados por um período mínimo de três anos e um máximo de cinco ou até aquisição pelo revendedor de uma quantidade, expressa em litros, de produtos CENTRALCER, contratualmente fixada, consoante o que primeiro ocorrer, obrigando-se o revendedor a não publicitar no estabelecimento produtos similares aos que são objecto do contrato.

d) Fixação da remuneração do distribuidor e abonos de frete

26 - Do processo resulta que a CENTRALCER mantém a prática já analisada na decisão deste Conselho de 1986 de pagar abonos de frete aos seus distribuidores e continua a estabelecer uma harmonização dos preços dos distribuidores, desta vez pela recomendação de preços de venda a retalho que são depois seguidos pelos distribuidores.

27 - Os contratos prevêem (cláusula 4.ª, n.º 1, fl. 79) que "os preços, descontos e outras condições de venda a praticar pela CENTRALCER e os distribuidores serão os constantes da Tabela de Preços e Condições de Venda (adiante designada Tabela), sendo que à data da celebração do contrato, as tabelas que então vigorarem constituirão anexo do mesmo".

Essa tabela, ao ser actualizada, inclui igualmente a referência ao preço praticado pela arguida a retalho (coluna PVR), induzindo dessa forma os distribuidores a tomar a diferença entre o aquele preço e o que com eles é praticado como a sua "margem" ou "remuneração" (v. fls. 188 e seguintes).

Para além da tabela os distribuidores recebem também da CENTRALCER uma tabela de preços recomendados (fls. 519 a 521, colunas "Preço de venda 1998" e "Preço de venda 1997"), cujos preços, na prática, são em regra por aqueles seguidos nas suas relações com a respectiva clientela, funcionando assim como instrumento uniformizador dos preços, determinando que em regra todos os distribuidores pratiquem para os mesmos produtos os mesmos preços (declarações a fls. 488, 490, 492 e 493).

Isto verifica-se porque, segundo os distribuidores, face ao baixo nível de preços praticados pelas grandes superfícies, estes não obteriam clientela para os seus produtos, caso praticassem preços superiores aos recomendados, inviabilizando a curto prazo os seus negócios e por outro lado, não lhes é possível praticar preços abaixo dos que estão recomendados pois consideram que a margem que lhe é atribuída já é muito pequena face aos custos fixos que têm de suportar na distribuição física dos produtos (fl. 488).

No entanto, pontualmente, a CENTRALCER quando pretende, por razões de estratégica comercial, obter determinados níveis de venda, concede descontos especiais a clientes dos distribuidores, sendo no entanto o distribuidor a suportar o adiantamento do custo que resulta do diferencial de preço apurado, sendo este reembolsado posteriormente, por vezes após alguns meses, através de nota de crédito.

28 - Quanto aos abonos de frete, a arguida considera ter-se conformado com a decisão do Conselho de 1986 (fl. 570 e declarações a fl. 602 v.º). Estas afirmações são completamente infundadas pois dos autos consta abundante prova da subsistência generalizada desta prática (v. fls. 265 a 273 e declarações a fl. 263, em resposta a solicitação a fl. 261; fl. 274 e fls. 277 a 287).

E) As diligências de instrução

29 - Por ofício datado de 29 de Setembro de 1998, foi a arguida notificada da nota de ilicitude contra si deduzida (fls. 530 a 547), e confrontada com os factos chegados ao conhecimento da DGCC bem como com a avaliação que dos mesmos foi feita, à luz das disposições do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

A arguida respondeu àquela nota de ilicitude a 4 de Fevereiro de 1998 (fls. 556 a 580).

Tendo recebido o presente processo no início de 1999, e havendo conhecimento de estar em curso a instrução de outro processo de contra-ordenação relativo a práticas da UNICER no mesmo mercado, entendeu o Conselho que a sua decisão deveria aguardar a conclusão da instrução do processo UNICER, de modo a garantir a coerência das duas decisões.

II - Apreciação jurídica e económica

A delimitação do mercado relevante

30 - Na definição dada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, o mercado do produto relevante inclui, em princípio, todos os produtos ou serviços considerados pelo consumidor, devido às suas características, preço ou utilização prevista, como sendo razoavelmente intersubstituíveis (Ac. United Brands, processo 27/76, Colect., 1978, p. 207, cons. 12).

31 - Para efeitos do presente processo, consideramos o mercado da cerveja como mercado relevante do produto, pois pelas suas características endógenas (composição, sabor e aspecto), pelas suas propriedades alcoólicas, pela homogeneidade que apresenta, bem como pela sua capacidade específica para satisfazer as necessidades dos seus consumidores, a cerveja não sofre concorrência de outros produtos. Com efeito, a sua substituibilidade por outras bebidas como o vinho ou refrigerantes é susceptível de ocorrer apenas muito pontualmente.

O mercado dos refrigerantes, sobretudo de bebidas de cola e o do vinho, embora vizinhos daquele, constituem mercados diferenciados.

A diferenciação advém-lhe fundamentalmente das matérias-primas utilizadas, das técnicas de fabrico e no caso do vinho essencialmente do seu teor em álcool.

Também os padrões de consumo destas bebidas associados às preferências dos consumidores confirmam tal delimitação (nota 3), pois enquanto as águas e os sumos são normalmente consumidos durante as refeições em casa, os refrigerantes constituem a bebida favorita em locais que servem refeições rápidas ou em diversas reuniões sociais, os sumos e as águas estão associados ao desejo de beber algo saudável.

Os sumos parecem responder a uma necessidade de nutrição e são normalmente consumidos ao pequeno almoço, os sumos ou as águas estão predominantemente associados às bebidas naturais e na base da sua procura encontram-se sobretudo considerações de saúde e de um estilo de vida saudável.

Por outro lado os refrigerantes são normalmente consumidos devido às suas propriedades estimulantes (açúcar, cafeína, efervescência) e não devido às suas propriedades para saciar a sede.

32 - Na sua resposta à nota de ilicitude, veio a CENTRALCER contestar a delimitação do mercado relevante na sua vertente material. Considera a arguida que "a cerveja sofre, directa ou indirectamente, efectiva concorrência de outras bebidas, quer o vinho e os refrigerantes (cujos consumos têm vindo a aumentar), quer dos chamados 'mixers' e, até, das águas" (fl. 571). Não aponta, contudo, qualquer elemento que comprove essa afirmação e contrarie a análise atrás efectuada das características dos diferentes produtos por ela referidos.

33 - Acresce que a delimitação do mercado relevante a que procedeu a DGCC e que o Conselho aceitou neste processo tem amplo apoio na jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias

34 - Deve notar-se ainda que sempre que o Tribunal de Justiça se referiu ao mercado da cerveja no âmbito das regras da concorrência que inspiraram parcialmente o nosso legislador, aquele foi considerado um mercado relevante.

A título exemplificativo, veja-se o Acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, no processo C-234/89, Stergios Delimitis c. Henninger Bru AG, Colect., 1991, p. I-935, onde o Tribunal de Justiça entendeu que a análise dos "efeitos que produz um contrato de fornecimento de cerveja, em combinação com outros contratos do mesmo tipo, nas possibilidades, para os concorrentes nacionais ou de outros Estados membros, de se implantarem no mercado do consumo da cerveja ou de aumentarem a sua parte nesse mercado e, portanto, quanto à gama dos produtos oferecidos aos consumidores" (cons. 16) "exige, antes do mais, uma delimitação do mercado em questão" (cons. 17).

Ainda de acordo com o Tribunal de Justiça, "Este define-se, em primeiro lugar, em função da natureza da actividade económica em questão, concretamente, a venda de cerveja. Esta faz-se quer pela via do comércio a retalho quer pela das lojas de bebidas. Do ponto de vista do consumidor, o sector das lojas de bebidas, incluindo designadamente os cafés e restaurantes, distingue-se do comércio a retalho, pelo facto das (sic) vendas efectuadas nas lojas de bebidas andarem associadas não apenas com a simples compra de uma mercadoria, mas igualmente com uma prestação de serviços e pelo facto do (sic) consumo de cerveja nas lojas de bebidas não depender essencialmente de considerações de ordem económica. Essa especificidade das vendas nas lojas de bebidas é confirmada pelo facto das (sic) fábricas de cerveja terem organizado sistemas de distribuição específicos para esse sector, que necessitam de instalações especiais, e pelo facto de os preços praticados nesse sector serem, em geral, superiores aos praticados nas vendas do comércio a retalho".

"Daí se conclui que o mercado de referência corresponde, no presente processo, ao da distribuição de cerveja nas lojas de bebidas. Esta conclusão não é infirmada pela circunstância de se verificar uma certa interferência entre as duas redes de distribuição, ou seja, pelo facto de as vendas efectuadas pelo comércio a retalho permitirem a novos concorrentes darem a conhecer as suas marcas e beneficiar da reputação granjeada para aceder ao mercado das lojas de bebidas."

O Tribunal acolheu assim as conclusões do seu advogado geral Van Gerven, pontos 15 e 16, rejeitando os argumentos da Henninger Bru que invocava que o vinho branco constituía um substituto muito próximo da cerveja em certas regiões.

35 - Também a prática deste Conselho tem identificado os mercados referidos pela arguida como mercados distintos (nota 4).

36 - Em conclusão, entende o Conselho que o mercado relevante deve ser delimitado como o mercado nacional da cerveja.

Os contratos de distribuição exclusiva e a obrigação de não comercialização de produtos concorrentes

a) Enquadramento geral

37 - Passando agora à análise dos comportamentos imputados à CENTRALCER, importa começar por analisar os problemas colocados em matéria da obrigação de não comercialização de produtos concorrentes.

38 - Nos termos dos aditamentos notificados a este Conselho na sequência da decisão de 1986, a CENTRALCER eliminou a cláusula de não comercialização de produtos concorrentes nos contratos com os distribuidores, tendo o Conselho considerado que a arguida deu cumprimento à referida decisão.

Surgem agora neste processo novos contratos, concluídos em 1993, onde essa cláusula foi reintroduzida, a par de disposições tendentes a proteger as marcas da arguida (v. supra n.º 21).

A arguida procura explicar aquela cláusula interpretando-a como uma mera cláusula de não concorrência industrial (declarações a fl. 601 v.º). A leitura da cláusula em questão, que proíbe não só a produção como também a comercialização ou a distribuição, directamente ou por interposta pessoa, demonstra inequivocamente que semelhante interpretação não tem qualquer fundamento.

Assim, verifica-se que não foi dado integral cumprimento ao estabelecido na decisão do Conselho de 1986, sendo que a conduta da arguida nesta matéria se reveste de particular gravidade por traduzir uma atitude de manifesto desrespeito de uma decisão deste Conselho. Aliás, a própria arguida assume-se como intérprete autêntico da lei, substituindo-se às autoridades competentes, para considerar que "relativamente à questão da obrigação de não concorrência, importa desde já referir a convicção da arguida de que a mesma não limita o acesso ao mercado de novos distribuidores, antes estimula o seu aparecimento" (fl. 567), isto depois de em 1986 o Conselho ter proibido a arguida de impor tal obrigação aos seus distribuidores.

39 - Tendo decorrido já quase 14 anos desde a decisão anterior que firmou a ilegalidade daquela estipulação, entende o Conselho ser oportuno reapreciar a questão à luz dos desenvolvimentos entretanto ocorridos, quer no mercado em questão quer no quadro da revisão da abordagem das restrições verticais que se verificou a nível comunitário

40 - Passados estes anos, embora tenha ocorrido uma troca de posições entre a CENTRALCER e a UNICER na liderança nacional do mercado das cervejas, o panorama no sector em termos de participantes no lado da oferta não se alterou substancialmente.

Assim, apenas a CENTRALCER e a UNICER produzem actualmente cerveja em Portugal continental, sendo as importações pouco relevantes em termos quantitativos (cerca de 3%).

41 - Não será indiferente a este respeito o facto de a CENTRALCER, pelo menos a partir de 1993, ter reintroduzido formalmente a proibição de comercialização de produtos concorrentes nos contratos com os seus distribuidores e de a mesma proibição imposta à UNICER por decisão de 1985 ter sido suspensa até ao trânsito da mesma em julgado no final de 1997, não tendo a UNICER dado integral cumprimento à decisão mesmo após aquela data, como o Conselho concluiu no processo 3/99, hoje decidido. Por outras palavras, as decisões de 1985 e de 1986 que impuseram à UNICER e à CENTRALCER (esta última então líder do mercado nacional da cerveja), nunca chegaram a produzir os seus efeitos, ainda que por motivos diferentes. Neste ponto, não tendo a CENTRALCER recorrido da decisão e tendo posteriormente desrespeitado a decisão do Conselho sem solicitar uma reapreciação da questão ao Conselho, por exemplo através do processo de apreciação prévia, a sua conduta é particularmente grave.

São seguramente numerosos os factores que contribuíram para a perpetuação do duopólio CENTRALCER/UNICER. Os importadores apontaram como principais causas a necessidade de uma rede de distribuição disponível e adequada às especificidades da distribuição de cerveja (v. n.º 11 supra) e as fortes campanhas promocionais levadas a cabo por aqueles duopolistas.

Dois outros factores são igualmente relevantes para justificar esta situação: a capacidade instalada de produção da CENTRALCER e da UNICER é significativamente excedentária, o que constitui um forte dissuasor da entrada através da abertura de novas unidades fabris; e a importância das marcas, com especial peso para as que têm maior implantação, como a Sagres (CENTRALCER) e a Super Bock (UNICER).

42 - A existência de circuitos de distribuição vinculados à UNICER e à CENTRALCER constitui, em todo o caso, um dos principais entraves à entrada no mercado nacional. Com efeito, apesar das economias de gama envolvidas na distribuição de refrigerantes, águas e cerveja, as características desta última envolvem igualmente especificidades na distribuição (v. n.º 11 supra).

Pela posição que ocupa no mercado da cerveja, a proibição da comercialização de produtos concorrentes, imposta pela CENTRALCER aos seus distribuidores, contribui de forma significativa para o aumento dos obstáculos à entrada, já que exclui um dos principais vectores de penetração no mercado nacional. Com efeito, a penetração ex novo ou a expansão de vendas de outras marcas de cerveja supõe o acesso a um canal de distribuidores com suficiente densidade para permitir uma distribuição eficiente e que contrabalance os custos acrescidos da importação ou decorrentes da abertura de uma nova fábrica no território nacional.

Sendo os custos de distribuição muito mais elevados numa rede especificamente constituída para esse efeito, afigura-se como particularmente benéfica para a criação de condições de uma concorrência mais efectiva neste mercado a possibilidade de novos concorrentes ou concorrentes já instalados no mercado nacional mas ainda com reduzida expressão em termos de vendas recorrerem a canais já implantados, como sejam os distribuidores da CENTRALCER.

43 - O efeito da proibição de comercialização de produtos concorrentes é agravado pela existência dessa obrigação nas relações entre a UNICER e os seus distribuidores, o que leva ao quase encerramento do mercado, com especial destaque para o sector Horeca. Assim, cerca de 68% de toda a distribuição nacional de cerveja - tendo em conta a ponderação das vendas escoadas por cada empresa através de distribuidores e as respectivas quotas de mercado está afecta a distribuidores vinculados em exclusivo em resultado dos contratos que celebram com as produtoras, sendo o remanescente assegurado quase integralmente pela distribuição directa efectuada pela UNICER e pela CENTRALCER.

Tendo presente que a existência de obrigações equivalentes no âmbito dos contratos celebrados pela principal concorrente da CENTRALCER, a UNICER, produz igualmente um efeito sensível nas condições de acesso ao mercado nacional, estas serão apreciadas no processo correspondente, procurando-se assim uma abordagem coerente para o sector, que desconcentre o nível da distribuição de cerveja de modo a tornar o mercado nacional mais competitivo.

No entanto, porque o presente processo contra-ordenacional versa essencialmente sobre o mercado da cerveja, entende o Conselho que os efeitos desta decisão devem, no que respeita à proibição de comercialização de produtos concorrentes posta em prática pela arguida por diversos expedientes adiante analisados, ser centrados naquele mercado. Com efeito, sendo a estrutura dos mercados vizinhos das águas, dos vinhos e dos refrigerantes bastante distinta da que caracteriza o mercado da cerveja, julga-se mais oportuno remeter para uma eventual investigação sectorial que a DGCC entenda levar a cabo naqueles mercados a análise dos efeitos da proibição de comercialização de produtos concorrentes nas diferentes redes de distribuição. Assim, as considerações tecidas na presente decisão a propósito da proibição de comercialização de produtos concorrentes devem entender-se como limitadas ao mercado da cerveja, em consonância com a definição de mercado relevante retida.

Pelo comportamento da arguida no mercado da cerveja, considerando a possibilidade de o poder de mercado detido pela CENTRALCER no que respeita à cerveja ser estendido a outros mercados vizinhos dos refrigerantes, das águas e do vinho e na ausência de uma análise desses mercados, entende o Conselho que se justifica a manutenção das proibições constantes da anterior decisão de 1986, sendo que a limitação decorrente do exposto no parágrafo anterior apenas será tida em conta para efeito de apurar a responsabilidade contra-ordenacional da arguida.

44 - A proibição da cláusula de não comercialização de produtos concorrentes, bem como de outras cláusulas que tenham por objecto ou como efeito impedir a comercialização daqueles produtos pelos distribuidores da rede CENTRALCER é conforme às novas orientações assumidas pela Comissão Europeia em matéria de restrições verticais (nota 5). Com efeito, na nova abordagem daquela instituição comunitária, na maior parte dos casos de restrições verticais, as preocupações jus-concorrenciais apenas são justificadas na presença de um certo grau de poder de mercado ao nível do fornecedor, do comprador, ou de ambos (nota 6). No seu sentido económico, o poder de mercado é definido como o poder de aumentar o preço acima do seu nível concorrencial e de, pelo menos no curto prazo, obter lucros supranormais. O conceito de poder de mercado não se confunde com a noção de posição dominante, sendo indiscutível que, pela sua quota de mercado e pela força da sua principal marca, a arguida dispõe de poder de mercado no mercado relevante acima definido.

45 - Conclui assim o Conselho que a imposição, directa ou indirecta, de uma obrigação de não comercialização de produtos concorrentes pela CENTRALCER aos seus distribuidores constitui uma restrição da concorrência contrária ao artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

b) Reforço dos efeitos da cláusula de proibição da comercialização de produtos concorrentes por meio de outras cláusulas restritivas da concorrência.

46 - Os efeitos de uma cláusula de proibição de comercialização de produtos concorrentes podem ser obtidos através do recurso a outras cláusulas e práticas restritivas da concorrência (nota 7). Daí que o Conselho tenha já salientado que as condições de venda associadas à realização de um nível mínimo de negócios ou de um montante mínimo de aquisições periódicas pode, em certos casos, revelar-se restritiva da concorrência (nota 8).

47 - Na sua nota de ilicitude, a DGCC considerou que também as cláusulas contratuais que obrigam os distribuidores a apenas utilizarem pessoal fardado de acordo com o modelo standard estabelecido pela CENTRALCER, bem como veículos automóveis ostentando as cores e insígnias desta empresa, por constituírem um meio de assegurar o cumprimento da obrigação de não comercialização de produtos concorrentes, restringem de forma significativa a concorrência.

Não estando os distribuidores da CENTRALCER integrados formalmente na sua estrutura empresarial, a cláusula que obriga aqueles agentes económicos a distribuir os produtos em viaturas de modelo, design e cores aprovadas pela arguida, bem como a vestir os seus funcionários com fardamento com o modelo estabelecido por esta, restringe a liberdade dos distribuidores de privilegiar na sua actividade a promoção de outras marcas e mesmo de estabelecer a sua identidade empresarial autónoma, ficando a sua imagem fortemente associada à CENTRALCER e às marcas desta.

48 - Note-se que as viaturas em questão não são propriedade da CENTRALCER, não assumindo esta os encargos com a sua aquisição ou locação. Esta cláusula não se assume como contrapartida de qualquer benefício específico concedido ao distribuidor (ainda que a arguida afirme suportar metade dos custos dos fardamentos e assumir integralmente os custos inerentes à decoração das viaturas, fl. 564).

49 - Um distribuidor pode, voluntariamente, optar por indicar a sua qualidade de distribuidor exclusivo da CENTRALCER. Mas um efectivo acesso ao mercado por parte de outros concorrentes da arguida supõe a possibilidade de estes decidirem da apresentação dos respectivos funcionários, bem como dos veículos utilizados na sua actividade.

50 - O Conselho entende, pois, que as cláusulas que obrigam os seus distribuidores a utilizar viaturas de modelo, design e cores aprovadas pela arguida, bem como a vestir os seus funcionários com fardamento com o modelo estabelecido por esta restringem a liberdade comercial daqueles operadores económicos, limitando igualmente, a par da cláusula de não comercialização de produtos concorrentes, a liberdade desses agentes de promover produtos concorrentes dos comercializados pela arguida. Entende por isso o Conselho que também estas cláusulas são restritivas da concorrência e contrárias ao artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

Os métodos de remuneração dos distribuidores e a restrição de concorrência intramarca

51 - A prática de recomendar os preços que os distribuidores devem praticar com os seus clientes determina ao nível da distribuição uma limitação no nível da concorrência intramarca, pois os efeitos resultantes de tal recomendação, ao ser seguida por todos sos distribuidores, leva à uniformização de preços. Considerando ainda a estrutura duopolista do mercado da cerveja, onde a concorrência entre a arguida e a UNICER se faz essencialmente em termos de marcas e respectiva publicidade, essa uniformização facilita uma coordenação tácita entre aquelas empresas quanto aos preços.

52 - Por outro lado, a concessão de abonos de frete aos distribuidores contribui para a uniformização de preços, pois desta forma os distribuidores não fazem repercutir no preço da revenda o custo relativo ao transporte, que constituiria um factor diferenciador dos preços.

As práticas atrás referidas contrariam o estabelecido na decisão do Conselho da Concorrência de 1986, a qual determinava que a CENTRALCER deveria eliminar as cláusulas e práticas referentes à concessão de abonos de frete e "remuneração de agentes e distribuidores [...], porque os efeitos decorrentes se vêm configurando, pelo enquadramento num objectivo de uniformização de preços como restritivos da concorrência".

53 - O conjunto de elementos constantes do processo permite ao Conselho concluir que, no seu conjunto, a recomendação ao distribuidor do preço de venda a retalho e a prática dos abonos de frete têm por objecto e como efeito proceder a um alinhamento dos preços praticados pelos distribuidores (v. supra n.os 27 e 28).

Trata-se, assim, de um conjunto de práticas manifestamente restritivas da concorrência ao fazer substituir ao jogo da oferta e da procura um alinhamento dos preços praticados pelos distribuidores, em clara violação do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, em particular no que respeita à sua alínea a).

As práticas da arguida na condução da sua política de distribuição

54 - A CENTRALCER é igualmente acusada de ter violado o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, por ter abusado do estado de dependência económica dos seus distribuidores através da "invasão" das áreas atribuídas aos distribuidores, pelas vendas directas da CENTRALCER às grandes estruturas de comércio retalhistas, com grande poder de mercado e consequentemente com força negocial, os chamados clientes directos, fornecidos directamente pela CENTRALCER.

No processo relativo à UNICER, decidido neste mesmo dia, o Conselho da Concorrência foi igualmente chamado a pronunciar-se em concreto sobre aquela norma, introduzida na nossa ordem jurídica por aquele diploma (nota 9). Refira-se, contudo, que já anteriormente o Conselho analisara o comportamento de uma empresa no contexto do respectivo sistema de distribuição à luz do conceito de abuso de dependência económica (nota 10).

Na interpretação a dar ao artigo 4.º, será assim tida em conta a anterior prática do Conselho e, em particular, a decisão hoje tomada no caso UNICER.

55 - Como o Conselho teve oportunidade de observar no seu parecer 1/93, relativo à versão de 9 de Janeiro de 1993 do projecto de lei de defesa da concorrência, "a figura do abuso da dependência económica, expressamente acolhida no artigo 8.º, n.º 2, da nova lei francesa de 1986, surge justamente da necessidade de se preservar, por um lado, o rigor da interpretação das disposições em matéria dos abusos por parte de empresas em posição dominante e cuja incidência se verifica sobretudo no relacionamento horizontal, e, por outro, da conveniência em, sob o ponto de vista do funcionamento global do mercado, se reprimirem os abusos de carácter predominantemente vertical praticados por empresas que, apesar de não deterem uma posição dominante, são parceiros económicos obrigatórios".

56 - Importa, ainda a título introdutório, indicar quais os requisitos de aplicação do artigo 4.º Dispõe aquele artigo que:

"É também proibida a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, do estado de dependência económica em que se encontre relativamente a elas qualquer empresa fornecedora ou cliente por não dispor de alternativa equivalente, nomeadamente quando se traduza na adopção de qualquer dos comportamentos previstos no n.º 1 do artigo 2.º"

Assim, tal como na lei francesa de 1986, em que o legislador de 1995 se inspirou directamente, podemos apontar como requisitos expressos da noção de abuso de dependência económica: 1.º a existência de um estado de dependência económica; e 2.º a exploração abusiva desse estado.

57 - Do confronto da nossa lei com a lei francesa resultam duas diferenças aparentes. Em primeiro lugar, na lei francesa, o abuso de dependência económica está estreitamente ligado à noção de abuso de posição dominante, surgindo ambos os conceitos no mesmo artigo (o artigo 8.º, n.os 2 e 1, respectivamente) (nota 11). Em segundo lugar, o proémio daquele artigo sujeita as duas figuras às mesmas condições aplicadas à proibição de acordos e práticas concertadas constante do artigo 7.º, o que implica que não só é aqui aplicável o respectivo elenco exemplificativo de comportamentos restritivos, como também o requisito de que os comportamentos em causa tenham por objecto ou possam ter como efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência num mercado.

Quanto à primeira diferença, ela desvanece-se após uma leitura mais atenta do próprio artigo 4.º, especialmente se, a exemplo da lei francesa, tivermos em conta a sua integração sistemática. Assim, a expressão "É também proibida" indicia a necessidade de interpretar esta disposição em conjunto com o artigo 3.º Não sendo a técnica legislativa idêntica, vimos já que a génese desta figura está ligada às limitações do conceito de abuso de posição dominante, visando "manter a coerência do tratamento dos casos de abuso de posição dominante por parte de empresas que detêm um domínio de mercado em termos absolutos e dotar a política de concorrência de um instrumento novo adequado à disciplina das situações de domínio relativo, isto é, no quadro de relações bilaterais ou relativamente a um número limitado de parceiros comerciais" (nota 12). Assim, o artigo 4.º tipifica um tipo de abuso que se diferencia do abuso de posição dominante, desde logo, por este último exigir que o seu autor tenha "uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte substancial deste", substituindo esta exigência de uma posição dominante no mercado pelo requisito da existência de um estado de dependência económica.

58 - Introduzida assim esta nova prática restritiva da concorrência, no dizer do próprio preâmbulo do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, poder-se-ia pensar que o facto de o artigo 4.º não reproduzir o requisito dos artigos 2.º e 3.º que exige que as práticas objecto dessas disposições "tenha por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional", dispensaria as autoridades nacionais de demonstrar o carácter restritivo dos comportamentos que sejam objecto do artigo 4.º

59 - Entende, no entanto, o Conselho, que este argumento literal não é decisivo, na medida em que os objectivos da nossa lei de defesa da concorrência e a própria inserção sistemática do artigo 4.º militam fortemente no sentido de apenas considerar como abuso de dependência económica comportamentos que tenham igualmente por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional.

Com efeito, tendo o Decreto-Lei 371/93 por finalidade a protecção do processo competitivo, dificilmente seria compreensível a inclusão no seu articulado de uma norma de cuja aplicação estariam arredadas quaisquer considerações relativas ao carácter restritivo dos comportamentos em causa. Estaríamos então perante uma nova prática individual, fenómeno absurdo quando estas foram autonomizadas no Decreto-Lei 370/93.

Por outro lado, deve ter-se em conta que o artigo 4.º surge na sequência dos artigos 2.º e 3.º com o objectivo de colmatar o que se julgou ser uma lacuna deste último e não com o fim de introduzir na lei de defesa da concorrência considerações alheias a esta.

60 - Se é certo que esta disposição, estando inserida no diploma relativo à defesa do processo concorrencial, não deve constituir um "seguro de vida" para qualquer empresa, não é menos claro que ela visa proteger aquele processo, impondo especiais deveres de conduta às empresas que se encontram numa posição de domínio relativo face a outras, independentemente da dimensão destas.

61 - É com base nestes critérios que os comportamentos imputados à CENTRALCER devem ser apreciados.

a) Estado de dependência económica

62 - Antes de analisar em concreto a situação dos distribuidores da CENTRALCER, é necessário apurar os critérios relevantes para a qualificação do estado de dependência económica.

63 - Recorrendo ao direito comparado, verificamos que o Conseil de la Concurrence francês considera que "une entreprise se trouve dans une situation de dépendance économique vis-à-vis d'un fournisseur ou d'un client avec lequel elle réalise une part importante de ses ventes ou de ses achats, dès lors que, dans l'hypothèse où elle devrait renoncer à ces ventes ou ces achats, elle ne disposerait d'aucune solution équivalente pour poursuivre son activité" (Conseil de la Concurrence, relatório de actividade de 1998). Trata-se de uma definição que se adequa igualmente à previsão do artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, e que este Conselho acolhe favoravelmente.

64 - Sendo que os critérios que permitem aferir da existência de dependência económica podem diferir consoante se analise a dependência de um produtor relativamente a um distribuidor ou a deste relativamente ao primeiro, no presente processo é esta última situação que está em jogo.

Os critérios seguidos no direito francês para aferir da dependência económica dos distribuidores relativamente aos respectivos fornecedores são os seguintes (ver nota 13):

Notoriedade da marca;

Quota de mercado do fornecedor;

Peso dos produtos do fornecedor nas vendas do distribuidor;

Ausência de solução equivalente.

65 - Entende o Conselho que os critérios citados são igualmente aplicáveis no que respeita à aplicação do artigo 4.º, directamente inspirado, como se viu, no artigo 8.º, n.º 2, da Ordonnance de 1986.

66 - No que respeita ao caso concreto da CENTRALCER, constata-se que as marcas de cerveja comercializadas por aquela empresa têm um forte peso junto dos consumidores, com destaque para a marca Sagres, frequentemente associada à promoção de grandes eventos desportivos e que representa cerca de 30% do consumo nacional de cerveja. A notoriedade desta marca junto dos consumidores é reforçada pela exigência imposta aos distribuidores de dar aos fardamentos dos seus funcionários e às suas viaturas uma aparência ditada pela CENTRALCER, que tende a valorizar as marcas desta junto dos próprios clientes dos distribuidores, criando uma forte associação entre estes e os produtos da arguida.

67 - Quanto à quota de mercado da CENTRALCER, dos autos resulta que a arguida dispõe de uma posição de mercado muito significativa (36%). Para declarar preenchido este critério basta constatar a elevada quota de mercado detida pela arguida e a existência de obstáculos à entrada que dificultam a entrada de novos concorrentes, ao que acresce a presença no mercado de outro grande operador, sendo o sector cervejeiro caracterizado por uma estrutura duopolista do lado da produção onde a arguida detém a segunda posição bastante acima de qualquer dos restantes concorrentes (a terceira maior, a SUMOLIS, detém apenas 1,5% do mercado nacional da cerveja).

68 - Segundo a conclusão a que chegou a DGCC, "embora a percentagem que os produtos CENTRALCER representam no volume de vendas dos seus distribuidores não seja igual para todos constata-se que de uma maneira geral a mesma ultrapassa os 80%, verificando-se frequentemente nos caso de distribuidores de menores dimensões, impossibilitados de diversificarem a sua actividade que a mesma atinge os 99%".

Na sua resposta à nota de ilicitude, a arguida alegou não se verificar que os distribuidores dependam, em média, em mais de 90% das suas vendas em produtos CENTRALCER, pois tal estrutura de negócios nos distribuidores se situa nas regiões nas quais a arguida detém a melhor quota de mercado, enquanto noutras regiões como o norte os produtos da arguida apenas representam menos de 50% do total dos seus negócios.

Conforme ficou registado em autos de inquirição de testemunhas, a que se procedeu na sequência de solicitação da arguida, esta assumiu o compromisso de enviar a esta Direcção-Geral declarações de distribuidores referindo expressamente os respectivos níveis de dependência da CENTRALCER.

Contrariamente ao referido na resposta à nota de ilicitude e nos autos, todos - apenas com excepção de um caso que não consta da listagem de distribuidores enviada à DGCC na sequência de um pedido de elementos, formulado à arguida -, os distribuidores contactados por esta confirmaram níveis que se aproximam dos que foram referidos pela DGCC na nota de ilicitude, os quais foram baseados em autos de declarações (fls. 488, 491 e 493) realizados na Direcção-Geral antes do envio da respectiva nota de ilicitude.

69 - Mesmo que o peso dos produtos de uma determinada empresa nas vendas de um distribuidor seja muito significativo, só estaremos perante uma situação de dependência económica quando esse distribuidor não possa encontrar alternativas equivalentes no mercado.

De acordo com a doutrina francesa, a apreciação deste critério legal implica uma análise em duas vertentes: uma, objectiva, consiste em examinar o mercado para verificar se há possibilidades de abastecimento em produtos substitutos ou outras vias de acesso ao mesmo produto, a outra, subjectiva, visa constatar se essas outras fontes ou alternativas são economicamente praticáveis para a empresa em causa, tendo em conta o período de tempo necessário para obter essa solução equivalente sem pôr em causa a sua sobrevivência bem como o custo de uma eventual mudança de fornecedor (ver nota 14).

Analisando o mercado nacional de cerveja, constata-se que não há possibilidades de obter abastecimento de outras fontes, já que a UNICER tem uma rede de distribuidores exclusivos já implantada, detendo os restantes fornecedores uma posição demasiado reduzida para que possam constituir uma alternativa viável para o fornecimento de cerveja aos distribuidores em causa. Situação idêntica se verifica quanto à distribuição de águas e refrigerantes, onde os engarrafadores e produtores que detêm as principais marcas dispõe já de redes de distribuição exclusiva implantadas, pelo que dificilmente aceitarão novos concessionários (sendo que ainda assim seria necessário que o distribuidor incorresse em importantes custos de adaptação da sua estrutura comercial devido às especificidades da distribuição de cerveja, v. n.º 11 supra).

Por efeito da cláusula de não comercialização de produtos concorrentes e tendo o outro principal produtor mantido um sistema de distribuição exclusiva caracterizado pela mesma proibição de comercializar produtos concorrentes, a única alternativa para os distribuidores que pretendam continuar a comercializar cerveja consiste em comercializar outras marcas com menor implantação.

Colocados numa situação de extrema dependência dos produtos CENTRALCER e tendo em conta a notoriedade das marcas da arguida, especialmente a marca Sagres, os seus distribuidores dificilmente conseguiriam sobreviver, posto que os seus clientes lhes adquiriam essencialmente os produtos da arguida.

Privados de uma gama de bebidas onde a cerveja Sagres constitui um produto âncora de peso decisivo no que à cerveja diz respeito, os distribuidores não podem oferecer aos seus clientes produtos concorrentes daqueles devido à existência de outras redes de distribuidores exclusivos que já trabalham esses produtos junto da mesma clientela. Nem podem sequer depender apenas dos outros produtos, essencialmente produtos alimentares, já que estes têm um peso reduzido nas suas vendas e que para transformar a comercialização destes na sua nova actividade principal implicaria uma significativa perda de negócio (as bebidas produzidas ou comercializadas pela arguida), com elevados custos decorrentes dos investimentos específicos assumidos para a venda de bebidas (com particular destaque para as viaturas e para os armazéns). Neste aspecto, sendo a actividade principal dos distribuidores a distribuição de bebidas, em grades, paletes e barris, e a recolha do respectivo vasilhame, dificilmente se podem considerar como alternativas a comercialização de produtos alimentares como o café ou outros, sendo ainda de destacar que estes apenas são comercializados a título complementar, aproveitando a presença junto dos clientes para promover algumas vendas adicionais desses outros produtos. Note-se ainda que tais produtos alimentares podem igualmente ser adquiridos directamente junto das grandes superfícies e cash & carry, sendo que o custo da sua distribuição porta-a-porta (actividade que caracteriza a mais-valia dos distribuidores) dificilmente justificaria a sua comercialização a título principal.

É importante também ter presente que o principal factor de atracção de clientela à disposição dos distribuidores da arguida consiste na notoriedade das marcas por ela comercializadas, em especial a marca Sagres. Ou seja, o acesso à clientela depende da disponibilidade de produtos com suficiente interesse comercial para aqueles clientes. Sem dispor de um produto âncora como a cerveja Sagres, e não podendo, como se viu, obter produtos de notoriedade equivalente, os distribuidores dificilmente poderiam conservar sequer uma ínfima parte dos seus clientes.

Tal é ainda agravado pelo facto de os distribuidores verem a sua imagem comercial subalternizada à da arguida, por efeito das cláusulas relativas aos fardamentos e à decoração das respectivas viaturas.

Por estes factores, a subsistência dos distribuidores seria irremediavelmente posta em causa a partir do momento em que deixassem de comercializar os produtos da CENTRALCER, como de facto sucedeu nos casos acima referidos.

Na actual estrutura de mercado não existe uma alternativa equivalente aos produtos da arguida que permitisse a sobrevivência dos seus distribuidores.

70 - Pelo exposto, considera o Conselho ter ficado provado nos autos que os distribuidores da CENTRALCER ouvidos nos autos ou que a este juntaram elementos relativos ao peso das vendas de produtos da arguida na sua actividade se encontravam numa situação de dependência económica relativamente àquela empresa no momento em que foram adoptados os comportamentos objecto deste processo.

b) Exploração abusiva do estado de dependência económica

71 - Na conclusão do seu relatório, a DGCC considera que "a modificação unilateral das relações contratuais com os seus distribuidores, traduzida na implementação de um sistema de vendas directas a grandes retalhistas em áreas geográficas atribuídas a distribuidores sem contrapartida para estes, mantendo-se nomeadamente a exigência da CENTRALCER de não comercialização por parte destes de produtos concorrentes, quando se verifica que estes distribuidores dependem, em média, em mais de 90% da venda dos produtos CENTRALCER, constitui um caso flagrante de exploração por parte da CENTRALCER da situação de dependência económica em que se encontram relativamente a ela os seus distribuidores, por não disporem de alternativa equivalente".

Resulta do relatório que a DGCC acusou a arguida de ter abusado do estado de dependência económica em que se encontram os distribuidores face à CENTRALCER na sequência das alterações sofridas pelo modelo contratual examinado pelo Conselho em 1986, decorrentes do aparecimento e expansão das grandes superfícies.

"De facto, o surgimento de novas estruturas de comércio retalhista, vulgarmente designadas de grandes superfícies exigindo novas formas de abastecimento, determinaram a modificação dos contratos com os distribuidores que se traduziu na introdução da figura dos clientes directos, os quais passaram a operar nas zonas inicialmente atribuídas aos distribuidores e a ser fornecidos directamente pela CENTRALCER.

Só que a introdução desta figura - clientes de grande dimensão a laborar nas áreas afectas a distribuidores - não determinou a redução das quantidades impostas pela CENTRALCER para revenda pelos distribuidores, nem mesmo a desvinculação para estes da obrigação de não concorrência.

Desta forma estão impossibilitados de diversificarem, dentro do mesmo ramo de negócio, a sua actividade, para além de não se ter verificado qualquer contrapartida em consequência da alteração nas relações contratuais em consequência do aparecimento de tais estruturas de comércio, quando se verifica, pelas características da oferta e da natureza dos contratos de distribuição da principal concorrente a ausência de uma alternativa equivalente."

72 - Não pode, contudo, o Conselho subscrever semelhante entendimento do artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro. Com efeito, a dar provimento a tal interpretação, aquela disposição seria erigida em instrumento de apreciação do equilíbrio das obrigações contratuais livremente assumidas pelas partes e em meio de protecção de uma expectativa de continuação de uma actividade nas condições inicialmente acordadas ou em condições equivalentes. O Conselho ver-se-ia irremediavelmente afastado da sua tarefa de defesa do processo competitivo para se tornar no árbitro de todos os conflitos contratuais e protector do negócio dos que não se podem adaptar à permanente mutação dos mercados.

Para que possa existir um abuso de dependência económica, é necessário que o comportamento abusivo tenha por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência.

Ora não se vê como pode a transformação de um sistema de distribuição exclusiva fechado num sistema onde é possível a concorrência intramarca no interior da zona em questão impedir, falsear ou restringir a concorrência.

73 - Não está, por isso, em causa a legalidade de um sistema de distribuição que combine a nomeação de distribuidores exclusivos com a possibilidade de vendas directas a uma determinada categoria de clientes. Com efeito, na medida em que tal introduz mesmo um elemento acrescido de concorrência intramarca, já que pelo menos parte da clientela dos distribuidores se pode abastecer junto daquelas grandes superfícies e redes grossistas, um tal sistema pode mesmo ser considerado benéfico do ponto de vista jus-concorrencial (ver nota 15).

74 - Em causa está, isso sim, a actuação da arguida para com os seus distribuidores no contexto de uma modificação do exclusivo que lhes foi inicialmente atribuído. Ora constitui entendimento constante do Conselho que o relacionamento entre o concedente e os seus distribuidores deve obedecer a certos requisitos materiais, sendo que os termos de tais contratos devem ser fixados objectivamente por forma a evitar discriminações entre distribuidores e que as condições em que são modificados, denunciados ou rescindidos devem observar os mesmos princípios (ver nota 16).

Ora, tendo em conta aqueles princípios, do regime jurídico de defesa da concorrência, em particular do artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, decorrem algumas regras em matéria de modificação do sistema de distribuição, sendo de destacar que qualquer alteração ao sistema de distribuição existente deveria ter por base a prévia definição de um novo conjunto de regras de relacionamento com os concessionários de que constituiria uma mera aplicação.

Assim, a opção por um sistema de distribuição com dois canais, rede de distribuidores e vendas directas a certos clientes, daí resultando um inevitável desvio de clientela para os distribuidores que anteriormente detinham um exclusivo nesse território, deve ser previamente negociada e fixada em termos objectivos que permitam uma aplicação neutra e não discriminatória dos critérios assim firmados. Desde que preenchidas estas regras elementares, não se pode entender existir um abuso de dependência económica, sob pena de perpetuar um sistema de distribuição onde existiria sempre menos concorrência intramarca.

75 - Sucede que no presente caso não é possível concluir pela existência de semelhante abuso quanto à introdução da possibilidade de a CENTRALCER vender directamente a certos clientes em virtude do seguinte:

Em primeiro lugar, as modificações dos contratos ocorreram em 1993, ou seja, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, que veio consagrar no seu artigo 4.º a figura do abuso de dependência económica.

Seguidamente, o facto de já em 1987 ter sido consagrado esse sistema, sem que então ou durante o presente processo tenha sido apresentada qualquer queixa quanto à forma como a arguida procedeu.

Por último, porque parece resultar dos autos que, de facto, a arguida compensou durante bastante tempo os seus distribuidores mediante a prática de realizar o fornecimento desses clientes através desses distribuidores, concedendo-lhes uma remuneração que parece ter sido adequada. Em apenas um caso um distribuidor referiu que a arguida deixou de lhe solicitar esse serviço em 1995.

76 - O único aspecto passível de censura à luz do artigo 4.º diz respeito à forma como é concretizada essa distribuição directa nos casos em que existe um território exclusivo (o que apenas sucede no caso dos distribuidores regionais, já que os distribuidores locais não gozam de qualquer exclusivo à luz do contrato tipo de 1993). Importa que qualquer excepção ao exclusivo relativa a uma categoria de clientes seja concretizada com uma lista de clientes a abastecer directamente pela CENTRALCER, a qual deve fazer parte integrante do contrato. Só dessa forma será possível dar alguma fixidez ao conteúdo do exclusivo concedido ao distribuidor de modo a impedir uma abusiva contracção do mesmo por mera vontade da arguida.

Assim, o Conselho entende que a arguida deve aplicar este princípio, introduzindo as necessárias modificações aos respectivos contratos de distribuição. No entanto, porque não foram apresentadas queixas, não se afigura oportuno impor qualquer coima relativamente a este comportamento.

Os contratos de compra exclusiva

77 - O sistema de distribuição da CENTRALCER assenta também em contratos de compra exclusiva que esta empresa celebra com retalhistas do sector Horeca.

78 - Entendeu a DGCC que também estes contratos constituem uma forma de limitar o acesso ao mercado do consumo fora de casa por parte de empresas situadas no mesmo estádio económico pois impedem que outras empresas possam efectuar fornecimento de cerveja aos retalhistas a ela vinculados, violando também o preceituado no artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

79 - De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este tipo de contratos pode, em determinadas circunstâncias, ter como efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência. Assim, no acórdão Stergios Delimitis c. Henninger Bru, o Tribunal entendeu que para apreciar se a existência de vários contratos de fornecimento de cerveja entrava o acesso ao mercado alemão da distribuição de cerveja nas lojas de bebidas, "é necessário [...] analisar a natureza e a importância do conjunto desses contratos" (cons. 19), fornecendo um conjunto de indicações sobre os passos a seguir nessa análise. "Se da análise do conjunto dos contratos similares celebrados no mercado de referência e dos outros elementos do contexto económico e jurídico do contrato em causa se concluir que esses contratos não têm por efeito cumulativo fechar o acesso a esse mercado aos novos concorrentes nacionais e estrangeiros, os contratos individuais, que compõem o feixe de acordos, não podem constituir um obstáculo ao livre jogo da concorrência, na acepção do n.º 1 do artigo [81.º] do Tratado. Por conseguinte, escapam à proibição prevista nessa disposição" (cons. 23).

80 - Ora, o volume de vendas total ao abrigo dos contratos de compra exclusiva celebrados pela CENTRALCER representa apenas 3,5% do total das vendas no sector Horeca. Mesmo que se tenha em conta o peso dos estabelecimentos vinculados por contratos similares com a UNICER, o grau de encerramento do mercado continua a ser diminuto, não ultrapassando os 11% do total de vendas no canal Horeca.

Nestas condições, o elevado número de pontos de venda não vinculados à UNICER e à CENTRALCER e sobretudo a proporção das vendas de cerveja comercializadas por esses estabelecimentos face às vendas realizadas pelos estabelecimentos vinculados permitem concluir que o efeito cumulativo daqueles contratos não atingiu ainda níveis suficientes que permitam concluir, a priori, pela existência de um eventual efeito de encerramento do mercado. Mesmo que assim fosse, seria ainda necessário atender a um conjunto de outros factores elencados nos considerandos 21 e 22 do acórdão citado para fundamentar a conclusão de que o mercado estaria encerrado por efeito desses contratos.

Não é, por isso, necessário verificar se os contratos em causa estavam abrangidos pelo Regulamento 1984/83 ou se podem beneficiar do actual Regulamento de isenção.

81 - Entende por isso o Conselho que os contratos de compra exclusiva celebrados pela CENTRALCER não devem ser considerados restritivos da concorrência, uma vez que, nas circunstâncias actuais, não levam a um efeito de encerramento do mercado.

Dada a propensão manifesta da arguida para procurar entravar as vendas por parte de novos concorrentes, negando-lhes o acesso aos seus distribuidores através dos expedientes atrás examinados, os contratos de compra exclusiva podem, se generalizados ou aplicados selectivamente aos melhores clientes de uma determinada zona geográfica, conduzir a um efeito idêntico de encerramento do mercado nacional da cerveja, em especial se se atender à sua duração bastante prolongada (três a cinco anos). O Conselho entende por isso ser oportuno solicitar à DGCC que proceda ao acompanhamento da evolução das vendas ao abrigo destes contratos no total das vendas de cerveja realizadas no segmento Horeca e que analise se a sua duração é de facto justificada tendo em conta os investimentos realizados pela CENTRALCER em cada ponto de venda e a possibilidade de obter deles um retorno positivo (devendo ter-se em conta a susceptibilidade de esses equipamentos serem utilizados noutros pontos de venda). Para o efeito deve a arguida enviar anualmente à DGCC uma lista dos contratos de compra exclusiva concluídos com aquele tipo de estabelecimentos, com indicação do volume de cerveja vendido através desses contratos.

Balanço económico

82 - Identificado um conjunto de práticas restritivas da concorrência, importa agora considerar a existência de elementos que permitam eventualmente justificá-las ao abrigo do balanço económico previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

a) As cláusulas tendentes a impedir ou dissuadir a comercialização de produtos concorrentes

83 - A proibição de comercialização de produtos concorrentes pode contribuir para uma mais fácil penetração num determinado mercado, garantindo ao fornecedor que o distribuidor concentrará os seus esforços nos produtos objecto do contrato. Naturalmente este benefício apenas é atendível quando o fornecedor dispõe ainda de uma reduzida quota de mercado, o que não sucede com a CENTRALCER. Do mesmo modo, essa cláusula pode contribuir para salvaguardar os investimentos efectuados pelo fornecedor a favor do distribuidor, por exemplo, através da aquisição de viaturas, locação de instalações, etc., o que não sucede no caso já que estes custos são essencialmente suportados pelo distribuidor.

84 - Sucede, no entanto, que estes efeitos positivos devem ser ponderados à luz dos seus efeitos negativos, em particular o efeito de encerramento do mercado, resultante da vinculação de um importante canal de distribuição a apenas uma empresa. Quando há redes alternativas (e. g. um conjunto de grossistas não vinculados capazes de assegurar um abastecimento regular dos produtos em causa, com uma cobertura geográfica adequada) ou os custos de entrada ao nível da distribuição são reduzidos (e. g. quando um operador já estabelecido no mercado pode tirar proveito da sua rede para servir de vector de entrada de novos produtos, em especial quando seja possível realizar economias de gama) e não há um elevado grau de concentração do mercado, este tipo de restrições não suscita, em princípio, objecções, desde que acompanhado da demonstração de um balanço económico positivo. Mas quando aquelas condições não estão reunidas, a defesa da concorrência impõe que seja assegurada a liberdade de acesso ao mercado através da eliminação de entraves artificiais, como os que decorrem da vinculação dos distribuidores a um fornecedor apenas.

Daí que, por exemplo, o Regulamento (CE) n.º 2790/1999, da Comissão, relativo à aplicação do n.º 3 do artigo 81.º do Tratado CE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO, n.º L 336, de 29 de Dezembro de 1999, p. 21) não permita a isenção de qualquer obrigação de não concorrência directa ou indirecta cuja duração seja indefinida ou ultrapasse cinco anos [artigo 5.º, alínea a)].

Nesse caso, a restrição da liberdade do distribuidor de escolher os produtos que pretende distribuir produz um efeito de limitação da concorrência entre-marcas, a qual supõe a possibilidade de acesso ao mercado, nomeadamente através de uma rede de distribuidores.

Estando os principais distribuidores de cerveja a nível nacional vinculados à arguida ou à Unicer, o efeito cumulativo destas restrições consiste em excluir os concorrentes destas empresas dos distribuidores nacionais que comercializam cerca de 68% da cerveja vendida em território nacional, sendo que o peso daquelas duas empresas na distribuição directa corresponde a mais 29% das vendas de cerveja.

85 - Analisando assim em concreto o sistema de distribuição da arguida, constatamos que, sendo este um mercado maduro e tendo a CENTRALCER uma fortíssima implantação junto dos consumidores nacionais, a restrição da liberdade do distribuidor de comercializar produtos concorrentes dos da arguida não contribui para melhorar a produção ou a distribuição de bens e serviços ou para promover o desenvolvimento técnico ou económico; que não existindo esses benefícios, não é reservada aos utilizadores uma parte equitativa dos mesmos; que, em todo o caso, ainda que a arguida tenha um legítimo interesse em assegurar uma adequada distribuição dos seus produtos, a proibição de comercialização de produtos concorrentes não é indispensável para atingir esses objectivos, existindo outros mecanismos contratuais e promocionais de incentivar os distribuidores a manter um esforço significativo na comercialização dos produtos em questão; por último, que a proibição de comercializar produtos concorrentes imposta aos distribuidores confere à CENTRALCER a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado nacional da cerveja, na medida em que exclui os seus concorrentes da rede de distribuidores a ela vinculada.

86 - Igual juízo negativo é feito quanto às cláusulas que impõem aos distribuidores que equipem os seus funcionários com fardamentos aprovados pela CENTRALCER e que decorem as suas viaturas com cores, marcas e referências publicitárias aprovadas pela arguida, na medida em que elas apenas contribuem para restringir a liberdade dos distribuidores de apresentar uma imagem empresarial própria ou de utilizar as suas próprias viaturas para a promoção de produtos concorrentes dos da arguida, assim contribuindo para reforçar o efeito de encerramento de mercado já resultante da cláusula de não concorrência.

b) Abonos de frete e mecanismos de remuneração dos distribuidores

87 - As práticas em análise têm por objecto uniformizar os preços, eliminando assim um dos principais parâmetros de concorrência, impedindo que através da concorrência intramarca os utilizadores e, em última análise, os consumidores possam beneficiar dessa concorrência através de uma redução dos preços em virtude dessa concorrência acrescida.

Não contribuindo assim para melhorar a distribuição dos bens em questão, por compartimentarem artificialmente o território nacional, retirando incentivos sequer para a realização de vendas passivas, e levando à eliminação da concorrência intramarca num mercado onde, pela estrutura oligopolística do mesmo e pelo peso da principal marca da arguida (30%), essa concorrência está já fortemente limitada, não é possível fazer um balanço económico positivo desta prática.

Preenchimento do tipo contra-ordenaciona e coima a aplicar

88 - Ao proibir os seus distribuidores de comercializar livremente produtos concorrentes, a arguida restringiu a liberdade comercial daqueles, dessa forma contribuindo de forma significativa para o encerramento do mercado nacional da cerveja, ao impedir os seus concorrentes de utilizar os distribuidores de produtos CENTRALCER para promover as vendas dos seus produtos, violando assim o artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

89 - Ao obrigar contratualmente os seus distribuidores a utilizar viaturas de modelo, design e cores aprovadas pela arguida, bem como a vestir os seus funcionários com fardamento de modelo estabelecido por esta, a arguida restringiu a liberdade comercial daqueles, contribuindo assim para os desincentivar da comercialização de produtos concorrentes, o que configura igualmente uma violação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 371/93.

90 - Ao recomendar aos seus distribuidores o preço de venda a retalho, bem como ao atribuir a esses agentes económicos um abono de frete, a arguida adoptou práticas que têm como objecto e como efeito restringir a concorrência, violando as alíneas b), c), d) e f) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93.

91 - Ao fixar nas suas relações contratuais com distribuidores exclusivos uma reserva relativa às cadeias alimentares com as quais a CENTRALCER tem vínculos comerciais a nível nacional, sem precisar quais os clientes abrangidos por esta ressalva dentro de cada área concessionada, a arguida explorou de forma abusiva a posição de dependência económica em que se encontram aqueles distribuidores, violando assim o artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

92 - Todos estes comportamentos referidos nos n.os 88 a 91 configuram ilícitos contra-ordenacionais, puníveis com coima de 100 000$00 a 200 000 000$00, cuja aplicação cabe ao Conselho da Concorrência, no exercício da competência atribuída pelo artigo 38.º do citado decreto-lei.

Tendo a arguida praticado diversos ilícitos contra-ordenacionais, seria aplicável o disposto no artigo 19.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, pelo que a coima aplicável, não podendo exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso, tem como limite máximo 400 000 000$00.

93 - Na determinação do montante da coima a aplicar, prescreve o artigo 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, que se deve atender à gravidade da contra-ordenação, à culpa revelada, à situação económica do agente e ao benefício económico que retirou da prática da infracção.

Todas as infracções cometidas pela arguida são de considerar como muito graves, já que elas consubstanciam práticas que contrariam frontalmente a decisão do Conselho de 1986, entravando a liberdade dos seus distribuidores de comercializar produtos concorrentes e negando aos concorrentes da arguida acesso a esses distribuidores (n.os 88 e 89 supra); que a prática descrita no n.º 90 supra, tem por objecto eliminar a concorrência em matéria de preços entre os seus distribuidores.

A culpa revelada nos autos caracteriza-se pelo dolo directo com que a arguida cometeu todas as infracções atrás mencionadas; pela especial responsabilidade que sobre a arguida impendia de conhecer o carácter restritivo dos comportamentos em questão (em particular tendo em conta os seus antecedentes nesta matéria) e, finalmente, pelo mais evidente alheamento ao que lhe fora determinado pela decisão de 1986.

Quanto à situação económica da empresa, trata-se de uma sociedade cotada em bolsa, com um capital social à data em que foi concluída a instrução de 9,5 milhões de contos, tendo em 1996 realizado vendas líquidas de 32,5 milhões de contos.

Por último, não sendo possível quantificar o benefício económico retirado pela arguida das infracções praticadas, afigura-se manifesto à luz dos elementos constantes dos autos que este foi consideravelmente elevado, já que entravou o acesso de concorrentes ao mercado nacional de cerveja; reduziu significativamente a concorrência intramarcas a qual representa, só por si, mais de um terço do mercado nacional de cerveja, dando-lhe assim a possibilidade de manter artificialmente preços elevados, mesmo num mercado em relativa contracção até 1996.

O comportamento da arguida, pela gravidade e alcance das práticas restritivas que concretizou no mercado nacional da cerveja, pela sua dimensão e situação económica e pelo elevado grau de dolo demonstrado, exige uma sanção adequada, capaz de a dissuadir no futuro de continuar a distorcer a concorrência naquele mercado.

Com efeito, apesar dos intuitos pedagógicos da decisão que lhe foi dirigida em 1986, na qual não foi aplicada qualquer coima, a verdade é a que a arguida persistiu em manter comportamentos comprovadamente restritivos da concorrência.

Assim, perante comportamentos reiteradamente violadores do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, adoptados por uma empresa de grande dimensão como a arguida, entende o Conselho que os comportamentos identificados nos n.os 88 a 90 devem ser punidos com uma coima elevada, pois este constitui o único meio de levar a arguida a pôr termo a estas práticas no futuro.

A decisão

Tudo visto e ponderado, o Conselho decide:

1.º Ao proibir aos seus distribuidores a comercialização de produtos concorrentes a arguida adoptou uma prática que tem por objecto e como efeito restringir a concorrência, violando o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 371/93, em particular a sua alínea c);

2.º Ao obrigar contratualmente os seus distribuidores a utilizar viaturas de modelo, design e cores aprovadas pela arguida, bem como a vestir os seus funcionários com fardamento de modelo estabelecido por esta, a arguida restringiu a liberdade comercial daqueles, contribuindo assim para os desincentivar da comercialização de produtos concorrentes, o que configura igualmente uma violação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 371/93;

3.º Ao recomendar os preços de venda a retalho aos seus distribuidores levando-os a tomar essa indicação como vinculativa, bem como ao atribuir a esses agentes económicos um abono de frete, a arguida adoptou práticas que têm como objecto e como efeito restringir a concorrência, violando as alíneas b), c), d) e f) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93;

4.º Em consequência, nos termos do artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, o Conselho decide aplicar à CENTRALCER - Central de Cervejas, S. A., uma coima no valor de 60 000 000$00, coima que deverá ser paga no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da presente decisão, advertindo-se a arguida de que a eventual impossibilidade de pagamento tempestivo deve ser comunicada por escrito a este Conselho (artigo 58.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro);

5.º No uso da competência atribuída pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, determina ainda este Conselho que no prazo de 90 dias a CENTRALCER adopte as providências necessárias à alteração dos contratos relativos à distribuição dos produtos visados na presente decisão, com vista a eliminar as cláusulas e práticas referidas nos n.os 1.º, 2.º e 3.º desta decisão e envie a todos os seus actuais distribuidores cópia integral da presente decisão;

6.º Ao fixar nas suas relações contratuais com distribuidores exclusivos uma reserva relativa às cadeias alimentares com as quais a CENTRALCER tem vínculos comerciais a nível nacional, sem precisar quais os clientes abrangidos por esta ressalva dentro de cada área concessionada, a arguida explorou de forma abusiva a posição de dependência económica em que se encontram aqueles distribuidores, violando assim o artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro;

7.º No uso da competência atribuída pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, o Conselho determina que no prazo de 90 dias a arguida deve pôr fim à prática identificada no n.º 6.º desta decisão, passando a incluir em cada contrato uma lista dos clientes directos nas áreas concessionadas em exclusivo;

8.º Também no uso da competência atribuída pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, determina ainda este Conselho que a arguida envie anualmente à DGCC uma lista dos contratos de compra exclusiva concluídos com estabelecimentos do sector Horeca, com indicação do volume de cerveja vendido através desses contratos;

9.º A arguida deverá, nos 15 dias seguintes ao termo dos prazos fixados nos n.os 5.º e 7.º, apresentar ao Conselho da Concorrência os modelos de contrato de distribuição revistos em conformidade com a presente decisão e a identificação dos distribuidores que com ela concluírem os referidos contratos;

10.º Ordena-se à arguida, ao abrigo do disposto no artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, que faça publicar, no prazo de 30 dias, a versão integral da presente decisão na 3.ª série do Diário da República, e a parte decisória, nos termos e conforme cópia que será comunicada, num jornal de expansão nacional;

11.º Cumprimento do disposto no artigo 58.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, adverte ainda o Conselho que a presente condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º do mesmo diploma e que, em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

(nota 1) Decisão da Comissão de 22 de Janeiro de 1997, Coca-Cola/Amalgamated Beverages, JO, n.º L 218, de 9 de Agosto de 1997, p. 15, ponto 95.

(nota 2) Decisão de 17 de Dezembro de 1986, RA - 1986, p. 88.

(nota 3) Decisão da Comissão relativa ao caso Coca-Cola/Amalgamated Beverages, loc. cit., pontos 30 e segs.

(nota 4) Ver as decisões do Conselho nos casos UNICER, relatório de actividade de 1985, p. 26; CENTRALCER, relatório de actividade de 1986, p. 88 (distinguindo o mercado da cerveja do mercado de refrigerantes); Sociedade da Água do Luso, relatório de actividade de 1987, p. 43 (mercado das águas mineromedicinais e de mesa); práticas anticoncorrenciais no mercado dos refrigerantes, relatório de actividade de 1988, p. 152; práticas anticoncorrenciais no mercado do vinho, relatório de actividade de 1993, p. 61; práticas anticoncorrenciais no mercado de refrigerantes, relatório de actividade de 1995, p. 88.

(nota 5) Ainda não publicadas no Jornal Oficial. Texto provisório na versão inglesa disponível em http://europa.eu.int

(nota 6) O que vem na linha desde há muito advogada por diversos economistas europeus, v. J. A. Kay, "Vertical Restraints in European Competition Policy", European Economic Review, 1990, vol. 34, p. 551; Michael Waterson, "Vertical Integration and Vertical Restraints", Oxford Review of Economic Policy, 1993, vol. 9, p. 41.

(nota 7) A intersubstituibilidade de diferentes tipos de restrições verticais é identificada pela doutrina económica: "[...] since there is considerable opportunity to substitute one kind of restraint for another, policy in this area has difficulty in becoming effective. The best conclusion is that we should look principally at the consequences, rather than the form or first order effects of the restraints" Kay, op. cit., p. 561.

(nota 8) Relatório de actividade de 1994, p. 17.

(nota 9) O Conselho já se pronunciou em abstracto sobre a nova disposição no relatório de actividade de 1983, pp. 18-19, e no parecer 1, de 1993, no mesmo relatório, a pp. 127 e segs.

(nota 10) Ver a decisão do Conselho no processo 4/95 - práticas anticoncorrenciais no mercado de refrigerantes, relatório de actividade de 1995, p. 88, onde o Conselho entendeu que, correspondendo os produtos da arguida a apenas 1,29% das vendas da queixosa, não se verificava dependência económica desta relativamente à primeira.

(nota 11) Por sua vez o legislador francês inspirou-se na legislação alemã que introduziu o conceito no artigo 26.º, n.os 2 e 3 (actualmente artigo 20.º, n.os 2 e 3, na sequência das alterações introduzidas pela Novelle de 1998), com a Novelle de 1973. Posteriormente, a Novelle de 1990 limitou a protecção conferida por esta disposição às PME.

(nota 12) Relatório de actividade de 1993, p. 18.

(nota 13) Ver Marie-Chantal Boutard-Labarde e Guy Canivet, Droit français de la concurrence, LGDJ, Paris, 1994, pp. 90 e segs, e Renée Galène, Droit de la concurrence & pratiques anticoncurrentielles, EFE, Paris, 1999, pp. 198 a 200. Ver também, Dominique Brault, Droit et politique de la concurrence, Economica, Paris, 1997, pp. 273 e segs.; Marie Malaurie-Vignal, Droit interne de la concurrence, Armand Colin, Paris, 1996, pp. 204 e segs.

(nota 14) Boutard-Labarde e Canivet, op. cit., p. 93.

(nota 15) Decisão no processo 4/95, relatório de actividade de 1995, p. 93.

(nota 16) Relatório de actividade de 1992, p. 17.

Lisboa, 13 de Julho de 2000. - Miguel José Pinto Tavares Moura e Silva (relator) - Fernando Ivo Gonçalves - Carolina de Castro Nunes Vicente e Cunha - José Anselmo Dias Rodrigues (presidente) - tem voto de conformidade o vogal José Álvaro Ubach Chaves Rosa, que não assina por não estar presente.

ANEXO C3

Processo 2/99 - Práticas anticoncorrenciais no mercado da cerveja

O Conselho da Concorrência, no uso da competência atribuída pelo artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 471/93, de 29 de Outubro;

Visto o processo de contra-ordenação registado neste Conselho sob o n.º 2/99, em 29 de Novembro de 1999 e o respectivo relatório remetido pela Direcção-Geral do Comércio e Concorrência, em que é arguida a UNICER - União Cervejeira, S. A., tem a ponderar os seguintes elementos de facto e de direito.

I - Os factos

A) A origem do processo

1 - O actual processo resultou de diversas queixas apresentadas junto da Direcção-Geral do Comércio e Concorrência (adiante DGCC), provenientes, na sua maioria, de ex-distribuidores exclusivos da UNICER - União Cervejeira, S. A. (fls. 4 a 681), nas quais se punha em causa a licitude de práticas adoptadas por esta empresa ao nível da distribuição de cerveja no quadro do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, alegando-se nomeadamente estar a UNICER a incorrer na exploração abusiva do estado de dependência económica, prática proibida pelo artigo 4.º daquele normativo.

2 - Em termos sintéticos, o presente processo diz respeito a um conjunto de práticas da arguida relativas aos contratos de distribuição de cerveja por ela celebrados no mercado nacional; a alguns aspectos do seu relacionamento com os respectivos distribuidores, em especial no contexto de um processo de redução do número de distribuidores exclusivos que tem caracterizado a evolução recente da distribuição da cerveja em Portugal; e ainda a certos contratos de compra exclusiva celebrados pela arguida com estabelecimentos dos sectores da hotelaria e da restauração.

B) A arguida

3 - A UNICER nasceu há 20 anos da fusão da Companhia União Fabril Portuense, da COPEJA e da Imperial, três empresas cervejeiras nacionalizadas, tendo-se mantido sob o controlo do Estado até Junho de 1990.

Actualmente é uma sociedade anónima com o capital social de 19,5 milhões de contos, dedicando-se à produção e comercialização de cerveja, refrigerantes, águas minerais e vinhos.

É líder do mercado nacional de bebidas, sendo de destacar como área de negócios mais relevante, a da cerveja, que em 1996 representou 82,4% das vendas globais da empresa, estimadas em 50,9 milhões de contos.

Controla um conjunto de empresas, a saber:

Empresa das Águas Alcalinas e Medicinais de Castelo de Vide, S. A, em 99,98%;

RICAL - Empresa Produtora de Refrigerantes e Águas, Lda., em 99,16%;

MALTIBÉRIA - Sociedade Produtora de Malte, S. A., em 51%;

ENERLEÇA - Produção de Energia, Lda., em 97,5%;

UNIVIN - União Vinícola, Lda., em 51%;

ROTADOURO - Distribuição de Produtos Alimentares, Lda., em 90%;

SERVITAGUS - Serviços de Distribuição, Lda., também em 90%.

C) O mercado

a) O produto

4 - Os contratos e as práticas imputadas à arguida dizem respeito à sua actuação no âmbito da produção e distribuição de cerveja.

A Portaria 1/96, de 3 de Janeiro, define a cerveja como a bebida obtida por fermentação alcoólica mediante leveduras seleccionadas de um mosto preparado a partir de malte de cereais, ao qual foram adicionadas flores de lúpulo e água potável.

O normativo prevê ainda, com base nesta definição, a diferenciação deste produto em vários tipos de cerveja, correspondendo cada um a um diferente nível de teor em álcool e que apresente um extracto primitivo expresso em graus Plato superior a 15B. Em conformidade com esta definição são admitidos os seguintes tipos de cerveja: sem álcool, baixo teor em álcool, corrente, especial, extra, fermentação láctica e de refermentação em garrafa.

De acordo com o mesmo diploma, a cerveja deverá ser apresentada para comercialização na forma embalada e não embalada, formas que determinarão o respectivo prazo de perecibilidade, o qual varia entre 60 e 90 dias.

Trata-se de um produto que, pelas suas características, se distingue dos refrigerantes (ao contrário destes trata-se de uma bebida alcoólica) bem como de outras bebidas alcoólicas, como o vinho (não só pelas suas propriedades como também pelo seu teor alcoólico).

A cerveja constitui um produto de consumo fortemente sazonal em que as condições climatéricas têm uma influência primordial. No que respeita ao seu ciclo de vida trata-se de um produto "maduro", não se prevendo grandes acréscimos no seu consumo.

Actualmente a tendência do mercado encaminha-se no sentido da diferenciação e da segmentação, o que aliás está patente na introdução no mercado de cerveja premium, de cervejas sem álcool, verificando-se contudo que o consumidor continua a procurar as cervejas que mais conhece, pelo que a marca assume um papel de relevo.

5 - Face às características e exigências da respectiva procura, o mercado da cerveja é passível de ser segmentado em mercado do consumo em casa e mercado do consumo fora de casa. De facto, nos sectores hoteleiro e da restauração (sector Horeca) o consumidor final adquire um produto diferente do adquirido a retalho, na medida em que obtém também um grau de serviços e ambiente inexistentes na venda a retalho, caso em que a cerveja é consumida em casa.

6 - No que se refere à substituibilidade do lado da oferta a mesma pode ser tomada em consideração na definição dos mercados, tal requerendo que os fornecedores possam transferir a sua produção para os produtos relevantes e comercializá-los a curto prazo, isto é um prazo que não implique qualquer adaptação significativa dos activos corpóreos e incorpóreos existentes, sem incorrer em custos ou riscos suplementares significativos em resposta a pequenas alterações duradouras nos preços.

A tecnologia, infra-estrutura de produção, técnica de fabrico e matéria-primas de uma cerveja são distintas das dos refrigerantes, por exemplo. Desta forma a transferência para a produção e comercialização de cerveja implica uma adaptação significativa dos activos corpóreos e incorpóreos existentes e a realização de investimentos adicionais, não devendo por isso ser tida em conta na fase de definição do mercado. O mesmo é válido, por maioria de razão, no que respeita à produção ou exploração de vinho e de águas, respectivamente.

7 - A prática que tem vindo a ser adoptada pela Comissão Europeia no que se refere à definição de mercado geográfico para as bebidas embaladas, tem sido a de considerar os mercados geográficos relevantes como nacionais (ver nota 1).

No caso em apreço, a preferência dos consumidores por cervejas nacionais, a dificuldade em obter acesso a uma rede de distribuição organizada, os elevados custos de transporte, as exigências em matéria de embalagem, bem como a importância das marcas, revelam que os fornecedores de cerveja em Portugal estão, em larga medida, protegidos da pressão concorrencial exercida pelos fornecedores localizados noutros países.

b) A oferta

8 - O mercado da cerveja registou em 1996 e a nível nacional vendas cujo montante ascendeu a cerca de 68 milhões de contos.

9 - As empresas que produzem cerveja no território nacional são a UNICER e a CENTRALCER - Central de Cervejas, S. A. (adiante designada CENTRALCER), que registaram, naquele ano, no mercado nacional, vendas de cerveja no valor de 42 020 000 e 24 340 000 contos, respectivamente.

Existem ainda nas Regiões Autónomas duas fábricas, uma sediada nos Açores, a Fábrica de Cervejas e Refrigerantes João de Melo Abreu, Lda., e outra na Madeira, a Empresa de Cerveja da Madeira, detida a 30% pela CENTRALCER.

Os montantes de vendas atrás referidos conferem aquelas empresas quotas de mercado de 36% e 61%, respectivamente para a CENTRALCER e a UNICER.

Das vendas realizadas no mercado nacional pela UNICER, esta destinou 64,5% ao segmento do consumo fora de casa

A UNICER, para além de produzir as cervejas de marca Super Bock e Cristal, que representam perto de 90% do total das suas vendas em cerveja, produz também, sob licença da Carlsberg A/S, a Carlsberg e a Tuborg Royal Danish, comercializando ainda outras marcas estrangeiras da qual destacamos a Guiness.

Os 3% que constituem a parte remanescente são assegurados por um conjunto de empresas que se dedicam à importação da cerveja que comercializam, destacando-se a SUMOLIS, a Danone International Brands Portugal, as Caves D. Teodósio e outras, todas com quotas muito reduzidas, cabendo à SUMOLIS cerca de metade da parte que cabe à importação.

Cerca de 90% da produção de cerveja da UNICER é apresentada sob marcas nacionais, líderes de mercado como a Super Bock e a Cristal que conjuntamente representam mais de 90% das suas vendas, detendo a Super Bock individualmente mais de 50% de todo o mercado nacional.

No entanto, apesar deste desempenho, a capacidade instalada das duas principais empresas que caracterizam a oferta é significativamente excedentária, apresentando a UNICER taxas de utilização de 66%, 53% e 38%, respectivamente nas fábricas de Leça, Santarém e Loulé.

10 - O comportamento das cervejas importadas têm-se mantido estável nos últimos anos, mantendo-se constante o seu peso relativo e apenas se registando um ligeiro crescimento no segmento médio/alto, que em 1996 representava cerca de 3% do total, detendo as correntes mais de 92%, e as sem álcool a parte restante.

As principais razões apontadas pelos importadores para esta tendência prendem-se com diversas dificuldades que estes agentes económicos enfrentam como sejam a: i) necessidade de uma rede de distribuição disponível preferencialmente de bebidas, através da qual as empresas possam escoar os seus produtos, pois verifica-se uma estrutura de distribuição fortemente vinculada às duas principais produtoras; e ii) as campanhas promocionais destas duas operadoras e a forte redução de preços com que reagem, nomeadamente nas grandes superfícies comerciais, às tentativas de penetração levadas a cabo pelas empresas importadoras (ver declarações a fls. 1328 e segs.).

Os preços médios praticados pelas empresas nacionais são, por razões estruturais, em geral inferiores aos das empresas importadoras, fazendo-se evidenciar este comportamento nas cervejas correntes, que representaram em 1996 cerca de 92% do total das cervejas comercializadas.

Contudo no que se refere às cervejas sem álcool, onde se tem registado algum crescimento em prejuízo das correntes e cujo peso em 1996 e 1995, foi de respectivamente 3,1% e 3%, os preços são de idêntico nível.

No que se refere às cervejas comercializadas por importadores, os preços são em regra superiores aos nacionais, pois neste caso resultam custos acrescidos: i) com o transporte; e ii) pelo facto da comercialização da cerveja embalada se efectuar apenas na forma não retornável.

c) A distribuição

11 - A distribuição de cervejas, em especial no que se refere ao canal Horeca, está tradicionalmente associada à distribuição de refrigerantes e de águas, nomeadamente pelas elevadas sinergias com aqueles, apenas por implicarem o respectivo consumo nos mesmos locais, constituindo a distribuição conjunta destes produtos, para o distribuidor, uma forma de optimizar a utilização dos seus recursos logísticos de que dispõe.

Apesar destas economias de gama, a distribuição de cervejas tem certas particularidades que a distinguem da distribuição de outras bebidas. Em primeiro lugar, pela sua maior perecibilidade, a distribuição de cervejas exige uma rápida rotação de stocks, o que tem um impacto na frequência das rondas de distribuição, etc.. Seguidamente, o facto de parte significativa do consumo de cerveja ser satisfeito pela cerveja de barril implica custos adicionais em termos de equipamento (máquinas, CO2, adaptação das viaturas de distribuição ao transporte de barris, etc.), bem como a necessidade de o distribuidor manter uma rede de assistência técnica ao cliente. Por último, o facto de o seu consumo ser fortemente sazonal leva a que o distribuidor tenha de manter uma estrutura suficientemente adaptada aos períodos de maior procura (os meses de verão), com os inerentes custos de relativa inactividade ao longo do resto do ano.

12 - As duas principais produtoras, que conjuntamente detêm no mercado nacional 97% da oferta, escoam grande parte das suas vendas através das suas redes de distribuidores exclusivos que no caso da UNICER representaram, em 1996, cerca de 72% das suas vendas (30 254 000 contos). São estes que fornecem boa parte do segmento do consumo fora de casa também designado Horeca, que representou nas vendas totais da empresa 64,5% (27 102 000 contos).

13 - Para além desta forma de distribuição, nos últimos anos tem-se vindo a acentuar a importância da distribuição directa destinada a clientes que a UNICER considera estratégicos pelas elevadas quantidades que adquirem. Em 1996 as suas vendas destinadas a estes clientes já representavam cerca de 28%, sendo que a UNICER pratica para com estes clientes diferentes condições de venda, nomeadamente um rappel escalonado.

As entregas são, neste caso, da responsabilidade da UNICER, sendo esta que factura, podendo ser, porém, as mesmas confiadas a distribuidores que, nesse caso recebem uma retribuição pelo serviço prestado.

Do processo resulta que a CENTRALCER pratica esta última modalidade, enquanto a UNICER procede directamente à distribuição a esses clientes (fl. 1567 e declarações a fls. 1636 e segs.).

14 - No que se refere ao mercado do consumo fora de casa, a UNICER tem vindo a celebrar com estabelecimentos de bebidas contratos de compra exclusiva fornecidos por um distribuidor designado contratualmente pela UNICER. Igual prática tem sido seguida pela CENTRALCER.

Segundo informação prestada pela UNICER, 7% das suas vendas totais são realizadas no âmbito da execução deste tipo de contratos (cerca de 3,7 milhões de contos), estimando a DGCC, com base no peso representado pelas vendas de cerveja nas vendas totais da UNICER (82,4%) que desses 3,7 milhões de contos, cerca de 3 milhões de contos corresponderão a venda de cerveja.

Tendo em conta que o número de estabelecimentos de bebidas no mercado nacional, de acordo com os elementos apurados pelo INE na sequência de inquéritos que realizou em 1994 ao sector, está estimado em cerca de 37,2 mil e que o número de estabelecimentos vinculados à UNICER por contratos de compra exclusiva ultrapassa já os 5800, resulta que estes representam 15,6% do total deste tipo de estabelecimentos.

A entidade instrutora salienta a este propósito que, tendo em conta que o montante destes contratos ascende a 3 milhões de contos e que é de 27 103 000 contos as vendas da UNICER realizadas no consumo fora de casa, daí resulta que o valor da cerveja escoada através da execução deste tipo de contratos ascenderá a 11% do total da cerveja destinada pela UNICER ao segmento de mercado em causa.

Uma vez que tomámos como referência o mercado da cerveja, mesmo se a este respeito limitado ao segmento Horeca, o Conselho entende ser mais relevante ter em conta a percentagem destas vendas no total daquele segmento de mercado. Assim, de acordo com os dados constantes do processo, as vendas efectuadas pela UNICER ao abrigo daqueles contratos de compra exclusiva representam apenas perto de 7% do total das vendas no sector Horeca (ver nota 2).

d) A procura

15 - A procura de cerveja apresentou até 1996 uma evolução regressiva, apresentando variações médias negativas da ordem dos 3%, estimando-se que em 1996 a retracção do consumo tenha atingido entre 5% e 6%. De facto entre 1990 e 1996, o consumo de cerveja reduziu-se em 70,5 milhões de litros, ou seja uma quebra acumulada de 10,3%.

Esta evolução negativa parece explicar-se quer por condições climatéricas pouco favoráveis ao seu consumo, que se têm vindo a registar nos últimos anos (tratando-se de um produto cujo consumo não é uniforme ao longo do ano, crescendo significativamente nos meses mais quentes) quer ainda por alguma transferência de consumo para outras bebidas decorrente, nomeadamente, de condicionalismo legais referentes à condução automóvel.

No entanto a partir de 1996, assistiu-se a uma inversão neste comportamento, tendo o consumo nacional per capita atingido em 1996, 1997 e 1998 (dados previsionais) 61,6, 63,2 e 65,4 litros, respectivamente, o que corresponde a um crescimento acumulado de 6,1%.

e) Antecedentes do processo

16 - Antes de proceder à caracterização do modelo contratual actual, que estabelece as relações comerciais entre os distribuidores e a UNICER, o qual é objecto deste processo de contra-ordenação, considera-se oportuno inserir nesta parte o histórico de um outro processo de contra-ordenação envolvendo também aquela rede de distribuidores, no qual foi também arguida a UNICER e que apresenta grande similitude com o actual.

17 - Na década de oitenta a UNICER viu o seu sistema de distribuição então adoptado sujeito à apreciação do Conselho da Concorrência.

Aquele sistema, então assente apenas na conclusão de contratos escritos ditos de "agência", foi qualificado na altura por este Conselho, em decisão proferida a 18 de Dezembro de 1985, como um sistema de distribuição exclusiva, tendo as suas características fundamentais sido descritas da seguinte forma:

a) Embora actualmente sem fixação directa de preços, há condições contratuais para uma uniformização indirecta desses preços através da figura do abono de frete;

b) Existe uma exclusividade de compra à UNICER por parte dos seus agentes distribuidores, quer em relação à cerveja, quer em relação aos demais produtos fabricados (refrigerantes e similares);

c) Existe uma exclusividade de venda pela UNICER porque, numa dada área atribuída, a empresa não vende a outros agentes que não sejam o distribuidor nomeado para essa área;

d) As condições de concorrência entre os agentes distribuidores estão muito restringidas pelas cláusulas de repartição geográfica constantes dos contratos referenciados e também pelo que decorre do referido na alínea a).

Tendo em conta as características do sistema de distribuição adoptado pela UNICER, o Conselho considerou ser este contrário ao disposto na lei da concorrência então em vigor, o Decreto-Lei 422/83, de 3 de Dezembro e, mais concretamente, ao preceituado no artigo 13.º desse diploma, o qual, à semelhança do actual artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, proibia já os acordos entre empresas restritivos da concorrência.

À luz do preceituado no artigo 15.º do Decreto-Lei 422/83, considerou, porém, o Conselho ser o sistema em causa passível de um balanço económico postivo e consequentemente justificado, excepto no que respeita:

À obrigação imposta aos distribuidores de não comercializarem produtos concorrentes, cuja eliminação foi considerada indispensável à existência de concorrência intermarcas;

Às práticas relacionadas com a fixação indirecta de preços, designadamente a da concessão de abonos de frete e de construção de tabelas que induzissem a tal fixação.

Assim, o Conselho da Concorrência determinou na sua decisão que, no prazo de 90 dias a contar da data da sua decisão, a UNICER devia adoptar as providências necessárias à alteração dos contratos relativos à distribuição dos seus produtos, a qual se consubstanciava na eliminação de cláusulas e práticas relacionadas com a:

i) Fixação directa ou indirecta de preços através designadamente da concessão de abonos de frete ou da indicação de preços de venda a retalhistas; e

ii) Proibição imposta aos distribuidores de venderem produtos concorrentes daqueles que são objecto dos referidos contratos, admitindo porém uma protecção territorial e uma restrição de venda e de acção do distribuidor, limitada à proibição de manutenção de sucursais, agências, armazéns ou outras instalações fixas fora da área geográfica visada pelo contrato.

18 - Só que a UNICER não se conformou com esta decisão e recorreu em 14 de Abril de 1986, para o Tribunal Cível de Lisboa (TCL) impugnando a decisão proferida pelo Conselho da Concorrência em processo contra-ordenacional contra ela instaurado.

Através de sentença de 11 de Dezembro de 1989 daquele Tribunal, foi julgado improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida, com excepção da concessão de "abonos de frete" pois segundo o TCL, nesta matéria o Conselho da Concorrência decidiu ultra petitta proibindo uma prática, os abonos de frete que, pelo facto de não ter sido referida, como deveria, na nota de ilicitude, não foi dada à arguida a possibilidade de exercer o direito de defesa, pois a prova foi produzida sem observância do princípio do contraditório.

Face a este quadro, o TCL decidiu assim revogar apenas, da decisão, esta matéria mantendo o demais decidido.

Não se conformando, a UNICER interpôs novo recurso desta vez para a Relação de Lisboa, que, através do Acórdão proferido em 26 de Janeiro de 1995, negou provimento à apelação, confirmando a parte da sentença recorrida impugnada pela UNICER.

Mais uma vez a UNICER veio interpor recurso, agora para o Tribunal Constitucional, relativamente à eventual existência de discriminação em função da nacionalidade, contrária ao disposto no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição da República. A este recurso foi negado provimento por Acórdão de 2 de Julho de 1997.

19 - Tendo presente que, no domínio do Decreto-Lei 422/83, legislação que enquadra aquela contra-ordenação, os recursos das decisões do Conselho tinham efeitos suspensivos, a decisão em causa apenas veio a produzir os seus efeitos a partir da notificação do acórdão do Tribunal Constitucional pelo que só a partir daquela data a arguida estava obrigada a dar cumprimento ao estipulado na decisão, como atrás se referiu.

Assim, apesar da decisão do Conselho da Concorrência ter sido mantida por todas as instâncias que a examinaram ao longo de 12 anos (excepção feita à proibição da prática de abonos de frete, devendo-se a anulação a questões processuais ligadas aos direitos de defesa da arguida) manteve-se a proibição de comercialização de produtos concorrentes. Ou seja, num dos pontos fundamentais para a abertura do mercado a novos concorrentes, a situação manteve-se integralmente na mesma até ao trânsito em julgado daquela decisão.

20 - Em 26 de Novembro de 1997, a UNICER submeteu à apreciação do Conselho da Concorrência um modelo de aditamento ao contrato que actualmente vigora, eliminando a cláusula que proibia os distribuidores de venderem produtos concorrentes, juntando ainda a identificação dos 125 distribuidores com quem mantinha contratos de distribuição, tendo também aditado uma nova cláusula. Perante esta comunicação, é necessário averiguar se as medidas adoptadas pela UNICER dão de facto cumprimento à decisão de 1985.

21 - Tendo conhecimento da abertura do presente processo pela DGCC, o Conselho da Concorrência entendeu aguardar que este lhe fosse remetido antes de se pronunciar sobre aquele aditamento, seguindo a sua prática constante nesta matéria.

D) Os comportamentos da arguida objecto do processo

a) Os contratos de distribuição exclusiva

22 - A UNICER celebra actualmente com os seus distribuidores contratos de distribuição que designa de exclusivos (fls. 872 a 882), pelos quais confia ao distribuidor a comercialização de um conjunto de produtos (cerveja, água, refrigerantes), afectando-lhes uma área geográfica específica, ressalvando contudo desta os clientes directos, entidades que gerem um grande volume de vendas enquadrando-se estas numa das seguintes situações: possuem grandes superfícies de comércio a retalho ou por grosso e ou dispõem de uma cadeia de pequenos e médios estabelecimentos de comércio a retalho ou por grosso ou do ramo de restauração, que exigem a negociação directa com a UNICER (cláusula 1.ª).

23 - Nos contratos mais antigos, de 1985 (fls. 238 a 246, 604 a 607 e 1293 a 1301) e de 1989 (fls. 111 a 117), a concessão de uma área geográfica em exclusivo não era acompanhada da ressalva constante do modelo contratual actual que prevê a coexistência na área concessionada de clientes directos da UNICER. De todo o modo, resulta dos elementos juntos aos autos que a UNICER terá implementado na prática o sistema de distribuição corporizado no modelo de contrato actual, ainda que formalmente não tenha introduzido, o mais das vezes, quaisquer alterações aos contratos que, na sua versão primitiva, celebrou com muitos dos seus distribuidores.

24 - Originariamente, o novo modelo contratual de 1995 mantinha, para além da exclusividade de venda nos termos já descritos, a obrigação de o distribuidor não negociar directamente ou por interposta pessoa em produtos concorrentes dos que constituem o objecto do contrato (cláusula 4.ª, n.º 2).

25 - Na sequência do trânsito em julgado da decisão do Conselho da Concorrência, a UNICER eliminou aquela obrigação, por aditamento ao contrato tipo em vigor em 1995, tendo acrescentado ao mesmo uma nova cláusula, a qual, na sua redacção mais recente estabelece uma obrigação recíproca de modificar o contrato por forma a introduzir uma cláusula pela qual o distribuidor se obrigue a não negociar em produtos concorrentes das cervejas, refrigerantes e águas que constituem o objecto principal do contrato, se esta "vier a ser lícita".

Estas foram as únicas alterações sofridas no decurso deste processo pelo modelo contratual em vigor desde 1995.

26 - Para além desta obrigatoriedade, os distribuidores devem distribuir os produtos através de profissionais envergando fardamento com o modelo standard estabelecido pela UNICER e utilizar apenas veículos automóveis de modelo, design e cores igualmente standardizadas por esta empresa, que ostentem exclusivamente as inscrições publicitárias e marcas UNICER [claúsula 3.ª, n.º 1, alínea g)].

27 - Os distribuidores devem também recolher e transmitir periodicamente à UNICER "informações sobre o mercado, nomeadamente sobre a actuação da concorrência" [cláusula 3.ª, n.º 1, alínea h)].

28 - Aos distribuidores é igualmente vedado promoverem vendas activas fora do território concedido [cláusula 3.ª, alínea d)].

29 - Os contratos anteriores a 1989 estipulavam uma proibição de venda pelo distribuidor a retalhistas situados fora do território contratual (cláusula 6.ª do contrato com Cipriano Henrique Nogueira Moreira, fl. 102; Alcino da Silva Moreira, fl. 678, v.º). Embora esta cláusula tenha entretanto desaparecido, logo nos contratos de 1989, do processo constam elementos que demonstram ter a UNICER pressionado os seus distribuidores a não vender a grossistas localizados na área de outro distribuidor exclusivo (ver nota 3). Em diversos casos, os visados por estas recusas de venda foram ex-distribuidores da UNICER (ver nota 4). Assim, a arguida parece ter configurado o seu sistema de modo a proibir também, de facto, as vendas passivas a grossistas localizados noutros territórios e mesmo as vendas a certas categorias de clientes no interior do território (fl. 1569).

30 - Ainda segundo o mesmo modelo contratual, os produtos objecto dos mesmos serão vendidos pela UNICER ao distribuidor de harmonia com as tabelas de preços e condições gerais de venda da UNICER (cláusula 2.ª). Nessas tabelas, juntas aos autos a fls. 1270 e segs., a remuneração do distribuidor é fixada em função de um desconto de 7% para carga completa sobre o preço de tabela para distribuidores, o qual é acrescido de um subsídio de distribuição fixado em valor absoluto para cada referência. Constam igualmente dos autos, abundantes referências à prática de abonos de frete por parte da UNICER.

31 - Nos termos do n.º 3 da cláusula 3.ª, "a relação a crédito entre a UNICER e o seu distribuidor funcionará na base de garantia bancária ou outra equivalente", devendo o distribuidor contratar e manter actualizada "uma garantia de crédito a favor da UNICER, com o capital equivalente ao valor máximo do crédito de fornecimentos que pretende lhe seja concedido pela UNICER na época de ponta".

32 - De acordo ainda com o modelo contratual em causa, os contratos vigoram por um ano, renovando-se por períodos sucessivos de um ano, podendo ser resolvidos com efeitos imediatos, na sequência do incumprimento de qualquer obrigação nele prevista, mediante comunicação escrita do não faltoso ao outro contraente [cláusula 8.ª, alínea a)]. A resolução, caducidade ou denúncia não conferem ao distribuidor o direito de exigir da UNICER qualquer indemnização por danos emergentes, lucros cessantes ou compensação pela perda da qualidade de distribuidor (cláusula 9.ª).

Os contratos renovam-se por períodos sucessivos de um ano, salvo declaração em contrário dirigida por qualquer das partes à outra, com a antecedência mínima de 90 dias relativamente ao termo da sua vigência ou das suas sucessivas renovações (cláusula 10.ª).

33 - No decurso da instrução deste processo, a DGCC apurou por intermédio de queixa da Associação Portuguesa de Distribuidores de Cerveja e Outras Bebidas (adiante APDCOB) que a UNICER estaria a levar a cabo uma acção de promoção da qualidade dos seus distribuidores, o programa de excelência (fls. 1592 e segs.), sendo a participação neste programa voluntária. Nos termos da respectiva introdução, este programa prossegue dois objectivos: estimular e motivar a rede de distribuidores, "reconhecendo aqueles que mais eficazmente se adaptaram às novas realidades, quer em termos de atitudes e comportamentos, quer também pela adaptação da sua estrutura, de modo a fazer face aos novos desafios"; e "orientar os parceiros da UNICER a como assegurar uma melhoria contínua no serviço prestado, ganhando vantagens competitivas face à concorrência, isto é, aumentando as vendas e consequentemente a rentabilidade do negócio". O reconhecimento do mérito ao abrigo deste programa não se parece traduzir em quaisquer benefícios económicos directos (v. fls. 1628 e segs.). Só poderão ser considerados para efeito de reconhecimento de mérito os distribuidores designados "competidores fortes" ou líderes absolutos". As restantes categorias são designadas como "líder precário" e "competidor atrasado".

A avaliação dos distribuidores é feita com base num conjunto de quesitos que vão desde a organização societária à imagem e apresentação. Entre estes, a DGCC salienta um grupo de quesitos relativos à comercialização de produtos de terceiros, denominado "enfoque na UNICER". A pontuação máxima decorrente da concentração exclusivamente em produtos UNICER corresponde a apenas 3,5% do total de pontos possíveis. No entanto, este quesito é acompanhado de uma nota na qual se considera que "futuramente, a pontuação deste quesito tenderá a ser valorizada assim como impedirá o acesso a competidor forte ou líder absoluto".

34 - Do processo não consta qualquer elemento que ligue directamente o desempenho ao abrigo deste programa à exclusão de distribuidores da rede UNICER. No entanto, o objecto e os efeitos deste programa devem ser aferidos à luz do contexto em que o mesmo foi posto em prática, em particular no que se refere a um processo de reestruturação da rede de distribuição que levou ao afastamento da rede de um número significativo de distribuidores (v., infra, 35 e segs.).

b) As práticas da arguida no seu relacionamento com os distribuidores exclusivos e com outras empresas de distribuição de cerveja.

35 - Nos termos do relatório da DGCC, a UNICER terá adoptado um conjunto de comportamentos relativamente aos seus distribuidores que aquela qualifica como abusos de dependência económica, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro. Todos estes comportamentos se inserem no contexto da reestruturação que as empresas cervejeiras nacionais têm vindo a levar a cabo e que terá resultado numa redução substancial do número de distribuidores independentes (ver nota 5).

36 - Porque a arguida questiona a pertinência e a realidade dos factos que serviram de base ao relatório da DGCC, importa verificar se aqueles são ou não suportados pelos elementos constantes do processo.

i) Modificação e ou rescisão de forma imprevista e brutal das relações contratuais com os seus distribuidores, que em alguns casos haviam sido recentemente obrigados pela empresa a proceder a investimentos, os quais, face ao reduzido período de tempo decorrido até à modificação/rescisão do contrato se mostraram irrecuperáveis.

37 - As queixas que motivaram a instauração deste processo respeitam, na sua maioria, a distribuidores da UNICER que viram as suas relações contratuais com a arguida terminadas por decisão unilateral desta. Todos os contratos em questão têm vigência anual, podendo ser rescindidos no prazo de 90 dias antes do fim do ano em curso. De acordo com os contratos, o distribuidor não teria direito a qualquer indemnização a título de contrapartida da perda da qualidade de distribuidor na sequência da caducidade ou resolução dos mesmos.

38 - Questionada sobre o fundamento da sua política de rescisão de contratos, mesmo com distribuidores que sempre cumpriram pontualmente as suas obrigações, a arguida respondeu à João de Oliveira Fresco, Lda., que "A UNICER iniciou um processo de reestruturação da rede de distribuidores há cerca de quatro anos, na área de Lisboa, e que tem vindo a ser alargada a todo o país. Este processo pauta-se por uma avaliação objectiva de cada elemento da Rede" (v. carta constante de fl. 1307). Embora se tenha posto à disposição daquela empresa para "poder apresentar o processo que conduziu à situação actual", a UNICER não juntou ao processo qualquer elemento que permita concluir pela existência de uma avaliação objectiva no seu processo de redução do número de distribuidores e, menos ainda, que tenha havido qualquer discussão prévia com os distribuidores excluídos.

Quanto aos critérios de escolha dos seus distribuidores, a arguida indicou um conjunto de factores "reveladores de capacidade em cumprir as obrigações previstas no contrato de distribuição e os objectivos de vendas, nomeadamente, por um lado:

A imagem;

A credibilidade;

As possibilidades financeiras;

O conhecimentos do mercado;

dos titulares das empresas (já que a celebração do contrato tem subjacente o 'intuitu personnae'), por outro:

As estruturas humanas e físicas;

A capacidade financeira;

A organização técnico-administrativa;

dessas mesmas empresas" (fl. 698.).

39 - Já quanto aos critérios de exclusão, a arguida limita-se a indicar, genericamente, as duas formas de cessação do contrato: "rescisão fundamentada (por justa causa)" e "denúncia mediante pré-aviso mínimo de 90 dias para o termo do prazo em curso" (fl. 699).

40 - Do conjunto de elementos constantes do processo, é possível constatar que as situações elencadas diferem significativamente entre si, pelo que é necessário considerar as seguintes categorias:

1.º Casos de rescisão unilateral com alguns meses de antecedência relativamente ao fim da vigência do contrato e posterior celebração de acordo de rescisão:

Cipriano Henrique Nogueira Moreira, Lda., distribuidor exclusivo da UNICER entre 1981 e 1995 (denúncia datada de 22 de Maio de 1996, constante das fls. 86 a 105). Resulta dos autos que a 25 de Setembro de 1995, a UNICER comunicou a decisão de não renovação do contrato de concessão celebrado em 1 de Fevereiro de 1985. Assim, o contrato cessou os seus efeitos em 31 de Dezembro de 1995, considerando o queixoso que ao tomar essa decisão a arguida não se preocupou com os encargos financeiros deste, não só em termos de aquisição de material informático como também com viaturas e compromissos bancários. A empresa deste queixoso teria ainda um horário imposto pela UNICER. Nos autos constam diversos documentos relativos à rescisão de contratos de trabalho com quatro empregados do Sr. Cipriano Moreira, alegando-se em todos eles a não renovação do contrato com a arguida como fundamento para o despedimento.

Esta empresa teve um volume de vendas de produtos UNICER no valor de 57 604 529$00, em 1993, de 56 852 648$00, em 1994 e de 70 920 446$00, em 1995 (fls. 750 a 753).

A arguida juntou ao processo cópia do acordo de cessação do contrato de distribuição, datado a 11 de Março de 1996 (fls. 910 e 911), nos termos do qual Cipriano Henrique Nogueira Moreira declara que a arguida cumpriu todas as obrigações emergentes daquele contrato, nada mais lhe tendo a exigir. Segundo a arguida terá sido acordada e paga uma indemnização global no valor de perto de 12 000 contos.

Alcino da Silva Moreira, Lda. Esta empresa foi agente da arguida entre 1981 e 31 de Dezembro de 1993 (denúncia datada de 31 de Maio de 1996 mas apenas registada na DGCC a 13 de Setembro de 1996, a fls. 676 a 681). Do processo constam elementos que demonstram ter o contrato de distribuição celebrado com a UNICER sido denunciado a 28 de Setembro de 1993, com efeitos no fim desse ano (fl. 913). Tal como no caso acima referido, foi celebrado um acordo de cessação do contrato de distribuição, datado de 26 de Maio de 1994 (fls. 915 e 916). Segundo a arguida, terá sido paga uma indemnização no valor de cerca de 13 500 000$00. A queixosa diz-se impedida de adquirir os produtos que anteriormente obtinha junto da arguida.

Eduardo, Ribeiro e Seara, Lda. (queixa constante das fls. 602 a 664). Esta empresa foi distribuidora exclusiva da UNICER entre 1 de Abril de 1982 e 1 de Março de 1995, vendendo unicamente produtos UNICER na área que lhe foi fixada por contrato celebrado a 1 de Fevereiro de 1985. Alegou ter sido obrigada pela arguida a incorrer em investimentos avultados bem como a obter uma garantia bancária. Embora tenha aceite uma indemnização, a queixosa veio defender que fora obrigada a aceitá-la sob a ameaça de nada receber (fls. 661 e 662).

Esta empresa teve um volume de vendas de produtos UNICER no valor de 158 970 918$00, em 1993, de 163 771 058$00, em 1994 e de 21 548 409$00, nos dois primeiros meses de 1995 (fls. 750 a 753).

Cersumo, Distribuição de Bebidas, Lda. (queixa a pp. 665 a 675 do processo). Esta empresa, mencionada na queixa de Cipriano Moreira como tendo sido nomeada para uma área onde este já actuava, invoca igualmente a qualidade de distribuidor exclusivo da UNICER desde 1985, tendo-lhe essa concessão sido retirada em 31 de Dezembro de 1995, com um pré-aviso de três meses. Também esta empresa alegou ter efectuado diversos investimentos relativamente à aquisição de viaturas, sistemas informáticos, custos relativos à estrutura administrativa e contratação de 11 funcionários. Por contrato escrito datado de 13 de Fevereiro de 1996 (fls. 667 e 668), a Cersumo e a UNICER chegaram a acordo quanto à rescisão do respectivo contrato de distribuição, tendo a indemnização sido fixada em cerca de 26 000 000$00, dos quais 50% foram pagos à Cersumo pela Percerve, Lda. (fl. 669) e os restantes 50% pela Couto Tiago & Melo, Lda. (fl. 670).

Tal como a queixosa Eduardo, Ribeiro e Seara, Lda., também a CERSUMO alegou ter sido forçada a aceitar esta indemnização sob a ameaça de nada receber.

Esta empresa teve um volume de vendas de produtos UNICER no valor de 116 127 942$00, em 1993, de 131 078 919$00, em 1994 e de 149 515 822$00, em 1995 (fls. 750 a 753).

Foram também ouvidas declarações dos representantes legais de dois outros ex-distribuidores exclusivos cujos contratos foram resolvidos por acordo:

João Oliveira Fresco & Filhos, Lda. (fls. 1290 e segs.). Esta empresa teve um volume de vendas de produtos UNICER no valor de 123 025 231$00 em 1993, de 125 067 752$00, em 1994 e de 143 627 006$00, em 1995 (fls. 750 a 753);

Marabuto & C.ª (fls. 1312 e segs.). Esta empresa teve um volume de vendas de produtos UNICER no valor de 157 000 745$00, em 1993, de 190 237 845$00, em 1994 e de 246 526 550$00, em 1995 (fls. 750 a 753).

Do processo consta ainda a queixa apresentada por Aníbal Carlos Frade, sócio gerente da Mirandelense de Produtos Alimentares, Lda., que foi distribuidora da UNICER entre 1989 e 1994, igualmente excluída da rede UNICER.

2.º Rescisão fundada em atrasos de pagamento e ou não cumprimento das condições impostas pela UNICER para a normalização das relações contratuais:

A SAS, Lda. (queixa constante a fls. 232 a 600) foi nomeada distribuidora exclusiva dos produtos UNICER para um conjunto de 10 freguesias do concelho de Paredes, nos termos de um contrato celebrado a 5 de Fevereiro de 1985 (fls. 238 a 245). De acordo com esta queixosa, as vendas de produtos UNICER corresponderiam a uma média de 93% do total de vendas da SAS (fl. 266). Esta empresa, que terá mantido uma relação comercial com a arguida e suas antecessoras de mais de 50 anos, viu o seu contrato rescindido em 26 de Agosto de 1996, por não ter cumprido as exigências impostas pela UNICER para a regularização do saldo devedor da SAS, nas quais se incluía a obtenção de uma garantia bancária no valor de 77 000 000$00.

Esta empresa teve um volume de vendas de produtos UNICER no valor de 281 033 834$00, em 1993, de 329 055 473$00, em 1994, de 413 562 273$00, em 1995 e de 248 989 416$00 no 1.º semestre de 1996 (fls. 750 a 753).

Do contrato celebrado com a SAS não consta qualquer obrigação de obtenção de uma garantia bancária para a continuação dos fornecimentos, a exemplo do que sucede com o novo contrato tipo.

Peninsular, Lda. (queixa constante das fls. 89 a 96 do processo). Segundo a respectiva queixa, datada de 31 de Agosto de 1996, esta empresa terá sido criada com o objectivo expresso de ser agente exclusivo da UNICER para o concelho de Peniche, representando os produtos da arguida 100% da sua actividade. Em 6 de Março de 1989 foi celebrado um contrato de distribuição exclusiva entre a Peninsular e a UNICER (fls. 111 a 117). Alega a Peninsular que na vigência daquele contrato foram efectuados diversos investimentos relativos à aquisição de viaturas (quatro pesadas e três ligeiras, estas últimas, alega a queixosa, em resultado de uma imposição recente da arguida), um empilhador e diversos equipamentos destinados à estrutura administrativa.

Esta empresa teve um volume de vendas de produtos UNICER no valor de 137 643 004$00, em 1993, de 109 232 503$00, em 1994, de 86 421 858$00, em 1995 e de 40 666 953$00, no 1.º semestre de 1996 (fls. 750 a 753).

Pelo aumento do volume de vendas gerado na vigência do contrato, partindo de uma situação inicial em que as vendas de cerveja no concelho de Peniche seriam dominadas pela CENTRALCER, terá a Peninsular formado expectativas quanto à continuação da sua relação contratual com a arguida, o que a terá levado a adquirir um armazém com financiamento bancário, ainda não amortizado à data da queixa.

A 12 de Julho de 1996, a arguida recusou continuar a fornecer a Peninsular tendo disso informado a queixosa por telefonema do seu director comercial, Dr. Pedro Montês. De acordo ainda com a queixosa, esta viu-se impedida de obter fornecimentos junto de outros distribuidores que teriam alegadamente sido advertidos pela arguida de que não deveriam fornecer a Peninsular.

A arguida justificou a suspensão de fornecimentos com a "falta reiterada de pagamento pontual e um acumulado valor da dívida sem a necessária cobertura de garantia bancária", não tendo até 13 de Dezembro de 1996 sido formalizada a rescisão do contrato (fl. 897). A arguida juntou igualmente cópia da denúncia apresentada pela UNICER em 7 de Novembro de 1996 contra os sócios-gerentes da Peninsular por emissão de três cheques sem provisão no valor global de 12 275 815$00, declarando estar em preparação uma acção judicial declarativa com vista ao pagamento do saldo devedor da conta corrente que, ainda de acordo com a arguida, importara em quase 39 000 000$00 a 26 de Setembro de 1996. Do processo não consta qualquer elemento relativo à propositura desta acção.

Do contrato celebrado com a Peninsular não consta qualquer obrigação de obtenção de uma garantia bancária para a continuação dos fornecimentos, a exemplo do que sucede com o novo contrato tipo.

41 - Em muitos dos casos examinados, as empresas em causa foram fundadas por antigos funcionários da UNICER, por esta convidados a assumir a qualidade de distribuidores no início dos anos 80, sendo-lhes oferecida a possibilidade de reintegração nos quadros da arguida caso esta viesse a resolver o contrato de distribuição. No entanto, essas garantias expiraram um ou dois anos antes de iniciado o processo de reestruturação a que atrás se aludiu (v., supra, 35).

42 - Em todos os casos acima referidos, a resolução ocorreu num período em que ainda vigorava expressamente a proibição de comercialização de produtos concorrentes dos produtos UNICER objecto dos respectivos contratos.

43 - O peso dos produtos UNICER nas vendas dos distribuidores excluídos era próximo dos 100% em pelo menos quatro casos (Eduardo, Ribeiro e Seara; Cersumo; Peninsular; A. Duarte Portela), sendo as vendas de outros produtos não concorrentes negligenciáveis na maior parte dos restantes casos, o que se compreende por aqueles distribuidores se dedicarem essencialmente à comercialização dos produtos objecto do respectivo contrato, estando contratualmente impedidos de comercializar produtos concorrentes dos produtos UNICER, por vezes mesmo quando estes não eram vendidos em embalagens disponibilizadas pelos concorrentes (fl. 663).

44 - Do que precede e dos demais elementos constantes dos autos, e sem prejuízo da apreciação jurídico-económica a que adiante se procederá, considera o Conselho que fica provado o seguinte:

1) Em todos os casos de denúncia do contrato antes do seu termo identificados nos autos, a arguida celebrou com os respectivos distribuidores acordos de rescisão, nos termos dos quais estes declaram nada mais ter a exigir da UNICER, tendo esta pago uma indemnização a todos os distribuidores em causa, com excepção do antigo distribuidor Aníbal Carlos Freire;

2) Embora alguns dos distribuidores aleguem que tal acordo de rescisão e respectiva indemnização lhe tenham sido impostos pela UNICER, do processo não constam outros elementos de prova directa destas afirmações;

3) Em todos os contratos constam cláusulas de exclusão de indemnizações por perda da qualidade de distribuidor, sendo razoável concluir que estas poderão ter como efeito induzir os distribuidores a aceitar os quantitativos que a UNICER esteja disposta a oferecer-lhes;

4) No que respeita aos distribuidores que viram o seu contrato rescindido no prazo de três meses, o processo de reestruturação da rede de distribuidores foi conduzido pela UNICER sem qualquer informação prévia aos distribuidores a excluir, e não foi acompanhado sequer de uma divulgação dos critérios que fundamentaram a decisão de exclusão de cada um dos distribuidores;

5) A exigência de uma garantia bancária foi unilateralmente imposta às distribuidoras Eduardo, Ribeiro e Seara, Peninsular e SAS, não constando dos contratos celebrados entre aquelas e a UNICER;

6) Na expectativa de continuação das suas relações comerciais com a UNICER, alguns dos distribuidores desta efectuaram investimentos relativamente avultados, sem que se tenha produzido prova directa de tais investimentos decorrerem de exigências feitas pela UNICER (Eduardo, Ribeiro e Seara; Peninsular; J. Oliveira Fresco). No entanto, no contexto de um processo de reestruturação no qual não foram previamente definidos e divulgados os critérios de selecção, a necessidade de evitar dar à arguida fundamentos para a resolução com base no incumprimento das estipulações contratuais em matéria da qualidade de serviço e das instalações e equipamentos [em particular as alíneas c), e), g) e m) do n.º 1 da cláusula 3.ª, fls. 874-875], bem como os apelos da arguida à aquisição de novas viaturas (fl. 135), criaram um clima de pressão no sentido de que esses investimentos fossem levados a cabo pelos distribuidores, sob pena de se verem excluídos da rede, receio perfeitamente fundado nas circunstâncias dos casos em apreço;

7) Na sequência do termo dos contratos, a UNICER terá, de acordo com as declarações de diversos distribuidores, impedido o fornecimento destes junto de outros distribuidores da rede, agravando a situação económica dos distribuidores excluídos (ver nota 6).

ii) Distribuição directa dos produtos objecto do contrato a certos clientes, nomeadamente da área da grande distribuição alimentar, na área contratualmente atribuída aos distribuidores, sem que a estes viesse a ser concedida qualquer contrapartida financeira pela sua perda.

45 - Embora dos contratos de 1985 não constasse qualquer excepção ao exclusivo concedido aos respectivos distribuidores, do processo resulta que a UNICER, numa prática generalizada em todo o País, terá reservado para si os chamados clientes directos, com destaque para as grandes superfícies, abastecendo-os directamente mesmo quando localizados no interior de uma área contratualmente concessionada, prática essa que foi continuada até à entrada em vigor dos novos contratos de 1995 (fls. 770 e segs.). Apenas com o actual modelo contratual terá sido formalizada esta situação, mediante a ressalva expressa dos clientes directos (cláusula 4.ª e n.º 1 da cláusula 1.ª do contrato tipo, fls. 872 e segs.) (ver nota 7) sendo estes definidos como "os que, gerando um grande volume de vendas e sendo também fornecidos directamente pelos outros fabricantes do ramo alimentar, exigem a negociação directa com a UNICER, designadamente por centralizarem as suas compras para revenda nos diversos estabelecimentos que os integram e que se encontram numa das seguintes situações:

a) Possuem grandes superfícies de comércio a retalho ou por grosso (hipermercados, cooperativas, cash and carry, etc.);

b) Dispõem de uma cadeia de pequenos e médios estabelecimentos de comércio a retalho ou por grosso ou do ramo de restauração, geralmente dispersos pelo País (cadeias de supermercados, de cooperativas, de restaurantes, de serviço de restauração nas grandes rodovias, etc.)".

Nos termos do n.º 7 da cláusula 4.ª do contrato tipo, "as entregas de produtos, nos estabelecimentos referidos [clientes directos], poderão, mediante acordo periódico ou pontual com a UNICER, ser efectivadas pelo distribuidor, desde que este disponha dos meios humanos e materiais exigíveis pelo volume e frequência dessas entregas, as quais, em qualquer caso, serão sempre facturadas pela UNICER ao cliente directo", sendo nesse acordo definidas as correspondentes compensações pecuniárias. Do processo não consta qualquer acordo deste tipo.

46 - Na resposta à nota de ilicitude, a arguida defende que tal prática se impõe por resultar das exigências das grandes cadeias de distribuição com forte poder negocial e do número extremamente reduzido ou mesmo inexistente de distribuidores exclusivos com recursos para assegurar o respectivo fornecimento (fls. 1406-1407 e fl. 1411).

47 - Entende o Conselho resultar provado que a UNICER modificou unilateralmente e em condições não transparentes os contratos de distribuição celebrados antes da generalização do novo contrato tipo de distribuição, de forma a reservar para si a negociação e o fornecimento dos chamados clientes directos, sem que aos distribuidores afectados tivesse sido atribuída qualquer compensação pelo potencial desvio de clientela daí decorrente. Também resulta dos autos não ter havido uma diminuição dos objectivos de vendas na sequência do aumento do peso da grande distribuição alimentar (v., por exemplo, declarações a fls. 1661 e segs.). Não resulta do processo que tal compensação possa ter ocorrido pelo recurso aos acordos pontuais previstos no n.º 7 da cláusula 4.ª ou a outros arranjos de efeito análogo, tendo o representante da APDCOB declarado que a UNICER utiliza para esse efeito empresas de transportes diversos (auto de declarações a fls. 1636 e segs.).

iii) Exclusão injustificada de clientes importantes pelo volume de compras, que integravam a carteira de clientes dos distribuidores independentes, passando os mesmos a ser fornecidos directamente pela SERVITAGUS e Rotadouro, daí resultando um desvio da clientela anteriormente servida pelos distribuidores independentes em favor da SERVITAGUS e Rotadouro.

48 - Segundo uma queixa da APDCOB datada de 30 de Janeiro de 1998, a arguida terá utilizado duas sociedades constituídas em 1997, a Rotadouro, Lda., e a SERVITAGUS, Lda., detidas integralmente pela UNICER, directa ou indirectamente, para se substituir de forma gradual aos distribuidores contratuais nas regiões do Porto e de Lisboa, respectivamente (fls. 1488 e segs.).

49 - Dos dados constantes do processo, é razoável concluir que aquelas sociedades foram constituídas com o objectivo de proceder à distribuição pela UNICER junto dos clientes directos que para si reservara.

50 - Embora a UNICER defenda que a alteração do âmbito contratual da exclusividade resultava já de uma prática comercial iniciada nos anos oitenta, alguns elementos do processo permitem concluir que a retirada de clientes continuou a ocorrer até ao início do presente processo.

Assim, em auto de declarações (fls. 1661 e segs.), o representante legal da Aníbal Lopes, Lda., alega ter-lhe sido retirada a EUREST em favor da SERVITAGUS, o que a UNICER não contesta, alegando que tal terá resultado de exigência daquele cliente.

51 - Em todo o caso, este comportamento parece ser consequência directa da política da UNICER referida em ii), supra, pelo que entende o Conselho não o analisar autonomamente.

iv) Prática de condições discriminatórias nas promoções dos seus produtos e por si suportadas em benefício das empresas SERVITAGUS e Rotadouro, por si detidas integral e indirectamente, empresas essas que actuam na área da distribuição, em detrimento da rede de distribuidores independentes.

52 - Por último, alega ainda a DGCC na sua nota de ilicitude Complementar que a UNICER terá praticado condições discriminatórias. Nos termos daquela nota, "As condições discriminatórias nas promoções são do tipo [...] em cada 10 caixas ou barris oferecem dois ou três de graça", baseando-se a DGCC em declarações do representante legal da Aníbal Lopes, Lda., distribuidor exclusivo da UNICER desde 1983 (fls. 1661 e seguintes).

53 - Do processo não constam, todavia, outros elementos que permitam corroborar aquelas alegações, entendendo, por isso, o Conselho que não fica provado ter a arguida praticado condições discriminatórias nas promoções dos seus produtos, tanto mais que as suas filiais SERVITAGUS e Rotadouro abastecem essencialmente os clientes directos da UNICER, reservados para esta nos termos do contrato tipo de 1995.

c) Os contratos de compra exclusiva celebrados com estabelecimentos de bebidas

54 - Para além destes contratos a UNICER celebra igualmente, como já atrás se referiu, contratos de compra exclusiva (a fls. 155 a 217 e 340 a 445 dos autos) com estabelecimentos de bebidas. Em tais contratos, celebrados por um período mínimo de três anos e máximo de cinco anos a até que seja adquirido pelo revendedor uma determinada quantidade expressa em litros dos produtos que são objecto do contrato (cláusula 9.ª), o revendedor obriga-se a não vender no seu estabelecimento cerveja de barril e refrigerantes em dispenser de marcas não comercializadas pela UNICER (cláusula 4.ª), recebendo em contrapartida da exclusividade uma compensação cujo montante está previsto no contrato (cláusula 7.ª).

Ainda de acordo com os referidos contratos, o revendedor deverá abastecer-se apenas num distribuidor indicado pela UNICER (clausula 6.ª), distribuidor esse que, dado os termos em que está redigida a referida cláusula, não será necessariamente aquele a quem se encontra atribuída a área geográfica onde se localiza o estabelecimento do revendedor.

d) Fixação da remuneração do distribuidor e abonos de frete

55 - Do processo resulta que a UNICER mantém as práticas já analisadas na decisão deste Conselho de 1985 de fixar a remuneração do distribuidor em percentagem calculada sobre o preço de venda ao retalhista indicado na tabela bem como de pagar abonos de frete aos seus distribuidores (ver nota 8).

56 - Quer quanto à forma de fixação da remuneração do distribuidor quer no que respeita ao abono de frete, a arguida não contesta na sua resposta à nota de ilicitude a existência desta prática, apenas discordando da análise que a DGCC faz desse comportamento à luz do Decreto Lei 371/93, de 29 de Outubro.

Posteriormente, em resposta à nota de ilicitude complementar, veio a UNICER defender que o desconto de 7% praticado aos distribuidores incidiria não sobre o preço de venda a retalho, como afirmava a DGCC, "mas sim sobre o preço da tabela da UNICER a praticar nas vendas ao próprio distribuidor", como resultaria das tabelas de preços juntas à resposta à nota de ilicitude inicial. Na tabela de preços constante a fl. 1270, o preço de referência é o preço de tabela para distribuidores, sendo depois o desconto em questão aplicado uniformemente sobre aquele preço, privando-o, pois, de qualquer relevância efectiva.

A UNICER considera ainda que os distribuidores são livres de praticar os descontos que bem entendam, pelo que aquele método de remuneração não seria conducente a fixação de preços uniformes por parte daqueles distribuidores. As declarações de alguns distribuidores no sentido de que praticam descontos por iniciativa própria para além das Propostas de Acções Especiais (PAE) (aprovadas pela UNICER) são invocadas pela UNICER como prova da ausência de qualquer harmonização de preços a retalho.

57 - As declarações de diversos distribuidores demonstram que estes tinham como obrigatórias as indicações de preços fornecidas pela UNICER (fls. 602, 661, 1291 v.º, 1639, 1659 v.º e 1661 v.º). Com efeito, a tabela inclui igualmente a referência ao preço praticado pela arguida a retalho, induzindo dessa forma os distribuidores a tomar a diferença entre o aquele preço e o que com eles é praticado como a sua "margem" ou "remuneração". Além disso, o efeito dos abonos de frete parece ser combinado com uma política de proibição, de facto, da realização de vendas passivas fora do território contratual (v., supra, ponto 29).

58 - A estas declarações soma-se ainda o facto de no âmbito do Programa de Excelência a arguida destacar que o vendedor excelente "Orienta os clientes quanto aos preços de venda mais convenientes a serem praticados para os nossos produtos" (fl. 1708). Segundo informação da arguida, esta afirmação consta de um placard afixado na sala de vendas de cada distribuidor sob a epígrafe "Vendedor excelente" (fl. 2003).

E) As diligências de instrução

59 - Por ofício datado de 8 de Janeiro de 1998, foi a arguida notificada da nota de ilicitude contra si deduzida (fls. 1366 a 1379), e confrontada com os factos chegados ao conhecimento da DGCC bem como com a avaliação que dos mesmos foi feita, à luz das disposições do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

A arguida respondeu àquela nota de ilicitude a 4 de Fevereiro de 1998 (fls. 1396 e segs.).

60 - Na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/97, e tendo a arguida efectuado alterações ao contrato tipo de forma a dar cumprimento à decisão do Conselho de 1985, a Direcção-Geral decidiu levar a cabo novas diligências de instrução, para apurar os efeitos no mercado resultantes das alterações introduzidas aos contratos de distribuição.

No decurso das citadas diligências em que foram ouvidos distribuidores da UNICER e o representante da APDCOB, a DGCC constatou que os efeitos dos comportamentos ilícitos de natureza contra-ordenacional objecto da nota de ilicitude inicial se mantinham, tendo ainda no decorrer das citadas diligências, sido apurados novos factos que dariam, no entender daquela entidade, um novo enquadramento legal aos ilícitos contra-ordenacionais em investigação.

61 - Posteriormente, a 18 de Novembro de 1998, a DGCC viria a notificar à arguida uma nota de ilicitude complementar (fls. 1883 e segs.), à qual esta respondeu a 14 de Dezembro de 1998, tendo entretanto o mandatário da arguida solicitado a confiança do processo a 23 de Novembro de 1998, o que foi autorizado por despacho de 26 de Novembro de 1998.

62 - A arguida na resposta à nota de ilicitude complementar, tendo para esse efeito beneficiado de um adiamento por cinco dias, requereu ainda que, previamente à elaboração do relatório final e à eventual remessa do processo para o Conselho da Concorrência, esta Direcção-Geral procedesse à audição oral nos termos do artigo 25.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, a fim de que esta se pronunciasse sobre "as questões que importam à decisão e sobre as provas produzidas e requeresse, sendo caso disso, as diligências complementares de prova que considerasse convenientes".

No caso, a DGCC optou por conceder à arguida o direito de audição escrita, tendo em conta ser este o procedimento que permitiria à arguida exercer o seu direito de audição, possibilitando-lhe contraditar a matéria de que se encontrava acusada com maior reflexão e mais profundamente, sustentando-o, querendo, com provas, o que numa audição oral se apresentaria mais precário.

Nesta conformidade, entendeu aquela Direcção-Geral que tendo dado estrito cumprimento à observância do princípio do contraditório, assegurando amplamente a possibilidade da empresa arguida se vir defender, designadamente, facultando-lhe a confiança dos autos para exame fora da Direcção-Geral, de modo a dotá-la dos elementos necessários para o exercício do seu direito de defesa, e prorrogando-lhe o prazo de "resposta à nota de ilicitude complementar "assistia à empresa a faculdade de solicitar as diligências complementares de prova que considerasse convenientes à sua defesa, o que, efectivamente, não fez.

Razão pela qual a Direcção-Geral negou provimento ao requerido pelo advogado mandatário da empresa, por considerar que novo direito de audiência, agora na forma oral se apresentava manifestamente redundante e dilatório.

63 - Inconformada com tal despacho de indeferimento, a UNICER, nos termos e para efeitos do artigo 55.º do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, recorreu do mesmo para o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa.

Por despacho de fls. 2095 foi admitido o recurso interposto pela recorrente, com efeito suspensivo, tendo o mesmo tribunal (fl. 2101) "nos termos de facto e de direito expostos, julgo, totalmente, procedente o recurso de impugnação judicial apresentado pela recorrente UNICER e, consequentemente declaro nulo e sem efeito o despacho do director-geral do Comércio e da Concorrência que indefere o pedido de audiência oral da recorrente."

64 - Em cumprimento daquela douta decisão judicial foram então notificadas, para a citada audição oral, as testemunhas arroladas pela arguida (fls. 1964) tendo os autos decorrido em 11 de Junho de 1999, após dois adiamentos a pedido do representante legal da arguida.

O advogado mandatário foi ouvido em auto de declarações, constando, todavia, as suas principais observações de documento escrito entregue durante aquela audiência, sendo os restantes em auto de inquirição de testemunhas. Foram igualmente juntos ao processo mais alguns documentos apresentados então pela arguida. No essencial esta audiência oral serviu assim como uma fase mista, onde relevam sobretudo elementos escritos.

II - Apreciação jurídica e económica

A) A delimitação do mercado relevante

65 - Na definição dada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, o mercado do produto relevante inclui, em princípio, todos os produtos ou serviços considerados pelo consumidor, devido às suas características, preço ou utilização prevista, como sendo razoavelmente intersubstituíveis (Ac. United Brands, Proc. 27/76, Recueil 1978, p. 207, cons. 12).

66 - Para efeitos do presente processo consideramos o mercado da cerveja como mercado relevante do produto, pois pelas suas características endógenas (composição, sabor e aspecto), pelas suas propriedades alcoólicas, pela homogeneidade que apresenta, bem como pela sua capacidade específica para satisfazer as necessidades dos seus consumidores, a cerveja não sofre concorrência de outros produtos. Com efeito, a sua substituibilidade por outras bebidas como o vinho ou refrigerantes é susceptível de apenas ocorrer muito pontualmente.

O mercado dos refrigerantes, sobretudo de bebidas de cola e o do vinho, embora vizinhos daquele, constituem mercados diferenciados.

A diferenciação advém-lhe fundamentalmente das matérias-primas utilizadas, das técnicas de fabrico e, no caso do vinho, essencialmente do seu teor em álcool.

Também os padrões de consumo destas bebidas associados às preferências dos consumidores confirmam tal delimitação (ver nota 9), pois enquanto as águas e os sumos são normalmente consumidos durante as refeições em casa, os refrigerantes constituem a bebida favorita em locais que servem refeições rápidas ou em diversas reuniões sociais, os sumos e as águas estão associados ao desejo de beber algo saudável.

Os sumos parecem responder a uma necessidade de nutrição e são normalmente consumidos ao pequeno almoço, sendo que os sumos e as águas estão predominantemente associados às bebidas naturais e na base da sua procura encontram-se sobretudo considerações de saúde e de um estilo de vida saudável.

Por outro lado os refrigerantes são normalmente consumidos devido às suas propriedades estimulantes (acúcar, cafeína, efervescência) e não devido às suas propriedades para saciar a sede.

67 - Na sua resposta à Nota de Ilicitude, veio a UNICER contestar a delimitação do mercado relevante na sua vertente material (fls. 1396 e segs.). Considera a arguida que tal delimitação é incorrecta, entre outros aspectos, devido a "alterações significativas em resultado de um aumento considerável do leque de escolha do consumidor [...] que revela uma apetência significativamente maior para alternar o consumo de cerveja com o de outras bebidas (incluindo bebidas não alcóolicas) em função de variáveis tão diversas quanto o local de consumo, a altura do dia ou do ano, a idade, etc.", sendo que em seu entender, "a evolução comparativa das vendas de diferentes bebidas que directa ou indirectamente estão em concorrência com a cerveja (dos refrigerantes e bebidas energéticas ao vinho, passando pelo whisky e long drinks e mesmo as águas minerais) permite verificar que à clara tendência de diminuição do consumo de cerveja corresponde um aumento do consumo de outras bebidas acima referidas."

Em apoio da tese da existência de um elevado grau de substituibilidade do ponto de vista do consumidor entre aqueles diferentes tipos de bebidas, a UNICER apresenta um conjunto de dados relativos às compras no canal Horeca e estudos de mercado.

Entende ainda que o reconhecimento pela DGCC da existência de economias de gama na distribuição de cervejas águas e refrigerantes equivaleria a "admitir implicitamente a existência de concorrência entre aqueles diferentes tipos de bebidas".

Refira-se, desde já, que, como foi salientado pela Comissão Europeia, "o facto de um produto ser vendido como parte de uma gama mais vasta de bebidas não significa que se deva considerar essa gama enquanto tal como o mercado do produto relevante para efeitos de uma apreciação do ponto de vista da concorrência" (ver nota 10).

68 - Embora a delimitação do mercado relevante a que procedeu a DGCC e que o Conselho aceitou neste processo tenha amplo apoio, quer na jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias quer na prática anterior deste Conselho, importa responder à argumentação aduzida pela UNICER, uma vez que esta apresentou um conjunto de estudos económicos cuja pertinência deve ser apreciada.

69 - Em primeiro lugar, os dados e estudos anexos (fls. 1453 e segs.) apenas indicam que há variações nas preferências dos consumidores em função da idade, sexo, rendimentos, momento de consumo, etc., sem demonstrar que entre os produtos em causa exista uma elasticidade cruzada da procura positiva (ver nota 11).

O Conselho entende, no entanto, que no âmbito da delimitação do mercado relevante neste processo não está em questão saber se os consumidores são apenas consumidores de uma determinada bebida ou tipo de bebida mas sim se a sua decisão de consumir, por exemplo, cerveja é ou não influenciada pelo preço de outras bebidas.

Naturalmente alguns factores exógenos influenciam o padrão de consumo, como sucede com as penalizações por condução sob o efeito do alcóol que incentivam o consumidor a preferir bebidas não alcoólicas. No entanto essa é uma questão de preferência do consumidor, não de substituibilidade. O argumento da Arguida equivale a dizer que, porque as pessoas diversificam o seu consumo de alimentos adquirindo lacticínios, carne e peixe, estes produtos estariam todos no mesmo mercado.

Aliás, seguindo a lógica da arguida seríamos mesmo levados a incluir o leite no mercado das bebidas, já que dos 42% de entrevistados no estudo PRM de 1997, fl. 1467, 88% também compraram leite.

70 - Uma tal concepção do conceito de mercado relevante está completamente deslocada da realidade económica, e não tem qualquer apoio na prática das autoridades nacionais e comunitárias da concorrência, como adiante se verá.

71 - O estudo motivação, apresentado também pela UNICER, reconhece que o consumidor de cerveja tem normalmente uma marca preferida, ainda que considere existirem "vários factores que se traduzem em comportamentos de infidelidade às marcas:

A preferência por cerveja de pressão relativamente à garrafa/lata independentemente (ou quase independentemente) da marca;

A proliferação de marcas estrangeiras (concretamente alemãs, mexicanas e americanas) que, à excepção das espanholas, são bem recebidas pelo consumidor português quer por curiosidade, quer nos mais jovens por natural adesão à novidade e inovação" (fl. 1455).

A importância das marcas é aliás evidente em estudos apresentados pela própria arguida, em particular o estudo Scantrack Nielsen em hipermercados e supermercados (Agosto a Novembro de 1997) conclui que "Nas grandes superfícies de distribuição moderna (hipermercados e supermercados) Super Bock é vendida 50% mais cara do que as marcas dessas cadeias e, no entanto, o seu volume é 14,5 vezes superior ao dessas marcas. Novamente, em situação de livre opção pelo consumidor, este opta claramente pelas marcas de maior qualidade e notoriedade". A esta conclusão parece ter chegado a própria UNICER.

72 - Afigura-se inteiramente correcta a conclusão a que chegou a DGCC no seu relatório quanto ao valor destes estudos segundo a qual estes nunca referem qualquer reacção dos consumidores a aumentos de preços, condição para a determinação da existência da substituibilidade (p. 16).

73 - Por último, é de referir que a própria arguida reconhece a existência de um mercado de cerveja distinto dos mercados de águas, refrigerantes e vinho, em documento elaborado antes de ter conhecimento do presente processo. com efeito, no seu relatório e contas de 1995, fls. 701 e segs., faz-se por diversas vezes referência ao "mercado nacional de cerveja (ver nota 11).

74 - Na sua resposta à nota de ilicitude complementar datada de 14 de Dezembro de 1998, fl. 1916 e segs., a arguida invoca ainda em seu favor um "entendimento constante" quanto à questão da substituibilidade da cerveja por outras bebidas como o vinho ou refrigerantes, fundando-se para o efeito num acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 12 de Julho de 1983, Comissão c. Reino Unido, processo 170/78, Recueil, p. 2265, n.os 7 a 12) do qual resultaria, no entender da arguida, "que existe uma relação de concorrência entre a cerveja, bebida popular de grande consumo, e outras bebidas, entre as quais os vinhos mais económicos". Este entendimento seria reiterado no acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1987, Comissão c. Bélgica (processo 356/85, Colect., p. 3299, n.º 10). Com base nestes acórdãos e nas conclusões do advogado-geral no último acórdão citado, entende a arguida que a entidade instrutora terá cometido um "erro de apreciação" quanto à delimitação do mercado relevante.

75 - Importa, no entanto, precisar que os acórdãos citados não se referem às normas de concorrência do Tratado de Roma e sim ao artigo 90.º (ex-artigo 95.º), isto é, a uma norma dirigida aos Estados-membros que proíbe imposições internas discriminatórias.

Curiosamente, a Arguida parece esquecer que por diversas vezes o Tribunal de Justiça tem empregue aquela disposição com um alcance distinto do que releva para efeito das regras de concorrência. Assim, no acórdão United Brands, o Tribunal definiu o mercado relevante nesse processo como sendo o das bananas, tendo noutro acórdão em sede de artigo 90.º considerado que existia concorrência entre as bananas e outras frutas para efeito de condenação de discriminações fiscais. A natureza específica de cada uma destas disposições, a sua integração sistemática no Tratado de Roma e a jurisprudência a elas referente do Tribunal de Justiça militam assim contra paralelismos simplistas e pressurosos.

76 - Deve notar-se ainda que sempre que o Tribunal de Justiça se referiu ao mercado da cerveja no âmbito das regras da concorrência que inspiraram parcialmente o nosso legislador, aquele foi considerado um mercado relevante.

A título exemplificativo, veja-se o Acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, no processo C-234/89, Stergios Delimitis c. Henninger Bru AG, Colect., 1991, p. I-935, onde o Tribunal de Justiça entendeu que a análise dos "efeitos que produz um contrato de fornecimento de cerveja, em combinação com outros contratos do mesmo tipo, nas possibilidades, para os concorrentes nacionais ou de outros Estados membros, de se implantarem no mercado do consumo da cerveja ou de aumentarem a sua parte nesse mercado e, portanto, quanto à gama dos produtos oferecidos aos consumidores" (cons. 16) "exige, antes do mais, uma delimitação do mercado em questão (cons. 17).

Ainda de acordo com o Tribunal de Justiça, "Este define-se, em primeiro lugar, em função da natureza da actividade económica em questão, concretamente, a venda de cerveja. Esta faz-se quer pela via do comércio a retalho quer pela das lojas de bebidas. Do ponto de vista do consumidor, o sector das lojas de bebidas, incluindo designadamente os cafés e restaurantes, distingue-se do comércio a retalho, pelo facto das (sic) vendas efectuadas nas lojas de bebidas andarem associadas não apenas com a simples compra de uma mercadoria, mas igualmente com uma prestação de serviços e pelo facto do (sic) consumo de cerveja nas lojas de bebidas não depender essencialmente de considerações de ordem económica. Essa especificidade das vendas nas lojas de bebidas é confirmada pelo facto das (sic) fábricas de cerveja terem organizado sistemas de distribuição específicos para esse sector, que necessitam de instalações especiais, e pelo facto de os preços praticados nesse sector serem, em geral, superiores aos praticados nas vendas do comércio a retalho".

"Daí se conclui que o mercado de referência corresponde, no presente processo, ao da distribuição de cerveja nas lojas de bebidas. Esta conclusão não é infirmada pela circunstância de se verificar uma certa interferência entre as duas redes de distribuição, ou seja, pelo facto de as vendas efectuadas pelo comércio a retalho permitirem a novos concorrentes darem a conhecer as suas marcas e beneficiar da reputação granjeada para aceder ao mercado das lojas de bebidas".

O Tribunal acolheu assim as conclusões do seu advogado-geral Van Gerven, pontos 15 e 16, rejeitando os argumentos da Henninger Bru que, não indo ao ponto de sugerir a existência de um mercado de bebidas, como a UNICER neste processo, invocava que o vinho branco constituía um substituto muito próximo da cerveja em certas regiões.

77 - Também a prática deste Conselho tem identificado os mercados referidos pela arguida como mercados distintos (ver nota 13).

78 - Em documento escrito do advogado da arguida, que parece ter sido junto ao processo em substituição das respectiva exposição oral (v. o auto de declarações a fl. 1985), é reiterado o mesmo tipo de argumentação atrás refutada, aí se alegando que "na esmagadora maioria dos consumidores o gosto não é exclusivo: são muito raros aqueles que só bebem vinho ou cerveja; os consumidores desta são-no também de vinho em diferentes ocasiões. Consumidores fiéis de cerveja não haverá mais de 500 000 no nosso mercado de 10 milhões." Seguidamente, que se constata "uma tendência global à baixa do consumo per capita de cerveja, substituída, no gosto dos consumidores, por outras bebidas - águas, colas, refrigerantes - capazes de satisfazer as mesmas necessidades. Hoje em dia, o maior mercado de bebidas é o de refrigerantes e não o da cerveja". Por último, considerou-se que "o consumo relativo das várias bebidas depende das condições climatéricas e dos anos agrícolas. Em 1998, o consumo de cerveja aumentou 2% a 3% por causa do mau ano viti-vinícola. Em contrapartida, o aumento do auto-consumo de vinho fez baixar o consumo de cerveja".

Alegando existir uma elasticidade cruzada do lado da procura, fundamentou essa afirmação com o lançamento de vinho à pressão por parte da UNICER "para estar presente numa significativa faixa de mercado e fazer face à canibalização da cerveja pelo vinho".

Assim, o mercado relevante seria um "mercado de bebidas" que incluiria a cerveja, os refrigerantes, os sumos de fruta, as águas e certos vinhos por entender que "É da experiência de todos os dias e de cada um de nós que a cerveja, como bebida refrescante e capaz de dessedentar, não está sozinha no mundo do mercado. Às refeições ou fora delas, qualquer de nós - desde que goste de cerveja hesita - quantas vezes entre uma cerveja (loira ou preta? Com álcool ou sem ele?) e um vinho (branco ou tinto ligeiro) ou uma coca cola ou até um sumo de laranja ou, mais prosaicamente, uma água mineral. Nas 'tascas' das zonas rurais ou de certos bairros castiços das cidades - como Lisboa - o vinho verde à pressão, fresquinho, rivaliza com a cerveja nas preferências dos clientes" (fl. 2007).

Pelos fundamentos atrás expostos, a argumentação da arguida não é pertinente para a questão de delimitação do mercado relevante, pois limita-se a alegar uma substituibilidade a um nível extremamente genérico, com base apenas na capacidade de refrescar e dessedentar, sem demonstrar de que modo as bebidas citadas concorrem entre si, já que não apresenta quaisquer dados que permitam infirmar as conclusões a que a DGCC e o Conselho chegaram nesta matéria. Com efeito, se o mercado de produto relevante compreende todos os produtos considerados permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida, a arguida limita a sua argumentação a algumas das características, esquecendo outras tão ou mais importantes (teor alcoólico, bebidas gasosas e lisas, etc.; v. n.º 66, supra) e, mais grave ainda, não tem em conta as diferenças de preços e as reacções dos consumidores a essas variações. Ora, o principal critério indicativo da existência de uma relação de concorrência entre diferentes produtos assenta na elasticidade cruzada do lado da procura (ver nota 14). Nenhum dos argumentos da arguida comprova a existência dessa relação entre a cerveja e qualquer das bebidas por ela referidas.

79 - Em apoio das alegações em matéria do mercado de produto relevante/substituibilidade das bebidas, a UNICER entregou um documento interno onde uma vez mais se fazem referências genéricas à existência de uma sobreposição da procura dos diferentes tipos de bebidas, indiciando ainda que, na sua visão do mercado, o leite integraria aquele mercado (fl. 2019).

Os estudos apresentados a fls. 2021 e segs., indicam uma estrutura de escolhas de substituição para cada primeira escolha. Não tendo sido apresentada a metodologia deste estudo, supõe-se que a mesma coloca ao inquirido a questão: qual a bebida que escolheria em alternativa à bebida de primeira escolha. Evidentemente, tal não demonstra qualquer elasticidade cruzada da procura.

80 - Por fim, a arguida veio ainda a 10 de Agosto de 1999 apoiar-se na balança alimentar portuguesa para sustentar a sua tese relativa a um mercado relevante que englobe todas as bebidas, juntando ao processo alguns excertos daquele documento. Resulta da análise da Balança Alimentar Portuguesa que a sua principal preocupação se centra no domínio alimentar e nutricional e não em questões de mercado como as subjacentes ao presente processo e, menos ainda, à demonstração de uma elasticidade cruzada entre os diferentes alimentos aí analisados (ver nota 15). No que se refere aos acréscimos das capitações de bebidas alcoólicas e decréscimo das alcoólicas, a BAP apenas demonstra existir uma evolução das preferências dos consumidores, sem que nada comprove que tal alteração se tenha ficado a dever a variações cruzadas do preço das diferentes bebidas.

81 - No que respeita à delimitação geográfica, a UNICER não apresentou qualquer elemento que permita contestar o seu carácter nacional.

Sendo certo que na Região Autónoma da Madeira duas empresas locais detêm uma posição muito elevada, não são apresentados quaisquer elementos que permitam concluir que as condições de concorrência no território nacional não sejam homogéneas. Em todo o caso, a consideração daquela região autónoma como um mercado geográfico distinto não teria um impacto significativo em termos de redução do esmagador peso da UNICER e da CENTRALCER nas vendas efectuadas em território nacional.

Também não se têm por pertinentes as observações apresentadas pela arguida que sugerem a existência de diversos mercados regionais, por considerar que se nota "uma clara diversificação da relação concorrencial e das preferências dos consumidores consoante as regiões. Assim, enquanto a Sagres se vende muito na Grande Lisboa, no Alentejo, no Algarve ou nos distritos de Portalegre e de Castelo Branco, a Super Bock consome-se sensivelmente mais no Norte do País", alegando ainda que "no interior do País a rivalidade entre o vinho e a cerveja é seguramente superior ao que se passa no litoral" (fls. 2012 e 2013).

Uma vez mais é difícil vislumbrar a relevância jus-concorrencial das alegações genéricas da arguida, já que, em última análise, elas levariam a configurar mercados geográficos distintos consoante a empresa que ocupa a posição de liderança nas vendas a nível local ou regional. Semelhante segmentação é inadmissível num caso onde as condições de concorrência no território nacional são, pelos motivos atrás expostos, uniformes.

82 - Em conclusão, entende o Conselho que o mercado relevante deve ser delimitado como o mercado nacional da cerveja.

B) Os contratos de distribuição exclusiva e a obrigação de não comercialização de produtos concorrentes

a) Enquadramento geral

83 - Passando agora à análise dos comportamentos imputados à UNICER, importa começar por analisar os problemas colocados em matéria da obrigação de não comercialização de produtos concorrentes.

84 - Nos termos do aditamento notificado a este Conselho, a UNICER eliminou a cláusula de não comercialização de produtos concorrentes, considerando assim ter dado cumprimento à decisão de 1985- Sucede, no entanto, que o contrato-tipo entretanto notificado apresentava já algumas diferenças relativamente aos contratos apreciados em 1985.

85 - A isto acresce a nova cláusula 14.ª, aditada simultaneamente à eliminação da cláusula de não comercialização de produtos concorrentes, sendo a sua apreciação determinante para que se possa dar por cumprida a anterior decisão de 1985.

b) Carácter restritivo da concorrência da proibição de comercialização de produtos concorrentes

86 - Embora não esteja directamente em causa neste processo a cláusula de não comercialização de produtos concorrentes, em virtude de esta ter sido eliminada em 1997, tendo decorrido já quase 15 anos desde a decisão anterior que firmou a ilegalidade daquela estipulação, entende o Conselho ser oportuno reapreciar a questão à luz dos desenvolvimentos entretanto ocorridos, quer no mercado em questão quer no quadro da revisão da abordagem das restrições verticais que se verificou a nível comunitário. Esta análise é tanto mais necessária quanto a legalidade dos comportamentos da UNICER em causa neste ponto depende de uma prévia tomada de posição quanto à cláusula de não comercialização de produtos concorrentes.

87 - Passados 15 anos, embora tenha ocorrido uma troca de posições entre a CENTRALCER e a UNICER na liderança nacional do mercado das cervejas, o panorama no sector em termos de participantes no lado da oferta não se alterou substancialmente.

Assim, apenas a CENTRALCER e a UNICER produzem actualmente cerveja em Portugal continental, sendo as importações pouco relevantes em termos quantitativos (cerca de 3%).

88 - Não será indiferente a este respeito o facto de a decisão de 1985 só recentemente ter transitado em julgado, agravado ainda pela prática da outra principal empresa a operar em Portugal, a CENTRALCER, examinada em processo paralelo a este e que mantém uma proibição de comercialização de produtos concorrentes, do conhecimento da arguida (fl. 1411).

São seguramente numerosos os factores que contribuiram para a perpetuação do duopólio UNICER/CENTRALCER. Os importadores apontaram como principais causas a necessidade de uma rede de distribuição disponível e adequada às especificidades da distribuição de cerveja (v. n.º 11, supra) e as fortes campanhas promocionais levadas a cabo por aqueles duopolistas.

Dois outros factores são igualmente relevantes para justificar esta situação: a capacidade instalada de produção da CENTRALCER e da UNICER é significativamente excedentária, o que constitui um forte dissuasor da entrada através da abertura de novas unidades fabris; e a importância das marcas, com especial peso para as que têm maior implantação, como a Sagres (CENTRALCER) e a Super Bock (UNICER).

89 - Na sua resposta à nota de ilicitude, a UNICER veio alegar que "são sobretudo razões de fidelidade à marca e o gosto do con sumidor que podem explicar as alegadas dificuldades de penetração de outras marcas no mercado nacional. A título de exemplo, refira-se que tanto a Heineken como a Budweiser são cervejas de grande renome e divulgação a nível internacional e que as empresas que as distribuem em Portugal são grandes empresas com fortes capacidades de distribuição, bem implantadas ao nível do mercado português e com elevado sucesso na distribuição de outros produtos". É necessário esclarecer que marcas importadas comercializadas pela arguida, de notoriedade internacional equivalente às por elas citadas, atingem vendas elevadas (cerca de 4% só no caso da Carlsberg, fl. 1402), a que não será indiferente o seu escoamento pela rede UNICER.

90 - A existência de circuitos de distribuição vinculados à UNICER e à CENTRALCER constitui, em todo o caso, um dos principais entraves à entrada no mercado nacional. Com efeito, apesar das economias de gama envolvidas na distribuição de refrigerantes, águas e cerveja, as características desta última envolvem igualmente especificidades na distribuição (v. n.º 11, supra).

Pela posição que a arguida ocupa no mercado da cerveja, a proibição da comercialização de produtos concorrentes, imposta pela UNICER aos seus distribuidores, contribuiria de forma significativa para o aumento dos obstáculos à entrada, já que excluiria um dos principais vectores de penetração no mercado nacional. Com efeito, a penetração ex novo ou a expansão de vendas de outras marcas de cerveja supõe o acesso a um canal de distribuidores com suficiente densidade para permitir uma distribuição eficiente e que contrabalance os custos acrescidos da importação ou decorrentes da abertura de uma nova fábrica no território nacional (ver nota 16). Sendo os custos de distribuição muito mais elevados numa rede especificamente constituída para esse efeito, afigura-se como particularmente benéfica para a criação de condições de uma concorrência mais efectiva neste mercado a possibilidade de novos concorrentes ou concorrentes já instalados no mercado nacional mas ainda com reduzida expressão em termos de vendas recorrerem a canais já implantados, como sejam os distribuidores da UNICER.

91 - O efeito da proibição de comercialização de produtos concorrentes é agravado pela existência dessa obrigação nas relações entre a CENTRALCER e os seus distribuidores, o que leva ao quase encerramento do mercado, com especial destaque para o sector Horeca. Assim, cerca de 68% de toda a distribuição nacional de cerveja tendo em conta a poderação das vendas escoadas por cada empresa através de distribuidores e as respectivas quotas de mercado está afecta a distribuidores vinculados em exclusivo em resultado dos contratos que celebram com as produtoras, sendo o remanescente assegurado quase integralmente pela distribuição directa efectuada pela UNICER e pela CENTRALCER

Sendo que a existência de obrigações equivalentes no âmbito dos contratos celebrados pela principal concorrente da UNICER, a CENTRALCER, produz igualmente um efeito sensível nas condições de acesso ao mercado nacional, estas serão apreciadas no processo correspondente, procurando-se assim uma abordagem coerente para o sector, que desconcentre o nível da distribuição de modo a tornar o mercado nacional mais competitivo.

92 - No entanto, porque o presente processo contra-ordenacional versa essencialmente sobre o mercado da cerveja, entende o Conselho que os efeitos desta decisão devem, no que respeita à proibição de comercialização de produtos concorrentes posta em prática pela arguida por diversos expedientes adiante analisados, ser centrados naquele mercado. Com efeito, sendo a estrutura dos mercados vizinhos das águas, dos vinhos e dos refrigerantes bastante distinta da que caracteriza o mercado da cerveja, julga-se mais oportuno remeter para uma eventual investigação sectorial que a DGCC entenda levar a cabo naqueles mercados a análise dos efeitos da proibição de comercialização de produtos concorrentes nas diferentes redes de distribuição. Assim, as considerações tecidas na presente decisão a propósito da proibição de comercialização de produtos concorrentes devem entender-se como limitadas ao mercado da cerveja, em consonância com a definição de mercado relevante retida.

Pelo comportamento da arguida no mercado da cerveja, considerando a possibilidade de o poder de mercado detido pela UNICER no que respeita à cerveja ser estendido a outros mercados vizinhos dos refrigerantes, das águas e do vinho e na ausência de uma análise desses mercados, entende o Conselho que se justifica a manutenção das proibições constantes da anterior decisão de 1985, sendo que a limitação decorrente do exposto no parágrafo anterior apenas será tida em conta para efeito de apurar a responsabilidade contra-ordenacional da arguida.

93 - A proibição da cláusula de não comercialização de produtos concorrentes, bem como de outras cláusulas que tenham por objecto ou como efeito impedir a comercialização daqueles produtos pelos distribuidores da rede UNICER é conforme às novas orientações assumidas pela Comissão Europeia em matéria de restrições verticais (ver nota 17). Com efeito, na nova abordagem daquela instituição comunitária, na maior parte dos casos de restrições verticais, as preocupações jus-concorrenciais apenas são justificadas na presença de um certo grau de poder de mercado ao nível do fornecedor, do comprador, ou de ambos (ver nota 18). No seu sentido económico, o poder de mercado é definido como o poder de aumentar o preço acima do seu nível concorrencial e de, pelo menos no curto prazo, obter lucros supranormais. O conceito de poder de mercado não se confunde com a noção de posição dominante, sendo indiscutível que, pela sua quota de mercado e pela força da sua principal marca, a arguida dispõe de um elevado grau de poder de mercado no mercado relevante acima definido, bem demonstrado pelo facto de ter conseguido manter o nível de preços mesmo no período em que o consumo nacional de cerveja sofreu uma contracção (v. n.º 15, supra).

94 - Conclui assim o Conselho que a imposição, directa ou indirecta, de uma obrigação de não comercialização de produtos concorrentes pela UNICER aos seus distribuidores constitui uma restrição da concorrência contrária ao artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

c) Apreciação do alegado cumprimento da decisão de 1985

95 - Com o aditamento de 1998, na sua versão corrigida, entende a arguida ter dado "integral cumprimento às medidas determinadas pela Decisão", dando por cumprido o disposto no artigo 3.º da mesma pela eliminação da proibição de comercialização de produtos concorrentes constante da cláusula 4.ª, n.º 2, do contrato.

96 - Atentando no aditamento, constata-se que o mesmo compreende ainda a introdução de uma nova cláusula, a cláusula 14.ª, nos termos da qual "Se vier a ser lícita a estipulação de uma cláusula contratual pela qual o distribuidor se obrigue para com a UNICER a não negociar, directamente ou por interposta pessoa, em produtos concorrentes das cervejas, refrigerantes e águas que constituem o objecto principal deste contrato, as partes obrigam-se reciprocamente a proceder à sua modificação, por forma a nele incluir uma tal cláusula" (fl. 1486).

Ficam assim os distribuidores obrigados a interromper a comercialização de quaisquer produtos concorrentes dos produtos UNICER a partir do momento em que a estipulação proibida pelo Conselho em 1985 venha "a ser lícita". Não deu entrada até ao momento qualquer pedido de apreciação prévia que pudesse habilitar este Conselho a pronunciar-se pela legalidade daquela cláusula.

97 - Com o aditamento desta cláusula 14.ª, retiram-se de forma não muito subtil quaisquer incentivos que para o distribuidor pudessem advir da eliminação do n.º 2 da cláusula 4.ª no sentido de iniciar a comercialização de produtos concorrentes. Com efeito, resulta desta estipulação que essa comercialização será sempre precária, posto que a proibição de comercializar produtos concorrentes pode "vir a ser lícita".

Entende, pois, o Conselho que o aditamento da cláusula 14.ª tem por objecto e como efeito perpetuar os efeitos da cláusula eliminada. A cláusula 4.ª, n.º 2, foi assim substituída por outra que tem também por objecto e efeito eliminar ou pelo menos condicionar drasticamente a liberdade dos seus distribuidores de assumir a comercialização de produtos concorrentes dos da arguida.

98 - A esta acresce ainda a cláusula pela qual os distribuidores são obrigados a recolher e transmitir periodicamente à UNICER "informações sobre o mercado, nomeadamente sobre a actuação da concorrência" (v. ponto 26 desta decisão), introduzida após a anterior decisão do Conselho.

Desta forma, a arguida pode controlar não só a actuação dos seus concorrentes na área objecto da concessão, como também obter informações sobre qualquer tentativa de promover a venda de produtos concorrentes junto dos distribuidores da UNICER. O distribuidor que comercialize produtos concorrentes e não o comunique à arguida incorre em situação de incumprimento contratual, risco que os distribuidores que se encontram num estado de dependência económica face à UNICER dificilmente poderão correr.

Assim, também a cláusula que obriga os distribuidores a dar à UNICER informações sobre a actuação da concorrência tem por objecto e como efeito limitar a liberdade dos distribuidores que o Conselho procurou estabelecer com a sua decisão de 1985, contribuindo para que a UNICER possa ter conhecimento de iniciativas dos seus concorrentes junto dos distribuidores, constituindo, por isso, um mecanismo adicional de pressão sobre os distribuidores no sentido de que estes não se dediquem à comercialização de produtos concorrentes.

99 - Assim, verifica-se que não foi dado integral cumprimento ao estabelecido no artigo 3.º da decisão do Conselho de 1985, sendo que a conduta da arguida nesta matéria se reveste de particular gravidade por traduzir uma atitude de manifesto desrespeito de uma decisão deste Conselho.

d) Perpetuação por meio de cláusulas restritivas da concorrência e outros instrumentos dos efeitos da cláusula de proibição da comercialização de produtos concorrentes após a sua eliminação.

100 - Os efeitos de uma cláusula de proibição de comercialização de produtos concorrentes podem ser obtidos através do recurso a outras cláusulas e práticas restritivas da concorrência (ver nota 19). Daí que o Conselho tenha já salientado que as condições de venda associadas à realização de um nível mínimo de negócios ou de um montante mínimo de aquisições periódicas pode, sem certos casos, revelar-se restritiva da concorrência (ver nota 20).

101 - Na sua nota de ilicitude complementar, a DGCC considerou que os efeitos da cláusula de não comercialização se terão mantido no mercado.

A DGCC chega a esta conclusão em virtude de declarações de alguns distribuidores no sentido de que continuam a não comercializar produtos concorrentes das cervejas comercializadas pela arguida (fls. 1637, 1657 e 1659). De facto, a própria arguida, pelo seu director de vendas, admite desconhecer qualquer distribuidor que comercialize outras cervejas, ainda que afirme que alguns distribuidores comercializam outros produtos concorrentes como águas e refrigerantes (fl. 1990).

Entende a entidade instrutora que a UNICER teria mantido os efeitos daquela cláusula mediante o recurso a dois mecanismos:

i) O programa de excelência e o enfoque nos produtos UNICER

102 - Por um lado, através do seu programa de excelência que tenderia, no entender do representante legal da APDCOB, a dissuadir os distribuidores de comercializar mais do que as 20 referências permitidas.

Considera, por isso, a DGCC que "tendo em conta as características que o programa apresenta e os objectivos que pretende alcançar, não resta qualquer possibilidade aos distribuidores, que queiram assegurar a sua manutenção na rede, a não ser a de centralizar a sua actividade na comercialização dos produtos UNICER, continuando a verificar-se, na prática, que este programa produz no mercado efeitos idênticos aos de uma cláusula de não concorrência no contrato".

103 - Embora um programa de avaliação dos distribuidores que condicione a continuação da participação do distribuidor na rede à não comercialização de produtos concorrentes possa constituir um meio de obter os mesmos efeitos que uma cláusula expressa de não concorrência, não se fez prova neste processo de que tenha ocorrido a rescisão de contratos com distribuidores que comercializem produtos concorrentes ou sequer que aquele programa tenha carácter formalmente eliminatório. No entanto, o objecto ou efeito desta prática devem ser aferidos tendo em conta os outros elementos que enquadram a sua aplicação.

104 - A UNICER apresentou um quadro relativo a este quesito, dando particular relevância ao facto de, em Janeiro de 1999, 70% dos participantes terem indicado comercializar produtos UNICER e mais de 20 referências de produtos de terceiros, sendo que 21% dos inquiridos responderam comercializar até 20 referências de produtos de terceiros, encontrando-se muitos destes distribuidores entre os que mereceram distinções no âmbito do programa em 1997 e 1998 (fls. 2050 e 2051).

105 - Note-se, a título preliminar, que embora a arguida tenda a interpretar a referência a produtos de terceiros como sendo produtos concorrentes dos comercializados pela UNICER, a leitura do programa de excelência não dá apoio a esta interpretação, daí resultando claramente, aliás, que em causa estão quaisquer produtos de terceiros, concorrentes ou não dos produtos UNICER. Assim, a comercialização de até 20 referências ou de mais de 20 referências pode apenas referir-se à comercialização de outros produtos, como café, bolos ou aperitivos. Prova concludente dessa interpretação é o facto de a eliminação da cláusula de não comercialização de produtos concorrentes apenas ter tido lugar entre Dezembro de 1997 e Fevereiro de 1998. Ora os dados relativos ao programa de excelência indicavam já a comercialização de outras referências no decurso do ano de 1997. Assim, quanto a esse ano os dados apenas se podem referir a produtos não concorrentes dos comercializados pela arguida. Não têm, por isso, qualquer fundamento as alegações da arguida no sentido de que apenas 9,5% dos distribuidores da UNICER não distribuem produtos concorrentes (ponto 11 da resposta à NIC; fl. 1919), sendo essa conclusão manifestamente abusiva já que aos distribuidores se inquiria se comercializavam produtos de terceiros (concorrentes ou não dos fornecidos pela arguida). Além disso, esta resposta não transmite qualquer informação relevante para o processo quanto ao peso efectivo dessas vendas na actividade dos distribuidores, bastando que um deles venda um saco de café ou comercialize uma gama de aperitivos para automaticamente ser excluído dos referidos 9,5% de distribuidores que apenas comercializam os produtos UNICER. É, pois, igualmente incorrecta a afirmação da arguida no ponto 19 da sua resposta à nota de ilicitude complementar (fl. 1921).

106 - Embora a participação no programa seja voluntária, a não participação dificilmente será tida como aceitável pela arguida, sendo particularmente reveladoras as palavras do seu mandatário para o qual "os distribuidores que preferem não aderir renunciam à utilização de um instrumento dinâmico de melhoria da sua própria performance. Dão com isso, como se costuma dizer, um 'tiro no próprio pé' ao preferirem manter uma atitude rotineira e conformista" (fl. 1997; destaque aditado ao original). No contexto de um processo de reestruturação caracterizado, como se viu, pela ausência de critérios objectivos de manutenção na rede, estas afirmações demonstram bem qual a atitude da arguida para com os que se pretendam manter à margem deste programa.

Aliás, ao depositar uma fé inabalável nas respostas dos distribuidores ao quesito em questão, a arguida pressupõe que todos os seus distribuidores lhe responderam, ainda que, como vimos, não tenha fundamento a conclusão que ela retira dessas respostas.

107 - Quanto aos objectivos do parâmetro "enfoque na UNICER", também as declarações do mandatário da arguida são por demais esclarecedoras: "A inclusão do referido parâmetro (ou quesito) resulta da necessidade de monitorizar a atenção conferida pelos diversos distribuidores às marcas UNICER por eles comercializadas; Com efeito, foi política da UNICER suprimir todo e qualquer elemento de exclusividade imposta aos seus distribuidores, preservando inteiramente a respectiva liberdade de se dedicarem a outros negócios complementares e à distribuição de bebidas concorrentes, de forma a assegurar como bem entenderem a composição da sua carteira de actividades e garantir o resultado financeiro das mesmas; fê-lo consciente dos riscos que, à luz da experiência passada, sabia correr sempre que os distribuidores decidiam enveredar por negócios de solvabilidade duvidosa que os levavam em seguida a não poder solver os compromissos financeiros para com a UNICER; por isso, o 'enfoque na UNICER' tem também por objectivo permitir a esta avaliar com antecedência os riscos envolvidos na diversificação das actividades dos distribuidores, nomeadamente em termos económicos e financeiros e, sendo caso disso, alertar para eles os referidos distribuidores; é por isso claro que só não comercializaram produtos concorrentes aos da UNICER os distribuidores que não quiseram fazê-lo porque não o consideraram do seu interesse, uma vez que nenhuma exclusividade lhes é exigida;" (destaque aditado ao original).

Instado a pronunciar-se sobre o que sejam investimentos de risco ou rentabilidade duvidosa, o director de marketing da arguida afirmou, em auto de inquirição de testemunhas, que tal se refere a "investimentos sumptuários, de carácter pessoal, desproporcionados às necessidades do negócio" (fl. 1987 v.º). Note-se, contudo, a resposta ao quesito "enfoque na UNICER" apenas permite "monitorizar" a existência de uma estratégia de diversificação.

108 - Os elementos precedentes, com particular relevo para as declarações do mandatário da arguida juntas ao processo, devem ser ponderados no contexto da situação dos distribuidores face à UNICER.

Destaca-se neste contexto o seguinte: a subsistência, até ao fim de 1997, de uma cláusula de não comercialização de produtos concorrentes; a perpetuação dos efeitos desta cláusula por uma nova cláusula 14.ª, que retira qualquer incentivo aos distribuidores UNICER no sentido de comercializar esses produtos; a redução drástica do número de distribuidores por parte da arguida, sem qualquer indicação dos critérios que presidiram à escolha dos distribuidores que se mantêm na rede; a possibilidade de a arguida, através do programa de excelência, na sua própria expressão, "monitorizar" a importância das vendas de produtos UNICER face às outras possíveis vendas; que resulta claramente da exposição do mandatário da arguida que esta se reserva o direito de utilizar essas informações para alertar os distribuidores quanto aos efeitos económicos e financeiros da diversificação das suas actividades e que os distribuidores que pretendam ficar à margem deste programa são considerados como dando "um tiro no próprio pé".

109 - Visto à luz destes elementos, conclui o Conselho que a existência de um critério relativo ao "enfoque nos produtos UNICER" tem por objecto e como efeito restringir a liberdade dos seus distribuidores no que respeita à comercialização de produtos concorrentes, através da monitorização pela arguida de qualquer estratégia de diversificação das vendas que estes possam tentar por sua própria iniciativa. Ainda que não formalmente vinculativo, o programa de excelência insere-se num contexto onde a possibilidade de eliminação da rede que recai sobre os distribuidores funciona como mecanismo de sanção implícita, sendo os seus efeitos reforçados pela ausência de critérios objectivos e transparentes para a manutenção ou exclusão de distribuidores da rede.

ii) Outras cláusulas tendentes a perpetuar os efeitos da proibição de comercialização de produtos concorrentes

110 - Em segundo lugar, a UNICER mantém um conjunto de cláusulas que têm por objecto e como efeito perpetuar a comercialização exclusiva dos seus produtos, na medida em que obrigam os distribuidores a apenas utilizar pessoal fardado de acordo com o modelo standard estabelecido pela UNICER, bem como veículos automóveis ostentando as cores e insígnias desta empresa.

111 - Através destas cláusulas, bem como de um conjunto de outras medidas já analisadas, a UNICER controla a sua rede de distribuidores de modo muito intenso, tirando assim proveito de um elevado grau de integração daqueles na sua estratégia empresarial, sem que todavia essa integração se traduza em benefícios equivalentes para os distribuidores, já que a UNICER não revela quais os critérios para a exclusão dos mesmos da sua rede, e sem que a UNICER seja chamada a suportar os custos da racionalização da rede de distribuição, imputados em grande medida aos distribuidores que participavam na sua rede.

Não é, no entanto, do impacto deste tipo de cláusulas no equilíbrio das relações com os distribuidores que agora nos ocupamos e sim do seu carácter restritivo em termos de limitar a concorrência entre marcas.

112 - Não estando os distribuidores da UNICER integrados formalmente na sua estrutura empresarial, a cláusula que obriga aqueles agentes económicos a distribuir os produtos em viaturas especificamente concebidas para a distribuição de bebidas de modelo, design e cores aprovadas pela arguida, bem como a vestir os seus funcionários com fardamento com o modelo estabelecido por esta, restringe a liberdade dos distribuidores de privilegiar na sua actividade a promoção de outras marcas e mesmo de estabelecer a sua identidade empresarial autónoma, ficando a sua imagem fortemente associada à UNICER e às marcas desta.

113 - Note-se que as viaturas em questão não são propriedade da UNICER, nem assumindo esta os encargos com a sua aquisição ou locação, como resulta claramente de muitas das queixas neste processo. Esta cláusula não se assume como contrapartida de qualquer benefício específico concedido ao distribuidor.

114 - Sendo certo que um distribuidor pode, voluntariamente, optar por indicar a sua qualidade de distribuidor exclusivo da UNICER, entende o Conselho que um efectivo acesso ao mercado por parte de outros concorrentes da arguida supõe a possibilidade de os distribuidores decidirem da apresentação dos respectivos funcionários, bem como dos veículos utilizados na sua actividade.

115 - O Conselho entende, pois, que as cláusulas que obrigam os seus distribuidores a utilizar viaturas de modelo, design e cores aprovados pela arguida, bem como a vestir os seus funcionários com fardamento com o modelo estabelecido por esta restringem a liberdade comercial daqueles operadores económicos, limitando igualmente, a par das outras cláusulas e práticas anteriomente identificadas, a liberdade desses agentes de promover produtos concorrentes dos comercializados pela arguida.

116 - A concretização da liberdade de comercialização de produtos concorrentes dos fornecidos pela arguida supõe, como se viu, a liberdade de os distribuidores organizarem a sua actividade de modo autónomo, sem a sujeição a mecanismos de controlo da sua actividade por parte da UNICER que possam ser utilizados para "monitorizar" as vendas de produtos concorrentes.

117 - Entende por isso o Conselho que a claúsula 3.ª, n.º 1, alínea g), é restritiva da concorrência e contrária ao artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

C) Os métodos de remuneração dos distribuidores e a restrição de concorrência intramarca

118 - No decurso da instrução deste processo, a DGCC verificou também que, no que se refere "[...] à fixação directa ou indirecta de preços através, designadamente, da concessão de abonos de frete ou da indicação de preços de venda a retalhistas [...]", que constituía a alínea a) da Decisão n.º 1/85, do Conselho da Concorrência, a qual determinava à UNICER a adopção de providências necessárias à eliminação das práticas que se relacionassem com tal matéria, aquela empresa não alterou a fórmula de cálculo da retribuição do distribuidor, indexando-a ao preço de venda ao distribuidor.

Refira-se, desde já, que a anulação da decisão do Conselho pela sentença de 11 de Dezembro de 1989 no que refere aos abonos de frete apenas tem por base o facto de tal prática não constar da nota de ilicitude, não tendo por isso a arguida oportunidade para então contraditar essa acusação (ver nota 21).

119 - Ao estabelecer um desconto uniforme de 7% sobre o preço de venda ao distribuidor, este último preço surge como o referencial ou o ponto focal para o preço de venda praticado pelos distribuidores. Com efeito, o "desconto" apenas se pode compreender como correspondendo à remuneração do distribuidor, o que supõe que este respeita o preço de venda ao distribuidor nas suas transacções com os respectivos clientes. Este método de apresentação da tabela tem, pois, por objecto levar a uma harmonização dos preços praticados pelos distribuidores em torno do preço de venda ao distribuidor (ilíquido do referido desconto de 7%). Considerando ainda a estrutura duopolista do mercado da cerveja, onde a concorrência entre a arguida e a CENTRALCER se faz essencialmente em termos de marcas e respectiva publicidade, essa uniformização facilita uma coordenação tácita entre aquelas empresas quanto aos preços.

120 - Resulta igualmente dos autos que aquele referencial é tido como vinculativo pelos distribuidores (v., supra, 57.), sendo a expressão "remuneração de distribuição" empregue pela arguida bem esclarecedora a este respeito (v. explicação dada por circular aos distribuidores a fl. 614).

121 - A arguida argumenta, com base nas declarações de vários distribuidores ouvidos nos autos, que estes são livres de praticar os descontos que bem entendam e que de facto os praticam.

122 - A possibilidade de pontualmente serem efectuados descontos por parte dos distribuidores, com maior probabilidade dirigidos a combater a penetração de outras marcas, como é alegado por um dos importadores, as Caves D. Teodósio (fl. 1330), não invalida a conclusão de que a prática em causa tem por objecto e como efeito uniformizar os preços de venda praticados pelos distribuidores, eliminando assim de forma substancial a concorrência intra-marca formalmente permitida pelo contrato de distribuição.

123 - No que respeita à concessão dos abonos de frete, a UNICER atribui aos seus distribuidores uma "compensação" pecuniária em função da distância a que se localiza o armazém do distribuidor, visando a não repercussão no preço de revenda do custo de transporte.

Sendo esta prática extensiva a todos os distribuidores da empresa, daí resulta uma uniformização de preços, uma vez que as eventuais vantagens decorrentes para alguns distribuidores da sua localização são anuladas pela prática dos abonos de frete que têm por objecto compensar o custo do transporte e consequentemente a eliminação da concorrência por aquela via, entre os distribuidores, ou seja, intramarca.

124 - O propósito de uniformização dos preços é, aliás, claramente assumido pela arguida, sendo, uma vez mais, particularmente reveladoras as declarações escritas do seu mandatário entregues na audiência oral (fls. 2001 e 2002). Destacam-se, em especial, as seguintes afirmações:

"Não há, com efeito, qualquer justificação de mercado, a não ser os custos de transporte, para que o consumidor de Bragança, com menor poder de compra, deva pagar a cerveja mais cara do que em Lisboa;

(O abono de frete) facilita pois a competitividade dos distribuidores mais afastados mas não lhes permite vender mais caro, até porque o abono é variável, dentro de certos escalões, com a própria distância e, portanto, com a variação correspondente dos custos de transporte. Constitui, ao fim e ao cabo, um subsídio indirecto ao próprio consumidor que faz, legitimamente, parte da autonomia comercial da UNICER mantendo porém integralmente a liberdade de fixação dos preços por parte de cada um dos distribuidores" (destaque no original);

É além do mais uma exigência concorrencial. Basta pensar nas óbvias vantagens, do ponto de vista dos custos de transporte, de que beneficiam as cervejas espanholas nas localidades próximas da fronteira e, em geral, nos mercados do interior do País."

125 - Resulta claro destas declarações que a arguida entende os abonos de frete como um subsídio ao consumidor, não permitindo ao distribuidor praticar preços mais elevados. Ora, semelhantes afirmações apenas podem ser compreendidas caso o distribuidor se veja obrigado a repercutir esse abono nas suas vendas. O propósito desta prática é assim evidente: levar a que o consumidor de Bragança pague o mesmo que o consumidor de Lisboa. Por outras palavras, o objectivo confesso é eliminar qualquer incentivo para a realização de vendas passivas fora do território do distribuidor, devido à vantagem auferida por cada um dos distribuidores no seu território respectivo, decorrente da anulação dos respectivos custos de transporte.

126 - Alega ainda a UNICER que este sistema está em vias de ser substituído por um sistema de entrepostos. Tendo este processo por objecto as práticas da arguida até ao momento, constata-se que esta prática subsiste e que a mesma tem por objecto eliminar a concorrência intra-marcas, sendo por isso contrária ao artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

127 - No presente processo surgem ainda elementos que comprovam a prática de incentivar os seus distribuidores a exercer junto dos seus clientes um efeito de orientação quanto aos preços a praticar no que respeita aos produtos UNICER.

Assim, a UNICER, no ponto 11 do seu programa de excelência, relativo às características e procedimentos que devem enformar um

"vendedor excelente", qualifica como tal aquele que "orienta os clientes quanto aos preços de venda mais convenientes a serem praticados para os nossos produtos".

128 - A arguida defende a este respeito que, "o que se pretende é tão-só que o vendedor esclareça, sendo caso disso, o cliente - o qual não dispõe, as mais das vezes, nem dos conhecimentos de gestão comercial, nem de sensibilidade às exigências e à volatilidade dos mercados consumidores - sobre as consequências comerciais da prática de preços excessivos que não lhe permitirão impor-se no mercado", considerando ainda que "nem há tabelas ou preçários de venda para os mercados retalhistas, nem o vendedor tem qualquer autoridade ou poder de impor o que quer que seja na loja do seu cliente" (fls. 2003-2004).

Considera ainda a UNICER que a orientação dada pelos vendedores se destina "apenas a conferir competitividade aos retalhistas no seu meio comercial envolvente, com benefício directo para o consumidor, sendo dada a título meramente indicativo" (fls. 1922 e segs., sublinhado no original).

129 - Tendo em conta o efeito uniformizador das tabelas de preços aplicadas pela arguida, bem como a prática dos abonos de frete, o incentivo a que os vendedores "orientem" os seus clientes apenas pode razoavelmente ser entendida como tendo por objecto alinhar a política de preços dos clientes dos distribuidores em função dos interesses comerciais da arguida.

130 - O conjunto de elementos constantes do processo permite ao Conselho concluir que a remuneração do distribuidor em termos de percentagem do preço de venda a retalho, a prática dos abonos de frete e o incentivo à "orientação" da política de preços dos retalhistas têm por objecto proceder a um alinhamento dos preços praticados pelos distribuidores, bem como obter um alinhamento semelhante ao nível dos retalhistas.

Trata-se, assim, de um conjunto de práticas manifestamente restritivas da concorrência ao fazer substituir ao jogo da oferta e da procura um alinhamento dos preços praticados pelos distribuidores, em clara violação do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, em particular no que respeita à sua alínea a).

131 - Igualmente graves, por conduzirem à eliminação da concorrência intra-marca num contexto onde a concorrência entre marcas é reduzida devido ao poder de mercado do duopólio UNICER/CENTRALCER, são as práticas da arguida no sentido de impedir os seus distribuidores bem como as grandes superfícies por ela abastecidas directamente de vender os produtos UNICER a antigos distribuidores da arguida ou a outros distribuidores que efectuem vendas porta-a-porta (v., supra, ponto 29).

Resulta com efeito dos autos que a arguida impede, através da ameaça de redução ou cessação de fornecimentos, ou da ameaça, expressa ou implícita de eliminação da rede UNICER, as grandes superfícies e os distribuidores que vendam os produtos da arguida aos seus antigos distribuidores ou a outros distribuidores não afectos à rede (v. pontos 29 e 44).

132 - Estes factos comprovam a existência de uma proibição da prática de vendas passivas, bem como uma restrição de clientela, não objecto de previsão no contrato-tipo de distribuição.

133 - Tais práticas, combinadas com o efeito uniformizador dos preços dos métodos de remuneração dos distribuidores, eliminam qualquer incentivo dos distribuidores da UNICER quanto à concorrência em matéria de preços entre si, violando, por isso, as alíneas b), c), d) e f) do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

D) As práticas da arguida na condução da sua política de distribuição

134 - A UNICER é igualmente acusada de ter violado o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, por ter abusado do estado de dependência económica dos seus distribuidores através dos diversos comportamentos descritos em I,.D), b), supra. Esta é a primeira ocasião em que o Conselho da Concorrência é chamado a pronunciar-se em concreto sobre aquela norma, introduzida na nossa ordem jurídica por aquele diploma (ver nota 22). Não é, no entanto, a primeira vez que o Conselho analisa o comportamento de uma empresa no contexto do respectivo sistema de distribuição à luz do conceito de abuso de dependência económica (ver nota 23).

Na interpretação a dar ao artigo 4.º, será assim tida em conta a anterior prática do Conselho.

135 - Como o Conselho teve oportunidade de observar no seu parecer 1/93, relativo à versão de 9 de Janeiro de 1993 do Projecto de lei de defesa da concorrência, "a figura do abuso da dependência económica, expressamente acolhida no artigo 8.º, n.º 2, da nova lei francesa de 1986, surge justamente da necessidade de se preservar, por um lado, o rigor da interpretação das disposições em matéria dos abusos por parte de empresas em posição dominante e cuja incidência se verifica sobretudo no relacionamento horizontal, e, por outro, da conveniência em, sob o ponto de vista do funcionamento global do mercado, se reprimirem os abusos de carácter predominantemente vertical praticados por empresas que, apesar de não deterem uma posição dominante, são parceiros económicos obrigatórios" (ver nota 24).

136 - Importa, ainda a título introdutório, indicar quais os requisitos de aplicação do artigo 4.º Dispõe aquele artigo que:

"É também proibida a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, do estado de dependência económica em que se encontre relativamente a elas qualquer empresa fornecedora ou cliente por não dispor de alternativa equivalente, nomeadamente quando se traduza na adopção de qualquer dos comportamentos previstos no n.º 1 do artigo 2.º"

Assim, tal como na lei francesa de 1986, em que o legislador de 1995 se inspirou directamente, podemos apontar como requisitos expressos da noção de abuso de dependência económica: 1.º a existência de um estado de dependência económica; e 2.º a exploração abusiva desse estado.

137 - Do confronto da nossa lei com a lei francesa resultam duas diferenças aparentes. Em primeiro lugar, na lei francesa, o abuso de dependência económica está estreitamente ligado à noção de abuso de posição dominante, surgindo ambos os conceitos no mesmo artigo (o artigo 8.º, n.os 2 e 1, respectivamente) (ver nota 25). Em segundo lugar, o proémio daquele artigo sujeita as duas figuras às mesmas condições aplicadas à proibição de acordos e práticas concertadas constante do artigo 7.º, o que implica que não só é aqui aplicável o respectivo elenco exemplificativo de comportamentos restritivos, como também o requisito de que os comportamentos em causa tenham por objecto ou possam ter como efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência num mercado.

Quanto à primeira diferença, ela desvanece-se após uma leitura mais atenta do próprio artigo 4.º, especialmente se, a exemplo da lei francesa, tivermos em conta a sua integração sistemática. Assim, a expressão "É também proibida" indicia a necessidade de interpretar esta disposição em conjunto com o artigo 3.º Não sendo a técnica legislativa idêntica, vimos já que a génese desta figura está ligada às limitações do conceito de abuso de posição dominante, visando "manter a coerência do tratamento dos casos de abuso de posição dominante por parte de empresas que detêm um domínio de mercado em termos absolutos e dotar a política de concorrência de um instrumento novo adequado à disciplina das situações de domínio relativo, isto é, no quadro de relações bilaterais ou relativamente a um número limitado de parceiros comerciais" (ver nota 26). Assim, o artigo 4.º tipifica um tipo de abuso que se diferencia do abuso de posição dominante, desde logo, por este último exigir que o seu autor tenha "uma posição dominante no mercado nacional ou numa parte substancial deste", substituindo esta exigência de uma posição dominante no mercado pelo requisito da existência de um estado de dependência económica.

138 - Introduzida assim esta nova prática restritiva da concorrência, no dizer do próprio preâmbulo do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, poder-se-ia pensar que o facto de o artigo 4.º não reproduzir o requisito dos artigos 2.º e 3.º que exige que as práticas objecto dessas disposições "tenha por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional", dispensaria as autoridades nacionais de demonstrar o carácter restritivo dos comportamentos que sejam objecto do artigo 4.º

139 - Entende, no entanto, o Conselho, que este argumento literal não é decisivo, na medida em que os objectivos da nossa lei de defesa da concorrência e a própria inserção sistemática do artigo 4.º militam fortemente no sentido de apenas considerar como abuso de dependência económica comportamentos que tenham igualmente por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional.

Com efeito, tendo o Decreto-Lei 371/93 por finalidade a protecção do processo competitivo, dificilmente seria compreensível a inclusão no seu articulado de uma norma de cuja aplicação estariam arredadas quaisquer considerações relativas ao carácter restritivo dos comportamentos em causa. Estaríamos então perante uma nova prática individual, fenómeno absurdo quando estas foram autonomizadas no Decreto-Lei 370/93.

Por outro lado, deve ter-se em conta que o artigo 4.º surge na sequência dos artigos 2.º e 3.º com o objectivo de colmatar o que se julgou ser uma lacuna deste último e não com o fim de introduzir na lei de defesa da concorrência considerações alheias a esta.

140 - Se é certo que esta disposição, estando inserida no diploma relativo à defesa do processo concorrencial, não deve constituir um "seguro de vida" para qualquer empresa, não é menos claro que ela visa proteger aquele processo, impondo especiais deveres de conduta às empresas que se encontram numa posição de domínio relativo face a outras, independentemente da dimensão destas.

Do mesmo modo é evidente, ainda que deva ser relembrado, que não são a criação ou a existência de um estado de dependência económica que são punidas mas sim a exploração abusiva desse estado.

141 - É com base nestes critérios que os comportamentos imputados à UNICER devem ser apreciados.

a) Estado de dependência económica

142 - Antes de analisar em concreto a situação dos distribuidores da UNICER, é necessário apurar os critérios relevantes para a qualificação do estado de dependência económica.

143 - Recorrendo ao direito comparado, verificamos que o Conseil de la Concurrence francês considera que "une entreprise se trouve dans une situation de dépendance économique vis-à-vis d'un fournisseur ou d'un client avec lequel elle réalise une part importante de ses ventes ou de ses achats, dès lors que, dans l'hypothèse où elle devrait renoncer à ces ventes ou ces achats, elle ne disposerait d'aucune solution équivalente pour poursuivre son activité" (Conseil de la Concurrence, relatório de actividade de 1998). Trata-se de uma definição que se adequa igualmente à previsão do artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro e que este Conselho acolhe favoravelmente.

144 - Sendo que os critérios que permitem aferir da existência de dependência económica podem diferir consoante se analise a dependência de um produtor relativamente a um distribuidor ou a deste relativamente ao primeiro, no presente processo é esta última situação que está em jogo.

Os critérios seguidos no direito francês para aferir da dependência económica dos distribuidores relativamente aos respectivos fornecedores são os seguintes (ver nota 27):

Notoriedade da marca;

Quota de mercado do fornecedor;

Peso dos produtos do fornecedor nas vendas do distribuidor;

Ausência de solução equivalente.

145 - Entende o Conselho que os critérios citados são igualmente aplicáveis no que respeita à aplicação do artigo 4.º, directamente inspirado, como se viu, no artigo 8.º, n.º 2 da Ordonnance de 1986.

146 - No que respeita ao caso concreto da UNICER, constata-se que as marcas de cerveja comercializadas por aquela empresa têm um forte peso junto dos consumidores, com destaque para a marca Super Bock. Esta, de acordo com estudos juntos aos autos pela arguida, consegue manter um elevado nível de vendas mesmo com um preço superior em 50% ao das marcas de distribuidor (v., supra, 71). A sua importância é igualmente demonstrada pelo facto de as suas vendas corresponderem a aproximadamente 50% das vendas de cerveja no mercado nacional. A notoriedade desta marca junto dos consumidores é reforçada pela exigência imposta aos distribuidores de dar aos fardamentos dos seus funcionários e às suas viaturas uma aparência ditada pela UNICER, que tende a valorizar as marcas desta junto dos próprios clientes dos distribuidores, criando uma forte associação entre estes e os produtos UNICER.

147 - Quanto à quota de mercado da UNICER, dos autos resulta que a arguida dispõe de uma posição de mercado muito significativa, ultrapassando largamente os limiares da presunção de existência de uma posição dominante, previstos pelo artigo 3.º do Decreto-Lei 371/93.

Embora a DGCC e a arguida tenham manifestado entendimentos diversos quanto ao carácter preponderante da posição da UNICER, o Conselho entende que para declarar preenchido este critério basta constatar a elevada quota de mercado detida pela Arguida e a existência de obstáculos à entrada que dificultam a entrada de novos concorrentes, ao que acresce a presença no mercado de outro grande operador, sendo o sector cervejeiro caracterizado por uma estrutura dupolista do lado da produção onde a liderança pertence inequivocamente à UNICER.

148 - Segundo a conclusão a que chegou a DGCC, "embora a percentagem que os produtos UNICER representam no volume de vendas dos seus distribuidores não seja igual para todos constata-se que de uma maneira geral a mesma ultrapassa os 80%, verificando-se frequentemente nos caso de distribuidores de menores dimensões, impossibilitados de diversificarem a sua actividade que a mesma atinge os 99%".

A UNICER contesta as alegações da DGCC, considerando que "o carácter vago e genérico da imputação a que a DGCC procede, para além de tratar de forma igual situações necessariamente distintas, impede a arguida de exercer plenamente o seu direito de defesa quanto à acusação que, nesta matéria, lhe é deduzida" (fl. 1410). Entende ainda a Arguida, que "nada impede os diferentes distribuidores da UNICER de distribuirem outros produtos que não sejam produtos concorrentes dos produtos contratuais", alegando ser esse o caso de vários distribuidores da arguida, sem todavia apresentar qualquer prova dessa afirmação.

Embora não seja possível, com base nos dados constantes dos autos, estabelecer se de facto a generalidade dos distribuidores depende em mais de 80% das suas vendas dos produtos da arguida, é inequívoco que estas vendas têm um peso preponderante junto dos distribuidores que apresentaram queixa neste processo bem como dos que foram ouvidos nos autos, sendo a Opercerve a apresentar actualmente um menor peso, ainda assim traduzido em cerca de 72% no ano de 1997, sendo de 80% antes de ter começado a diversificar a sua actividade (fl. 1659 v.º).

149 - Mesmo que o peso dos produtos de uma determinada empresa nas vendas de um distribuidor seja muito significativo, só estaremos perante uma situação de dependência económica quando esse distribuidor não possa encontrar alternativas equivalentes no mercado.

De acordo com a doutrina francesa, a apreciação deste critério legal implica uma análise em duas vertentes: uma, objectiva, consiste em examinar o mercado para verificar se há possibilidades de abastecimento em produtos substitutos ou outras vias de acesso ao mesmo produto; a outra, subjectiva, visa constatar se essas outras fontes ou alternativas são economicamente praticáveis para a empresa em causa, tendo em conta o período de tempo necessário para obter essa solução equivalente sem pôr em causa a sua sobrevivência bem como o custo de uma eventual mudança de fornecedor (ver nota 28).

Analisando o mercado nacional de cerveja, constata-se que não há possibilidades de obter abastecimento de outras fontes, já que a CENTRALCER tem uma rede de distribuidores exclusivos já implantada, detendo os restantes fornecedores uma posição demasiado reduzida para que possam constituir uma alternativa viável para o fornecimento de cerveja aos distribuidores em causa. Situação idêntica se verifica quanto à distribuição de águas e refrigerantes, onde os engarrafadores e produtores que detêm as principais marcas dispõe já de redes de distribuição exclusiva implantadas, pelo que dificilmente aceitarão novos concessionários (sendo que ainda assim seria necessário que o distribuidor incorresse em importantes custos de adaptação da sua estrutura comercial devido às especificidades da distribuição de cerveja, v. n.º 11, supra, agravadas, no caso em apreço, pela exigência de a distribuição ser efectuada em veículos adaptados à distribuição dos produtos UNICER, o que implica também estruturas próprias para a distribuição em barril, incluindo o fornecimento de CO2).

Por efeito da cláusula de não comercialização de produtos concorrentes aplicada até à data em que começou a ser posto em execução o novo contrato-tipo notificado ao Conselho no início de 1998, e tendo o outro principal produtor mantido um sistema de distribuição exclusiva caracterizado pela mesma proibição de comercializar produtos concorrentes, a única alternativa para os distribuidores que pretendam continuar a comercializar cerveja consiste em comercializar outras marcas com menor implantação.

Colocados numa situação de extrema dependência dos produtos UNICER e tendo em conta a notoriedade das marcas da arguida, especialmente a marca Super Bock, os seus distribuidores dificilmente conseguiriam sobreviver, posto que os seus clientes lhes adquiriam essencialmente os produtos da arguida.

Assim, privados de uma gama de bebidas onde a cerveja Super Bock constitui um produto âncora de peso decisivo no que à cerveja diz respeito, os distribuidores não podem oferecer aos seus clientes produtos concorrentes daqueles devido à existência de outras redes de distribuidores exclusivos que já trabalham esses produtos junto da mesma clientela. Nem podem sequer depender apenas dos outros produtos, essencialmente produtos alimentares, já que estes têm um peso reduzido nas suas vendas e que transformar a comercialização destes na sua nova actividade principal implicaria uma significativa perda de negócio (as bebidas produzidas ou comercializadas pela arguida), com elevados custos decorrentes dos investimentos específicos assumidos para a venda de bebidas (com particular destaque para as viaturas e para os armazéns, sendo as primeiras, por força do contrato, especificamente concebidas para esta actividade).

Neste aspecto, sendo a actividade principal dos distribuidores a distribuição de bebidas, em grades, paletes e barris, e a recolha do respectivo vasilhame, dificilmente se podem considerar como alternativas a comercialização de produtos alimentares como o café ou outros, sendo ainda de destacar que estes apenas são comercializados a título complementar, aproveitando a presença junto dos clientes para promover algumas vendas adicionais desses outros produtos. Note-se ainda que tais produtos alimentares podem igualmente ser adquiridos directamente junto das grandes superfícies e cash & carry, sendo que o custo da sua distribuição porta-a-porta (actividade que caracteriza a mais-valia dos distribuidores) dificilmente justificaria a sua comercialização a título principal por empresas com as características de um distribuidor de bebidas.

É importante também ter presente que o principal factor de fixação de clientela à disposição dos distribuidores da arguida consiste na notoriedade das marcas por ela comercializadas, em especial a marca Super Bock. Ou seja, o acesso à clientela depende da disponibilidade de produtos com suficiente interesse comercial para aqueles clientes. Sem dispor de um produto âncora como a cerveja Super Bock, e não podendo, como se viu, obter produtos de notoriedade equivalente, os distribuidores dificilmente poderiam conservar sequer uma ínfima parte dos seus clientes.

Tal é ainda agravado pelo facto de os distribuidores verem a sua imagem comercial subalternizada à da arguida, por efeito das cláusulas relativas aos fardamentos e à decoração das respectivas viaturas e de a UNICER dispor, nos termos dos contratos, de ficheiros de todos os clientes fornecidos pelo distribuidor, possibilitando-lhe assim a transferência em bloco da clientela dos distribuidores para si própria ou para outro distribuidor, como resulta claro ter sucedido aquando da eliminação da CERSUMO, onde foram os outros distribuidores que entre si retalharam a área daquele que lhe pagaram a indemnização fixada pela UNICER.

Por estes factores, a subsistência dos distribuidores seria irremediavelmente posta em causa a partir do momento em que deixassem de comercializar os produtos da UNICER, como de facto sucedeu nos casos acima referidos.

Na actual estrutura de mercado não existe por isso uma alternativa equivalente aos produtos da arguida que permitisse a sobrevivência dos seus distribuidores.

150 - Pelo exposto, considera o Conselho ter ficado provado nos autos que os seguintes distribuidores da UNICER se encontravam numa situação de dependência económica relativamente àquela empresa no momento em que foram adoptados os comportamentos objecto deste processo:

Cipriano Henrique Nogueira Moreira;

Alcino da Silva Moreira;

Eduardo, Ribeiro & Seara;

Cersumo;

João Oliveira Fresco & Filhos;

Marabuto;

Mirandelense;

Peninsular;

Aníbal Lopes, Lda.;

A. Duarte Portela;

Opercerve.

151 - Não tendo a DGCC procedido ao apuramento do peso dos produtos da arguida nos restantes distribuidores que integram ou integravam a rede da UNICER, não é possível estabelecer inequivocamente a existência de um estado de dependência destes relativamente à arguida.

No entanto, esses distribuidores que não apresentaram queixa (bem como os que o fizeram e são referidos neste processo) sempre poderão invocar a ratio decidendi desta decisão a fim de solicitar indemnizações à arguida junto dos tribunais, desde que comprovem que se encontravam num estado de dependência económica e caso demonstrem a existência de comportamentos abusivos desse mesmo estado de dependência económica, em especial caso resultem de condutas da arguida análogas às apreciadas nesta decisão. Podendo a ilicitude, para efeito do disposto no artigo 483.º do Código Civil, resultar da violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, o caso das disposições substantivas de concorrência, entre as quais se encontra o artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, parece enquadrar-se, deste modo, no regime da responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos (ver nota 29).

A esta possibilidade acrescem igualmente os diversos tipos de indemnização que podem ser solicitados pelos distribuidores relativamente aos respectivos contratos de distribuição com a arguida.

Assim, o distribuidor pode exigir à contraparte o pagamento de uma indemnização de clientela, preenchidos que estejam os requisitos exigidos pelo artigo 34.º do Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho (alterado pelo Decreto-Lei 118/93, de 13 de Abril) - norma aplicável directamente se estivermos perante um contrato de agência e por analogia se estivermos perante outros contratos de distribuição (como aliás têm entendido os nossos tribunais) (ver nota 30).

Nos casos em que o distribuidor, confiando justificadamente que o contrato se prolongaria no tempo, houver realizado (por expressa indicação da contraparte ou para dar cumprimento às suas obrigações de promover e distribuir os produtos - investimentos cuja amortização (ou mesmo o razoável retorno) seja impedida pela denúncia do contrato pela contraparte, vê aberta a possibilidade de exigir a essa mesma contraparte o pagamento de uma indemnização por investimentos.

Na parte em que consagra a renúncia do distribuidor a qualquer indemnização por danos emergentes e lucros cessantes sempre a validade da cláusula seria duvidosa à luz do disposto no artigo 809.º do Código Civil.

No que respeita à renúncia à "compensação pela perda da qualidade de distribuidor", se essa cláusula for interpretada como referida à indemnização de clientela, estará ferida de nulidade porque o artigo 34.º do Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho (alterado pelo Decreto-Lei 118/93, de 13 de Abril) é uma norma imperativa (ver nota 31) e como tal não pode ser afastada pela vontade das partes, prescrevendo o artigo 294.º do Código Civil a sanção da nulidade para as cláusulas que contrariem disposições legais imperativas.

b) Exploração abusiva do estado de dependência económica

152 - Não tendo ficado provado nos autos o comportamento imputado à UNICER no ponto I, D), b), iv) supra, apenas interessa apreciar a legalidade dos restantes comportamentos elencados no ponto I, D), b), desta decisão.

i) Modificação e ou rescisão de forma imprevista e brutal das relações contratuais com os seus distribuidores, que em alguns casos haviam sido recentemente obrigados pela empresa a proceder a investimentos, os quais, face ao reduzido período de tempo decorrido até à modificação/rescisão do contrato se mostraram irrecuperáveis (ver nota 32).

153 - Tem o Conselho entendido que a legislação de defesa da concorrência não põe em causa a liberdade de escolha pelas empresas dos comerciantes que compõem a sua rede de distribuição, segundo os critérios que julguem mais adequados. Este princípio é igualmente aplicável à modificação, denúncia e resolução dos contratos já firmados com os distribuidores, considerando-se que, fora dos casos em que uma das partes tem posição dominante no mercado ou em que abusa da dependência económica da outra, a questão das razões e condições de cessação das relações contratuais não tem relevância para o direito da concorrência, devendo o problema ser perspectivado na óptica estrita do direito das obrigações (ver nota 33).

Estando os distribuidores num estado de dependência económica da UNICER, tornam-se assim relevantes, em sede de aplicação da lei de defesa da concorrência, as razões e condições de cessação dos respectivos vínculos contratuais.

Devendo o comportamento em causa impedir, falsear ou restringir a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional para que possa ser considerado como um abuso de dependência económica, importa comprovar, a título prévio, o carácter restritivo da conduta da arguida.

Seguindo uma prática constante, "por razões de clareza e segurança jurídica, o Conselho da Concorrência, à semelhança do que vem acontecendo com a Comissão e o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, e bem assim, com autoridades homólogas de outros Estados membros da [CE], tem entendido que o conceito de 'restrição da concorrência' deve ser definido com recurso a noções claras e precisas, facilmente apreensíveis pela generalidade dos agentes económicos".

"Nesta ordem de ideias, restringe a concorrência todo o acordo susceptível de limitar a oferta ou a procura, ou o acesso ao mercado." (ver nota 34)

Os comportamentos imputados à arguida neste ponto correspondem claramente à noção de restrição da concorrência tradicionalmente seguida por este Conselho. Com efeito, resultando da violação desses deveres especiais de conduta a eliminação de operadores económicos, o efeito de redução da concorrência, sentido especialmente na sua vertente intramarca, é significativo. Ao diminuir o número de distribuidores de bebidas em condições que os levaram inevitavelmente a encerrar a sua actividade, a arguida impediu que estes se mantivessem no mercado. Não foram os expedientes utilizados pela arguida para impedir ou coarctar a possibilidade de os seus distribuidores comercializarem também produtos concorrentes e os efeitos desta eliminação seriam sentidos de forma mais evidente a nível da concorrência entre marcas, já que esses distribuidores poderiam igualmente ter contribuído para a promoção de produtos concorrentes dos da arguida.

154 - A arguida afirmou em carta a um dos distribuidores excluídos que o processo de reestruturação da sua rede de distribuição fora pautado "por uma avaliação objectiva de cada elemento da rede". A verdade é que dos autos resulta não terem sido previamente definidos quaisquer critérios para a escolha dos distribuidores a manter na rede após a reestruturação.

155 - Também resulta dos autos que a arguida não fez preceder a sua decisão de rescisão unilateral dos contratos de distribuição com os distribuidores que comprovadamente se encontravam num estado de dependência económica relativamente àquela empresa de uma prévia divulgação dos critérios que presidiriam à sua decisão de reduzir o número de distribuidores.

156 - Tendo a rescisão ocorrido com a antecedência contratualmente estabelecida de três meses, importa contudo referir que tal prazo se afigura manifestamente insuficiente para permitir aos distribuidores ou procurar alternativas equivalentes, que vimos não existirem, ou, pelo menos, procurar reconverter ordenadamente a sua empresa, ou mesmo pôr fim à sua actividade findo um período razoável para proceder a esse encerramento.

157 - Com efeito, independentemente do que seja estipulado contratualmente, as partes devem igualmente atender aos princípios de ordem pública económica, entre os quais se inclui a disposição relativa à proibição do abuso de dependência económica introduzida pelo legislador de 1993 no normativo de defesa da concorrência.

A exemplo dos limites à autonomia contratual das partes que decorrem dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei 371/93, o artigo 4.º do mesmo diploma impõe especiais deveres de conduta às empresas que se encontrem numa posição de domínio relativo face a outras, desde que estas não disponham de alternativa equivalente e que o abuso se traduza num comportamento restritivo da concorrência.

Aliás, já no quadro do Decreto-Lei 422/83, de 3 de Dezembro, entendera o Conselho que "Da mesma forma que a celebração dos contratos [de distribuição exclusiva] pressupõe uma selecção transparente e justificada, e que o conteúdo dos mesmos deve respeitar o princípio da não discriminação, também a sua denúncia ou rescisão deve ser efectuada no quadro de uma política comercial uniforme e clara. Caso tal não aconteça, a ruptura das relações comerciais, ainda que aparentemente lícita na óptica do direito das obrigações, é inaceitável na perspectiva das regras de concorrência. As recusas de venda daí decorrentes configuram-se como violações da lei de defesa da concorrência na medida em que, dada a frequente dependência económica do distribuidor, são susceptíveis de prejudicar o exercício normal da sua actividade e, consequentemente, o seu acesso ao mercado" (ver nota 35).

158 - Entende o Conselho que do artigo 4.º decorre para as empresas em posição de domínio relativo um conjunto de regras elementares por que estas se devem pautar aquando da reestruturação dos respectivos sistemas de distribuição: em primeiro lugar, a obrigação de divulgar previamente os critérios que presidirão à reestruturação da rede, de modo a habilitar os distribuidores a adequar a sua estrutura empresarial aos novos objectivos assim definidos e divulgados; em segundo lugar, proceder a uma avaliação isenta e transparente do cumprimento dos critérios que determinam a exclusão; em terceiro lugar, permitir aos distribuidores excluídos a apresentação do seu ponto de vista quanto às avaliações efectuadas pela empresa em posição de domínio relativo; em quarto e último lugar, respeitar um período razoável para que os distribuidores assim excluídos possam reconverter essa actividade ou extinguir a sua empresa, prazo esse que deverá ter em conta a duração das relações comerciais entre o distribuidor e a empresa em posição de domínio relativo, bem como o grau de dependência daquele, sendo o peso das vendas do fornecedor um bom índice desse grau de dependência.

159 - O cumprimento destas exigências elementares não teria consequências economicamente gravosas para a arguida.

Com efeito, não está em causa a rescisão de contratos com fundamento em incumprimento, como sucedeu em alguns dos casos atrás analisados, os quais, não obstante a existência de posições opostas entre os distribuidores e a arguida, em particular quanto ao saldo devedor daqueles e quanto à existência ou não de fundamento válido para a rescisão ou cessação de fornecimentos, não serão tidos em conta pelo Conselho. Com efeito, existindo um litígio legítimo quanto à rescisão destes contratos, deve o assunto ser tratado em sede própria, isto é, pelos tribunais competentes para apreciar tais questões contratuais.

Em causa estaria apenas a continuação de fornecimentos aos distribuidores entretanto excluídos pela arguida, bem como o prévio cumprimento das exigências elementares atrás expostas. Não se encontrando nenhum destes distribuidores em situação faltosa, dificilmente poderia a arguida sofrer prejuízos relevantes da continuação dos fornecimentos e, em todo o caso, nunca esses prejuízos excederiam os custos por ela impostos aos seus distribuidores.

Por outro lado, o comportamento da arguida reveste-se de particular gravidade na medida em que directa ou indirectamente induziu os seus distribuidores a realizar investimentos, os quais se inserem no cumprimento das suas obrigações contratuais [em particular as alíneas c), e), g) e m) do n.º 1 da cláusula 3.ª, fls. 874-875], sem que depois tenha tido em conta essa situação na decisão de pôr fim aos contratos em questão (encontram-se nesta situação os distribuidores Eduardo, Ribeiro & Seara, CERSUMO e João Oliveira Fresco & Filhos).

Embora, como se viu, não tenha sido produzida prova directa de que tais investimentos corresponderam a exigências expressas da arguida, os apelos desta à aquisição de viaturas (fl. 135) e as cláusulas que obrigam o distribuidor a manter uma pesada estrutura empresarial, vistos num contexto onde a perspectiva de rescisão unilateral não fundamentada contribuiu decisivamente para que os distribuidores tudo fizessem no sentido de evitar dar à arguida um fundamento para a ruptura das relações contratuais, criaram um clima de pressão no sentido de os distribuidores procederem a investimentos nessa matéria, bem como nas áreas administrativa e de armazenamento.

160 - Entende por isso o Conselho que, ao terminar os contratos com os distribuidores Cipriano Henrique Nogueira Moreira, Eduardo, Ribeiro & Seara, Cersumo, João Oliveira Fresco & Filhos, Marabuto e Mirandelense, sem a observância dos princípios atrás referidos (v., supra, n.º 158), a UNICER abusou do estado de dependência económica em que aqueles se encontravam perante a arguida, tendo assim violado o artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro (ver nota 36).

ii) Distribuição directa dos produtos objecto do contrato a certos clientes, nomeadamente da área da grande distribuição alimentar, na área contratualmente atribuída aos distribuidores, sem que a estes viesse a ser concedida qualquer contrapartida financeira pela sua perda.

161 - No seu relatório, a exemplo das notas de ilicitude inicial e complementar, a DGCC considera que "a modificação unilateral das relações contratuais com os seus distribuidores, traduzida na implementação de um sistema de vendas directas a grandes retalhistas em áreas geográficas ainda cobertas por um exclusivo contratual, sem qualquer contrapartida para os distribuidores, mantendo-se nomeadamente a exigência da UNICER de não comercialização de produtos concorrentes, que após a alteração formal já referida se mantém pela prática instituída por via do programa excelência, constitui um caso flagrante de exploração por parte da UNICER da situação de dependência económica em que se encontram relativamente a ela os seus distribuidores, por não disporem de alternativa equivalente".

Importa, no entanto, precisar que não está em causa a compatibilidade com o artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, da transformação de um sistema de distribuição fechado num sistema que combina a nomeação de distribuidores exclusivos com a possibilidade de vendas directas a uma determinada categoria de clientes. Com efeito, na medida em que tal introduz mesmo um elemento acrescido de concorrência intramarca, um tal sistema pode mesmo ser considerado benéfico do ponto de vista jus-concorrencial (ver nota 37).

Considerar que aquela transformação constitui uma infracção daquele preceito devido à redução da clientela potencial dos distribuidores corresponde a erigir o artigo 4.º em instrumento de apreciação do equilíbrio das obrigações contratuais livremente assumidas pelas partes e em meio de protecção de uma expectativa de continuação de uma actividade nas condições inicialmente acordadas ou em condições equivalentes. O Conselho ver-se-ia assim irremediavelmente afastado da sua tarefa de defesa do processo competitivo para se tornar no árbitro de todos os conflitos contratuais e protector do negócio dos que não se podem adaptar à permanente mutação dos mercados.

162 - Em causa está, isso sim, a actuação da arguida para com os seus distribuidores no contexto de uma modificação do exclusivo que lhes foi inicialmente atribuído. Ora constitui entendimento constante do Conselho que o relacionamento entre o principal e os seus distribuidores deve obedecer a certos requisitos materiais, sendo que os termos de tais contratos devem ser fixados objectivamente por forma a evitar discriminações entre distribuidores e que as condições em que são modificados, denunciados ou rescindidos devem observar os mesmos princípios (ver nota 38).

Tendo em conta aqueles princípios, do regime jurídico de defesa da concorrência, em particular do artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, decorrem algumas regras em matéria de modificação do sistema de distribuição, sendo de destacar que qualquer alteração ao sistema de distribuição existente deveria ter por base a prévia definição de um novo conjunto de regras de relacionamento com os concessionários de que constituiria uma mera aplicação, a exemplo do que atrás se referiu para a hipótese mais dramática de rescisão do contrato de distribuição.

A opção por um sistema de distribuição com dois canais, um reservado à UNICER e outro onde actuam os distribuidores contratuais, deveria, pois, ter sido previamente negociada e fixada em termos objectivos que permitissem uma aplicação neutra e não discriminatória dos critérios assim firmados.

Sucede que o sistema contratual posto em prática pela UNICER só veio a reconhecer a figura do cliente directo aquando da generalização do contrato-tipo de 1995 (fls. 770 e seguintes), ainda que pelo menos o contrato com a A. Duarte Portela de 1993 estabelecesse já essa figura. Significa isso que a prática já anteriormente seguida pela arguida de abastecer directamente certos clientes nas zonas concessionadas constitui uma flagrante violação dos princípios decorrentes do artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93 nesta matéria, constituindo um comportamento punível à luz daquela disposição no que se refere à sua continuação após a entrada em vigor daquele diploma a 1 de Janeiro de 1994.

Mas mesmo a generalização do contrato-tipo de 1995 não veio corrigir aquela situação para o período posterior, já que a cláusula que reserva para a UNICER certos clientes directos se encontra redigida de modo vago, permitindo à arguida invadir o âmbito do exclusivo concedido sempre que entende que um dos clientes do distribuidor preenche aquele conceito. Para que tal cláusula se pudesse ter como conforme às exigências decorrentes da proibição do abuso de dependência económica seria necessário que a mesma fosse concretizada com uma lista de clientes a abastecer directamente pela UNICER, a qual faria parte integrante do contrato. Só dessa forma seria possível dar alguma fixidez ao conteúdo do exclusivo concedido ao distribuidor de modo a impedir uma abusiva contracção do mesmo por mera vontade da arguida.

Resulta também provado dos autos que desta redução do âmbito do exclusivo imposta aos distribuidores estes não retiraram qualquer benefício, seja em termos de lhes ser atribuída a distribuição a esses clientes sendo a facturação centralizada na UNICER, seja pela redução correspondente dos respectivos objectivos de vendas (ver nota 39).

163 - A UNICER defende-se neste ponto considerando que "a grande maioria para não dizer a quase totalidade dos distribuidores da UNICER não dispõe dos meios humanos e materiais para assegurar o fornecimento aos chamados 'clientes directos', pelo que, de forma alguma, se poderá qualificar de 'exploração abusiva' a política de vendas directas praticada pela UNICER" (fl. 1411).

164 - Refira-se, desde já, que a defesa da arguida encerra uma contradição, pois se de facto os distribuidores não dispunham desses meios, não faria sentido impedi-los de vender a esses grandes clientes, bastando indicar que nesse domínio a sua qualidade de distribuidor não beneficiaria de um exclusivo.

165 - Quanto ao caso da Aníbal Lopes, Lda., que perdeu o seu cliente EUREST, veio a UNICER alegar que o fez por pressão do próprio cliente, juntando aos autos um fax comprovativo dessa exigência.

Contesta ainda a UNICER a importância deste cliente no volume de vendas da Aníbal Lopes, Lda., considerando que este corresponderia a apenas 0,29% do volume de negócios daquela sociedade.

Em todo o caso, é incontestável que o afastamento da Aníbal Lopes, Lda., relativamente à EUREST apenas pode ser justificado pela pressão deste cliente até certo ponto. O que consta da telecópia junta aos autos, é a exigência de que a facturação passe a ser feita pela UNICER, não que a distribuição dos produtos seja directamente assegurada por esta (fl. 1941). Podendo ter-se prevalecido da possibilidade de contratar com a Aníbal Lopes, Lda., o fornecimento dos produtos, sendo a facturação assegurada pela UNICER, a verdade é que a arguida preferiu pura e simplesmente retirar aquele cliente ao seu distribuidor, sem qualquer compensação ou sequer ponderação nos respectivos objectivos de vendas.

O mesmo sucedeu com outros distribuidores, os quais mesmo após a entrada da UNICER na distribuição a certos clientes anteriormente abastecidos por aqueles distribuidores não viram os respectivos objectivos de vendas proporcionalmente reduzidos.

166 - Estes comportamentos da arguida são restritivos da concorrência, na acepção atrás mencionada, por condicionarem o acesso dos distribuidores a parte do mercado (as grandes superfícies e outros clientes directos, por estes abastecidos anteriormente, como resulta dos autos e ao contrário do que a arguida sustenta) que lhes fora inicialmente concedido, afectando ainda as condições em que estes desenvolvem a sua actividade devido ao facto de parte da clientela dos distribuidores se passar a abastecer junto daqueles clientes directos devido aos menores preços por eles praticados (v., por exemplo, declarações a fl. 1660).

167 - Pelo exposto, entende o Conselho que a arguida abusou do estado de dependência económica dos seus distribuidores ao modificar unilateralmente o âmbito do exclusivo concedido, passando a abastecer directamente certos clientes, apenas tendo incluído estipulação expressa nesse sentido com a generalização do contrato-tipo de 1995; ao não concretizar de modo objectivo quais os clientes a abastecer directamente; ao não atender aos efeitos dessas vendas directas na situação dos seus distribuidores, quer através da realização do abastecimento por meio daqueles distribuidores, quer, em alternativa, através da correspondente redução dos objectivos de vendas daqueles distribuidores; violando assim o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

168 - Por apenas ter sido possível comprovar inequivocamente a dependência económica relativamente à arguida dos distribuidores Cipriano Henrique Nogueira Moreira; Eduardo, Ribeiro & Seara; Cersumo; João Oliveira Fresco & Filhos; Mirandelense; Sás; Peninsular; A. Duarte Portela; Aníbal Lopes; Marabuto; e Opercerve (não sendo aqui relevantes as dificuldades financeiras de alguns desses distribuidores que posteriormente à formalização pelo contrato-tipo de 1995 da entrada da UNICER na distribuição directa motivaram a rescisão dos respectivos contratos), apenas é tida em conta pelo Conselho a conduta da arguida relativamente àqueles agentes económicos.

E) Os contratos de compra exclusiva

169 - O sistema de distribuição da UNICER assenta também em contratos de compra exclusiva que esta empresa celebra com retalhistas do sector Horeca, sendo que esses contratos apenas impõem obrigações de compra exclusiva quanto à cerveja em barril e a refrigerantes em dispenser.

170 - Entendeu a DGCC que também estes contratos constituem uma forma de limitar o acesso ao mercado do consumo fora de casa por parte de empresas situadas no mesmo estádio económico pois impedem que outras empresas possam efectuar fornecimento de cerveja aos retalhistas a ela vinculados, violando também o preceituado no artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro. Na apreciação do efeito deste tipo de contratos na estrutura do mercado é necessário atender a diversos factores.

171 - De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, este tipo de contratos pode, em determinadas circunstâncias, ter como efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência. Assim, no acórdão Stergios Delimitis c. Henninger Bräu, o Tribunal entendeu que para apreciar se a existência de vários contratos de fornecimento de cerveja entrava o acesso ao mercado alemão da distribuição de cerveja nas lojas de bebidas, "é necessário [...] analisar a natureza e a importância do conjunto desses contratos" (cons. 19), fornecendo um conjunto de indicações sobre os passos a seguir nessa análise. "Se da análise do conjunto dos contratos similares celebrados no mercado de referência e dos outros elementos do contexto económico e jurídico do contrato em causa se concluir que esses contratos não têm por efeito cumulativo fechar o acesso a esse mercado aos novos concorrentes nacionais e estrangeiros, os contratos individuais, que compõem o feixe de acordos, não podem constituir um obstáculo ao livre jogo da concorrência, na acepção do n.º 1 do artigo [81.º] do Tratado. Por conseguinte, escapam à proibição prevista nessa disposição" (cons. 23).

172 - Ora, o volume de vendas total ao abrigo dos contratos de compra exclusiva celebrados pela UNICER representa apenas 7% do total das vendas no sector Horeca. Mesmo que se tenha em conta o peso dos estabelecimentos vinculados por contratos similares com a CENTRALCER, o grau de encerramento do mercado continua a ser diminuto, não ultrapassando os 11% do total de vendas no canal Horeca.

Nestas condições, o elevado número de pontos de venda não vinculados à UNICER e à CENTRALCER e sobretudo a proporção das vendas de cerveja comercializadas por esses estabelecimentos face às vendas realizadas pelos estabelecimentos vinculados, permitem concluir que o efeito cumulativo daqueles contratos não atingiu ainda níveis suficientes que permitam concluir, a priori, pela existência de um eventual efeito de encerramento do mercado. Mesmo que assim fosse, seria ainda necessário atender a um conjunto de outros factores elencados nos considerandos 21 e 22 do acórdão citado para fundamentar a conclusão de que o mercado estaria encerrado por efeito desses contratos.

Não é, por isso, necessário verificar se os contratos em causa estavam abrangidos pelo Regulamento 1984/83 ou se podem beneficiar do actual Regulamento de isenção.

173 - Entende por isso o Conselho que os contratos de compra exclusiva celebrados pela UNICER não devem ser considerados restritivos da concorrência, uma vez que, nas circunstâncias actuais, não levam a um efeito de encerramento do mercado.

Dada a propensão manifesta da arguida para procurar entravar as vendas por parte de novos concorrentes, negando-lhes o acesso aos seus distribuidores através dos expedientes atrás examinados, os contratos de compra exclusiva podem, se generalizados ou aplicados selectivamente aos melhores clientes de uma determinada zona geográfica, conduzir a um efeito idêntico de encerramento do mercado nacional da cerveja, em especial se se atender à sua duração bastante prolongada (3 a 5 anos) (ver nota 40). O Conselho entende por isso ser oportuno solicitar à DGCC que proceda ao acompanhamento da evolução das vendas ao abrigo destes contratos no total das vendas de cerveja realizadas no segmento Horeca e que analise se a sua duração é de facto justificada tendo em conta os investimentos realizados pela UNICER em cada ponto de venda e a possibilidade de obter deles um retorno positivo (devendo ter-se em conta a susceptibilidade de esses equipamentos serem utilizados noutros pontos de venda). Para o efeito deve a arguida enviar anualmente à DGCC uma lista dos contratos de compra exclusiva concluídos com aquele tipo de estabelecimentos, com indicação do volume de cerveja vendido através desses contratos.

F) Balanço económico

174 - Identificado um amplo conjunto de práticas restritivas da concorrência, importa agora considerar a existência de elementos que permitam eventualmente justificá-las ao abrigo do balanço económico previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

a) As cláusulas tendentes a impedir ou dissuadir a comercialização de produtos concorrentes

175 - A arguida inclui nos seus contratos de distribuição diversos tipos de cláusulas e de práticas que, como resulta do que atrás se disse a esse respeito, têm por objecto e como efeito impedir ou dissuadir os seus distribuidores de comercializar produtos concorrentes [v. II.B)]. Importa assim analisar o balanço económico dessas diferentes cláusulas e práticas à luz do seu objectivo comum: impedir a comercialização de produtos concorrentes.

176 - A proibição de comercialização de produtos concorrentes pode contribuir para uma mais fácil penetração num determinado mercado, garantindo ao fornecedor que o distribuidor concentrará os seus esforços nos produtos objecto do contrato. Naturalmente este benefício apenas é atendível quando o fornecedor dispõe ainda de uma reduzida quota de mercado, o que não sucede com a UNICER. Do mesmo modo, essa cláusula pode contribuir para salvaguardar os investimentos efectuados pelo fornecedor a favor do distribuidor, por exemplo, através da aquisição de viaturas, locação de instalações, etc., o que não sucede no caso já que estes custos são suportados pelo distribuidor.

Sucede, no entanto, que estes efeitos positivos devem ser ponderados à luz dos seus efeitos negativos, em particular o efeito de encerramento do mercado, resultante da vinculação de um importante canal de distribuição a apenas uma empresa. Quando há redes alternativas (e. g. um conjunto de grossistas não vinculados capazes de assegurar um abastecimento regular dos produtos em causa, com uma cobertura geográfica adequada) ou os custos de entrada ao nível da distribuição são reduzidos (e. g. quando um operador já estabelecido no mercado pode tirar proveito da sua rede para servir de vector de entrada de novos produtos, em especial quando seja possível realizar economias de gama), e não há um elevado grau de concentração do mercado, este tipo de restrições não suscita, em princípio, objecções, desde que acompanhado da demonstração de um balanço económico positivo.

Mas quando aquelas condições não estão reunidas (como sucede no presente caso, v. n.º 177) a defesa da concorrência impõe que seja assegurada a liberdade de acesso ao mercado através da eliminação de entraves artificiais, como os que decorrem da vinculação de parte significativa dos distribuidores a um fornecedor apenas.

Daí que, por exemplo, o Regulamento (CE) n.º 2790/1999, da Comissão, relativo à aplicação do n.º 3 do artigo 81.º do Tratado CE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO, n.º L 336, de 29 de Dezembro de 1999, p. 21) não permita a isenção de qualquer obrigação de não concorrência directa ou indirecta cuja duração seja indefinida ou ultrapasse cinco anos [artigo 5.º, al. a)].

Nesse caso, a restrição da liberdade do distribuidor de escolher os produtos que pretende distribuir produz um efeito de limitação da concorrência entre marcas, a qual supõe a possibilidade de acesso ao mercado, nomeadamente através de uma rede de distribuidores.

Estando os principais distribuidores de cerveja a nível nacional vinculados à arguida ou à Centralcer, o efeito cumulativo destas restrições consiste em excluir os concorrentes destas empresas dos distribuidores nacionais que comercializam cerca de 68% da cerveja vendida em território nacional, sendo que o peso daquelas duas empresas na distribuição directa corresponde a mais 29% das vendas de cerveja.

Em sua defesa, a arguida afirma que a obrigação de não comercialização constitui mesmo a contrapartida da exclusividade de que beneficia o distribuidor (fl. 1404). Sucede, no entanto, que desde o momento em que a arguida passou a fornecer directamente os grandes clientes do ramo da distribuição alimentar e outros clientes directos, o que apenas foi formalizado com o contrato-tipo de 1995, o exclusivo foi drasticamente reduzido, tanto mais que as vendas directas da arguida correspondiam em 1996 a 28% do total (v., supra, n.º 13). Não é, pois, possível defender com seriedade que estamos perante uma contrapartida de um exclusivo quando este se encontra substancialmente diminuído.

177 - Analisando assim em concreto o sistema de distribuição da arguida, constatamos que, sendo este um mercado maduro e tendo a UNICER uma fortíssima implantação junto dos consumidores nacionais, a restrição da liberdade do distribuidor de comercializar produtos concorrentes dos da arguida não contribui para melhorar a produção ou a distribuição de bens e serviços ou para promover o desenvolvimento técnico ou económico. Com efeito, a exigência de não comercialização de produtos concorrentes impede o acesso dos seus concorrentes aos distribuidores que integram a rede UNICER, reduzindo, em última análise, as escolhas dos consumidores, já de si bastante condicionadas pela notoriedade das principais marcas da arguida.

Também não colhe o argumento da arguida, para a qual a obrigação de não comercialização de produtos concorrentes constituiria uma contrapartida da exclusividade de venda, tanto mais que esta última foi drasticamente reduzida pela política de vendas directas posta em prática pela UNICER, sendo que os distribuidores ouvidos nos autos salientam a concorrência acrescida que lhes é movida por alguns desses clientes directos (grandes superfícies, centrais de compras, etc.).

Mesmo que pudessem ser identificados alguns benefícios naquela sede, não se vê de que modo seja reservada aos utilizadores uma parte equitativa dos mesmos.

Por outro lado, e em coerência com o que foi decidido em 1985, ainda que a arguida tenha um legítimo interesse em assegurar uma adequada distribuição dos seus produtos, a proibição de comercialização de produtos concorrentes não é indispensável para atingir esses objectivos, existindo outros mecanismos contratuais e promocionais de incentivar os distribuidores a manter um esforço significativo na comercialização dos produtos em questão, por exemplo, através de acções de promoção.

Por último, entende o Conselho que a proibição de comercializar produtos concorrentes imposta aos distribuidores confere à UNICER a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado nacional da cerveja, na medida em que exclui os seus concorrentes da rede de distribuidores a ela vinculada, sendo que esta contribui de modo significativo para o efeito cumulativo de encerramento do mercado, atrás apontado.

178 - Igual juízo negativo é feito quanto às cláusulas que impõem aos distribuidores que equipem os seus funcionários com fardamentos aprovados pela UNICER e que decorem as suas viaturas com cores, marcas e referências publicitárias aprovadas pela arguida, na medida em que elas apenas contribuem para restringir a liberdade dos distribuidores de apresentar uma imagem empresarial própria ou de utilizar as suas próprias viaturas para a promoção de produtos concorrentes dos da arguida, assim contribuindo para reforçar o efeito de encerramento de mercado já resultante da cláusula de não concorrência que vigorou até ao final de 1997.

Não se afigura, com efeito, que aquelas cláusulas sejam indispensáveis à boa distribuição dos produtos da arguida, quando a arguida pode impor exigências de qualidade por outros meios menos restritivos, que permitam ao distribuidor criar uma identidade empresarial própria face aos seus clientes.

179 - Também o programa de excelência, ao permitir à UNICER monitorizar as vendas de produtos concorrentes e de outros produtos que possam reduzir a dependência económica dos seus distribuidores, não contribui para a melhoria da distribuição dos produtos em causa, apenas se traduzindo em mais um mecanismo de impedir aqueles agentes de livremente optar por vender igualmente produtos concorrentes dos da arguida.

Note-se ainda que, devendo a excelência do distribuidor ser aferida à luz do seu concreto contributo para a comercialização dos produtos da arguida, o conhecimento pela arguida da existência de outros negócios, em particular a comercialização de produtos concorrentes, não se manifesta indispensável a garantir aquele objectivo. Em todo o caso, resulta dos autos que o efeito deste programa, visto no seu contexto, leva à eliminação de qualquer incentivo dos distribuidores no sentido de iniciarem a comercialização de produtos concorrentes, sendo que apenas se pode considerar comprovado à luz das respostas dadas ao programa de excelência que a arguida tolera a venda de outros produtos (demonstrado pelas respostas dadas no ano de 1997, quando ainda era aplicada a interdição expressa de comercialização de produtos concorrentes).

b) Abonos de frete e mecanismos de remuneração dos distribuidores

180 - As práticas em análise têm por objecto uniformizar os preços, eliminando assim um dos principais parâmetros de concorrência, impedindo que através da concorrência intramarca os utilizadores e, em última análise, os consumidores, possam beneficiar dessa concorrência através de uma redução dos preços em virtude dessa concorrência acrescida.

Por este motivo, tem o Conselho insistido ao longo da sua prática constante, iniciada, de resto, com a decisão de 1985 relativa à arguida, na condenação da prática de fixação de preços ou mesmo a simples recomendação de preços quando tal conduz os distribuidores a alinhar os seus preços pelo preço recomendado ou a tomar essa recomendação como vinculativa no contexto das respectivas relações comerciais com o fornecedor. Do mesmo modo, o Conselho entende, numa prática constante, que os acordos de distribuição exclusiva devem respeitar determinados princípios básicos para que possam merecer balanço económico positivo: a manutenção de concorrência no interior da marca, a inexistência de protecção territorial absoluta para o distribuidor e a liberdade de fixação de preços e de condições de venda.

Com efeito, a salvaguarda da concorrência na dimensão preço constitui um dos pilares fundamentais da política da concorrência, em Portugal como noutros ordenamentos jurídicos.

Não contribuindo assim para melhorar a distribuição dos bens em questão, por compartimentarem artificialmente o território nacional, retirando incentivos sequer para a realização de vendas passivas, e levando à eliminação da concorrência intramarca num mercado onde, pela estrutura oligopolística do mesmo e pelo peso da principal marca da arguida (50%), essa concorrência está já fortemente limitada, não é possível considerar preenchidos os requisitos do balanço económico quanto a estas práticas.

c) As práticas da arguida na condução da sua política de distribuição

181 - Embora seja questionável a admissibilidade de submeter ao balanço económico práticas que se traduzem em comportamentos abusivos, ainda assim entende o Conselho apreciar a eventual justificação destes comportamentos, sem que seja necessário tomar uma posição de princípio sobre a matéria.

Com efeito, se uma política de distribuição conduzida de acordo com os parâmetros atrás identificados como resultando do cumprimento das obrigações impostas pelo artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93 pode contribuir para o progresso económico e tecnológico ou para melhorar a produção e distribuição dos bens em causa, resulta claramente dos autos que não só tais deveres elementares não foram cumpridos pela arguida como também que da sua conduta apenas resultou a desintegração de várias empresas criadas muitas vezes com a finalidade única de distribuir os produtos da arguida, diminuindo assim a possibilidade de manutenção de alguma concorrência na distribuição nas zonas anteriormente atribuídas a essas empresas.

182 - O mesmo se aplica à prática da arguida de vender directamente a certos clientes localizados no interior das zonas contratualmente atribuídas a um distribuidor exclusivo, por conduzirem a uma redução da clientela potencial desses distribuidores, impedindo, dessa forma, que estes possam planear os respectivos investimentos e desenvolver a sua política comercial relativamente aos bens comercializados pela arguida num quadro de estabilidade.

G) Preenchimento do tipo contra-ordenacional e coima a aplicar

183 - Tendo a análise atrás efectuada sobre o incumprimento da decisão de 1985 quanto ao aditamento aos contratos das cláusulas 3.ª, n.º 1, alinea h) e 14.ª, determinado a conclusão de que a arguida não deu ainda cumprimento ao disposto no artigo 3.º daquela decisão, e tendo presente o disposto no n.º 6 do artigo 37.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, verifica-se existir matéria que determina a abertura de novo processo com vista à aplicação de coimas, cabendo à DGCC proceder à respectiva instrução. Aproveitando essa oportunidade e existindo flagrantes indícios de que a arguida pôs igualmente em prática um conjunto de restrições de clientela bem como uma interdição de vendas passivas, entende o Conselho solicitar à DGCC que proceda à abertura de novo processo que habilite este Conselho a pronunciar-se sobre aqueles comportamentos.

184 - Ao utilizar o chamado programa de excelência para, através do quesito "enfoque na UNICER", induzir os seus distribuidores a não comercializar produtos concorrentes a arguida adoptou uma prática que tem por objecto restringir a concorrência, violando o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 371/93, em particular a sua alínea c).

185 - Ao obrigar contratualmente os seus distribuidores a utilizar viaturas de modelo, design e cores aprovadas pela arguida, bem como a vestir os seus funcionários com fardamento de modelo estabelecido por esta, a arguida restringiu a liberdade comercial daqueles, contribuindo assim para os desincentivar da comercialização de produtos concorrentes, o que configura igualmente uma violação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 371/93.

186 - Ao fixar a remuneração dos seus distribuidores através de um desconto sobre o preço de venda ao distribuidor, bem como ao atribuir a esses agentes económicos um abono de frete, a arguida adoptou práticas que têm como objecto e como efeito restringir a concorrência, violando as alíneas b), c), d) e f) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93;

187 - Ao rescindir de forma abrupta as relações contratuais com os distribuidores Cipriano Henrique Nogueira Moreira, Eduardo, Ribeiro & Seara, Cersumo, João Oliveira Fresco & Filhos, Marabuto e Mirandelense, a arguida explorou de forma abusiva o estado de dependência económica em que estes se encontravam relativamente à UNICER, tendo por isso violado o artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93;

188 - Ao modificar unilateralmente o âmbito do exclusivo contratualmente atribuído aos seus distribuidores Cipriano Henrique Nogueira Moreira; Eduardo, Ribeiro & Seara; Cersumo; João Oliveira Fresco & Filhos; Mirandelense; Aníbal Lopes; Marabuto; Sás; Peninsular; A. Duarte Portela; e Opercerve, passando a comercializar directamente a certos clientes, sem que tal tenha sido previamente negociado com os distribuidores ou que estes tenham sido objecto de compensação ou de redução correspondente dos seus objectivos de vendas e ao reservar para si o poder de definir quais os clientes a que vende directamente, a arguida abusou igualmente do estado de dependência económica em que aqueles distribuidores se encontravam relativamente à UNICER, tendo por isso violado o artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93;

189 - Todos estes comportamentos referidos nos pontos 184 a 188 configuram ilícitos contra-ordenacionais, puníveis com coima de 100 000$00 a 200 000 000$00, cuja aplicação cabe ao Conselho da Concorrência, no exercício da competência atribuída pelo artigo 38.º do citado decreto-lei.

Tendo a arguida praticado diversos ilícitos contra-ordenacionais, seria aplicável o disposto no artigo 19.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, pelo que a coima aplicável, não podendo exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso, tem como limite máximo 400 000 000$00.

190 - Na determinação do montante da coima a aplicar, prescreve o artigo 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, que se deve atender à gravidade da contra-ordenação, à culpa revelada, à situação económica do agente e ao benefício económico que retirou da prática da infracção.

Todas as infracções cometidas pela arguida são de considerar como muito graves, já que elas consubstanciam práticas que têm por objecto evitar que a decisão do Conselho de 1985 produza efeitos, entravando a liberdade dos seus distribuidores de comercializar produtos concorrentes e negando aos concorrentes da arguida acesso a esses distribuidores (n.os 184 e 185, supra); que a prática descrita no n.º 186, supra, tem por objecto eliminar a concorrência em matéria de preços entre os seus distribuidores; que as práticas descritas no n.º 187 conduziram à eliminação de diversas empresas de pequena ou média dimensão, incapazes de sobreviver após o corte abrupto e não previsível das relações comerciais por parte da arguida, empresas essas que no último ano completo da sua actividade realizaram um volume global de vendas de produtos da arguida em valor próximo de um milhão de contos (fls. 750 e segs.) e que estavam contratualmente obrigadas a investir em instalações e viaturas dedicadas à comercialização dos produtos da arguida; e por último, que as práticas elencadas no n.º 188 reduziram significativamente o âmbito do exclusivo dos seus distribuidores, sem que tal lhes tenha sido directa ou indirectamente compensado.

A culpa revelada nos autos caracteriza-se pelo dolo directo com que a arguida cometeu todas as infracções atrás mencionadas; pela especial responsabilidade que sobre a arguida impendia de conhecer o carácter restritivo dos comportamentos em questão (em particular tendo em conta os seus antecedentes nesta matéria) e, finalmente, pelo mais evidente alheamento à situação das empresas objecto dos seus comportamentos abusivos, sendo que muitas delas foram constituídas por ex-funcionários seus e que a rescisão dos contratos ocorreu no período posterior a terem expirado as garantias de readmissão nos quadros da empresa que esta lhes tinha dado como incentivo para deixar a empresa e fundar as empresas de distribuição.

Tendo presente a data de entrada em vigor do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, apenas são considerados para efeito de punição por coima os comportamentos posteriores a 1 de Janeiro de 1994, sendo todos eles continuados até à presente data, com as seguintes excepções:

i) A rescisão dos contratos com os distribuidores acima identificados, que ocorreu nas datas constantes dos autos (1994, 1995 e 1996);

ii) A modificação unilateral do âmbito do exclusivo contratualmente atribuído aos seus distribuidores acima identificados, relevando para a determinação da coima na medida em que foram continuados após 1 de Janeiro de 1994, só tendo sido regularizados após a entrada em vigor do contrato-tipo de 1995, cuja data pode ser fixada no segundo semestre de 1995 (fls. 770 e segs.).

Configuram-se assim contra-ordenações continuadas quanto aos restantes comportamentos, verificados que estão os respectivos pressupostos (aplicação subsidiária do artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, por força do disposto no artigo 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas). Assim, a punição dos comportamentos acima indicados deve fazer-se dentro da moldura fornecida pelo artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, valorando aí adequadamente a continuação dos comportamentos da arguida.

Quanto à situação económica da empresa, trata-se de uma sociedade com um capital social à data em que foi concluída a instrução de 19,5 milhões de contos, tendo em 1996 realizado vendas globais de 50,9 milhões de contos, sendo o seu resultado líquido em 1995 de 3,3 milhões de contos (fl. 708, verso), tendo nesse ano distribuído aos seus accionistas um dividendo no valor global de quase 2 milhões de contos (fl. 717 v.º).

Por último, não sendo possível quantificar com rigor o benefício económico retirado pela arguida das infracções praticadas, afigura-se manifesto à luz dos elementos constantes dos autos que este foi consideravelmente elevado, já que entravou o acesso de concorrentes ao mercado nacional de cerveja; reduziu significativamente a concorrência intramarcas a qual representa, só por si, mais de metade do mercado nacional de cerveja, dando-lhe assim a possibilidade de manter artificialmente preços elevados, mesmo num mercado em relativa contracção até 1996; racionalizou a sua rede de distribuição a custo zero ou próximo do zero, já que eram os distribuidores quem tinha de suportar os encargos com viaturas, armazéns, custos administrativos e de pessoal decorrentes da distribuição dos seus produtos, encargos esses que lhes eram impostos pelo próprio contrato, tendo ainda sido os seus distribuidores remanescentes a pagar as indemnizações atribuídas aos distribuidores excluídos; passou a abastecer directamente empresas anteriormente fornecidas pelos seus distribui dores, representando essas vendas directas cerca 28% do total de vendas da arguida (aproximadamente 12 milhões de contos em 1996) o que, mesmo pressupondo uma margem de lucro mínima de cinco por cento por cento, pode ter trazido à arguida benefícios no valor de perto de 600 000 contos num só ano.

Dispõe o artigo 18.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas que "Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido". Não sendo possível calcular com o rigor necessário os benefícios económicos obtidos pela arguida com as práticas atrás elencadas, entende o Conselho não dever proceder neste caso a tal elevação do limite máximo da coima.

O comportamento da arguida, pela gravidade e alcance das práticas restritivas que concretizou no mercado nacional da cerveja, pela sua dimensão e situação económica e pelo elevado grau de dolo demonstrado, exige em todo o caso uma sanção adequada, capaz de a dissuadir no futuro de continuar a distorcer a concorrência naquele mercado e actuar sem o mínimo respeito das disposições de ordem pública económica a que todos os agentes económicos estão sujeitos em matéria concorrencial.

Com efeito, apesar dos intuitos pedagógicos da decisão que lhe foi dirigida em 1985, na qual não foi aplicada qualquer coima, a verdade é a que a arguida não só persistiu em manter comportamentos comprovadamente restritivos da concorrência como pela sua conduta conduziu directamente ao desaparecimento irremediável de pelo menos 6 empresas de distribuição.

Assim, perante comportamentos violadores do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro com uma extensão sem precedentes, entende o Conselho ser oportuno aplicar uma sanção adequada à extensão e gravidade das infracções provadas nos autos bem como ao elevado grau de dolo revelado pela arguida e que possa garantir que tais infracções não se repitam no futuro por parte da arguida.

III - A decisão

Tudo visto e ponderado, o Conselho decide:

1.º A arguida não deu ainda integral cumprimento ao estabelecido no artigo 3.º da decisão deste Conselho de 18 de Dezembro de 1985, devendo para esse efeito eliminar dos seus contratos de distribuição a cláusula 14.ª resultante do aditamento de 1997-1998, bem como a alínea h) do n.º 1 da cláusula 3.ª, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 37.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro;

2.º Ao utilizar o chamado programa de excelência para, através do quesito "enfoque na UNICER", induzir os seus distribuidores a não comercializar produtos concorrentes a arguida adoptou uma prática que tem por objecto e como efeito restringir a concorrência, violando o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 371/93, em particular a sua alínea c);

3.º Ao obrigar contratualmente os seus distribuidores a utilizar viaturas de modelo, design e cores aprovadas pela arguida, bem como a vestir os seus funcionários com fardamento de modelo estabelecido por esta, a arguida restringiu a liberdade comercial daqueles, contribuindo assim para os desincentivar da comercialização de produtos concorrentes, o que configura igualmente uma violação do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 371/93;

4.º Ao fixar a remuneração dos seus distribuidores através de um desconto sobre o preço de venda ao distribuidor, bem como ao atribuir a esses agentes económicos um abono de frete, a arguida adoptou práticas que têm como objecto e como efeito restringir a concorrência, violando as alíneas b), c), d) e f) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93;

5.º Ao rescindir de forma abrupta as relações contratuais com os distribuidores Cipriano Henrique Nogueira Moreira; Eduardo, Ribeiro & Seara; Cersumo; João Oliveira Fresco & Filhos; Marabuto e Mirandelense, a arguida explorou de forma abusiva o estado de dependência económica em que estes se encontravam relativamente à UNICER, tendo por isso violado o artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93;

6.º Ao modificar unilateralmente o âmbito do exclusivo contratualmente atribuído aos seus distribuidores Cipriano Henrique Nogueira Moreira; Eduardo, Ribeiro & Seara; Cersumo; João Oliveira Fresco & Filhos; Mirandelense; Aníbal Lopes; Marabuto; Sás; Peninsular; A. Duarte Portela; e Opercerve, passando a comercializar directamente a certos clientes, sem que tal tenha sido previamente negociado com os distribuidores ou que estes tenham sido objecto de compensação ou de redução correspondente dos seus objectivos de vendas e ao reservar para si o poder de definir quais os clientes a que vende directamente, a arguida abusou igualmente do estado de dependência económica em que aqueles distribuidores se encontravam relativamente à UNICER, tendo por isso violado o artigo 4.º do Decreto-Lei 371/93;

7.º Em consequência das infracções descritas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º, e nos termos do artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, o Conselho decide aplicar à UNICER - União Cervejeira, S. A., uma coima no valor de 100 000 000$00, coima que deverá ser paga no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da presente decisão, advertindo-se a arguida de que a eventual impossibilidade de pagamento tempestivo deve ser comunicada por escrito a este Conselho (artigo 58.º, n.º 3, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro);

8.º No uso da competência atribuída pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, determina ainda este Conselho que a UNICER adopte no prazo de 90 dias as providências necessárias à alteração dos contratos relativos à distribuição dos produtos visados na presente decisão, com vista a eliminar as cláusulas e pôr fim às práticas referidas nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º desta decisão e envie a todos os seus actuais distribuidores, bem como a todos os que integraram essa rede desde 1 de Janeiro de 1994 e dela foram excluídos, com ou sem justa causa, cópia integral da presente decisão.

9.º Também no uso da competência atribuída pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, determina ainda este Conselho que a UNICER envie anualmente à DGCC uma lista dos contratos de compra exclusiva concluídos com aquele tipo de estabelecimentos, com indicação do volume de cerveja vendido através desses contratos.

10.º A arguida deverá, nos 15 dias seguintes ao termo dos prazos fixado no n.º 8.º, apresentar ao Conselho da Concorrência os modelos de contrato de distribuição revistos em conformidade com a presente decisão e a identificação dos distribuidores que com ela concluírem os referidos contratos;

11.º Ordena-se à arguida, ao abrigo do disposto no artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, que faça publicar, no prazo de 30 dias, a versão integral da presente decisão na 3.ª série do Diário da República, e a parte decisória, nos termos e conforme cópia que lhe serão comunicadas, num jornal de expansão nacional.

12.º Em cumprimento do disposto no artigo 58.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, adverte ainda o Conselho que a presente condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmentre impugnada nos termos do artigo 59.º do mesmo diploma e que, em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho. Alerta ainda a arguida para o facto de nos termos do artigo 28.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, tal recurso apenas ter efeito suspensivo quanto aos n.os 7.º e 11.º desta decisão.

(nota 1) Decisão da Comissão de 22 de Janeiro de 1997, Coca-Cola/Amalgamated Beverages, JO, n.º L 218, de 9 de Agosto de 1997, p. 15, ponto 95.

(nota 2) Na sua resposta à nota de ilicitude, a arguida precisa que a percentagem destas vendas corresponde a 6,7% do mercado do consumo fora de casa (fl. 1413).

(nota 3) V. os elementos constantes da queixa da Casa Bandeira, fls. 4 e seguintes, a qual parece ter dado início ao presente processo.

(nota 4) Casos de Alcino da Silva Moreira, Sás e Peninsular. Quanto ao primeiro ver a participação da Associação Portuguesa de Distribuidores de Cerveja e Outras Bebidas a fls. 686 e seguintes onde se dá conta de alguns dos rocambolescos episódios que envolvem as tentativas de obter fornecimentos junto dos distribuidores da arguida, com destaque para as conclusões do Ministério Público na acusação a Altino de Sousa Morais a fl. 691: "Alcino Moreira, que é um comerciante grossista de bebidas, em Vila Nova de Gaia, não é distribuidor de produtos da UNICER. O arguido, ao enviar o referido fax, sabia que estava a comunicar um facto não correspondente com a verdade e que o facto comunicado era susceptível de afectar o normal relacionamento comercial entre a UNICER e a MAIACERVE, pois a UNICER, em casos similares, já denunciou contratos de distribuição exclusiva". Ver ainda declarações do representante legal daquela associação a fl. 1637 v.º Na sequência de pressões da arguida sobre as grandes superfícies junto das quais se abastecia, a João de Oliveira Fresco & Filhos passou a abastecer-se no distribuidor que lhe sucedeu na área em questão (fl. 1292). Também a Marabuto declarou abastecer-se junto do seu sucessor na área em causa, por imposição da UNICER (fl. 1313).

(nota 5) Segundo algumas notícias constantes do processo, datadas de Junho de 1996, nos 10 anos anteriores à sua publicação teriam sido eliminados mais de 200 distribuidores de cerveja, tendo a UNICER reduzido a sua rede de 284 distribuidores em 1984 para cerca de 130 em 1996 e a CENTRALCER de 160 em 1994 para 98 em 1996 (v. notícias do Semanário Económico, Independente e Público, reproduzidas nas fls. 121 a 125).

(nota 6) Além dos casos referidos no ponto 29 desta decisão, tal sucedeu igualmente com a Adriano do Paço e Filhos, como resulta da participação da APDCOB, a fl. 688.

(nota 7) A A. Duarte Portela & Filho, Lda., celebrou com a arguida em 1993 um contrato em que aparecia já a figura dos clientes directos (fl. 1692 v.).

(nota 8) Neste ponto a decisão de 1985 foi revogada pela douta sentença do tribunal de comarca de Lisboa de 1989, por razões puramente formais, como acima foi referido.

(nota 9) Decisão da Comissão relativa ao caso Coca-Cola/Amalgamated Beverages, loc. cit., pontos 30 e seguintes.

(nota 10) Decisão da Comissão de 11 de Setembro de 1997, Coca-Cola/Carlsberg, JO, L 145, de 15 de Maio de 1998, p. 41, ponto 23.

(nota 11) Razões que levaram a Comissão Europeia na supracitada decisão Coca-Cola a rejeitar estudos semelhantes sobre a motivação dos consumidores; pontos 41 e 48 dessa decisão.

(nota 12) Assim, a fl. 706 aludindo a em 1995 se ter verificado "um crescimento sensível do mercado nacional de cerveja e mais uma vez com a UNICER a subir acima do mercado, consolidando assim a sua posição de liderança"; a fl. 706 v.º: "Partindo de uma situação líquida negativa e de uma quota do mercado nacional da cerveja de 33%, a UNICER detém hoje a liderança do sector com uma quota de 58,2% ", este último número expressivamente utilizado no destaque a fl. 704; a fl. 707 v., fazendo-se também referência ao mercado de refrigerantes e ao mercado das águas; a fl. 710: "O ambiente competitivo do mercado de cerveja caracterizou-se por uma pressão contínua nos preços de venda, tornando os ganhos marginais de quota de mercado cada vez menos interessantes". No verso da mesma folha encontramos mais uma referência ao mercado de refrigerantes e ao mercado das águas.

(nota 13) V. as decisões do Conselho nos casos UNICER, Relatório de Actividades de 1985, p. 26; CENTRALCER, Relatório de Actividades de 1986, p. 88 (distinguindo o mercado da cerveja do mercado de refrigerantes); Sociedade da Água do Luso, Relatório de Actividades de 1987, p. 43 (mercado das águas mineromedicinais e de mesa); práticas anticoncorrenciais no mercado dos refrigerantes, Relatório de Actividades de 1988, p. 152; práticas anticoncorrenciais no mercado do vinho, Relatório de Actividades de 1993, p. 61; práticas anticoncorrenciais no mercado de refrigerantes, Relatório de Actividades de 1995, p. 88.

(nota 14) V. a comunicação da Comissão, relativa à delimitação do mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência, JO, n.º C 372, de 9 de Dezembro de 1997, p. 5.

(nota 15) V. p. 3, a fl. 2246 do processo: "... a BAP é uma referência estatística para quaisquer estudos e análises no domínio alimentar e nutricional".

(nota 16) A Comissão Europeia faz uma análise idêntica dos obstáculos à entrada ao nível do fabrico da cerveja. V. Decisão da Comissão de 24 de Fevereiro de 1999, Whitbread, JO, n.º L 88, de 31 de Março de 1999, p. 26, ponto 29: "Os principais obstáculos à entrada no mercado a este nível são a necessidade de encontrar pontos de venda para os fornecimentos e ter acesso a um circuito de distribuição. [...] o facto de os concorrentes serem titulares de marcas famosas constitui uma outra barreira à entrada ou à expansão dos fabricantes de cerveja existentes".

(nota 17) Ainda não publicadas no Jornal Oficial. Texto provisório na versão inglesa disponível em http://europa.eu.int/comm/competition/ antitrust/legislation/vertical-restraints/guidelines-en.pdf.

(nota 18) O que vem na linha desde há muito advogada por diversos economistas europeus, v. J. A. Kay, "Vertical Restraints in European Competition Policy", European Economic Review, 1990, vol. 34, p. 551; Michael Waterson, "Vertical Integration and Vertical Restraints", Oxford Review of Economic Policy, 1993, vol. 9, p. 41.

(nota 19) A intersubstituibilidade de diferentes tipos de restrições verticais é identificada pela doutrina económica: "[...] since there is considerable opportunity to substitute one kind of restraint for another, policy in this area has difficulty in becoming effective. The best conclusion is that we should look principally at the consequences, rather than the form or first order effects of the restraints" Kay, op. cit., p. 561.

(nota 20) Relatório de Actividades de 1994, p. 17.

(nota 21) Aspecto que mereceu a atenção do douto acórdão da Relação de Lisboa, proferido a 26 de Janeiro de 1995, "Configuráveis como práticas anticoncorrenciais, são ainda os abonos de frete, prestados pela apelante aos distribuidores. Só que, excluídos da nota de ilicitude, não podiam afinal ser censurados pelas instâncias", Colectânea de Jurisprudência, 1995, I-99.

(nota 22) O Conselho já se pronunciou em abstracto sobre a nova disposição no Relatório de Actividades de 1993, pp. 18-19 e no Parecer 1, de 1993, no mesmo relatório, a pp. 127 e seguintes

(nota 23) Ver a decisão do Conselho no processo 4/95 - práticas anticoncorrenciais no mercado de refrigerantes, Relatório de Actividades de 1995, p. 88, onde o Conselho entendeu que, correspondendo os produtos da arguida a apenas 1,29% das vendas da queixosa, não se verificava dependência económica desta relativamente à primeira.

(nota 24) Questões amplamente debatidas no âmbito do direito comunitário; v. Michel Glais, "Les concepts de 'relevant market' et de dépendance économique' au regard de l'article 86 du Traité de Rome", Révue du Marché Commun, n.º 306, Abril de 1987, p. 203; Peter Hoet, "Domination du marché ou théorie du partenaire obligatoire", Révue du Marché Commun, n.º 325, Março de 1989, p. 135.

(nota 25) Por sua vez o legislador francês inspirou-se na legislação alemã que introduziu o conceito no artigo 26.º, n.os 2 e 3 (actualmente artigo 20.º, n.os 2 e 3, na sequência das alterações introduzidas pela Novelle de 1998), com a Novelle de 1973. Posteriormente, a Novelle de 1990 limitou a protecção conferida por esta disposição às PMEs.

(nota 26) Relatório de Actividades de 1993, p. 18.

(nota 27) V. Marie-Chantal Boutard-Labarde e Guy Canivet, Droit français de la concurrence, L. G. D. J., Paris, 1994, pp. 90 e seguintes e Renée Galène, Droit de la concurrence & pratiques anticoncurrentielles, EFE, Paris, 1999, pp. 198 a 200. V. também, Dominique Brault, Droit et politique de la concurrence, Economica, Paris, 1997, p. 273 e seguintes; Marie Malaurie-Vignal, Droit interne de la concurrence, Armand Colin, Paris, 1996, pp. 204 e seguintes.

(nota 28) Boutard-Labarde e Canivet, op. cit., p. 93.

(nota 29) No sentido de que as normas de concorrência se incluem entre aquelas que "tutelando certos interesses públicos, visam ao mesmo tempo proteger determinados interesses particulares", v. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 472.

(nota 30) Neste sentido, A. Pinto Monteiro, Contrato de Agência - Anotação ao Decreto-Lei 178/86, de 3 de Julho, Coimbra, 1998, pp. 115-117, anotações n.os 7 e 8 ao artigo 33.º

(nota 31) Dado integrar a chamada ordem pública de protecção. Dúvidas houvesse, seriam dissipadas pelo artigo 19.º da Directiva n.º 86/653/CEE, de 18 de Dezembro de 1986, do Conselho, directiva que o diploma da agência visa justamente transpor.

(nota 32) São igualmente tratados neste ponto os comportamentos referidos supra I, D), b), iii), por não carecerem de tratamento autónomo nos termos aí expostos.

(nota 33) Decisão no processo 4/95, Relatório de Actividades de 1995, p. 93.

(nota 34) Relatório de Actividades de 1992, p. 19.

(nota 35) Relatório de Actividades de 1992, p. 17.

(nota 36) Tendo a exclusão do distribuidor Alcino da Silva Moreira ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, o Conselho entende não se dever pronunciar sobre a licitude deste comportamento, a qual deveria ser vista à luz da interpretação que o Conselho já anteriormente dava ao artigo 13.º do Decreto-Lei 422/83, de 2 de Dezembro, v. Relatório de Actividades de 1992, p. 17.

(nota 37) V. decisão no processo 4/95, práticas anticoncorrenciais no mercado de refrigerantes, Relatório de Actividades de 1995, na p. 94.

(nota 38) Relatório de Actividades de 1992, p. 17.

(nota 39) Embora este aspecto não tenha sido tratado em sede de instrução, é conveniente relembrar que as condições de venda associadas à realização de um nível mínimo de negócios ou de um montante mínimo de aquisições periódicas pode, em certos casos revelar-se restritiva da concorrência. Em particular, este tipo de objectivos comporta um risco sério de manipulação permitindo afastar o relacionamento comercial com determinados clientes e revendedores. Daí que o Conselho tenha entendido que a obrigação de respeito por um volume mínimo de compras deve ter correspondência nas características do mercado e ser definido com respeito por critérios de razoabilidade, sobretudo nos casos em que surge em circunstâncias de domínio ou dependência económica, ou dissociada de um método de distribuição coerente; Relatório de Actividades de 1994, p. 17. Para entidades com posição dominante no mercado, a existência de um critério de determinação de mínimos de aquisição que implique progressivamente, por reforço cumulativo das quantidades em causa, o afastamento sucessivo da generalidade dos operadores existentes nesse ou em outro mercado, foi já considerada um comportamento abusivo, sancionável pela lei da concorrência, na decisão proferida no processo 5/96, Práticas anticoncorrenciais no mercado de produtos manufacturados de tabaco, Relatório de Actividades de 1997, p. 78.

(nota 40) Como foi recentemente demonstrado quanto ao mercado britânico na decisão da Comissão Europeia no caso Whitbread, cit., pontos 102 e seguintes onde pelo menos 50% da cerveja para consumo no local é vendida por estabelecimentos vinculados directamente aos fabricantes.

Lisboa, 13 de Julho de 2000. - Miguel José Pinto Tavares Moura e Silva (relator) - Fernando Ivo Gonçalves - Carolina de Castro Nunes Vicente e Cunha - José Anselmo Dias Rodrigues (residente) - tem voto de conformidade o vogal José Álvaro Ubach Chaves Rosa, que não assina por não estar presente.

ANEXO C4

Processo 2/00 - Práticas anticoncorrenciais no mercado dos serviços prestados pelos técnicos oficiais de contas exercendo a sua actividade em regime independente.

O Conselho da Concorrência, no uso da competência atribuída pelo artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro;

Visto o processo de contra-ordenação registado neste Conselho sob o n.º 2/2000, em 3 de Outubro de 2000, e o respectivo relatório enviado pela Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência, em que é arguida a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, com sede na Avenida do 24 de Julho, 58, em Lisboa;

Tem a ponderar os seguintes elementos de facto e de direito:

I - Os factos

A) Origem do processo

1 - Este processo tem origem em diversas queixas apresentadas na Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência (DGCC) contra a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (que passamos a designar por Câmara) pela prática de fixação de honorário mínimos, prevista no Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas (que passamos a designar por Código). Tais queixas constam a fls. 4 a 6, 8, 49 a 50 e 55 a 60 do processo e o referido Código é junto a fls. 38 a 48.

2 - As queixas em causa têm a ver com o facto de entidades obrigadas, por força do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei 452/99, de 25 de Novembro, a dispor de técnico oficial de contas, se verem confrontadas com a exigência do pagamento de honorários não inferiores a um mínimo, fixado por Código aprovado em decisão daquela Câmara, para honorários de Técnicos Oficiais de Contas (que designaremos por TOC) que exerçam a sua actividade em regime independente.

3 - Constata-se que tal Código:

Abrange no seu âmbito de aplicação "...todos os técnicos oficiais de contas com inscrição em vigor, que exerçam a sua actividade em regime de trabalho dependente ou independente, integrados ou não em sociedades de profissionais ou empresas de contabilidade" (artigo 1.º);

Estabelece no seu artigo 15.º, n.º 3, que "(o)s técnicos oficiais de contas que exerçam as suas funções em regime independente não podem praticar honorários mensais inferiores ao valor resultante da aplicação de 45% salário mínimo nacional mais elevado em vigor à data da celebração do contrato, a que acresce IVA à taxa em vigor, se aplicável". Estes valores serão "[...] actualizados sempre que o salário mínimo seja alterado" (n.º 4 do mesmo artigo);

Admite porém que até ao ano 2002, inclusive, os contratos de prestação de serviços subscritos nos termos do artigo 9.º desse Código, poderão fixar "[...] honorários abaixo de 40% do salário mínimo nacional mais elevado à data da sua celebração [...] não podendo no entanto praticar preços inferiores a 30% em 2000 e 40% no ano de 2001" (artigo 22.º);

Acrescenta "[...] que qualquer conduta dos técnicos oficiais de contas contrária às regras deontológicas é equiparada a infracção disciplinar, nos termos e para o disposto no Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas" (artigo 18.º).

As penas a aplicar, nos termos do artigo 63.º do Estatuto, podem ser "[...] advertência, multa, suspensão até três anos ou expulsão [...] e implicando estas duas últimas a sua comunicação à Direcção-Geral dos Impostos e entidades a quem os técnicos oficias de contas punidos prestem serviço".

B) A arguida

4 - A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas é uma associação pública a quem "compete representar mediante inscrição obrigatória, os interesses profissionais dos técnicos oficiais de contas e superintender em todos os aspectos relacionados com as suas funções", nos termos do artigo 1.º do seu estatuto.

Tem as suas atribuições enumeradas no artigo 3.º desse Estatuto que se dão aqui por reproduzidas (fls. 17 do processo).

Em vigência do Decreto-Lei 265/95, de 17 de Outubro, foi antecessora da Câmara a Associação dos Técnicos Oficiais de Contas; aquela Associação passou a designar-se por Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e a ter novo Estatuto aprovado através do Decreto-Lei 452/99, de 5 de Novembro, que revogou o anterior diploma.

5 - Designam-se por técnicos oficiais de contas os profissionais inscritos, nos termos do Estatuto, na Câmara, sendo-lhes atribuído em exclusividade o uso desse título profissional, bem como o exercício das respectivas funções (artigo 5.º do Estatuto).

6 - Entre outras funções atribuídas aos TOC, conforme artigo 6.º do Estatuto, destaca-se "Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada, segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis, respeitando as normas legais e os princípios contabilisticos vigentes, bem como das demais entidades obrigadas, mediante portaria do Ministério das Finanças, a dispor de técnicos oficiais de contas."

7 - O número de TOC inscritos na Câmara foi de 38 213 (em 1997), 50 231 (em 1998) e de 55 645 (em 1999). De acordo com o relatório e contas de 1999, a p. 96 e seguintes do processo, constatam-se proveitos e ganhos em 1998 de 896 641 880$00 e de 1 112 870 771$00, em 1999, a que correspondem, de acordo com o relatório da DGCC, lucros líquidos de exercício no valor de 383 292 429$0047 e 226 741 209$00, respectivamente.

C) O comportamento da arguida

8 - Em 3 de Dezembro de 1999, conforme acta de escrutínio de referendo (fl. 8 do processo), foi aprovado o designado "Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas".

A alínea o) do artigo 3.º do Estatuto considera atribuição da Câmara "Estabelecer princípios e normas de ética e deontologia profissional".

O artigo 48.º, n.º 1, do Estatuto estabelece que "A Câmara pode realizar aos seus membros, a nível nacional, referendos internos com carácter vinculativo, destinados a submeter a votação as questões que a direcção considere suficientemente relevantes".

É nestes termos que foi aprovado por escrutínio tal Código, com 93,7% de votos "Sim", e que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000. O referendo realizou-se no período compreendido entre 15 e 30 de Novembro de 1999, sendo admitido o voto por correspondência e presencial no último dia. "A Direcção da Câmara, para além da tradicional comunicação aos seus membros, viu-se na necessidade de organizar uma forte campanha de sensibilização que, além do objectivo de participação no acto, serviu também para que a Câmara e os TOC em particular se tornassem mais conhecidos perante a sociedade civil."(conforme ponto 2.2.2 do Relatório e Contas da Câmara - 1999). "Ficou assim aprovado o Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas de observância obrigatória para todos os profissionais, sendo o seu incumprimento, quer por força das disposições estatutárias, quer por força do poder autodisciplinar da CTCO, passível de procedimento disciplinar." (idem conforme ponto 2.2.2).

9 - Como atrás referido no ponto 3 constam do referido Código nos seus artigos 15.º e 22.º disposições relativas à fixação de honorários mínimos mensais a cobrar por serviços prestados pelos que designa técnicos de contas em regime independente. O artigo 3.º do anterior Estatuto, revogado pelo Decreto-Lei 452/99, contemplava que o exercício de actividade dos técnicos oficiais de contas podia ser feito quer em regime de trabalho independente quer em regime de trabalho dependente. O Código aprovado pela Câmara manteve estas designações e não as constantes do artigo 7.º do Estatuto em vigor (ver nota 1).

A direcção da Câmara, pretendendo esclarecer os TOC nela inscritos sobre dúvidas que o Código Deontológico pode suscitar elaborou um documento designado por "Notas Interpretativas ao Código Deontológico" (v. pp. 46 a 48 do processo), em que na resposta à pergunta "a quem incumbe a responsabilidade de observar os honorários mínimos previstos no artigo 15.º do Código refere que:

Nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do Estatuto a actividade dos TOC pode ser prestada por conta de outrem, no âmbito de um contrato individual de trabalho, nomeadamente a empresas de contabilidade e administração, devendo no entanto e nos termos dessa disposição assumir pessoal e directamente as correspondentes responsabilidades;

Nos termos do disposto no artigo 5.º do Estatuto não são inscritas na Câmara as sociedades profissionais nem as empresas de prestação de serviços na área da contabilidade e administração;

O Código Deontológico, atendendo às suas características, apenas vincula ao seu cumprimento os profissionais inscritos na Câmara e sobre os quais esta tem poder disciplinar, sendo ineficaz perante entidades sobre as quais a Câmara não exerça aquele poder.

Dentro do exposto determina a direcção da Câmara o seguinte (nota interpretativa do Código Deontológico n.º 3):

"1 - Sempre que um técnico oficial de contas assuma a responsabilidade por uma contabilidade, deve o mesmo observar as regras estatutária e deontologicamente aplicáveis, sendo este o sujeito activo da relação profissional e consequentemente passível, no caso de incumprimento, da correspondente sanção disciplinar.

2 - Antes de assumir a responsabilidade prevista no n.º 1, deve o técnico oficial de contas certificar-se se a empresa que contratou os serviços, de entre outras obrigações, pratica ou não os honorários mínimos previstos no Código e em caso de redução dos mesmos, estes devem ser requeridos à Câmara pelo profissional (ver nota 2).

3 - Os contratos de prestação de serviços, não obstante indicarem o técnico oficial de contas responsável pela contabilidade, não carece da assinatura deste, devendo no entanto a sua entidade patronal dar conhecimento do mesmo, com vista à assunção das responsabilidades estatutárias e deontológicas emergentes da actividade profissional."

É-se assim levado a concluir que um TOC que trabalhe em sociedade de profissionais ou empresa de prestação de serviços de contabilidade fica obrigado, quando a empresa para que trabalhe não cobra pelo serviço que vai prestar a outrem os honorários mínimos estabelecidos pelo Código, a requerer autorização à Câmara antes de assumir responsabilidade pelo serviço.

D) As consequências do comportamento da arguida

10 - Os efeitos do comportamento da arguida traduziram-se, conforme se constata das queixas constantes no processo e apresentadas à Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência, no facto de serem exigidos, na generalidade, para serviços a prestar por técnicos oficiais de contas a entidades obrigadas, por força da lei, a ter um TOC, honorários em 2000 no mínimo de 30% do ordenado mínimo nacional em vigor, sendo que é indicado que em 2001 tal percentagem subirá para 40%, ao que acresce o valor do IVA. Em queixas apresentadas é referido que a entrada em vigor dos honorários estabelecidos para 2000 chega a envolver aumentos de 40% relativamente aos anteriormente praticados.

E) O mercado

11 - A Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência considerou que, para efeitos do processo que instruiu, o respectivo mercado relevante é o da actividade dos técnicos oficiais de contas que desenvolvem actividade em regime independente.

São os TOC em regime independente que constituem a oferta; consideram-se, para efeitos do presente processo, como TOC em regime independente, adoptando-se os modos de actividade que o Estatuto em vigor estabelece, os técnicos oficiais de contas que exercem a sua actividade por conta própria, como profissionais independentes ou empresários em nome individual, e os TOC que exercem as respectivas funções em empresas de prestação de serviços ou em sociedades de profissionais e que assumem, pessoal e directamente, as correspondentes responsabilidades, dentro do estabelecido no n.º 2 do artigo 7.º dos Estatutos e artigo 20.º do Código Deontológico. Constituem a procura as entidades que sejam obrigadas, por força da lei, a ter contabilidade organizada e consequentemente serviços prestados por técnicos oficiais de contas e ainda outras que a tais serviços queiram recorrer, exceptuadas aquelas que os tenham nos seus quadros exercendo as suas funções através de contrato que estabelece uma relação laboral e cujos salários se regem pelo disposto nas convenções colectivas aplicáveis (conforme ponto 12 do artigo 15.º do Código).

O mercado geográfico relevante é o território nacional.

F) A nota de ilicitude e a defesa da arguida

12 - A nota de ilicitude enviada à arguida pela DGCC consta das fls. 64 a 72 do processo e dá-se aqui por reproduzida. Destacamos no essencial, e como resumo, ser a Câmara considerada uma associação de empresas (conforme artigos 14.º a 18.º dessa nota) para efeitos da aplicação da legislação de concorrência, configurar a aprovação do Código Deontológico uma decisão de associação de empresas (artigo 19.º da nota), conter esse Código disposições que restringem a concorrência no mercado da prestação de serviços de contabilidade (artigos 20.º e 21.º da nota), pelo que o comportamento da Câmara consubstancia uma contra-ordenação punível com coima nos termos do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro (artigo 22.º da nota).

13 - A resposta da arguida consta a fls. 77 a 80 do processo, e também se dá aqui por reproduzida. No essencial, e como resumo, nessa resposta a Câmara considera que a inclusão do n.º 3 do artigo 15.º no Código Deontológico não teve a "intenção" nem o efeito de impedir, falsear ou restringir a concorrência, ser a Câmara "um organismo da administração desconcentrada do Estado em que o Estado delegou a regulamentação e a defesa da dignidade do técnico oficial de contas (TOC), à qual [...] foi reconhecida natureza pública.", que "a CTOC não é, como se pretende na nota de ilicitude, uma Associação de Empresas, nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei 371/93 de 29 de Outubro, por a isso se opor a sua natureza pública." e que "a bondade daquela norma regulamentar, cujo único objectivo foi o de salvaguardar a dignidade e o prestígio da função, não permitindo o seu abastardamento com inerente perda de credibilidade, foi confirmada por esmagadora maioria dos TOC no referendo interno a que o Código Deontológico foi submetido". Acrescenta que outra entidade, a Câmara dos Revisores Oficiais de Contas, fixa também honorários mínimos nunca tendo sido levantada a questão dessa prática "estar a violar a concorrência".

II - Apreciação económica e jurídica

A) Restrições da concorrência

14 - Tem-se por claro e evidente que, do lado da procura, ou seja das entidades que por força de disposições legais estão obrigadas a (ou que pretendem) recorrer aos serviços prestados por um técnico oficial de contas, o existir para os TOC uma tabela de honorários mínimos corresponde a que estes não podem ser discutidos entre as partes, ficando as empresas impedidas de procurar obter as melhores condições para serviços a que estão obrigadas a recorrer ou de que carecem. Tal tabela interfere com a livre determinação do preço pelo mercado.

15 - Do lado da oferta existe também uma clara limitação imposta aos TOC, deixando de existir liberdade na oferta, que está condicionada por regras impostas de honorários mínimos a cobrar e que, a não serem cumpridas, levam estes a ficarem sujeitos à aplicação de penalidades por conduta equiparada a infracção disciplinar. Existe assim uma restrição de concorrência entre os membros da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas imposta por esta.

16 - Desta limitação introduzida no mercado, não deixando funcionar a liberdade de formação dos preços em conformidade com as características, especificidades, dimensão e necessidades das entidades que têm de recorrer ao serviço dos TOC, e dos próprios TOC, não motivando a melhor eficiência para estes, resultam restrições à concorrência no mercado nacional.

As entidades obrigadas a recorrer aos serviços dos TOC têm diferente dimensão, volume de negócios, ramo de actividade, movimento contabilístico, etc. e são manifestos os efeitos nefastos que a restrição imposta à liberdade de actuação dos agentes económicos introduz no mercado com a fixação de honorários mínimos.

Também os novos TOC que se venham a inscrever na Câmara se deparam com a obrigatoriedade de aplicar honorários mínimos para os seus serviços, o que condiciona o seu acesso ao mercado.

B) Aplicação do artigo 2.º do Decreto Lei 371/93

17 - O artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93 é aplicável desde que a restrição da concorrência seja o resultado de uma decisão de associação de empresas. É pois necessário determinar se o Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas configura, ou não, uma decisão de associação de empresas.

A este propósito tem sido salientado pelo Conselho, em consonância com a jurisprudência e a doutrina nacional e estrangeira, que o conceito de empresa deve ser entendido da forma mais ampla possível, de modo a permitir a boa e eficaz aplicação das normas de concorrência.

18 - Na Câmara têm os TOC inscrição obrigatória e aos profissionais inscritos é atribuído em exclusividade o uso desse título profissional, bem como o exercício das respectivas funções (do artigo 5.º dos Estatutos). Todos os técnicos oficiais de contas com inscrição em vigor, quer exerçam a sua actividade em regime de trabalho dependente ou independente, integrados ou não em sociedades de profissionais ou em empresas de contabilidade, são abrangidos pelo Código (do seu artigo 1.º).

Salientamos, como já referido no ponto 9 atrás, e respectiva nota, que embora o Código aprovado refira a actividade dos TOC como de regime de trabalho dependente ou independente, os modos de exercício de actividade estabelecidos no artigo 7.º dos Estatutos são os descritos naquela nota, ou seja a actividade - "por conta própria, como profissionais independentes ou empresário em nome individual", - ou "como sócios, administradores ou gerentes de uma sociedade de profissionais", - e a actividade "no âmbito da prestação de um contrato de trabalho individual celebrado com outro técnico oficial de contas, outros profissionais, uma pessoa colectiva ou um empresário em nome individual".

O artigo 5.º, n.º 3, do Código permite clarificar que a Câmara entende que os TOC podem exercer funções quer em regime de trabalho dependente quer independente nas sociedades profissionais e empresas de contabilidade e que o disposto no presente Código Deontológico relativamente aos técnicos oficiais de contas é aplicável, com as necessárias adaptações, aos profissionais integrados em sociedades de profissionais ou em empresas de contabilidade (artigo 20.º do Código).

19 - A prestação de serviços pelos TOC tem assim modos de exercício de actividade que são uma actividade económica; o Decreto-Lei 371/93 é aplicável a todas as actividades económicas exercidas, com carácter permanente ou ocasional, nos sectores privado, público ou cooperativo (do seu artigo 1.º, n.º 1).

A equiparação do exercício da profissão de técnico oficial de contas independente, dentro da terminologia adoptada no Código, a uma actividade de empresa para efeitos de aplicação da secção II do Decreto-Lei 371/93 não pode deixar de se fundar no reconhecimento da autonomia do conceito de empresa, para efeitos de aplicação de uma legislação de concorrência. São exemplos da conformidade do que deixamos dito o parecer n.º3/85 deste Conselho (ver nota 3), respeitante à aplicação da legislação de concorrência ao comportamento dos médicos radiologistas e da Ordem dos Médicos, e o serem considerados, para efeitos de aplicação do artigo 85.º do Tratado de Roma (hoje artigo 81 CE), como empresas os membros de profissões liberais quando exerçam a sua profissão como independentes, prestando, nessa qualidade, os seus serviços de forma duradoura e mediante remuneração, assumindo os riscos financeiros inerentes ao exercício dessa actividade (ver nota 4).

20 - Para a jurisprudência e a doutrina relevante a forma jurídica das coligações económicas é neutra relativamente à aplicação do direito da concorrência. Do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 371/93 só são exceptuadas as restrições de concorrência decorrentes de lei especial, conforme disposto no n.º 3 do artigo 1.º do diploma.

As associações públicas profissionais têm uma natureza mista, pública na óptica da prossecução de atribuições públicas e privada no contexto da representatividade dos profissionais inscritos (ver nota 5).

A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, como a anterior Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, pelas razões anteriormente expostas, devem ser consideradas como associação de empresas para efeitos de aplicação do Decreto-Lei 371/93. Nada existe no Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, e no Decreto-Lei 452/99 que o aprova, que permita considerar exceptuadas as restrições de concorrência implícitas do conteúdo do dito Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas, criado por decisão da Câmara, da aplicação do Decreto-Lei 371/93.

Também, como repetidamente tem sustentado o Tribunal de Justiça (ver nota 6) a propósito da aplicação do artigo 81.º do Tratado de Roma (ex-artigo 85.º) às associações de empresas, basta que a actividade específica da associação ou das empresas a ela aderentes tenda a produzir os efeitos que a norma visa reprimir. Referimos ainda que "o facto de se tratar de uma ordem profissional à qual os poderes públicos confiaram certas funções que lhe permitem reger a sua profissão e de o seu estatuto ser, em direito espanhol, o de corporação de direito público, não impede de qualificar o COAPI (Colégio Oficial de Agentes de la Propriedad Industrial) como uma associação de empresas (ver nota 7)" e ainda "o facto de a organização ter estatuto de direito público não obsta à aplicação do artigo 85.º do Tratado (ver nota 8)".

21 - Como já referido em anteriores decisões do Conselho uma "decisão de Associação" é um conceito vasto, que tanto pode abranger as normas dos estatutos ou regulamentos internos de uma associação como qualquer decisão ou recomendação tomada ao abrigo dessas normas ou obtida, ainda que informalmente, no quadro geral que propiciam (ver nota 9).

No caso presente o Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado por referendo como descrito atrás no ponto 8, constitui uma decisão de associação de empresas, sendo a sua aplicação de carácter vinculativo, designadamente, para os efeitos do presente processo, os seus artigos 15.º e 22.º

22 - Em consequência a conduta da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas preenche a hipótese do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, pelo que configura nos termos do artigo 37.º n.os 1 e 2, do mesmo diploma, um ilícito contra-ordenacional, punível com coima de 100 000$00 a 200 000 000$00, cuja aplicação cabe ao Conselho da Concorrência, no exercício da competência atribuída pelo artigo 38.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

23 - Na determinação do montante da coima a aplicar prescreve o artigo 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, que se deve atender à gravidade da contra-ordenação, à culpa revelada, à situação económica do agente e ao benefício económico que retirou da prática da infracção.

Quanto à gravidade constata-se que a possibilidade da apresentação de preço para os serviços prestados é praticamente eliminada como um factor de concorrência, que a restrição operada abrange todos os TOC que prestam os seus serviços em regime independente, e tem efeitos nos demais, pois todos eles estão sujeitos a inscrição obrigatória na Câmara, a que acresce a decisão da associação em causa possuir um carácter juridicamente vinculativo para os seus destinatários, sendo o seu incumprimento alvo de diversas sanções que podem culminar na expulsão da Câmara com a consequente impossibilidade de continuar a oferecer os seus serviços no mercado. Como já atrás referido, os efeitos da decisão podem ser extraordinariamente gravosos quer para entidades que recorrem aos serviços dos TOC, sob o ponto de vista de encargos, quer para os próprios TOC que pretendam entrar no mercado, que podem enfrentar uma barreira de acesso pelos preços que são obrigados a praticar.

Quanto à culpa haverá que ter em consideração que a Câmara agiu com dolo (se não directo, pelo menos necessário) e que, tratando-se de uma associação profissional, sobre ela impende um especial dever de se informar quanto à existência das proibições decorrentes das normas que tutelam a concorrência.

O benefício económico retirado da prática restritiva adoptada não é directo da Câmara, antes sim dos TOC inscritos; como já referido em anteriores decisões deste Conselho considera-se porém ser "utilizada" a associação para a violação das proibições do Decreto-Lei 371/93, recaindo por essa via os benefícios económicos para os seus membros, neste caso membros da classe TOC. Os dados constantes do processo não permitem quantificar o aumento de proveitos auferidos pelos TOC inscritos na Câmara relativamente aos que auferiam antes da imposição de preços mínimos; porém, e a avaliar pelo constante em queixas apresentadas (como referido no ponto 10 atrás), será muito significativo.

Quanto à situação económica da Câmara, para alem do já referido no ponto 7 atrás, designadamente proveitos e ganhos em 1999 de 1 112 870 771$00, salienta-se que nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei 452/99, de 25 de Novembro, cada membro da Câmara tem de pagar (podendo ainda os montantes ser alterados pelo órgão competente) uma jóia de Euros 25 e uma quota mensal de Euros 5, o que dá, só em quotas e para o ano de 1999, para 55 645 membros inscritos, uma receita mensal de 55 779 contos e anual de 669 348 contos.

A punição do presente ilícito deve fazer-se dentro da moldura fornecida pelo artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

C) Aplicação do balanço económico

24 - No âmbito do processo de contra-ordenação compete ao Conselho da Concorrência demonstrar a nocividade da coligação sob o ponto de vista da preservação das regras de funcionamento do mercado. Neste aspecto o processo obedece ao princípio do inquisitório.

O artigo 5.º, n.º1, do Decreto-Lei 371/93, ao poder serem consideradas justificadas, sob determinadas condições, práticas restritivas da concorrência, acolhe a solução de isenção decorrente de um balanço económico positivo. Compete aos arguidos demonstrar que, apesar das restrições da concorrência, as práticas em causa preenchem os requisitos cumulativos da isenção. Não tem o Conselho por provada a verificação dos requisitos positivos e negativos que justifiquem as práticas restritivas.

No caso presente não estão pois preenchidas as condições do balanço económico positivo do artigo 5.º do Decreto-Lei 371/93.

III - A decisão

Tudo visto e ponderado, o Conselho decide:

1.º A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas ao fixar, com carácter vinculativo, os honorários mínimos a cobrar por serviços prestados por técnicos oficiais de contas através do disposto no Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, violou o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, com uma decisão de associação de empresas que directamente se traduz nos preços dos serviços a prestar pelos seus associados, intervindo na sua determinação pelo livre jogo do mercado;

2.º Em consequência, nos termos do artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, o Conselho decide aplicar à Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas uma coima de 20 000 000$00, coima que deverá ser paga no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da presente decisão, advertindo-se a arguida de que a eventual impossibilidade de pagamento tempestivo deve ser comunicada por escrito a este Conselho (artigo 58.º, n.º3, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro);

3.º No uso da competência atribuída pelo artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, determina ainda este Conselho que a Câmara envie a todos os técnicos oficiais de contas nela inscritos, e que exercem actividade que designa por regime de trabalho independente, cópia integral da presente decisão, no prazo de 15 dias;

4.º Nos termos do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, consideram-se nulas as disposições relativas à fixação de honorários mínimos a cobrar por serviços prestados por técnicos oficiais de contas como constantes do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas, devendo ser imediatamente eliminadas tais disposições;

5.º Ordena-se à arguida, ao abrigo do disposto no artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, que faça publicar, no prazo de 30 dias, a versão integral da presente decisão na 3.ª série do Diário da República, e a parte decisória, nos termos e conforme cópia que lhe será comunicada, num jornal de expansão nacional;

6.º Em cumprimento do disposto no artigo 58.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, adverte ainda o Conselho que a presente condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º do mesmo diploma e que, em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso a arguida e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

(nota 1) O artigo 7.º, modos de exercício de actividade, do actual Estatuto estabelece:

"1 - Os técnicos oficiais de contas podem exercer a sua actividade:

a) Por conta própria, como profissionais independentes ou empresários em nome individual;

b) Como sócios, administradores ou gerentes de uma sociedade de profissionais;

c) Como funcionários públicos, desde que exerçam a profissão de técnico oficial de contas na Administração Pública ou contratados pela administração central, regional ou local;

d) No âmbito da prestação de um contrato de trabalho individual celebrado com outro técnico oficial de contas, outros profissionais, uma pessoa colectiva ou um empresário em nome individual.

2 - Os técnicos oficiais de contas que exerçam as respectivas funções em empresas de prestação de serviços ou em sociedades de profissionais devem assumir, pessoal e directamente, as correspondentes responsabilidades."

(nota 2) O n.º 5 do artigo 15.º do Código permite que "mediante a natureza ou situação das entidades a quem o TOC presta serviços, a requerimento deste devidamente fundamentado, poderá a direcção da Câmara autorizar a cobrança de honorários diferentes dos previstos no presente Código."

(nota 3) Pp. 69 a 72 do relatório de actividade de 1984-1985 do Conselho da Concorrência.

4) Decisão da Comissão de 7 de Abril de 1999, respeitante à oferta de serviços no sector das profissões liberais (processo IV/36.147) e Decisão da Comissão de 30 de Junho de 1993 respeitante à fixação de tarifas a pagar a despachantes alfandegários (processo IV/33.407).

(nota 5) Da introdução do Decreto-Lei 452/99, de 5 de Novembro de 1999.

(nota 6) Por exemplo , Acórdão do Tribunal de Justiça, de 8 de Novembro de 1993 (Recueil de Jurisprudence de la Cour, 1983, pp. 3369 e seguintes) e Acórdão do Tribunal de Justiça, de 29 de Outubro de 1980 (Recueil de Jurisprudence de la Cour, 1980, pp. 3125 e seguintes).

(nota 7) Comissão - Decisão 30 de Janeiro de 1995 IV/33.686 - COAPI.

(nota 8) Tribunal - Caso CNSD, processo C-35/96.

(nota 9) Processo de contra-ordenação n.º 1/99, decisão de 1 de Junho de 2000, ponto 22, deste Conselho.

Lisboa, 16 de Novembro de 2000. - José Álvaro Ubach Chaves Rosa (relator) - Fernando Ivo Gonçalves - Pedro Tavares Caldeira de Ordaz - Victor João de Vasconcelos Raposo Ribeiro Calvete - Carolina de Castro Nines Vicente e Cunha - José Anselmo Dias Rodrigues (presidente).

ANEXO C5

Processo 2/98 - Práticas anticoncorrenciais no mercado de chapa de vidro

O Conselho da Concorrência, no uso da competência atribuída pelo artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro;

Visto o processo de contra-ordenação registado sob o n.º 2/98, autuado em 13 de Março de 1998, e o respectivo Relatório remetido pela Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência em 23 de Dezembro de 1998, em que é arguida a Cooperativa Abastecedora dos Comerciantes de Vidro em Chapa, CRL CACVEC;

Vista a Declaração de inaplicabilidade do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, proferida no âmbito do processo de apreciação prévia n.º 4/94;

Tem a ponderar os seguintes elementos de facto e de direito.

A) Os factos

I - Origem do processo

A CACVEC, usando da faculdade conferida pela Portaria 1097/93, de 29 de Outubro, requereu, em 20 de Junho de 1994, ao Conselho da Concorrência, a declaração de legalidade do artigo 14.º dos seus estatutos, face ao regime jurídico de defesa e promoção da concorrência instituído pelo Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

De acordo com a referida disposição estatutária "(o)s cooperadores da CACVEC são obrigados, sob pena de exclusão, a fazer nela todas as suas compras de vidro, só podendo adquiri-lo a terceiros quando não exista nos seus armazéns".

Este Conselho, por decisão de 8 de Fevereiro de 1996, ao abrigo do disposto no parágrafo 3 do n.º 1 da Portaria 1097/93, de 29 de Outubro, declarou a inaplicabilidade do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, da mesma data, ao artigo 14.º dos estatutos daquela cooperativa, considerando terem sido verificados os pressupostos do n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma, tendo em atenção o contributo da CACVEC para a regular distribuição no mercado da chapa de vidro.

Todavia, o Conselho condicionou aquela decisão de inaplicabilidade do artigo 2.º, à obrigação imposta à CACVEC de "... contemplar, nos seus estatutos, a possibilidade de readmissão, a seu pedido, do cooperador excluído por violação do artigo 14.º daqueles estatutos, passado um período não superior a três anos sobre a data da exclusão", passando, assim, a ser válida tal declaração de inaplicabilidade apenas "[...] a partir da data em que for comunicado a este Conselho o cumprimento da condição [...] e vigorará por um período de três anos [...]".

Da decisão proferida, foi a CACVEC devidamente notificada pelo Conselho da Concorrência por seu ofício n.º 23, de 12 de Fevereiro de 1996.

Posteriormente, por seu ofício n.º 11, de 30 de Janeiro de 1998, o Conselho da Concorrência solicitou à CACVEC fotocópia do Diário da República comprovando ter procedido à alteração dos Estatutos da Cooperativa, em cumprimento do n.º 2 da decisão do Conselho.

Em resposta, a CACVEC, por carta de 17 de Fevereiro de 1998, veio informar o Conselho da Concorrência que, tendo proposto a alteração dos Estatutos da Cooperativa à respectiva Assembleia Geral, "[...] não foi possível obter aprovação pela maioria estatutariamente exigida", concluindo, assim, não ser ainda "[...] possível dar satisfação ao solicitado, o que se lamenta".

Na sua sequência, o Conselho da Concorrência remeteu o processo à Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência a fim de ser dado prosseguimento como contra-ordenação, tendo em conta que o citado artigo 14.º dos Estatutos da CACVEC "[...] enquadra uma prática continuada e de execução permanente, pelo que deverá ser apreciada à luz da legislação em vigor, ou seja o Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro".

II - Identificação da arguida

A CACVEC é uma cooperativa de comercialização de produtos em chapa de vidro, com sede em Camarate, Loures, e tem por objecto social, nos termos do artigo 3.º dos Estatutos que a regem "a compra e venda de vidro para abastecimento de todos os cooperadores, visando uma melhor situação social e económica de todos eles".

Pode, igualmente, por força do mesmo preceito estatutário, comprar e fornecer matérias subsidiárias e transformar matéria-prima dentro da indústria vidreira.

A CACVEC presta ainda aos seus cooperadores, os seguintes serviços:

Corte de chapa de vidro nas suas instalações, aos cooperadores que não dispõem de equipamento adequado ou condições de transporte ou armazenamento das chapas nas dimensões standard;

A promoção de cursos de formação profissional sobre as técnicas de transformação dos vários tipos de vidro;

E a divulgação de novas tecnologias e equipamentos utilizados na transformação de chapa de vidro, cujo conhecimento adquire em visitas a feiras internacionais, às quais a maioria dos seus cooperadores têm dificuldade de se deslocarem.

Com vista à prossecução dos objectivos visados, o artigo 14.º dos mesmos estatutos dispõe que "o(s) cooperadores são obrigados, sob pena de exclusão, a fazer nela todas as suas compras de vidro, só podendo adquiri-lo a terceiros quando não exista nos seus armazéns", funcionando, deste modo, a CACVEC como uma central de compras dos seus cerca de 300 cooperadores, na sua maioria pequenos e médios transformadores de vidro, distribuídos por todo o país, com uma maior incidência nos distritos de Lisboa e Porto.

Com efeito, a CACVEC obtém prémios de quantidade nas transacções que efectua, conseguindo, assim, preços mais baixos que os relativos a pequenas encomendas feitas isolada ou individualmente. Por outro lado, os excedentes, quando os há, são também distribuídos na proporção das compras efectuadas por cada cooperador, no exercício a que respeitam, nos termos do disposto no artigo 15.º dos estatutos.

III - Mercado relevante

O produto em causa é a chapa de vidro. Este produto é objecto de diversas aplicações - o isolamento, a segurança, a construção civil, o mobiliário e a decoração, entre outras - podendo, por outro lado, apresentar-se sob diversas formas - vidro liso, duplo, laminado, temperado e impresso. Constitui matéria-prima de numerosas pequenas e médias empresas industriais de transformação e colocação de chapa de vidro, dispersas por todo o País.

A oferta de chapa de vidro é assegurada, a nível nacional, pela empresa COVINA, único produtor nacional - que actua no mercado também como distribuidor, quer directamente quer através da sua rede de distribuição - e por produtores europeus.

A distribuição da chapa de vidro é controlada pelos produtores que, directamente e ou através de filiais, participadas e agentes, colocam a maioria do produto no utilizador final, ou sejam as unidades transformadoras de chapa de vidro.

A CACVEC desenvolve a sua actividade exclusivamente como distribuidora e adquire o produto destinado aos seus cooperadores quer à COVINA, quer aos fornecedores estrangeiros, revelando-se, porém, aquela como seu fornecedor preferencial. Segundo os elementos constantes no supracitado processo de apreciação prévia, em 1994 a CACVEC detinha 28,5% da distribuição total, contra 47,9% da COVINA e 23,6% dos produtores europeus e seus agentes.

É de notar que em 13 de Novembro de 1998, a CACVEC estimava que a sua quota de mercado deveria rondar os 15% (fls. 30).

De acordo com os dados constantes da instrução, obtidos junto da COVINA, a produção nacional, no ano de 1997, cifrou-se em cerca de 48 182,261 toneladas de vidro em chapa, a que corresponde um valor de 3 480 836 contos.

Cerca de 43% da quantidade vendida pela referida empresa (20 913,885 toneladas) foi introduzida no mercado através das suas filiais e participadas; os restantes 57% (27 268 376 t) foram vendidos a clientes independentes.

De entre estes clientes, a CACVEC comercializou, naquele ano, 12 099 t de vidro, das quais 5272 resultaram das aquisições efectuadas à COVINA (cerca de 43,57% da quantidade de chapa de vidro vendida por esta empresa fora da sua rede de distribuição).

De referir que os clientes directos da COVINA e dos produtores europeus são, em regra, empresas de maior dimensão do que os cooperadores da CACVEC, facto que tem sido invocado para justificar a necessidade da intervenção desta como intermediária de pequenas empresas, muitas delas com carácter familiar e insignificante implantação.

É que a procura deste produto é originada, de um modo geral, por um número reduzido de empresas transformadoras de média dimensão e por um avultado número de empresas de dimensão muito reduzida, distribuídas por todo o território nacional.

Nestes termos, para efeitos do presente processo, o mercado relevante é o da distribuição de vidro em chapa, o qual, do ponto de vista geográfico, se considera, para os mesmos efeitos, de dimensão nacional dada a sua ampla incidência territorial.

IV - Diligências de instrução e nota de ilicitude

Além de ter procedido à actualização dos dados constantes do supracitado processo de apreciação prévia relativamente ao mercado, a entidade instrutora remeteu à arguida a competente nota de ilicitude, na qual conclui pela caracterização da prática admitida pelo artigo 14.º dos estatutos da CACVEC como restritiva da concorrência e, como tal, proibida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro.

Na sua resposta, a arguida alegou, essencialmente, o seguinte:

O Conselho da Concorrência não marcou qualquer prazo para a introdução das alterações que validariam a referida cláusula estatutária;

De qualquer forma a inexistência de prazo será irrelevante, uma vez que, por força do artigo 2.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, a cláusula em questão seria nula, não produzindo portanto qualquer efeito;

A cláusula, aliás, nunca foi aplicada, não tendo sido excluído qualquer sócio com base na mesma.

Em conclusão, a arguida entende não ter praticado qualquer acto anticoncorrencial e manifesta a sua estranheza perante a acusação, sublinhando a circunstância de todo este processo ter a sua origem na iniciativa por ela tomada de submeter a este Conselho as suas dúvidas quanto à compatibilidade da cláusula do artigo 14.º com o direito de defesa da concorrência.

V - Circunstância superveniente

Já depois de concluída a instrução do presente processo, e na sequência de informações de representante da CACVEC de que estaria iminente a alteração dos estatutos imposta por este Conselho razão que levou o relator desta decisão a adiar a sua apresentação ao Conselho foi a dita alteração finalmente notificada por carta datada de 28 de Dezembro de 1999, juntando posteriormente extracto do Diário da República onde a mesma alteração foi publicada (fls. 146 e seguintes) (ver nota 1). A dita alteração consistiu na total supressão dos estatutos do citado artigo 14.º e na devida modificação do artigo 32.º na parte que remetia para aquela disposição.

B) Apreciação jurídica e económica

No supracitado processo de apreciação prévia, o Conselho havia considerado justificada a prática contemplada no artigo 14.º dos estatutos da arguida, segundo o qual os operadores da CACVEC são obrigados a fazer nela as suas compras de vidro, só podendo adquiri-lo a terceiros quando não exista nos seus armazéns. Contudo, considerou que a exclusão do operador que violasse aquela disposição constituiria sanção demasiado pesada, julgando, por conseguinte, que essa parte da citada disposição não deveria beneficiar de justificação. Foi o não acatamento da decisão do Conselho no processo de apreciação prévia que originou o presente processo de contra-ordenação.

A eliminação total do artigo 14.º dos estatutos da CACVEC, embora superveniente à conclusão da instrução, eliminou igualmente o objecto do presente processo, não só em relação à matéria que o originou - o dano potencial resultante da exclusão do associado prevaricador - como também quanto aos restantes aspectos da mesma cláusula que o Conselho antes considerou restritivos da concorrência mas em condições de beneficiarem de justificação económica ao abrigo do artigo 5.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro. Igualmente retirou qualquer relevância, para os efeitos da presente apreciação, aos supracitados argumentos alegados pela arguida, razão pela qual o Conselho se absteve de contra-argumentar.

A informação constante dos autos atesta claramente que a cláusula de exclusão nunca foi aplicada na prática, não tendo afectado, por consequência, a concorrência entre os associados da CACVEC. Recorde-se, também, que a detecção da situação não foi provocada por qualquer queixa e sim pela submissão voluntária da arguida à possibilidade conferida pela lei de avaliar previamente as eventuais violações da legislação de defesa da concorrência.

Nestas circunstâncias, e ainda que seja condenável a demora da arguida na satisfação da condição imposta pelo Conselho no supracitado processo de apreciação prévia, o Conselho determina o arquivamento do presente processo.

C) Decisão

Visto o que, o Conselho da Concorrência, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, decide:

1.º Mandar arquivar o presente processo de contra-ordenação;

2.º Dar conhecimento desta decisão à arguida.

(nota 1) O referido extracto, ainda que datado de 25 de Julho de 2000 (em suplemento ao n.º 170 do Diário da República, 3.ª série), foi apenas trazido ao conhecimento do Conselho em 7 de Novembro de 2000.

Lisboa, 16 de Novembro de 2000. - Pedro Tavares Caldeira de Ordaz (relator) - Fernando Ivo Gonçalves - José Álvaro Ubach Chaves Rosa - Victor João de Vasconcelos Raposo Ribeiro Calvete - Carolina de Castro Nunes Vicente e Cunha - José Anselmo Dias Rodrigues (presidente).

ANEXO D

Quadro sinóptico dos pareceres proferidos pelo Conselho em processos de apreciação prévia em 1999 e 2000

Decisões proferidas pelo Conselho em processos de apreciação prévia

Em 1999

(ver documento original)

Em 2000

(ver documento original)

Observações

12/2000; AGEFE - Associação Portuguesa de Grossistas de Material Eléctrico, Electrónico, Electrodoméstico, Fotográfico e de Relojoaria e Outros.Código de boas práticas para a distribuição de material eléctrico.Artigo 9.º

Decisão indeferindo o pedido de validade provisória.

ANEXO D1

Processo 1/2000 - Declaração de validade provisória, requerida nos termos do artigo 9.º da Portaria 1097/93, de 29 de Outubro, de contrato de distribuição.

Decisão

Tendo as associações subscritoras de um pedido de apreciação prévia, formulado nos termos e para os efeitos da Portaria 1097/93, de 29 de Outubro, de um designado "Código de Boas Práticas para a Distribuição de Material Eléctrico" requerido a este Conselho que nos termos do n.º 9 do referido diploma seja o comportamento em apreciação considerado provisoriamente válido e considerando que:

O correspondente processo, devidamente instruído e fundamentado, ainda não foi remetido pela Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência a este Conselho para decisão;

O comportamento em apreciação contém matéria susceptível de ter como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência no mercado nacional, designadamente nos parâmetros de comportamento, compromissos do fornecedor, respeito de margens, etc.;

decide o Conselho da Concorrência indeferir o requerido e solicitar à DGCC a instrução do processo na possível brevidade.

Lisboa, 6 de Julho de 2000. - José Álvaro Ubach Chaves Rosa (relator) - Fernando Ivo Gonçalves - Miguel José Pinto Tavares Moura e Silva - Carolina de Castro Nunes Vicente e Cunha - José Anselmo Dias Rodrigues (presidente).

ANEXO E

Quadro sinóptico dos pareceres proferidos pelo Conselho em processos de concentração de empresas em 1999 e 2000

Pareceres proferidos pelo Conselho em processos de concentração de empresas

Em 1999

(ver documento original)

Em 2000

(ver documento original)

ANEXO E1

Processo 1/2000 - Parecer proferido sobre a operação de concentração notificada por LACTOGAL - Produtos Alimentares, S. A.

O Conselho da Concorrência, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, em cumprimento dos despachos exarados pelo Sr. Secretário de Estado do Comércio e Serviços no processo relativo à operação de concentração notificada por LACTOGAL - Produtos Alimentares, S. A., formula o seguinte parecer:

1 - Objecto

O objecto do presente parecer é a operação de concentração notificada por LACTOGAL - Produtos Alimentares, S. A., adiante designada por LACTOGAL, traduzida na aquisição da totalidade do capital de Lacticínios Vigor, S. A., adiante designada por Vigor.

Ambas estas empresas integram, para efeitos do presente parecer, o conjunto de empresas que, em harmonia com os dados constantes do processo, estão nas condições estabelecidas no supracitado diploma legal.

Nas observações adiante formuladas, o Conselho considerará, sempre que seja caso disso e com as devidas adaptações, as posições defendidas no âmbito do processo de concentração do qual resultou a criação da LACTOGAL.

2 - Operação notificada e empresas envolvidas

A operação em causa, descrita em pormenor na Informação da DGCC, cujos termos se dão aqui por reproduzidos, constitui uma concentração de empresas sujeita a notificação ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do citado diploma. Não só se encontra preenchido o requisito da alínea b) dessa disposição - um volume de negócios da ordem dos 112 milhões de contos em 1998 - como igualmente se verificam os pressupostos da alínea a) da mesma disposição, uma vez que a operação cria ou reforça uma quota superior a 30% em diferentes mercados, adiante analisados.

Da posição detida pelas empresas objecto da operação em 1998 no mercado global do leite e seus derivados, há que reter, como dados mais relevantes, o seguinte:

Quanto à LACTOGAL:

Actua em praticamente todo aquele mercado, sendo o seu volume total de vendas superior a 102 milhões de contos;

O leite UHT representa, com 56,2% das vendas totais, o produto mais importante comercializado pela LACTOGAL;

Detém uma posição superior a 30% das vendas nos mercados do leite pasteurizado, do leite UHT e da manteiga;

Recolhe, através das cooperativas suas accionistas, ou adquire directamente 66,8% do leite cru produzido no continente.

Quanto à Vigor:

O volume total de vendas é da ordem dos 10,2 milhões de contos;

Não intervém em todos os segmentos do mercado, representando as vendas de produtos lácteos, leites pasteurizados e UHT e iogurte, cerca de 78% das suas vendas;

A marca Vigor, com a qual comercializa sobretudo o leite pasteurizado e o iogurte, tem notória implantação comercial.

3 - Considerações preliminares

À guisa de introdução, compete a este Conselho destacar vários factores que influenciam a análise do presente processo e as conclusões que dela se irão retirar.

Na elaboração deste parecer está o Conselho condicionado pelos elementos carreados pelos intervenientes no processo, seja espontaneamente seja a solicitação da entidade instrutora, bem como pelo exame que esses elementos mereceram no decurso da instrução. Quanto mais não seja em virtude do prazo legalmente fixado para apresentação do seu parecer, não detém este Conselho capacidade para, no caso de julgar insatisfatória a informação disponível no processo, proceder a uma instrução adicional ou solicitá-la à DGCC.

Sendo este o quadro que delimita a sua acção, quaisquer lacunas ou omissões, não comprovação de factos alegados, insuficiência de dados e outras anomalias que eventualmente se detectem nos processos de concentração de empresas não podem ser supridas ou corrigidas por iniciativa do Conselho. Logo, nessas circunstâncias, não é de excluir que as conclusões que o Conselho retire dos elementos a que tem acesso pudessem sofrer modificações de vulto perante a disponibilidade de outros dados ou de uma diferente abordagem da matéria em causa.

Estas considerações são particularmente válidas na apreciação do presente processo, o qual, no entender do Conselho, não contém todos os indicadores que permitiriam caracterizar cabalmente os mercados, bem como formular um juízo de valor sobre boa parte das alegações tanto da empresa requerente como dos outros intervenientes no processo. Como se verificará ao longo deste parecer, tal situação não pode deixar de influenciar as conclusões a que se chegou.

4 - Mercados relevantes e efeitos da concentração nesses mercados

A entidade instrutora identificou como mercados relevantes para efeitos deste processo de concentração os relativos aos produtos lácteos - a recolha de leite cru, os leites pasteurizado e UHT e o iogurte. É sobre estes mercados que o processo contém elementos pormenorizados e é sobre dois deles - o leite cru e o leite pasteurizado - que recai a suspeita de criação ou reforço de posição dominante, após a concentração, susceptível de impedir, falsear ou restringir a concorrência. Por esses motivos, não pode o Conselho deixar de manter aquela delimitação no presente parecer, não obstante existirem no processo dúvidas fundadas e que mereciam aprofundamento sobre a natureza anticoncorrencial dos efeitos da concentração em outros mercados, nomeadamente os que se encontram a juzante dos acima mencionados.

Idêntica limitação existe quanto ao mercado geográfico considerado pela DGCC - o território continental de Portugal - relativamente ao qual foi recolhida a quase totalidade dos dados estatísticos que figuram no processo.

a) Recolha de leite cru

Por força da concentração, a LACTOGAL passará a deter cerca de 73% da recolha de leite no continente.

A questão central está em saber se a concentração em causa é susceptível de alterar substancialmente as actuais condições do mercado.

Essas condições não se encontram exaustivamente analisadas no processo, que é omisso em áreas tão relevantes como a relativa à evolução dos preços pagos à produção a partir da data da criação da LACTOGAL, assim como não esclarece a questão da comparação dos preços nacionais com os praticados nos restantes Estados da União Europeia. Da mesma forma não se aprofunda a alegação da Parmalat segundo a qual a posição detida pela LACTOGAL é impeditiva da entrada de novos operadores no mercado.

As conclusões da instrução estão, quanto a este mercado, essencialmente baseadas nas alegações da requerente quanto à forma como se processa a sua intervenção. Tais alegações evidenciam a autonomia de que as cooperativas accionistas da LACTOGAL gozam na fixação das condições de compra do leite à produção, o que tem permitido a estabilidade dos preços pagos à produção e a níveis superiores aos praticados em outros Estados da União Europeia. Igualmente se destaca o importante papel desempenhado pela LACTOGAL na estabilização do mercado, adquirindo leite cru para além das suas necessidades de transformação, servindo assim de intermediário entre a produção e a indústria (nacional e espanhola). Com esta actividade financia a produção, por praticar prazos de pagamento inferiores aos da indústria. Faz notar a existência de aquisições directas (não quantificadas no processo) por empresas espanholas de leite cru nacional, havendo portanto alternativas às compras das cooperativas que compõem a LACTOGAL, assim como aquisições de leite em Espanha por parte de empresas portuguesas.

A Vigor apenas adquire o leite indispensável à sua laboração, comprometendo-se a LACTOGAL a respeitar, após a concentração, os contratos estabelecidos com a produção. Refere, também que, na ausência de alternativa à operação em causa, poderão registar-se sérios prejuízos a nível da produção leiteira.

A conclusão de que este mercado teria funcionado sem perturbações desde a criação da LACTOGAL tem como suporte o facto das afirmações da requerente não terem sido contestadas pela DGCC que as dá, tacitamente, como provadas nas conclusões da sua informação sobre este mercado. Recorda-se a este propósito, que estão em curso medidas de acompanhamento do mercado, a cargo daquela Direcção-Geral, na sequência do despacho que recaiu sobre o processo relativo à criação da LACTOGAL, incidindo sobretudo nos preços praticados e na natureza dos contratos firmados a nível da produção. Logo, da posição da Direcção-Geral favorável à presente concentração pelo menos a nível dos respectivos serviços só pode inferir-se a inexistência de anomalias no mercado susceptíveis de afectar a concorrência ao longo dos últimos quatro anos.

Julga o Conselho ser esta a conclusão mais razoável a retirar de uma situação já analisada por ocasião da criação da LACTOGAL, podendo admitir-se que o reforço da posição desta última não a alterará significativamente dadas as condições prevalecentes num mercado dominado pelo poder das cooperativas, poder esse que a presente concentração não irá afectar.

b) Leite pasteurizado

A criação de uma posição dominante neste mercado após a concentração afigura-se inquestionável. A LACTOGAL passará a deter cerca de 95% (ver nota 1) das vendas, adquirirá uma marca com o peso e o prestígio da Vigor e não sofrerá concorrência externa nem a nível da distribuição.

Para averiguar as consequências presumíveis da aquisição daquela posição terá de se partir da actual situação do mercado, no qual se tem registado, nos últimos anos, acentuada quebra das vendas. Tal evolução, que afectou todas as empresas intervenientes neste mercado, é imputável à mudança de hábitos do lado da procura, devida à maior comodidade oferecida pelo leite UHT e à aposta das empresas do sector neste último tipo de leite, por a sua distribuição ser menos onerosa e permitir condições mais atractivas para o consumidor. Daí que o leite pasteurizado representasse, em 1998, nas vendas totais de leite branco laborado no continente, cerca de 8% em valor e de 7% em quantidade, quando, no início da década de 90 representava cerca de 20% (dados da ANIL, a fl. 165). Esta tendência ter-se-á acentuado em 1999 e no ano em curso, o que leva a LACTOGAL a afirmar estar o leite pasteurizado condenado ao desaparecimento a médio prazo.

É, pois, neste contexto que a operação de concentração deve ser examinada.

Será que a referida tendência é susceptível de alteração após a concentração? A LACTOGAL afirma-o inequivocamente, comprometendo-se a seguir uma política que, aproveitando as novas sinergias e economias de escala, permita a dinamização e a diversificação da oferta, declarando que o não fez até agora devido aos muito elevados custos da distribuição.

Importa também ter em conta a posição assumida por outros intervenientes neste processo quanto ao futuro do mercado do leite pasteurizado. No caso da Parmalat - que ocupa a terceira posição neste mercado com 4,3% em 1998 - limita-se a sublinhar que a LACTOGAL passará a deter uma posição no mercado 59 vezes superior à sua (fl. 106) (ver nota 2), não parecendo muito preocupada com as perspectivas de evolução do sector. A outra empresa que intervém neste mercado - a cooperativa agrícola Serraleite - declarou no processo (fl. 88) que o mercado do leite pasteurizado é débil do ponto de vista económico e que considera a operação como positiva. Por seu turno, a ANIL - que se manifesta globalmente contra a concentração - afirma que o impacto no mercado do leite pasteurizado será, numa perspectiva sectorial global, "razoavelmente diminuto" (fl. 167).

Outra vertente que o Conselho considera relevante na abordagem desta questão é a da existência de alternativas à concentração susceptíveis de manter o actual equilíbrio das marcas em presença no mercado e de, simultâneamente, pugnar pela recuperação de um mercado em evidente recessão.

Neste capítulo, os dados do processo são manifestamente insuficientes. A Vigor alega ser irreversível a alienação da empresa, cuja viabilidade económica não põe em causa, alienação essa que se deverá sobretudo a dificuldades de acesso ao crédito que julga insuperáveis. Esta asserção não foi contudo objecto de aprofundamento no quadro da instrução, em particular quanto ao teor de outros contactos que a Vigor afirma ter efectuado, o que automaticamente limita a capacidade de retirar daí conclusões sobre a recuperabilidade da empresa (ver nota 3). Esta questão merece, apesar de tudo, adequada ponderação, até porque uma das vias abertas pela não concretização da presente operação seria a saída do mercado das marcas detidas pela Vigor, com as inerentes consequências negativas ao nível da concorrência.

Se a operação se concretizar, a concorrência entre as marcas de produtores que eventualmente exista - caso os seus mercados regionais de fornecimento não sejam, afinal, distintos, como se pode conjecturar a partir de alguns dados do processo - ficará fortemente diminuída, situação agravada pela inexistência de marcas de distribuidor e de importações. Acresce que a aquisição de uma marca com o prestígio da Vigor aumentará a capacidade de negociação da requerente junto da distribuição cujos eventuais efeitos negativos sobre a concorrência, pelas razões já expostas, não cabe aqui analisar.

Para contrabalançar estas consequências poder-se-á argumentar com as circunstâncias adicionais que envolvem a operação, como sejam as previstas economias de escala com incidência especial na conservação e na distribuição deste tipo de produtos, ou ainda a compensação decorrente das acima aludidas medidas visando a recuperação deste mercado, designadamente mediante o alargamento da oferta a novos produtos, que a LACTOGAL se propõe adoptar após a concentração.

Por último, deve igualmente entender-se que a decisão final deste processo não poderá deixar de ter na devida conta a diminuta expressão deste mercado no conjunto do sector lácteo e seus derivados - cerca de 2,8% em 1998, segundo a estimativa veiculada pela ANIL (fl. 164) - assim como os pouco significativos 5% que representou no mesmo ano nas vendas totais das empresas objecto da concentração, percentagem essa que provavelmente terá sido ainda mais baixa em 1999.

c) Leite UHT

A LACTOGAL detém posição dominante neste mercado já reconhecida no ponto 5, b), do anterior parecer deste Conselho, devendo, por conseguinte, averiguar-se se o reforço dessa posição é susceptível de provocar restrições da concorrência.

Julga o Conselho que os argumentos invocados no referido parecer são aplicáveis, mutatis mutandis à presente operação. Recorda-se que, na altura, o Conselho considerou, em síntese, que a permeabilidade do mercado, o poder negocial das grandes cadeias de distribuição e a concorrência movida pelas marcas destas últimas, seriam factores suficientes para assegurar a concorrência neste mercado. É também esta a posição que ao fim e ao cabo, a DGCC adopta no presente processo ao julgar que a concentração não altera a estrutura concorrencial do sector.

Apesar de considerar que não há razões que justifiquem uma mudança de posição neste capítulo, o Conselho entende que se perdeu a oportunidade, com a instrução deste processo, de reunir novos dados susceptíveis de consolidar a referida posição. Sublinha-se, sobretudo, a ausência de dados fiáveis quanto ao peso que as importações de leite UHT assumiram nos últimos anos - por se considerarem os fornecidos pelas entidades consultadas uma mera amostragem sem qualquer valor em termos estatísticos - a par da inexistência de um estudo que demonstre inequivocamente a influência da concorrência movida pelas marcas dos distribuidores.

d) Iogurte

Neste mercado a LACTOGAL não deterá posição dominante após a concentração, uma vez que a soma das quotas de mercado da LACTOGAL e da Vigor foi, em 1998, de 22,5% e de 18,2% em valor.

Os efeitos da concentração neste mercado não foram considerados anticoncorrenciais por qualquer das entidades contactadas nem pela DGCC.

e) Outros mercados

Ainda que se trate de matéria não aprofundada no âmbito da instrução, o Conselho entende conveniente chamar a atenção para as alegações de entidades intervenientes no processo - como a Lacto Ibérica, S. A. (fl. 113) e a ANIL (fl. 166) - quanto às repercussões que a posição dominante pode ter em outros mercados a juzante - como os do queijo, manteiga e natas - traduzidos nas pressões que essa posição permite exercer junto da distribuição para aumentar as quotas nesses mercados.

5 - Elementos para o balanço económico

Qualquer que seja a conclusão quanto à natureza anticoncorrencial da concentração, tem-se entendido que o Conselho se deve pronunciar sobre a verificação dos pressupostos do artigo 5.º do Decreto-Lei 371/93, conforme determina o n.º 2, alínea a), do artigo 10.º do mesmo diploma.

Das alegações da LACTOGAL extrai-se que:

A concentração reforça a competitividade da empresa e permite-lhe criar condições para concorrer com as demais empresas europeias que operam no mercado português;

As marcas da Vigor passarão a beneficiar das vantagens da maior dimensão da LACTOGAL, da sua maior capacidade operacional e de intervenção na produção e no mercado;

A operação acautela a estabilidade dos produtores que abastecem a Vigor, por se lhes garantir o escoamento do leite e o cumprimento dos respectivos contratos;

A quota adquirida no sector do leite pasteurizado permitirá à LACTOGAL aproveitar economias de escala para rentabilizar aquele mercado e para estudar a introdução de novos produtos que contribuam para diversificar a oferta, o que directamente beneficiará os consumidores desse tipo de leite.

Por seu turno, a VIGOR sublinha a irreversibilidade do projecto de concentração, salientando as consequências negativas para os mercados dos leites cru e pasteurizado da sua não concretização.

A DGCC não inclui na sua Informação qualquer análise dos pressupostos em que assenta o balanço económico (ver nota 4). E, à partida, poder-se-ia justificar essa omissão, visto que os serviços da Direcção-Geral concluíram pela inexistência de restrições da concorrência em qualquer dos mercados relevantes que identificaram. Mas já à luz dos despachos que superiormente recairam sobre a dita informação - nos quais se afirma que o reforço da posição dominante é susceptível de afectar a concorrência - deveriam ter sido cumpridos todos os requisitos legais, desde a fundamentação de tal conclusão até à verificação da eventual justificação económica das práticas anticoncorrênciais. Não será, na verdade, de esquecer que o balanço económico constitui elemento integrante da análise a efectuar em sede de concentração de empresas sempre que se registem efeitos lesivos da concorrência.

Nesta base não pode o Conselho ir mais longe do que constatar as meras declarações de intenção da requerente a partir das quais não lhe é possível verificar, na sua integralidade, os pressupostos em que assenta o balanço económico positivo.

6 - O reforço da competitividade internacional

O Conselho já se pronunciou sobre a interpretação do disposto no n.º 2, alínea b), do artigo 10.º do Decreto-Lei 371/93, tanto no parecer sobre a criação da LACTOGAL como no texto publicado no relatório de actividade de 1995 (p. 11).

A inexistência de concorrência da LACTOGAL nos mercados externos, para além de vendas pontuais em Espanha, alegada pela Parmalat, não será portanto argumento suficiente para afastar a verificação deste pressuposto legal. Contudo, ele não se verificará por igual em todos os sectores objecto de apreciação, sendo sobretudo válido no caso do leite UHT em que a concorrência externa real ou potencial assume manifesta relevância.

Tem interesse mencionar, a este propósito, a tese defendida por um tão eminente consultor económico como Roland Berger (in Dinheiro, 8 de Março de 1996), ao considerar a criação da LACTOGAL como a via correcta para enfrentar a concorrência externa e ao recomendar a concentração como forma de reforçar a competitividade internacional das empresas de média dimensão.

7 - Conclusões

Do que fica exposto ressalta a dificuldade da formulação de conclusões seguras sobre os efeitos na concorrência da concentração aqui em apreço.

Não obstante, e a fim de dar o contributo que lhe compete à decisão final sobre este processo, o Conselho pronuncia-se no sentido de não dar como provado que o reforço da posição dominante da LACTOGAL seja susceptível de provocar alterações significativas nos mercados considerados como relevantes neste processo. Neste capítulo, para além do que atrás fica dito, subscreve as observações feitas pelo director de serviços da DGCC no seu despacho (fl. 4), incluindo as referências à necessidade de um adequado acompanhamento visando a avaliação dos efeitos do futuro comportamento da requerente no funcionamento concorrencial dos diferentes mercados. Igualmente se lhe afigura de recomendar que as medidas de acompanhamento incidam também no cumprimento dos compromissos assumidos no processo pela LACTOGAL, tanto no que se refere à manutenção dos vínculos contratuais com os fornecedores da Vigor como às iniciativas visando a dinamização sustentada de um mercado concorrencial no sector do leite pasteurizado.

Nessa conformidade, o Conselho conclui que:

1.º A posição dominante de LACTOGAL - Produtos Alimentares, S. A., criada ou reforçada pela presente concentração nos mercados de recolha de leite cru e de leite pasteurizado, não é susceptível de impedir, falsear ou restringir a concorrência de forma significativa que justificasse a proibição da operação de concentração.

2.º A insuficiência dos elementos disponíveis não permite dar como verificados, na sua integralidade, os pressupostos do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro;

3.º A autorização da concentração deverá ficar dependente de assunção pela Lactogal de compromissos no que se refere à manutenção dos vínculos contratuais com os fornecedores de Lacticínios Vigor, S. A., e à dinamização do mercado no sector do leite pasteurizado.

(nota 1) É de notar que os dados do processo não são claros neste ponto, havendo divergências entre os fornecidos pela LACTOGAL (98%, a fl. 46), pela Parmalat (89%, a fl. 105), pela ANIL (92%, a fl. 166) e os utilizados pela DGCC (94%, a fl. 20).

(nota 2) Número calculado a partir da percentagem de 1,5% fornecida pela Parmalat.

(nota 3) A única alternativa incluída no processo - a fls. 200-206 - é a constante da carta da LEICAR - Associação dos Produtores de Leite e Carne - de 15 de Março de 2000, sobre a qual foi elaborada a informação da DGCC datada de 3 de Abril de 2000 objecto do despacho 419/2000 do Secretário de Estado do Comércio e Serviços remetendo aquelas peças a este Conselho para os efeitos tidos por convenientes. Tendo a referida carta chegado ao conhecimento da DGCC já na fase final da instrução, não foram pedidos os elementos de informação adicionais indispensáveis para a análise do conteúdo dessa carta.

Assim, a DGCC limita-se a afirmar que "desconhece se o eventual negócio já foi proposto à Vigor e se constitui alternativa credível" (fl. 32), posição esta que o Conselho, nesta fase do processo, não pode deixar de subscrever.

(nota 4) A despeito de no ofício de 24 de Março de 2000 dirigido à LACTOGAL (fls. 170 e 171) declarar que se suscitam à Direcção-Geral "sérias reservas quanto à verificação dos pressupostos constantes do artigo 5.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro".

Lisboa, 25 de Maio de 2000. - Pedro Tavares Caldeira de Ordaz (relator) - Fernando Ivo Gonçalves - José Álvaro Ubach Chaves Rosa - Victor João de Vasconcelos Raposo Ribeiro Calvete - Miguel José Pinto Tavares Moura e Silva (vencido nos termos da declaração de voto anexa) - Carolina de Castro Nunes Vicente e Cunha (vencida nos termos da declaração de voto anexa pelo vogal Moura e Silva) - José Anselmo Dias Rodrigues (presidente).

Declaração de voto no parecer proferido sobre a notificação apresentada por LACTOGAL

Votei contra o parecer hoje aprovado no caso LACTOGAL/Vigor por não poder concordar com a análise nem com as conclusões a que o Conselho chegou neste processo, com os fundamentos que passo a expor:

I - A criação ou reforço de uma posição dominante susceptível de impedir, falsear ou restringir a concorrência

1 - Considero que no presente processo, os mercados relevantes onde se deve centrar a análise jus-concorrencial são o mercado do leite UHT e o mercado do leite pasteurizado. Não quero com isto desconsiderar o mercado de leite cru, identificado pela entidade instrutora. Julgo, no entanto, que o efeito nesse mercado é relevante para considerarmos a posição da LACTOGAL nos mercados a jusante após a concentração, na medida em que a actual situação deste mercado é um forte indício dos elevados obstáculos à entrada aí existentes, em especial no mercado do leite UHT, bem como do poder de mercado detido pela LACTOGAL.

2 - Começando pelo mercado do leite pasteurizado, as conclusões do parecer quanto à criação de uma posição dominante por parte da LACTOGAL são inequívocas. A LACTOGAL ficaria, após a concentração, com o quase monopólio neste mercado relevante, reforçado ainda por uma marca de excelente reputação, que parece aliás constituir um dos mais valiosos activos da Vigor.

Nem nos parece que se possa pôr em causa a definição do mercado de produto relevante como, tardiamente, a LACTOGAL procurou fazer neste processo. Como resulta da Nota informativa da DGCC, não só do ponto de vista da procura se trata de um produto com características próprias e que tem uma procura muito específica, não sendo assim facilmente substituível pelo leite UHT, como também do lado da oferta as técnicas de acondicionamento e os canais de distribuição, em particular a exigência de uma rede de frio capaz de abastecer os principais centros onde este tipo de leite é consumido, implicam uma estrutura própria para a sua produção e comercialização.

Como o Conselho tem por diversas vezes reconhecido, a quota de mercado é apenas o ponto de partida na apreciação jus-concorrencial de uma operação de concentração, pois, como já foi defendido pela Comissão Europeia, "uma empresa com uma quota de mercado elevada pode ser em grande parte impedida de agir de forma independente das pressões normais de um mercado concorrencial" (ver nota 1).

Sucede também que este é um mercado caracterizado por uma fase de contracção do consumo e logo por reduzidas possibilidades de se dar a entrada de novos concorrentes, tanto mais que estes, pelas economias de escala e de gama indispensáveis à comercialização de lacticínios, terão de manter igualmente uma posição no mercado do leite UHT de modo a escoar os eventuais excedentes e a rentabilizar as unidades de produção e circuitos de distribuição. Este facto impede que os efeitos negativos da presente concentração a este nível possam ser resolvidos por uma condição de separação dos activos afectos ao mercado do leite pasteurizado (com destaque para a marca Vigor), por tal não se afigurar viável, a menos que o adquirente estivesse presente (ou tencione entrar) de forma relevante no mercado do leite UHT.

Diga-se ainda que este mercado se caracteriza por elevados obstáculos à entrada que impedem não só a sua "contestabilidade" por operadores situados fora do mercado, como também através da expansão dos concorrentes remanescentes. Com efeito, a presença de uma marca com forte implantação em pelo menos parte significativa do território nacional dificulta a expansão dos concorrentes actuais remanescentes, tanto mais que, após a concentração, a quota de mercado da LACTOGAL corresponderá a um quase monopólio.

Também a possibilidade de vender leite importado, a que o Conselho dá tanta importância na sua análise do mercado do leite UHT, não se afigura viável pela perecibilidade do produto em questão e pela necessidade de assegurar a sua distribuição numa rede de capilaridade significativa.

Naturalmente podemos questionar a bondade de definir um mercado de produtos perecíveis e centrado em marcas com especial reputação a nível regional como tendo dimensão nacional, como se sugere a dado passo do parecer. De facto, julgo que uma análise mais atenta poderia revelar a existência de diversos mercados regionais distintos. Em todo o caso, essa divisão apenas tenderia a reforçar o poder da LACTOGAL, já que ela seria sempre um formidável concorrente potencial mesmo que fosse demonstrado que ela não está presente em todos os subconjuntos do território nacional susceptíveis de serem classificados como mercados geográficos distintos nos quais a Vigor opera (i.e., caso fossem encontrados mercados geográficos onde não haverá sobreposição de quotas de mercado das empresas envolvidas).

3 - Perante uma posição de quase monopólio, num mercado caracterizado por elevados obstáculos à entrada, só um balanço extraordinariamente positivo à luz do artigo 10.º, n.º 2, poderia justificar tal aquisição.

O raciocínio da maioria parece aceitar, ainda que apenas implicitamente, tal balanço, ao referir o propósito da LACTOGAL em procurar investir neste mercado, alegando necessitar para o efeito de adquirir a Vigor. A fé depositada nestas declarações de intenções, não tendo sido suficiente para declarar verificados os pressupostos do balanço económico nas conclusões do parecer, está patente na apreciação dos efeitos da concentração no mercado do leite pasteurizado bem como na preocupação de recomendar que a aprovação da operação seja condicionada à extensão das actuais medidas de acompanhamento (de que não há eco no processo remetido ao Conselho) às iniciativas de relançamento daquele produto.

Pela minha parte, estranho que tendo a LACTOGAL cerca de 37% deste mercado e consideráveis recursos em mercados vizinhos (como o do leite UHT onde dispõe de marcas com forte implantação junto dos consumidores) precise desta aquisição para obter esses benefícios.

Caso se tivesse levado a cabo um balanço económico explícito, ele seria negativo desde logo por não haver demonstração de que não há soluções alternativas menos restritivas nem de que esta operação não dá à LACTOGAL a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado em causa. Aliás, ao considerar não verificados os pressupostos do balanço económico, o Conselho reconhece que os argumentos alegados nesta sede não foram acompanhados de elementos que comprovem sequer o preenchimento dos seus requisitos positivos. Assim sendo, não compreendo como podem aquelas alegações ser consideradas pertinentes para desvalorizar os efeitos restritivos da concentração no mercado do leite pasteurizado.

Diga-se também que resulta do processo que o próprio interesse da LACTOGAL neste mercado é algo tardio. Com efeito, na notificação inicial, datada de 31 de Janeiro de 2000, afirma aquela empresa que, pela reduzida importância deste mercado face ao leite UHT e pela quebra acentuada que se tem verificado no mercado do leite pasteurizado, tudo leva a crer que "este tipo de leite, a médio prazo, está condenado ao desaparecimento" (itálicos no original) (fl. 46 do processo). Apenas por carta de 2 de Março de 2000 veio a LACTOGAL indicar que "por lapso", a sua notificação inicial não incluía "uma perspectiva do que possa vir a ser o futuro [do mercado do leite pasteurizado] pós-concentração", pretendendo suprir essa lacuna com um esclarecimento. E é neste texto que encontramos alguns argumentos incipientes que podemos reconduzir a uma análise típica da levada a cabo em sede de balanço económico.

4 - É justamente do recente declínio do mercado do leite pasteurizado que parece resultar um dos grandes equívocos deste processo. Com efeito, a conclusão da maioria no sentido de que a criação de uma posição dominante no mercado do leite pasteurizado não é susceptível de impedir, falsear ou restringir a concorrência de forma significativa que justificasse a proibição da operação notificada tem um pressuposto não comprovado - o da inviabilidade da Vigor caso essa operação não se venha a concretizar (ver nota 2). Assim, a integração da Vigor na LACTOGAL seria um "mal menor" face ao alegado desaparecimento daquela bem como à volatilização do mercado do leite pasteurizado face à alteração das preferências dos consumidores em favor do leite UHT.

Sucede porém que mesmo a DGCC reconhece na sua informação que não se pode dizer que o Grupo Vigor se encontre em situação económica difícil, indicando como único indício de dificuldades a ausência de lucros relevantes nos últimos anos e um alegado "endividamento excessivo (561 000 contos em 1998). Isto numa empresa que tem um volume de vendas líquidas superior a 10 milhões de contos nos diversos mercados onde opera e que tem uma marca de grande prestígio, reavaliada em 1998 em 1,25 milhões de contos.

Não tendo sido juntos ao processo remetido ao Conselho da Concorrência os relatórios e contas das partes na concentração, não consigo encontrar qualquer indício palpável da inviabilidade que não seja uma alegada (e igualmente não comprovada à luz dos elementos inclusos no processo) previsão de contracção do mercado do leite pasteurizado em 1999.

Perante isto julgo que a alegação relativa às dificuldades da Vigor não constitui mais do que uma cortina de fumo para os verdadeiros propósitos desta operação, bastante evidentes na notificação inicial bem como ao longo dos elementos oportunamente carreados para este processo.

Em todo o caso, convém reter neste ponto que a eventual relevância da situação da Vigor para efeito de análise jus-concorrencial não poderia nunca ser aferida de forma ligeira.

Com efeito, estão já consolidados na jurisprudência comunitária os critérios ao abrigo dos quais uma concentração pode ser autorizada com o argumento de que a empresa adquirida não constitui um concorrente relevante.

Assim, seguindo a doutrina e jurisprudência norte-americanas a propósito da famosa "failing firm defense", a Comissão, apoiada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 31 de Março de 1998 nos processos apensos n.os C-68/94 e C-30/95, França c. Comissão e SCPA e EMC c. Comissão (Caso Kali und Salz) (ver nota 3), acolheu igualmente o argumento segundo o qual "uma concentração que, normalmente, será de considerar como conduzindo à criação ou ao reforço de uma posição dominante por parte da sociedade adquirente pode ser considerada como não sendo a causa dessa posição no mercado se, mesmo no caso de a concentração ser proibida, a referida sociedade obtivesse ou reforçasse forçosamente a sua posição dominante" (ver nota 4).

A Comissão entende assim que, "em geral, uma concentração não é a causa do agravamento da estrutura da concorrência se for evidente que:

A empresa adquirida seria obrigada a sair do mercado a curto prazo caso não fosse adquirida por outra empresa;

A quota de mercado da empresa adquirida, no caso de esta sair do mercado, seria absorvida pela empresa adquirida;

Não existe qualquer solução alternativa menos restritiva da concorrência".

Há importantes motivos que fundamentam a adesão aos princípios atrás enunciados na interpretação do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, pois não só o nosso legislador entendeu basear as normas substantivas nas regras comunitárias de concorrência como também o Conselho da Concorrência cedo afirmou "a sua intenção de, na medida do possível, promover a gradual harmonização de critérios na aplicação do direito nacional e comunitário da concorrência. Trata-se, no fundo, de acolher e respeitar as orientações do direito comunitário fora dos casos em que é directamente aplicável, sem com isso pôr em causa a eventual conveniência de adoptar essas orientações às exigências do mercado nacional e à manutenção de uma concorrência efectiva a nível interno" (ver nota 5).

Infelizmente, esta preocupação não teve qualquer reflexo no parecer hoje aprovado, o que se pode compreender à luz dos restantes factos deste caso - nenhum dos critérios cumulativos enunciados pela Comissão e acolhidos pelo Tribunal de Justiça pode ser considerado preenchido na aquisição da Vigor.

Em primeiro lugar, as alegadas dificuldades económicas não evidenciam uma situação em que a Vigor seria obrigada a sair do mercado do leite pasteurizado se não fosse adquirida por outra empresa. Admito, porém, que com outros elementos em apoio dessa tese como, por exemplo, uma análise da viabilidade económica da Vigor conduzida por uma entidade idónea e elaborada antes de iniciadas as negociações para a sua aquisição pela LACTOGAL, a minha opinião pudesse ser diferente neste ponto.

Mas, em todo o caso, dificilmente se poderiam dar por preenchidos os restantes critérios da "failing firm defense" na sua versão comunitária.

É que estando presentes outras empresas no mercado do leite pasteurizado, nada indica que a parte de mercado da Vigor seria absorvida pela LACTOGAL (ver nota 6). Em princípio, pelo menos os concorrentes restantes poderiam tirar proveito dessa situação e capturar parte desse mercado, em especial se não tivessem de enfrentar uma marca com importante peso junto dos consumidores deste tipo de leite.

Por último, devemos considerar a alegação da ausência de alternativas à aquisição com que a LACTOGAL, implicitamente secundada pelo Conselho, pretende defender a indefensável posição que resultaria desta concentração no mercado do leite pasteurizado. É a própria LACTOGAL que afirma na sua notificação inicial: "ao realizar-se a presente operação, se evita que empresas estrangeiras -não só do espaço comunitário mas mesmo exteriores a este - possam adquirir o controle da Vigor e utilizar a sua estrutura produtiva e comercial para introduzir no mercado nacional os excedentes dos respectivos Países, agravando as condições de desvantagem dos demais operadores nacionais do sector, neles incluindo a própria LACTOGAL".

Julgo que esta afirmação é suficientemente esclarecedora.

A notificante reconhece, numa fase em que certamente teria mais confiança num desfecho que lhe fosse favorável, em especial à luz do anterior parecer do Conselho de 1995, que a Vigor pode constituir um vector de concorrência no mercado e que outras empresas poderão estar interessadas nela.

À luz da notificação inicial, e desconsiderando por agora os elementos posteriormente carreados para o processo pela LACTOGAL, o único interesse que parece motivar a LACTOGAL é o de eliminar este potencial vector para a expansão dos concorrentes remanescentes ou entrada de novos concorrentes, tudo isto bem temperado com os tradicionais laivos de nacionalismo económico que, em última análise, correspondem a sustentar que o monopólio é bom desde que seja nacional ...

Aquela frase é também reveladora do real efeito desta concentração: a eliminação de um dos escassos centros de decisão autónoma no mercado (a Vigor tem as suas necessidades de abastecimento garantidas e marcas bem implantadas, bem como uma penetração no canal Horeca onde a LACTOGAL parece estar ausente) e a consequente elevação dos obstáculos à entrada, não tanto no mercado do leite pasteurizado como no seu principal mercado, o do leite UHT.

5 - Quanto ao mercado do leite UHT, o qual deve ser examinado tendo em conta a posição dominante da LACTOGAL no mercado de leite cru, a montante daquele, devo dizer que após a leitura da nota informativa da DGCC fiquei com dúvidas quanto à relevância da operação notificada no mercado do leite UHT. No entanto, após leitura atenta do processo remetido ao Conselho, essas dúvidas foram integralmente dissipadas e tenho agora a firme convicção de que esta operação reforça a posição dominante que a LACTOGAL dispõe neste mercado e que essa posição é susceptível de impedir, falsear ou restringir a concorrência.

6 - As primeiras dúvidas que tive prendiam-se com a importância da concorrência que parece ser levada a cabo pelas vendas com marca de distribuidor (produtos brancos), bem como pelas chamadas "importações competitivas". Começando por estas últimas, um exame do processo revela que elas parecem pouco relevantes. Por exemplo, a SONAE e a LIDL parecem não ter efectuado importações de leite no período de referência. Outra grande cadeia de distribuição com ligações a mercados abastecedores de outros Estados-membros, o grupo AUCHAN/Jumbo apenas efectuou cerca de 17 mil contos de compras fora do mercado nacional, tendo a CARREFOUR importado leite UHT no valor de 90 mil contos. Daqui se pode inferir que as suas vendas de leite com marca de distribuidor foram efectuadas com leite fornecido por produtores nacionais. Apenas a Jerónimo Martins apresenta um volume relevante de importações, mais de um milhão de contos, ainda assim insignificante no mercado nacional. Sendo certo que a ITMI, a Makro e a UNIARME não responderam aos pedidos de informação da DGCC, o elenco de empresas que respondeu corresponde, sem dúvida, a uma parte muito significativa da grande distribuição.

Não parece, pois, que as importações actuais sejam suficientemente relevantes para pôr em causa o domínio do mercado que se pode presumir da importante quota do mercado de leite UHT detida pela LACTOGAL.

Subsistiria, então, o peso das marcas do distribuidor, com menos de 20% do mercado, mas ainda assim com peso suficiente para constituir uma ameaça à posição dominante da LACTOGAL, como se pressupõe no parecer.

No entanto, também esta asserção da maioria não resiste a um exame mais detalhado dos dados constantes do processo. Com efeito, uma das "marcas estrangeiras" temidas pela LACTOGAL, a Parmalat, trouxe para o processo alguns elementos essenciais nesta matéria.

Afirma a Parmalat, a fl. 105 do processo, que "do total do leite UHT posto à venda pela grande distribuição com marca do distribuidor (cerca de 20% do mercado), 80% é produzido pela LACTOGAL, pelo que à quota de 66% que representam as vendas da LACTOGAL com marca própria deverá acrescer uma quota de 16% representativa das vendas de leite LACTOGAL com marca do distribuidor".

Está assim esclarecida qual a proveniência do leite comercializado pelas marcas de distribuidor que tanto coarctam o poder de mercado da LACTOGAL: no essencial esse leite vem da própria LACTOGAL. Quanto às famosas "importações competitivas", como vimos, não parecem ter um volume significativo.

Claro que, com estes números, a quota de mercado da LACTOGAL se eleva a cerca de 80% do mercado do leite UHT. Curiosamente, a estes dados não é feita qualquer referência na informação da DGCC nem no parecer do Conselho da Concorrência.

Se é certo que o ponto de vista de um concorrente deve ser visto com reserva, tanto mais que se opõe à operação notificada e já teve participação no capital do Grupo Vigor, estes dados são corroborados por outros elementos constantes no processo, e em lado algum vimos uma base suficientemente sólida para refutar a sua relevância.

A própria informação da DGCC reconhece que, em 1998, 20% das vendas da LACTOGAL foram feitas a marcas de distribuidor.

Também a Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios (ANIL) confirma o teor geral dos dados da Parmalat ao afirmar a fl. 164 que "[a] parcela laborada pela LACTOGAL (e também, em menor escala, pela Vigor) ao nível das marcas de distribuidor e das marcas exclusivas ultrapassava os 75%".

Sendo a LACTOGAL dominante no mercado do leite UHT, é natural que seja a menos dependente das vendas para comercialização com marcas de distribuidor, como se refere na informação da DGCC. Mas por isso mesmo o seu poder negocial face aos distribuidores é mais significativo, já que o seu crescimento parece depender da LACTOGAL para a continuidade dos fornecimentos (excepção feita, talvez, à Jerónimo Martins), dada a limitada quota de mercado dos seus concorrentes, como resulta daquela informação. A aquisição da Vigor privará essas marcas de um fornecedor com algum relevo e agravará a sua dependência relativamente à LACTOGAL.

Claro que as importações são livres e, admito, a sua inexistência pode também ser justificada, em teoria, pela ausência de lucros supranormais no mercado nacional, um aspecto onde a instrução é manifestamente insuficiente. No entanto, os elementos constantes do processo persuadiram-me de que a pressão concorrencial das importações por parte da grande distribuição não pode ser posta ao mesmo nível da presença de produtores, sendo que após a concentração apenas dois permanecerão no mercado, para além da LACTOGAL.

7 - Em todo o caso, uma das considerações que parece ter um peso significativo no parecer hoje aprovado no que ao leite UHT diz respeito é um postulado elevado a dogma de que o mercado português é concorrencial e que a presente concentração não altera a respectiva estrutura concorrencial.

8 - Quanto a este último ponto, não me parece que a eliminação de um dos últimos concorrentes com marca própria, a Vigor, possa ser considerada inócua do ponto de vista jus-concorrencial.

Em primeiro lugar, pelo facto de, aparentemente, os dados da DGCC em que se funda a conclusão do Conselho, fixando a quota de mercado da Vigor em 2,8%, estarem viciados pelo que parece ser uma dupla contagem das vendas da LACTOGAL e dos restantes produtores (vendas com marca própria e vendas para aposição de marca de distribuidor, vendas essas que parecem ser posteriormente adicionadas ao mercado e imputadas a esses distribuidores, diluindo assim o peso das vendas dos produtores). Julgo, pois, que o peso da Vigor é superior ao que resulta dos dados em que assenta este parecer.

Por outro lado, não o esqueçamos, é a própria LACTOGAL que assume a motivação anticoncorrencial desta concentração, ao identificar a Vigor como um vector de penetração no mercado nacional de novos concorrentes. Isto é, tendo ela desconsiderado na sua notificação inicial o mercado do leite pasteurizado, por considerar que este "a médio prazo, está condenado ao desaparecimento" (itálicos no original), a sua afirmação relativamente à possibilidade de uma empresa estrangeira poder adquirir o controlo da Vigor apenas é compreensível face à sua "estrutura produtiva e comercial", extensiva à gama de produtos por esta comercializados.

Ora, sendo a posição daquela empresa assim tão diminuta, não se compreende como poderia a Vigor, uma vez adquirida por uma empresa estrangeira, constituir um perigo para a LACTOGAL. A menos, claro está, que a sua posição seja mais relevante do que a notificante nos quis fazer crer. Aliás, a este respeito são reveladoras as contas feitas pela LACTOGAL na sua notificação inicial, atribuindo à Vigor uma quota de apenas 1,3% no mercado do leite UHT!

9 - Vejamos ainda a alegada "contestabilidade" do mercado nacional em que se fundou o anterior parecer do Conselho da Concorrência. Sem de modo algum pôr em causa o juízo formulado pelo Conselho em 1995, não me parece que os pressupostos que permitiram então a aprovação da constituição da LACTOGAL, secundados por um balanço à luz do n.º 2 do artigo 10.º que foi considerado francamente positivo (em causa estava a constituição de uma empresa que visava uma integração legítima de actividades económicas e com um potencial significativo em termos de eficiências esperadas) se verifiquem no presente caso.

Entendeu então o Conselho que a criação da LACTOGAL não seria "susceptível de pôr em causa a concorrência nos mercados", "atendendo à estrutura dos mercados (considerável elasticidade-preço da procura, fidelidade às marcas reduzida, concorrência de produtos brancos, importações competitivas, ausência de barreiras à entrada), à estrutura das empresas e seus recursos (estruturas tradicionais das empresas notificantes e recursos financeiros limitados por comparação com as vantagens comerciais, os recursos financeiros muito avultados, a presença em outros mercados geográficos de empresas multinacionais que já actuam no território nacional) e à impossibilidade de as novas empresas impedirem uma concorrência efectiva ou de se conduzirem independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores" (ver nota 7).

Tendo em conta a evolução do mercado entre 1995 e 1999, quase nenhum destes pressupostos parece ter sobrevivido incólume à criação da LACTOGAL.

Quanto à considerável elasticidade-preço da procura, é verdade que nada no processo parece infirmar esse pressuposto. Mas bastaria uma consulta dos preços dos diferentes tipos de leite para verificar que a tendência para a segmentação em torno de novos produtos, em especial os leites enriquecidos, levou a diferenciais de preço consideráveis: o leite vitaminado ou enriquecido mais caro do mercado custa provavelmente o dobro do leite mais barato. Em todo o caso, repito, não encontro no processo elementos que confirmem ou desmintam este pressuposto.

Já no que respeita à fidelidade às marcas reduzida alguns elementos constantes do processo lançam algumas dúvidas quanto à comprovação desse pressuposto. Assim, no caso do leite pasteurizado, a força da marca Vigor é considerável. Mas não é de excluir a força das marcas existentes, sobretudo das que são comercializadas pela LACTOGAL e que aparentam ter um peso significativo a nível regional, pelo menos a fazer alguma fé na afirmação da Parmalat (com as naturais reservas que tal me suscita) no que respeita à posição da AGROS a norte do Douro. Aliás, o peso das marcas deveria ter suscitado uma análise mais detalhada neste processo, já que a constituição da LACTOGAL não deve ter afectado a posição das diferentes marcas comercializadas pelas suas fundadoras e que, apesar das facilidades de transporte destes produtos, devem manter uma imagem associada a uma determinada região do país. Mas reconheço que neste ponto os elementos apenas permitem conjecturas que não podem ser solidamente comprovadas pelos elementos constantes do processo. Em todo o caso, também aqui não encontro base para afirmar que a fidelidade às marcas seja reduzida.

Quanto à concorrência dos produtos brancos, vimos já que o poder da LACTOGAL, resultante da sua posição a montante na aquisição de leite cru, cria uma situação de dependência dos fornecedores de produtos brancos relativamente à LACTOGAL, o que coloca dúvidas sérias quanto à real capacidade de estas marcas concorrerem com a LACTOGAL. Pelo contrário, as marcas do distribuidor parecem favorecer a LACTOGAL ao terem um efeito de contracção das vendas dos seus concorrentes com marcas próprias.

No que respeita às importações competitivas, confesso não ter visto delas qualquer sinal relevante neste processo que possa obstar à posição de mercado da LACTOGAL. Perante as inferências lógicas que devemos extrair da estrutura de mercado, seria necessário demonstrar que existe, em concreto, uma pressão efectiva dessas importações sobre os produtores nacionais de leite UHT, para que se pudesse concluir pela insusceptibilidade de o reforço da posição dominante da LACTOGAL impedir, falsear ou restringir a concorrência. Embora o próprio Conselho manifeste dúvidas neste ponto, aceita uma inversão do ónus da prova que favorece a LACTOGAL.

Também não encontro qualquer elemento que fundamente estarmos perante um sector caracterizado pela ausência de barreiras à entrada. Pelo contrário, o intuito expressamente assumido pela LACTOGAL é elevar os obstáculos à entrada pela eliminação da Vigor enquanto concorrente.

E esta preocupação é igualmente expressa pela Vigor quando esta afirma a fl. 183 do processo que "[s]ectorialmente a concentração traz [sic] vantagens inequívocas para a economia nacional, não prejudica os produtores de leite (no caso particular todos de média ou grande dimensão) estimula o reforço (ainda que pouco significativo) de um grupo de dimensão nacional e ibérica, evita a entrada de novas importações e contribui para o desenvolvimento do leite pasteurizado, que é uma barreira à entrada de produtos importados e sustenta muito mais postos de trabalho, dado o peso da sua distribuição capilar, em suma defende os interesses nacionais".

O mesmo receio parece motivar a simpatia com que a Serraleite vê esta operação, ao entender que na aquisição da Vigor deve ser dada preferência a uma empresa nacional.

Julgo, em todo o caso, que a melhor prova da existência de elevados obstáculos à entrada é algo que a LACTOGAL apresenta como positivo: o facto de a LACTOGAL praticar "um preço de compra às suas accionistas que permite a estas pagar o leite à produção ao preço mais elevado que o praticado em qualquer outro País da União Europeia". Esta afirmação é tanto mais surpreendente quanto tal parece fazer incorrer a LACTOGAL em prejuízos anuais de 180 mil contos, que esta suporta altruisticamente no contexto do que considera ser o desempenho de "um papel estabilizador no mercado produtor de leite nacional, o que também é do seu interesse, garantindo escoamentos sem percalços e um fluxo equilibrado em picos de baixa produção sazonal".

Este elevado preço parece assim consubstanciar um evidente caso de elevação dos custos de entrada e expansão dos concorrentes, tanto mais que estes não dispõem de uma quota de mercado que lhes permita amortecer os prejuízos resultantes de aquisições a preços superiores aos praticados pela LACTOGAL no mercado do leite cru. Acresce ainda que estando o mercado do leite UHT numa fase estável, não é possível aproveitar um crescimento da procura para expandir a quota de mercado actual.

Claro que sempre se poderá dizer que a LACTOGAL consegue o impossível equilíbrio do bom monopolista: rentabilidade elevada dos produtores e baixos preços para os consumidores. Teoricamente tal seria possível caso a LACTOGAL sacrificasse integralmente os seus lucros em função dos preços pagos aos produtores e estivesse, de facto, sujeita a pressões concorrenciais efectivas nos mercados a jusante do mercado do leite cru. Afinal de contas são os produtores que elegem os órgãos directivos das respectivas cooperativas, que por sua vez elegem representantes nas uniões, que, finalmente, são accionistas da LACTOGAL. Teríamos assim uma forma de distribuição dos lucros que, embora "desnate" a notificante garante o equilíbrio num émulo do que poderia ser um modelo corporativista de organização das actividades económicas. A LACTOGAL contribuiria assim para, através da ossificação de um cartel de produtores, estabilizar o mercado evitando a concorrência ruinosa nos mercados de lacticínios.

De qualquer forma, o "papel estabilizador" de que se arroga a LACTOGAL só pode ser exercido por uma empresa com elevado domínio do mercado do leite cru, desconhecendo-se a este propósito em que condições é feita a aquisição do leite e a efectiva contestabilidade das aquisições aos produtores que estão ligados directa ou indirectamente à LACTOGAL por via das cooperativas que desta são accionistas. É por demais evidente que a LACTOGAL actua como a central de vendas de um verdadeiro cartel, tanto mais que procede a uma redistribuição dos seus prováveis lucros supranormais através do elevado preço pago às suas accionistas e por estas à produção. Desta forma não surpreende que a Serraleite, outra cooperativa, não se oponha a este negócio, que a PARMALAT, que não assenta de raiz numa estrutura de produtores contra ele se manifeste e que a ANIL, que representa a procura industrial de leite a nível nacional também levante sérias objecções à concretização desta operação.

No que respeita à "estrutura das empresas e seus recursos (estruturas tradicionais das empresas notificantes e recursos financeiros limitados por comparação com as vantagens comerciais, os recursos financeiros muito avultados, a presença em outros mercados geográficos de empresas multinacionais que já actuam no território nacional)", diga-se antes de mais que a comparação de tais recursos, em última instância, legitimaria a monopolização de todos os sectores da vida económica portuguesa. Com efeito, porque quase todas as empresas multinacionais têm recursos consideravelmente superiores aos das empresas nacionais, mesmo um monopólio estaria sujeito à temível concorrência potencial de uma dessas empresas. Claro que tal supõe que os agentes económicos não são racionais e que a lógica de entrada no mercado procede mais de uma espécie de jogo do "Monopólio" do que de uma lógica de mercado.

A este ponto se refere a observação formulada a fls. 110-111 pela Parmalat, segundo a qual "o facto de existirem, eventualmente, produtores com fortes posições concorrenciais em regiões de outros Estados-membros da União Europeia não pode, em caso algum, justificar a tolerância de uma situação de quase-monopólio de um operador em Portugal".

Naturalmente não pode ter sido esse o sentido visado pelo Conselho da Concorrência em 1995. Em causa na altura estavam concorrentes actuais, i. e., "que já actuam no mercado", pelo que aquela crítica da Parmalat não procede porque nunca tal ponto de vista chegou a ser subscrito pelo Conselho da Concorrência.

Vejamos, então, em que medida a presença de concorrentes actuais permite, pelos seus recursos comerciais e financeiros, pôr em causa o poder de mercado da LACTOGAL.

Neste ponto é significativo que das multinacionais a que se fazia alusão no parecer de 1995, apenas a Parmalat subsista no mercado, tanto mais que ela fez uma clara aposta de conquista de quota de mercado. Hoje parece evidente que essa aposta não resultou e a qualquer observador neutro não passará despercebida a importância da posição da LACTOGAL nesse desfecho. Com efeito, aquela empresa, que preenche todos os requisitos das multinacionais descritas no parecer de 1995, não só não conseguiu contrariar a posição da LACTOGAL como tem visto a sua parte no mercado decair. Tal não pode de modo algum ser tido como um indício da "contestabilidade" do mercado nacional de leite UHT.

Quanto às demais empresas a operar noutros mercados europeus, desconhece-se a presença de qualquer deles no mercado nacional ou sequer a manifestação de interesse em vir a realizar no nosso mercado uma entrada susceptível de pôr em causa o poder de mercado da LACTOGAL nos diferentes mercados relevantes (ver nota 8).

O exército sombra que está à espera em Vilar Formoso para invadir o nosso sector dos lacticínios com os seus excedentes e formidáveis recursos financeiros parece assim não ter força suficiente para conquistar uma parcela significativa do mercado nacional à LACTOGAL, pelo menos a julgar pelo que sucedeu à sua guarda-avançada ...

10 - Em suma, resulta do que precede que, com a aquisição da VIGOR, a LACTOGAL cria uma posição dominante no mercado do leite pasteurizado, reforça as suas actuais posições dominantes nos mercados do leite UHT e no mercado do leite cru, todas elas susceptíveis de impedir, falsear ou restringir a concorrência.

11 - No parecer de 8 de Julho de 1999 relativo à notificação apresentada pela Securitas, foi reiterado o entendimento anterior do Conselho quanto ao sentido do critério de proibição do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro. Aí se diz que "[f]eita a delimitação do mercado relevante, é necessário apreciar se a concretização da operação notificada implica a criação ou reforço de uma posição dominante susceptível de impedir, falsear ou restringir a concorrência. Como o Conselho tem entendido noutros processos de idêntica natureza, importa apurar se, em virtude da operação de concentração, será criada ou reforçada a possibilidade de uma actuação com considerável grau de independência em face dos concorrentes, ou de exercício de uma apreciável influência sobre os preços sem perda de quota de mercado".

Sucede, no entanto, que neste caso, tal como mais recentemente sucedeu no parecer de 27 de Outubro de 1999 proferido sobre a notificação apresentada por Petróleos de Portugal - PETROGAL, S. A., em vez de o requisito da susceptibilidade de a criação ou reforço da posição dominante impedir, falsear ou restringir a concorrência servir como um instrumento de flexibilização da análise estrutural típica da definição de posição dominante (como sucedeu no caso Securitas) ele surge aqui como uma nova causa de justificação das concentrações, transformando-se numa regra de minimis de contornos perversos, finalmente assumida explicitamente nas conclusões do parecer hoje aprovado. Assim, as objecções que suscitei ao Parecer de 27 de Outubro de 1999 são aqui aplicáveis, mutatis mutandis (ver nota 9).

O parecer hoje aprovado dá carta branca à LACTOGAL para a completa monopolização do mercado do leite cru bem como dos mercados do leite UHT e do leite pasteurizado. Com efeito, porque o domínio da LACTOGAL nos mercados do leite cru e do leite UHT já é muito elevado, a aquisição da Vigor, um dos três concorrentes remanescentes nos mercados do leite UHT e um adquirente significativo de leite cru, não é susceptível de restringir a concorrência porque ela já está tão diminuída que a Vigor é demasiado insignificante para contrariar o poder da LACTOGAL. Por esta ordem de ideias, também uma hipotética aquisição da Serraleite pela notificante deverá ser permitida no futuro. E, porque não, caso a Parmalat queira abandonar o mercado português por não poder concorrer com a LACTOGAL, também a sua aquisição por esta seria inócua do ponto de vista do controlo nacional de concentrações.

Como é evidente, aceitar tal visão nihilista do papel de uma autoridade de defesa da concorrência corresponderia a, por interpretação abrogante, contrariar os propósitos do legislador de 1993, bem como do legislador constituinte.

De um ponto de vista jus-concorrencial, a conclusão de que um hipotético monopolista do leite não teria a possibilidade de impor um aumento significativo e não transitório de preços, implícita no parecer, apenas poderia ser justificável caso se chegasse à conclusão de que o mercado relevante se encontra mal definido na sua dimensão geográfica, devendo ser alargado de modo a incorporar as empresas capazes de impedir semelhante exercício de poder de mercado. Nada no processo parece indicar que os mercados relevantes devam ser considerados como de dimensão superior ao território nacional. Pelo contrário, há indícios sérios de que eles deveriam ser eventualmente analisados em mercados de âmbitos mais reduzido, pelo menos quanto ao leite pasteurizado.

II - Não preenchimento dos critérios de justificação do artigo 10.º, n.º 2

12 - Como resulta inequivocamente do parecer hoje aprovado, não é possível ao Conselho verificar os pressupostos em que assenta o balanço económico positivo alegado pela LACTOGAL. Ainda assim, entende o Conselho, seguindo a sua interpretação tradicional a este respeito, estabelecida, aliás, no parecer de 1995 relativo à LACTOGAL, que o critério da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, é susceptível de aplicação autónoma, sugerindo que ele pode ser considerado preenchido no caso em espécie.

Baseando-se no balanço efectuado em 1995, relativo a uma operação de natureza muito diferente - a criação da LACTOGAL a partir de três operadores do sector (susceptível, por isso, de introduzir significativos ganhos de eficiência em termos de economias de escala e de gama) -, o Conselho limita-se neste processo a acrescentar que "(a) inexistência de concorrência da LACTOGAL nos mercados externos, para além de vendas pontuais em Espanha, alegada pela Parmalat, não será portanto argumento suficiente para afastar a verificação deste pressuposto legal. Contudo, ele não se verificará por igual em todos os sectores objecto de apreciação, sendo sobretudo válido no caso do leite UHT em que a concorrência externa - real ou potencial - assume manifesta relevância".

É também dada notícia de um estudo de um consultor empresarial, sem que sejam claras as circunstâncias, pressupostos e metodologia desse estudo nem haja menção de quem o solicitou. Diga-se, em todo o caso, que sendo essa "tese" relativa à constituição da LACTOGAL, uma operação com características muito diferentes da que hoje nos preocupa, não me parece que ela possa sequer ser tida em conta neste processo, mesmo para a formação de um juízo meramente intuitivo dos efeitos da aquisição da Vigor.

13 - A título preliminar, refira-se que neste ponto defendo entendimento diverso do que pelo Conselho foi expresso em 1995 quanto à interpretação a dar aos critérios de justificação do n.º 2.

Como já tive ocasião de expor mais demoradamente noutra sede, considero que "ao introduzir a alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º, conjuntamente com o balanço económico para onde remete a alínea a) daquele preceito, o que se pretendeu foi um alargamento dos critérios de justificação do n.º 1 do artigo 5.º que apenas contempla: i) a melhoria da produção ou distribuição de bens e serviços; e ii) a promoção do desenvolvimento técnico e económico. Temos, pois, um balanço económico alargado que contempla igualmente as preocupações com os ganhos de eficiência eventualmente resultantes das concentrações [...] Por outras palavras, entend[o] que as considerações atinentes ao impropriamente denominado 'balanço de eficiência' que o Conselho da Concorrência tem entendido constar do requisito da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º estão igualmente sujeitas à apreciação do balanço económico, designadamente quanto à reserva aos utilizadores de uma parte equitativa dos benefícios daí resultantes, à indispensabilidade das restrições em causa para atingir esses objectivos e à não eliminação da concorrência numa parte substancial do mercado em causa" (ver nota 10).

14 - O caso em espécie demonstra bem os efeitos perniciosos da interpretação que tem sido sustentada pelo Conselho.

Sem que tenham sido examinados os requisitos negativos (e neste caso nem os positivos) do balanço económico, a presente concentração é implicitamente considerada benéfica à luz de benefícios, curiosamente, descritos como sendo mais importantes no mercado onde justamente a Vigor tem menor peso! Com a sua actual posição no mercado do leite UHT, será realmente necessária a absorção da Vigor para gerar eficiências? E que economias de escala e de gama poderemos esperar de uma empresa que apenas tinha antes da concentração três pequenos concorrentes a nível nacional?

Por outro lado, os alegados benefícios traduzem-se na elevação de obstáculos à entrada no mercado - o que é dificilmente compaginável com um regime de defesa da concorrência.

O parecer é equívoco a este respeito já que no ponto 6 faz referência à competitividade internacional, presumindo implicitamente o preenchimento deste requisito (ou pelo menos, para usar a terminologia do parecer, o não afastamento da verificação deste pressuposto legal), enquanto que nas conclusões considera que os pressupostos do n.º 2 não se podem ter por integralmente verificados.

Pela minha parte não posso aceitar que alegados (e, em meu entender não comprovados) benefícios em sede de reforço da competitividade internacional das empresas participantes possam prevalecer sobre o efeito de eliminação da concorrência no mercado do leite pasteurizado e da sua diminuição nos mercados do leite UHT e do leite cru. Tal significaria que o bem-estar dos produtores, sejam eles pequenos ou grandes, prevalece sempre sobre o bem-estar dos consumidores.

Finalmente, ao longo de todo o processo perpassa a ideia de que tudo seria mais simples se não existisse o mercado do leite pasteurizado. Embora ele exista não só é completamente desconsiderado nas apreciações genéricas tecidas no Parecer como na aferição do critério da competitividade internacional não se tem sequer em conta que existe uma eliminação quase total da concorrência neste mercado.

À falta de elementos justificativos desta concentração, em especial no que respeita ao mercado do leite pasteurizado, o Parecer procura desvalorizar este mercado em função da sua "diminuta expressão no conjunto do sector lácteo e seus derivados [...] assim os pouco significativos 5% que representou nas vendas totais das empresas objecto da concentração [...]". Esta afirmação merece-me duas observações:

Em primeiro lugar, apesar da sua "diminuta expressão", o mercado do leite pasteurizado registou vendas da ordem dos 10 milhões de contos em 1998. Ainda recentemente este Conselho apreciou um processo de concentração de empresas relativo a um mercado com um valor inferior a um milhão de contos, sem que tal facto tenha sido considerado relevante na análise jus-concorrencial então efectuada (ver nota 11). De resto, qualquer tentativa de criar por via interpretativa uma regra de minimis a este propósito seria desde logo contrariada pelo carácter alternativo dos critérios que impõem a obrigatoriedade de notificação.

Em segundo lugar, tendo o leite pasteurizado sido definido como um dos mercados em causa onde será criada uma posição dominante; sendo que, para retomar a própria argumentação da maioria, a concretização da operação levará a que a concorrência entre marcas fique fortemente diminuída, situação agravada pela inexistência de marcas de distribuidor e de importações; ao que acresce que a aquisição da Vigor aumentará a capacidade de negociação da notificante junto da distribuição, não consigo entender qual a relevância jus-concorrencial do peso deste mercado nas vendas do sector dos lacticínios nem nas vendas das empresas envolvidas, nem de que modo tal pode justificar a conclusão a que chega o Conselho no sentido de defender que a posição dominante criada neste mercado não é susceptível de impedir, falsear ou restringir a concorrência.

Significa isto que a concorrência deve deixar de ser salvaguardada sempre que um mercado se encontra em fase de contracção? Nesse caso não vejo como poderá este Conselho condenar as mais grosseiras infracções à lei da concorrência - os cartéis de fixação de preços e de repartição de mercados, pelo menos sempre que estes ocorram nas indústrias em declínio.

Vale também a pena perguntar porque motivo nos devemos preocupar com a definição de mercados relevantes se eles podem ser pura e simplesmente ignorados na apreciação dos efeitos da concentração.

Conclusão

Pelos fundamentos expostos, entendo que a operação de concentração permite à LACTOGAL:

Criar uma posição dominante susceptível de impedir, falsear ou restringir a concorrência no mercado nacional do leite pasteurizado;

Reforçar uma posição dominante susceptível de impedir, falsear ou restringir a concorrência no mercado nacional do leite UHT;

Reforçar uma posição dominante susceptível de impedir, falsear ou restringir a concorrência no mercado nacional do leite cru;

e que, não estando preenchidos os requisitos do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei 371/93, de 29 de Outubro, ela deve ser proibida nos termos do n.º 1 daquele artigo, pelo que votei contra o parecer hoje adoptado pelo Conselho.

(nota 1) Ver, por exemplo, o parecer proferido sobre a operação de concentração notificada pela Sociedade Portuguesa do Ar Líquido, AR LÍQUIDO, Lda., de 7 de Junho de 1999.

(nota 2) O segundo pressuposto do parecer que fundamenta esta conclusão tem que ver com a alegada "diminuta expressão" das vendas de leite pasteurizado face às vendas do sector e das empresas envolvidas. Como se verá adiante, estas considerações são irrelevantes do ponto de vista de uma análise jus-concorrencial rigorosa (v. ponto 14 desta declaração), pelo que o único argumento atendível numa apreciação deste tipo é o relativo aos postulados da inviabilidade da Vigor e da ausência de alternativas à sua aquisição pela LACTOGAL.

(nota 3) Recurso de anulação da Decisão n.º 94/449/CE, de 14 de Dezembro de 1993, relativa a um processo de aplicação do Regulamento 4064/89 (processo IV/M.308 - Kali + Salz/MdK/Treuhand) (JO, 1994, n.º L 186, p. 38).

(nota 4) Decisão citada, ponto 71 e considerando 111 do acórdão citado.

(nota 5) Relatório de actividade de 1986, p. 27.

(nota 6) Também não me parece fundada a preocupação manifestada pelo Conselho quanto à "saída do mercado das marcas detidas pela Vigor, com as inerentes consequências negativas ao nível da concorrência". Sendo evidente (e aceite pela maioria) que a existência de uma marca de grande prestígio como a Vigor constitui um obstáculo significativo à expansão dos actuais concorrentes neste mercado (incluindo, aparentemente, a própria LACTOGAL), mesmo uma situação extrema como a saída da Vigor levaria a um aumento da concorrência entre as empresas remanescentes, já sem o entrave comercial que aquela marca representa. Claro que a reputação da marca Vigor torna pouco plausível tal cenário, sendo o desfecho prevísivel da proibição desta concentração a associação desta empresa com outro dos seus concorrentes (como ela própria admite) ou a venda dos seus activos (incluindo a sua valiosa marca) a um dos concorrentes actuais ou a uma empresa que pretenda entrar no mercado português.

(nota 7) Ponto 6 do parecer de 6 de Dezembro de 1995 (notas de rodapé omitidas no texto citado).

(nota 8) Tendo em conta os critérios exigidos nos EUA pelas directrizes do Ministério da Justiça e da Comissão Federal do Comércio de 1992, ponto 3, em especial ponto 3.0, que considera a entrada fácil quando "timely, likely, and sufficient in its magnitude, character and scope to deter or counteract the competitive effects of concern". Nenhum destes critérios parece estar verificado no presente caso.

(nota 9) Ver pontos 2 e 3 da minha declaração de voto no parecer de 27 de Outubro de 1999 proferido sobre a notificação apresentada por Petróleos de Portugal - PETROGAL, S. A.

(nota 10) Miguel Moura e Silva, "Prometeu Agrilhoado: Breves reflexões sobre a justificação de concentrações no direito português da concorrência", Revista Jurídica da AAFDL, n.º 23, 1999, p. 181, na p. 187.

(nota 11) Parecer de 7 de Junho de 1999 no caso AR LÍQUIDO. Também o caso Securitas dizia respeito a um conjunto de mercados de serviços onde o volume de negócios total das empresas envolvidas correspondia a menos de 20 milhões de contos.

Lisboa, 25 de Maio de 2000. - Miguel José Pinto Tavares Moura e Silva.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1933483.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1983-12-03 - Decreto-Lei 422/83 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios da Justiça, das Finanças e do Plano, da Agricultura, Florestas e Alimentação, da Indústria e Energia e do Comércio e Turismo

    Estabelece disposições relativas à defesa da concorrência no mercado nacional.

  • Tem documento Em vigor 1984-10-23 - Portaria 820/84 - Ministérios da Agricultura, Florestas e Alimentação, da Indústria e Energia e do Comércio e Turismo

    Estabelece disposições relativas ao pedido de certificação de não aplicabilidade do disposto nos artigos 13.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 422/83, de 3 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 1986-07-03 - Decreto-Lei 178/86 - Ministério da Justiça

    Regulamenta o contrato de agência ou representação comercial.

  • Tem documento Em vigor 1993-04-13 - Decreto-Lei 118/93 - Ministério da Justiça

    ALTERA O REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE AGÊNCIA, TRANSPONDO PAR A ORDEM JURÍDICA INTERNA A DIRECTIVA 86/653/CEE (EUR-Lex) DO CONSELHO, DE 18 DE DEZEMBRO DE 1986. O REGIME JURÍDICO ORA CONSAGRADO APLICAR-SE-A A PARTIR DE 1 DE JANEIRO DE 1994 AOS CONTRATOS CELEBRADOS ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO PRESENTE DIPLOMA.

  • Tem documento Em vigor 1993-10-29 - Portaria 1097/93 - Ministério do Comércio e Turismo

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    ESTABELECE O REGIME GERAL DA DEFESA E PROMOÇÃO DA CONCORRENCIA, O QUAL SE APLICA A TODAS AS ACTIVIDADES ECONÓMICAS EXERCIDAS COM CARÁCTER PERMANENTE OU OCASIONAL NOS SECTORES PRIVADO, PÚBLICO E COOPERATIVO (EXCEPTUANDO-SE AS RESTRIÇÕES DECORRENTES DE LEI ESPECIAL) DESIGNADAMENTE NO ATINENTE AS PRÁTICAS PROIBIDAS AS CONCENTRACOES DE EMPRESAS E AOS AUXÍLIOS DE ESTADO. COMETE A DIRECÇÃO GERAL DE CONCORRENCIA E PREÇOS E AO CONSELHO DA CONCORRENCIA A DEFESA DA CONCORRENCIA, AOS QUAIS DEFINE COMPETENCIAS NESTA ÁR (...)

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