Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1 - Relatório.
O município do Porto interpôs recurso excepcional de revista, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), ao abrigo do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, contra o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 1 de Fevereiro de 2007, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo recorrente da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 4 de Janeiro de 2006, que julgara procedente a acção administrativa especial instaurada por Jorge Manuel Ferreira Passos e anulara, por padecer do vício de incompetência, o despacho do Vereador do Pelouro da Juventude, Desporto, Euro 2004, Educação e Recursos Humanos da Câmara Municipal do Porto, de 15 de Setembro de 2004, proferido no uso de competências delegadas pelo respectivo presidente da Câmara, que aplicara ao autor a pena disciplinar de 45 dias de suspensão, com execução suspensa por dois anos.
As alegações apresentadas pelo recorrente foram sintetizadas nas seguintes conclusões:
"1 - A jurisprudência invocada pelo aresto ora recorrido foi emitida ao abrigo da legislação anterior.
2 - O Estatuto Disciplinar foi elaborado, em matéria de lei das autarquias, na vigência da Lei 79/77.
3 - Esta lei conferia à câmara municipal o poder de «superintender na gestão e direcção do pessoal ao serviço do município», entendendo-se caber nesse os poderes de «nomear, contratar ou assalariar, promover, transferir, louvar, punir, aposentar e exonerar os funcionários assalariados municipais».
4 - O presidente da câmara já gozava de competência disciplinar mesmo antes de ser órgão autónomo - órgão municipal -, o que resulta do n.º 4 do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar.
5 - Hoje, de acordo com o artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei 169/99, «compete ao presidente da câmara municipal decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais».
6 - A competência do presidente da câmara para a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais é originária e exclusiva.
7 - O presidente da câmara é o órgão executivo singular do município.
8 - O poder de aplicação de sanções disciplinares é assunto indissociável da gestão e direcção dos recursos humanos.
9 - O Estatuto Disciplinar não contraria, antes complementa, o disposto no artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei 169/99.
10 - O Estatuto Disciplinar limita-se a explicitar, mas não a atribuir competências.
11 - Norma de atribuição de competência é o artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei 169/99.
12 - A matéria disciplinar não é especial relativamente à autárquica.
13 - É antes uma secção do direito autárquico, tal como a matéria autárquica é uma secção do direito disciplinar.
14 - A Revisão de 1997, na nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 243.º da CRP, esclareceu que, a haver alguma especificidade, ela seria sempre de cariz autárquico.
15 - O resultado normativo que dê preferência, por especial ainda que anterior, às normas do Estatuto Disciplinar face a normas autárquicas é inconstitucional.
16 - O artigo 18.º do Estatuto Disciplinar, no entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, é inconstitucional por vulneração do comando da parte final do artigo 243.º, n.º 2, da CRP.
17 - Uma interpretação que defende a extensão do âmbito do Estatuto Disciplinar à atribuição e repartição de competências entre órgãos autárquicos está, necessariamente, ferida de inconstitucionalidade.
18 - A Lei de Autorização Legislativa ao abrigo da qual foi emitido o Estatuto Disciplinar (Lei 10/83, de 13 de Agosto) não habilita o Governo a legislar no âmbito da actual alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, respeitante ao Estatuto das Autarquias Locais, que abarca não só a organização e as atribuições das autarquias, mas também a competência dos seus órgãos e a estrutura dos seus serviços.
19 - A Lei 10/83 somente confere ao Governo a possibilidade de legislar ao abrigo das actuais alíneas d) e t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.
20 - A interpretação perfilhada pela sentença recorrida equivale a aceitar que um decreto-lei autorizado (no caso, o Estatuto Disciplinar) para uma dada matéria reservada é apto a definir parte do regime jurídico respeitante a outra matéria também reservada (no caso, o estatuto das autarquias locais), ao abrigo do qual não foi emitida qualquer lei de autorização e que a Assembleia da República entendeu ela própria regular (no caso a Lei 169/99)."
Por acórdão de 13 de Fevereiro de 2008, o STA negou provimento ao recurso jurisdicional, desenvolvendo, para o efeito, a seguinte fundamentação:
"III - O Direito.
A questão suscitada pelo recorrente e cuja relevância justifica o presente recurso excepcional de revista é a de saber a quem cabe, na vigência da Lei das Autarquias Locais n.º 169/99, de 18 de Setembro, a competência para impor a aplicação de sanções disciplinares aos funcionários e agentes afectos aos serviços municipais - se à câmara municipal, se ao seu presidente.
Resulta da matéria provada que ao autor da presente acção, funcionário da Câmara Municipal do Porto, com a categoria de técnico superior consultor jurídico principal, foi aplicada, em 15 de Setembro de 2004, pelo (...) Vereador do Pelouro da Juventude, Desporto, Euro 2004, Educação e Recursos Humanos, ao abrigo de delegação de competência do (...) Presidente da Câmara do Porto, a pena disciplinar de 45 dias de suspensão, com execução suspensa por dois anos.
Quer a sentença do TAF do Porto, quer o acórdão do TCA Norte que a manteve, entenderam verificar-se o invocado vício de incompetência do autor do acto, por ser a Câmara Municipal do Porto, e não o seu Presidente, o órgão que tem a seu cargo o exercício do poder disciplinar sobre os funcionários e agentes municipais, competência que fundamentam no artigo 18.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, considerando que tal preceito não foi revogado pela Lei 18/91, de 12 de Junho, na redacção conferida ao n.º 2 do artigo 53.º do Decreto-Lei 100/84, de 29 de Março (LAL), nem pela posterior Lei 169/99, de 16 de Setembro, como defendia o município.
O recorrente Município continua a defender que, contrariamente ao decidido, o despacho impugnado não padece de vício de incompetência, pois o (...) Vereador, autor do acto impugnado, praticou-o no uso de competência validamente delegada pelo presidente da Câmara, que, enquanto verdadeiro órgão autárquico, é quem hoje detém, originariamente, a competência para decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 68.º da citada Lei 169/99, sendo que o poder de aplicação de sanções disciplinares é assunto indissociável da gestão e direcção dos recursos humanos.
Defende ainda que o Estatuto Disciplinar não atribui competências, limitando-se a explicitar as competências atribuídas pela lei própria, que é a lei reguladora do quadro de competências, no caso a LAL n.º 169/99, e, por isso, não contraria, antes complementa o disposto no citado artigo 68.º, n.º 2, alínea a), dessa Lei, mas, a considerar-se que o contraria, então deve considerar-se derrogado por ela.
Cita, em seu apoio, o parecer do Prof. Doutor Mário Aroso de Almeida, que juntou aos autos com as alegações de recurso para o TCA.
Invoca, ainda, a inconstitucionalidade de eventual interpretação que defenda que o artigo 18.º do Estatuto Disciplinar, como norma especial, não foi revogado pela referida Lei 169/99, por vulneração do comando da parte final do artigo 243.º, n.º 2, da CRP, na redacção da Revisão de 1997 e ainda a inconstitucionalidade da interpretação que defenda a extensão do âmbito do Estatuto Disciplinar à atribuição e repartição de competências entre os órgãos autárquicos, por falta de autorização legislativa para o efeito.
Vejamos:
À data da prática do acto punitivo aqui em causa, estava em vigor o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (doravante ED), aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro.
Como expressamente consta do seu artigo 1.º, o ED aplica-se aos funcionários e agentes da administração central, regional e local, apenas se exceptuando do âmbito da sua aplicação os funcionários e agentes que possuam estatuto especial.
Portanto, não restam dúvidas que o ED se aplica aos funcionários e agentes das autarquias.
O ED foi emitido ao abrigo da autorização legislativa constante da Lei 10/83, de 13 de Agosto, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP/82, que respeita ao regime geral de punição das infracções disciplinares.
Com efeito, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea b), da citada Lei, o Governo é autorizado a legislar «em matéria de regime disciplinar da função pública» e, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito: «O regime a instituir nos termos da alínea b) do n.º 1 visa introduzir alterações ao Decreto-Lei 191-D/79, de 25 de Junho, por forma a redefinir factos ilícitos ou a definir novas formas de ilícito de corrupção passíveis de sanção disciplinar, a corrigir a dosimetria das penas em vigor e ainda a ultrapassar dificuldades de execução e a integrar lacunas do Estatuto Disciplinar». (sublinhados nossos).
Deve aqui referir-se que o anterior Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei 191-B/79, de 25 de Junho, não se aplicava directamente às autarquias locais em certas matérias, designadamente no que respeita à competência disciplinar, porque o legislador, face às particularidades que reveste o seu regime, designadamente à autonomia dos respectivos órgãos - embora subordinados às leis gerais da República - julgou preferível a adaptação dessas matérias por via regulamentar (cf. preâmbulo do citado diploma e seus artigos 1.º, n.º 2, e 19.º). Só que esse regulamento não chegou a ver a luz do dia, embora se previsse, no n.º 1 do citado artigo 19.º do referido ED, um prazo de 180 dias para a sua publicação.
O novo ED, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, que veio substituir o anterior (considerado, aliás, pelo legislador ... «um diploma de transição, cuja substituição virá a ser feita, oportunamente, no âmbito da reforma administrativa em curso e da projectada Lei de Bases da Função Pública» - cf. preâmbulo do ED/79), pretendeu resolver todas as lacunas e dúvidas suscitadas na aplicação e execução daquele, designadamente no que respeita à administração local, e ainda concentrar num único diploma todo o regime disciplinar dos funcionários e agentes de todos os sectores da Administração Pública (administração central, regional e local), apenas excluindo do seu âmbito os casos específicos em que existisse um estatuto próprio (por exemplo, os casos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, da Polícia Judiciária, da PSP e da GNR e dos Militares).
Aliás, essa intenção legislativa foi claramente manifestada no preâmbulo do ED/84, quando, a certa altura, se refere «Visa ainda a presente revisão ultrapassar dificuldades de execução (...), bem como integrar lacunas suscitadas na aplicação do Estatuto Disciplinar. Observa-se ainda que, com a presente revisão, o Estatuto Disciplinar é aplicável, em toda a sua extensão, à administração local. Finalmente, sublinha-se que a presente revisão não constitui uma reformulação global do Estatuto, ficando a dever-se à preocupação de evitar a dispersão do regime disciplinar por legislação extravagante, a revogação do Decreto-Lei 191-D/79, de 25 de Junho».
Evidentemente que, passando a partir do ED de 1984 a existir um único regime disciplinar para todos os funcionários e agentes da Administração Pública, incluindo os da administração local, era nessa lei disciplinar que devia ser definida, como foi, a competência disciplinar sobre aqueles funcionários e agentes.
Assim, o referido Estatuto, sendo um conjunto normativo que estabelece todo o regime da disciplina na função pública, contém, naturalmente normas sobre a «Competência Disciplinar», que são as que integram o seu Captulo III (artigos 16.º a 21.º), a saber:
"Artigo 16.º
Princípio geral
A competência disciplinar dos superiores envolve sempre a dos seus inferiores hierárquicos dentro do serviço.
Artigo 17.º
Competência disciplinar sobre os funcionários e agentes da administração central e regional
1 - A pena da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º é da competência de todos os funcionários e agentes em relação aos que lhes estejam subordinados.
2 - A aplicação das penas previstas nas alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 11.º é da competência dos secretários-gerais e dos directores-gerais e equiparados, nomeadamente dos dirigentes dos institutos públicos.
3 - Se os responsáveis pelos serviços directamente dependentes dos membros do Governo não possuírem a categoria antes referida, a competência para a aplicação das penas previstas no número anterior poderá ser neles delegada pelo membro do Governo competente.
4 - A aplicação das penas expulsivas referidas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 11.º e da pena de cessação da comissão de serviço referida no n.º 2 do mesmo artigo é da competência exclusiva dos membros do Governo e dos secretários regionais nas regiões autónomas em cada caso competentes.
Artigo 18.º
Competência disciplinar sobre os funcionários e agentes ao serviço das autarquias locais e das associações e federações de municípios
1 - A competência disciplinar sobre os funcionários e agentes das autarquias locais e das associações e federações de municípios pertence aos respectivos órgãos executivos.
2 - ...
3 - Os órgãos executivos das autarquias locais e das associações e federações de municípios têm competência:
a) Para aplicação aos funcionários e agentes dos respectivos quadros privativos de todas as penas disciplinares previstas no n.º 1 do artigo 11.º;
b) Para a aplicação aos funcionários do quadro geral administrativo que se encontrem ao seu serviço das penas disciplinares de repreensão e multa;
c) Para aplicação da pena de cessação da comissão de serviço.
4 - Os presidentes dos órgãos executivos têm competência para repreender qualquer funcionário ou agente ao serviço da autarquia.
Artigo 19.º
Competência disciplinar sobre o pessoal dos serviços municipalizados
É da competência dos respectivos conselhos de administração a aplicação ao pessoal dos serviços municipalizados das penas disciplinares previstas no n.º 1 do artigo 11.º, bem como da pena de cessação da comissão de serviço.
Artigo 20.º
Assembleias distritais
1 - Enquanto subsistirem as assembleias distritais, aplicar-se-á ao respectivo pessoal, transitoriamente, o disposto neste diploma, cabendo ao governador civil exercer as competências cometidas aos órgãos executivos.
2 - Das decisões do governador civil proferidas no exercício da competência a que se refere o número anterior apenas cabe recurso contencioso.
Artigo 21.º
Competência disciplinar sobre os funcionários e agentes dos governos civis
1 - Compete aos governadores civis a aplicação aos funcionários e agentes que prestem serviço nos governos civis das penas até à de suspensão, inclusive.
2 - Compete ao Ministro da Administração Interna a aplicação das penas previstas nas alíneas d) a f) do n.º 1 do artigo 11.º"
Ora, existindo uma lei disciplinar em matéria de função pública, o referido ED, e aplicando-se essa lei, em toda a sua extensão, à administração local, é nela que se deve procurar, em primeiro lugar, a competência disciplinar sobre os funcionários e agentes da administração abrangidos por esse diploma.
Como vimos, a competência disciplinar sobre os funcionários e agentes ao serviço das autarquias estava prevista no transcrito artigo 18.º do ED, que é claro quanto a essa matéria.
Face ao citado preceito, a competência disciplinar sobre os funcionários e agentes das autarquias locais está centrada no órgão executivo da autarquia (n.º 1), cabendo, nesse campo, ao presidente desse órgão executivo apenas a competência para repreender qualquer funcionário ou agente ao serviço da autarquia (n.º 4).
Refere o recorrente que, existindo dois órgãos executivos nas autarquias, um colegial, a Câmara Municipal, outro singular, o presidente da Câmara, é a este que se refere o n.º 1 do artigo 18.º
Os órgãos municipais constam da Lei das Autarquias Locais, e o artigo 2.º da Lei 169/99, de 18 de Setembro, aqui aplicável, define quais são os órgãos do município, nele não se referindo, como tal, o presidente da Câmara.
Com efeito, ali se refere o seguinte:
"Artigo 2.º
Órgãos
1 - Os órgãos representativos da freguesia são a assembleia de freguesia e a junta de freguesia.
2 - Os órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal."
Sendo que a assembleia municipal é o órgão deliberativo do município (artigo 41.º da LAL) e a câmara municipal é o órgão executivo colegial do município, sendo constituída por um presidente e por vereadores (artigo 56.º, n.º 1, da LAL). Sendo igualmente estes dois os órgãos municipais reconhecidos constitucionalmente (cf. artigo 252.º da CRP/82 e o actual artigo 239.º da CRP).
Portanto, face à lei em vigor à data do acto impugnado, o Presidente da Câmara não era, como ainda não é, um órgão de iure do município, sendo a Câmara Municipal o único órgão executivo do município referido na lei, tal como acontecia face às anteriores LAL. O que não quer dizer que o presidente da Câmara não exerça, no âmbito das suas competências, próprias e delegadas, funções executivas de grande relevo. Mas a lei não o reconheceu ainda como órgão municipal e, não o fazendo a lei, não pode o intérprete atribuir-lhe tal qualificação.
Isto sem prejuízo de se reconhecer que as competências atribuídas na LAL ao Presidente da Câmara, nomeadamente as executivas, têm vindo a aumentar substancialmente, daí que seja considerado por alguns autores como um verdadeiro órgão municipal, mas isso, como se referiu, não lhe atribui, só por si, essa qualificação e, para o que nos interessa, em nada altera a sua competência disciplinar, que continua a ser apenas a prevista no artigo 18.º, n.º 4, do ED.
Pretende, porém, o recorrente que o artigo 18.º do ED se deve considerar derrogado, senão pela Lei 18/91, que alterou a LAL de 1984, aprovada pelo Decreto-Lei 100/84, de 12 de Janeiro, e transferiu para o Presidente da Câmara o poder de superintendência na gestão e direcção dos recursos humanos, que dantes era competência da Câmara Municipal, pelo menos, pela Lei 169/99, que, no artigo 68.º, n.º 2, alínea a), veio atribuir ao Presidente da Câmara competência para «decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais».
Daí conclui, em síntese, que o presidente da Câmara é hoje o verdadeiro órgão executivo do município, o topo da hierarquia municipal, e, como tal, detendo os poderes de gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais, terá de deter, necessariamente, também o poder disciplinar sobre os funcionários e agentes da administração local.
Com todo o respeito, a tese do recorrente não se pode sufragar.
Em primeiro lugar e como é sabido, a competência disciplinar, na vertente mais importante, que é a competência para aplicar sanções (existe a outra vertente, que é a da acção disciplinar, para que são competentes todos os superiores hierárquicos relativamente aos seus subalternos - cf. artigo 39.º do ED/84), nem sempre está atribuída a um superior hierárquico, numa organização administrativa hierarquizada.
Com efeito, como resulta da análise do direito comparado e tem sido referido abundantemente na doutrina administrativa, se é certo que todos os superiores hierárquicos têm competência para instaurar a acção disciplinar relativamente aos seus subalternos, nem todos têm competência para a decidir e pode até essa competência para aplicação de sanções disciplinares ser atribuída a um órgão externo à hierarquia, normalmente um órgão colegial (v. g., um conselho disciplinar).
Assim, a competência para aplicar sanções às infracções apuradas em processo disciplinar pode pertencer ao próprio superior hierárquico que mandou instaurar o processo, mas pode também pertencer a outro de mais alto grau hierárquico (em ambos os casos estamos perante a chamada disciplina hierarquizada), ou mesmo a um órgão externo à hierarquia, cujas decisões sejam de per si executórias ou vinculem o superior que tenha de executá-las (é a chamada disciplina jurisdicionalizada).
Igualmente tal competência pode, por lei, estar concentrada no chefe da hierarquia, com excepção das chamadas penas morais (repreensão e advertência) e, por vezes, com possibilidade de delegação de certas penas em determinados superiores subalternos, ou pode estar desconcentrada pelos vários graus da hierarquia, de acordo com o grau de gravidade da pena a aplicar [Vide, a este propósito, o Prof. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9.ª edição, 1972, pp. 799 e 804, e Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, 1996, p. 318 e seg., e também os Profs. Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, p. 395, e Paulo Otero, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, p. 59].
Ou seja, o superior hierárquico que tem o poder de direcção de um determinado serviço, emanando ordens sobre matéria de serviço para os subalternos cumprirem, pode não ter, ou não ter toda, a competência para os punir em caso de desobediência a essas ordens ou em caso de qualquer outra infracção disciplinar; basta que tal competência seja atribuída por lei a outro superior hierárquico de grau mais elevado ou mesmo a um órgão externo à hierarquia.
O que demonstra, contrariamente ao defendido pelo recorrente, que a competência disciplinar, na vertente competência para punir, não é indissociável do poder de direcção, típico da hierarquia, já que, por um lado, não supõe, necessariamente, uma relação hierárquica entre quem aplica a sanção e quem é sancionado e, por outro, mesmo nos casos de disciplina hierarquizada, nem todos os superiores hierárquicos com poder de direcção (o poder de direcção não existe só no dirigente máximo, pode estender-se a outros dirigentes de grau intermédio) têm competência para aplicar sanções disciplinares aos subalternos, além da mera repreensão.
Se tal implica um enfraquecimento do poder de direcção do superior hierárquico é questão que não cabe ao tribunal apreciar, sendo certo que não é difícil descobrir bons argumentos a favor da atribuição da competência para punir, sobretudo no que respeita às penas mais graves, v. g. as penas expulsivas, a um único órgão colegial, de preferência externo à hierarquia (maiores garantias de imparcialidade e de isenção, mais paz nas relações internas com reflexos no funcionamento dos serviços). Haverá, certamente, também bons argumentos contra (maior demora no processo de decisão, eventual maior dificuldade de compreensão da situação ou falta da disponibilidade exigida se se tratar de órgão ou agente da hierarquia sobrecarregado com outras competências), mas, como é óbvio, caberá ao legislador, de iure condendo, se for caso, ponderar todos os prós e os contras em cada situação.
De qualquer modo, sempre se dirá que o superior hierárquico com poderes de direcção não fica destituído de competência disciplinar pelo facto de estar atribuída a um seu superior hierárquico ou a um órgão externo à hierarquia o poder de punir, uma vez que sempre subsiste a sua competência para aplicar penas morais (repreensão e advertência - cf. artigo 17.º, n.º 1, do ED/84) e até outras penas quando a lei a prevê, sendo que terá sempre competência para o exercício, em geral, da acção disciplinar, que a lei assegura a qualquer superior hierárquico, relativamente aos subalternos (cf. artigo 39.º do ED/84) e que é pressuposto necessário do exercício da competência para punir. Assim, se bem que esta última competência seja considerada, por razões óbvias, a mais importante dentro do poder disciplinar, a verdade é que ela só pode ser exercida se previamente for instaurada a acção disciplinar pelo superior hierárquico.
E se pode existir poder de direcção sem competência disciplinar para aplicar sanções além da repreensão, por maioria de razão pode existir poder de superintendência sem existir competência disciplinar para punir, pois o poder de superintendência é menos forte que o poder de direcção, traduzindo-se apenas numa faculdade de emitir directivas ou recomendações, no fundo num «poder de mera orientação» [cf. o Prof. Freitas do Amaral, curso de Direito Administrativo, 1986, vol. I, p. 713].
A diferença, do ponto de vista jurídico, entre ordens, por um lado, e directivas e recomendações, por outro, consiste em que as ordens são comandos concretos, específicos e determinados, que impõem a necessidade de adoptar imediata e completamente uma certa conduta, enquanto as directivas são orientações genéricas, que definem imperativamente os objectivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a adoptar para atingir esses objectivos. Por sua vez, as recomendações são conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a hipótese do não cumprimento [cf., por ex., neste sentido, os acórdãos do STA, de 27 de Março de 2003, rec. 68/03, e de 24 de Março de 2004, rec. 1407/02].
E sendo o poder de superintendência um poder de mera orientação, não se vislumbra como a atribuição desse poder, ao presidente da Câmara, sobre a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais, pela Lei 18/91, poderia afectar a competência disciplinar definida no artigo 18.º do ED. Aliás, a jurisprudência deste STA já teve oportunidade de se pronunciar sobre esta concreta questão, tendo decidido que: «A competência disciplinar da Câmara Municipal não resultava da atribuição a este órgão daquela competência de 'superintendência na gestão e direcção do pessoal ao serviço da autarquia' - que, aliás, o n.º 1 do artigo 52.º da versão originária do Decreto-Lei 100/84 considerava 'tacitamente delegada no presidente da câmara', sem que daí derivasse também a delegação da competência disciplinar da câmara municipal - mas antes e exclusivamente das aludidas regras do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar. O que, de resto, bem se compreende se se considerar a 'superintendência' como o 'poder de orientação' (assim, Diogo Freitas do Amaral, curso de Direito Administrativo, vol. I, 1986, p. 713). Consequentemente, a transferência desse poder de orientação, em que se traduz a superintendência, por imposição legal 'tacitamente delegado' (no sentido de que esta figura não representa uma delegação de poderes propriamente dita, mas antes uma forma de desconcentração originária, na qual o delegante nada delega, porque, sem necessidade de qualquer delegação, o poder de decidir pertence ope legis ao impropriamente chamado delegado, cf. autor e obra citados, p. 667), nenhuma repercussão podia ter e nenhuma repercussão teve na repartição de competência disciplinar entre aqueles dois órgãos, tal como estava e continua a estar definida no artigo 18.º do Estatuto Disciplinar, que, neste aspecto, não sofreu qualquer derrogação.» [cf. acórdão do STA, de 5 de Maio de 1999, rec. 41 514].
Resta-nos acrescentar que, para a boa compreensão desta matéria, importa também ter presente que uma coisa é a hierarquia decorrente da repartição de competências funcionais entre os órgãos ou agentes de uma pessoa colectiva pública, ou seja, a relação orgânica dos agentes com a Administração, atingindo-os não como trabalhadores, mas como titulares de um órgão administrativo, com vista à realização do mesmo interesse, o interesse público (hierarquia em sentido restrito), e outra é a hierarquia que respeita à relação de serviço que os agentes mantêm com a Administração, relação que os obriga a respeitar, enquanto trabalhadores, as ordens da entidade patronal, sob pena de responsabilidade disciplinar (hierarquia em sentido amplo) [cf., a este propósito, o Prof. Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, p. 390].
Ora, as leis orgânicas, que estabelecem as competências dos órgãos das pessoas colectivas públicas, quer no âmbito da administração central e regional, quer no âmbito da administração local, entre as quais as LAL, ao repartirem as competências funcionais entre esses órgãos, situam-se no plano da hierarquia em sentido restrito e não no plano da hierarquia em sentido amplo, tal como atrás definidas, pelo que não têm que contemplar e em regra não contemplam as competências disciplinares, que são, por isso, tratadas separadamente, normalmente em legislação específica, tendencialmente abrangente da maioria dos trabalhadores da Administração Pública, como é o caso do ED/84.
Mas, sendo assim e tendo em conta tudo o anteriormente exposto, não pode afirmar-se, como afirma o recorrente, que do poder de superintendência na gestão e direcção do pessoal dos recursos humanos, atribuído ao presidente da Câmara Municipal pela Lei 18/91, de 12 de Janeiro, e mesmo do poder de decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais, decorre, inevitavelmente, a sua competência para aplicar sanções disciplinares aos funcionários e agentes desses serviços.
Antes há que concluir que, nem a Lei 18/91, nem a Lei 169/99, vieram definir a competência disciplinar na administração local, nem tinham de o fazer, por não ser o local próprio para o efeito, mas sim o Estatuto Disciplinar da função pública, que, por isso, nenhuma delas revogou, nem expressa, nem inequivocamente.
Na verdade, nada se refere nos respectivos preâmbulos, nem resulta dos trabalhos preparatórios [cf. reuniões plenárias de 7 de Março de 1991 e de 2 de Julho de 1998, Diário da Assembleia da República, n.º 51, de 8 de Março de 1991, e n.º 102, de 3 de Julho de 1999, respectivamente], que aponte no sentido da revogação do citado artigo 18.º do ED, ou sequer qualquer discussão relativa à competência disciplinar nas autarquias, o que, conjuntamente com tudo o anteriormente exposto, demonstra, à evidência, que as alterações introduzidas por aquelas Leis nas competências do Presidente da Câmara não visaram alterar a sua competência disciplinar expressamente prevista no artigo 18.º do ED.
E porque as competências definidas na LAL têm um campo de aplicação distinto da competência disciplinar, não se coloca a hipótese de revogação do artigo 18.º do ED/84 pelas referidas LAL, pelo que fica prejudicada a apreciação da alegada inconstitucionalidade de uma eventual interpretação que concluísse que o ED, como norma especial, prevaleceria sobre a LAL, por vulneração do artigo 243.º, n.º 2, da actual CRP, interpretação que teria de ter como pressuposto que a LAL dispôs sobre competência disciplinar do Presidente da Câmara, o que, pelas razões expendidas, não acontece.
Finalmente, quanto à também alegada inconstitucionalidade do artigo 18.º do ED/84, por falta de autorização legislativa:
"Segundo o recorrente, a Lei de Autorização Legislativa n.º 10/83, de 13 de Agosto, ao abrigo da qual foi emanado o ED/84, somente conferiu ao Governo a possibilidade de legislar ao abrigo das actuais alíneas d) e t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, não o habilitando a legislar no âmbito da actual alínea q) do referido preceito legal, respeitante ao Estatuto das Autarquias Locais, que abarca não só a organização e as atribuições da autarquia, mas também a competência dos seus órgãos e a estrutura dos seus serviços, pelo que uma interpretação do Estatuto Disciplinar que estenda o seu âmbito de aplicação às competências dos órgãos da autarquia padece de falta de autorização legislativa.
Não assiste também aqui razão ao recorrente.
Como já se referiu atrás, embora possa existir, e em regra existe, uma relação íntima entre as competências funcionais dos órgãos e agentes de uma pessoa colectiva pública e as competências disciplinares eventualmente atribuídas a esses órgãos ou agentes sobre os respectivos subalternos, já que ambas assentam, em princípio, na estrutura hierarquizada da Administração, trata-se, como ficou já suficientemente evidenciado, de competências que respeitam a matérias distintas, e que, por isso, são, em regra, objecto de consagração em diplomas distintos.
Aliás, que são distintas as matérias, revela-o desde logo o facto de, sendo ambas competência reservada da Assembleia da República, o regime geral de punição das infracções disciplinares e respectivo processo estar previsto em alínea distinta das matérias relativas às competências funcionais dos seus órgãos, v. g. o estatuto das autarquias locais (cf. alíneas d) e q), respectivamente, do actual n.º 1 do artigo 165.º da CRP e correspondentes às alíneas d) e s), respectivamente, do artigo 168.º, n.º 1, da CRP/82).
Ora, a autorização legislativa constante do artigo 1.º, n.º 1, alínea b), da Lei 10/83, que esteve na base do referido ED, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, foi emitida ao abrigo da referida alínea d) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP/82, e, portanto, como dela consta, para o Governo legislar em «matéria do regime disciplinar da função pública», função pública onde se incluem também os funcionários e agentes da administração local, e não em matéria do Estatuto das Autarquias Locais. E foi o que o Governo fez, aprovando o Estatuto Disciplinar/84. O Governo não extravasou, pois, o âmbito da autorização legislativa que lhe foi concedida.
Face a tudo o anteriormente exposto, o recurso não merece provimento."
O município do Porto interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, tendo, na resposta ao convite para aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, precisado que este era interposto apenas com base na alínea b) [abandonando, assim, a invocação também da alínea f), constante daquele requerimento] do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), e tinha por objecto a apreciação de "uma inconstitucionalidade orgânica de cariz originário", por violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), na versão da revisão constitucional de 1982, então vigente (correspondente ao actual artigo 165.º, n.º 2), e de "uma inconstitucional material de natureza superveniente", por violação do artigo 243.º, n.º 2, da CRP, na versão da revisão constitucional de 1997, da norma constante do artigo 18.º, n.os 1, 3 e 4, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (EDFAACRL), aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, interpretada, como o fez o acórdão recorrido, como norma atributiva e definidora de competências no seio das autarquias locais.
O recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
"A) O fundamento do presente recurso é a inconstitucionalidade do artigo 18.º, n.os 1 e 4, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, na concreta interpretação efectuada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo sob recurso, de 13 de Fevereiro de 2008.
B) O recorrente sustenta essa inconstitucionalidade em dois fundamentos distintos, a saber: uma inconstitucionalidade orgânica e formal de cariz originário; e outra inconstitucionalidade material de natureza superveniente.
C) Quanto à primeira, se se considerar que o artigo 18.º do Estatuto Disciplinar é uma instância definidora da competência no seio das autarquias locais, como inequivocamente faz o tribunal a quo, então, existe inconstitucionalidade orgânica e formal por defeito de autorização.
D) Enquanto regra pertencente a um decreto-lei autorizado, o artigo 18.º viola o objecto da respectiva Lei de Autorização Legislativa (a saber, a Lei 10/83, de 13 de Agosto), sendo inconstitucional, nos termos do artigo 165.º, n.º 2, da Constituição (artigo 168.º, n.º 2, na versão da Lei Constitucional 1/82, vigente ao tempo da emissão daquele decreto-lei e da norma constante do artigo 18.º).
E) A Lei 10/83 só conferia autorização para se legislar ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição (referente ao «regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo») e ao abrigo da alínea u) do mesmo artigo e número (relativa às «bases do regime e âmbito da função pública»).
F) Se a Lei 10/83 quisesse permitir, autorizar ou dizer fosse o que fosse quanto à distribuição de competências dos órgãos e membros de órgãos de autarquias locais teria de contemplar também a então alínea r) do n.º 1 do artigo 168.º (concernente ao «estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais»), mas não contemplou.
G) Na medida em que se interprete a norma do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar como norma definidora de competência dos órgãos das autarquias locais, então, nessa precisa interpretação, essa norma está letalmente ferida de inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação dos requisitos de parametricidade definidos para os decretos-leis autorizados no artigo 165.º, n.º 2, da Constituição (à época, artigo 168.º, n.º 2).
H) Quanto à segunda, a interpretação da norma do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar como uma norma definidora de competência realizada pelo tribunal a quo implica a sua consideração como uma lex specialis relativamente à legislação organizatória das autarquias, a Lei 169/99, de 18 de Setembro.
I) Desde a Revisão Constitucional de 1997 que a Constituição estabelece a prevalência das especificidades autárquicas sobre o estatuto disciplinar dos funcionários públicos, inicialmente, e até 1997, no então artigo 244.º, n.º 2, da Constituição, equiparando os funcionários públicos autárquicos aos restantes funcionários, depois de 1997, na nova redacção do n.º 2 do actual artigo 243.º, pondo em realce «as adaptações necessárias nos termos da lei».
J) A haver alguma prevalência, ela há-de ser do estatuto das autarquias sobre o estatuto dos funcionários, o estatuto disciplinar há-de ter em conta as particularidades e especificidades das autarquias locais e nomeadamente, claro está, do seu quadro organizatório.
K) A interpretação efectuada pelo tribunal a quo - e a convocação do critério da preferência da lei especial que ela necessariamente incorpora e comporta - viola o conteúdo material da directiva do artigo 243.º, n.º 2, da Constituição, ex professo pensada para a questão controvertida.
L) O carácter inconstitucional da solução normativa adoptada no acórdão recorrido fica ainda mais a nu se se explicitarem as premissas essenciais em que assenta este acórdão.
M) Não pode aceitar-se a conclusão constante do acórdão recorrido de que a lei não reconhece o presidente da câmara como órgão municipal.
N) E muito menos pode aceitá-la, apenas e só porque o n.º 2 do artigo 2.º da Lei 169/99, de 18 de Setembro - repetindo o disposto no artigo 250.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) - escreve que «os órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal», nada dispondo, nesse preceito, quanto ao presidente da câmara.
O) Uma coisa é definir quais são os órgãos representativos do município; outra, bem diferente, é assumir que só os ditos órgãos «representativos» é que podem ser juridicamente qualificados como órgãos executivos do município.
P) Quando a Constituição e a lei identificam ou «isolam» os órgãos representativos do município, não quiseram nem poderiam, humana ou razoavelmente, querer fazer um elenco exaustivo de todos os órgãos de uma autarquia, executivos ou não.
Q) Como, de há muito, defende Diogo Freitas do Amaral - «(n)ão é pelo facto de a Constituição ou as leis qualificarem o Presidente como órgão, ou não, que ele efectivamente é ou deixa de ser órgão do município (...)», mas antes que «[...] ele será órgão ou não conforme os poderes que a lei lhe atribuir no quadro do estatuto jurídico do município».
R) O artigo 68.º da Lei 169/99, de 18 de Setembro, é ilustrativo quanto baste da extensão e da natureza dos poderes que a lei, na economia dos poderes que reconhece aos órgãos autárquicos, actualmente confere ao presidente da câmara.
S) Reconhecer ao presidente da Câmara Municipal a detenção das mais precípuas funções executivas sem lhe reconhecer a evidência da sua natureza de órgão jurídico-administrativo só pode relevar de um estrito e radical formalismo.
T) Nada no sistema jurídico exige ou reclama que um órgão, para o ser, careça de uma criação legal ad hoc.
U) Não deixa, aliás, de ser estranho ou caricato que, aceitando-se um movimento tendencial e historicamente comprovado de transferência de competências confiadas à Câmara para o presidente de Câmara, a lei corroborasse um processo de transferência de competências de um «órgão» para um «não órgão».
V) A especial forma de designação do concreto titular desse «órgão/não órgão» depõe, do ponto de vista político, constitucional e administrativo, no sentido de o qualificar como órgão de pleno e constituído direito.
W) O presidente da câmara municipal não é eleito pelo colégio em que se integra e a que preside, mas eleito directamente pelo voto popular.
X) Em caso de vitória, ipso jure e sem possibilidade de qualquer remoção, «É presidente da câmara municipal o primeiro candidato da lista mais votada (...)» (artigo 57.º, n.º 1, da Lei 169/99, de 18 de Setembro).
Y) A especial forma de designação do presidente da câmara - por eleição directa, sem possibilidade de remoção - está umbilicalmente ligada à natureza das competências que lhe estão confiadas e, obviamente, à assunção jurídica, política e administrativa da sua qualidade de órgão.
Z) Não pode seguir-se a argumentação segundo a qual «[...] as competências definidas na LAL têm um campo de aplicação distinto da competência disciplinar [...]» (cf. página 17 do Acórdão de 13 de Fevereiro de 2008), tratando-se «[...] de competências, que respeitam a matérias distintas, e que, por isso, são, em regra, objecto de consagração em diplomas distintos» (cf. página 18 do Acórdão de 13 de Fevereiro de 2008).
AA) Não é exacto afirmar a separação de matérias (a que corresponde a separação de diplomas) nos moldes referidos pelo acórdão recorrido, donde resultaria que a «[...] gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais [...]» (cf. alínea a) do n.º 2 do artigo 68.º da Lei 169/99, de 18 de Setembro), nada teria que ver com a competência disciplinar sobre os funcionários e agentes das autarquias locais (cf. artigo 8.º do Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro).
BB) Não corresponde à verdade que a Lei 169/99, de 18 de Setembro, reportando-se ao um campo de aplicação próprio e estanque, não se dirija - em nenhuma medida - às questões disciplinares.
CC) A competência disciplinar constitui uma modalidade da gestão dos recursos humanos.
DD) Isso mesmo resulta inequívoco e patente do teor da Lei 169/99, de 18 de Setembro, em especial do n.º 2 do artigo 70.º, que respeita à possibilidade de delegação (e subdelegação) de competências de gestão e direcção dos recursos humanos no pessoal dirigente, onde o legislador refere a prática de «[...] todos os actos relativos à aposentação de funcionários, com excepção da aposentação compulsiva [...]» [alínea j)].
EE) De acordo com a alínea e) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, a aposentação compulsiva consubstancia uma das seis penas disciplinares previstas pelo Estatuto Disciplinar.
FF) Há uma norma da Lei 169/99 que, a propósito da competência de direcção e gestão de recursos humanos, regula a «delegabilidade» de uma sanção disciplinar!
GG) Os fundamentos da tese do recorrente demonstram a absoluta constitucionalidade da solução normativa por si propugnada.
HH) O Estatuto Disciplinar foi elaborado, em matéria de lei das autarquias, na vigência da Lei 79/77.
II) Esta lei conferia à câmara municipal o poder de «superintender na gestão e direcção do pessoal ao serviço do município», entendendo-se caber nesse os poderes de «nomear, contratar ou assalariar, promover, transferir, louvar, punir, aposentar e exonerar os funcionários e assalariados municipais».
JJ) O presidente da câmara já gozava de competência disciplinar mesmo antes de ser órgão autónomo - órgão municipal -, o que resulta do n.º 4 do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar.
KK) Hoje, de acordo com o artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei 169/99, «compete ao presidente da câmara municipal decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais».
LL) A competência do presidente da câmara para a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais é originária e exclusiva.
MM) O presidente da câmara é o órgão executivo singular do município.
NN) O poder de aplicação de sanções disciplinares é assunto indissociável da gestão e direcção dos recursos humanos.
OO) O Estatuto Disciplinar não contraria, antes complementa, o disposto no artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei 169/99.
PP) O Estatuto Disciplinar limita-se a explicitar, mas não a atribuir competências.
QQ) Norma de atribuição de competência é o artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei 169/99.
RR) A matéria disciplinar não é especial relativamente à autárquica.
SS) É, antes, uma secção do direito autárquico, tal como a matéria autárquica é uma secção do direito disciplinar.
TT) A interpretação da norma do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar efectuado pelo aqui recorrente é absolutamente conforme à Constituição, já o mesmo não se passa com a solução normativa derivada da interpretação efectuada no acórdão recorrido.
UU) Tal solução normativa, na medida em que encara o artigo 18.º do Estatuto Disciplinar enquanto norma atributiva-constitutiva de competência dos órgãos autárquicos, é inconstitucional orgânica e formalmente, por falta de autorização para legislar em matéria de estatuto das autarquias locais, designadamente, de repartição da respectiva competência interna.
VV) E é materialmente inconstitucional por - ao considerar a norma resultante do artigo 18.º como uma norma definidora de competência e convocar o critério da preferência da lei especial relativamente à lei geral da repartição de órgãos autárquicos - violar o cânon constante do n.º 2 do artigo 243.º da Constituição, que estabelece a prevalência das especificidades autárquicas sobre o estatuto disciplinar dos funcionários públicos.
Termos em que requer que sejam consideradas inconstitucionais as normas constantes do artigo 18.º, n.os 1 e 4, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, na concreta interpretação efectuada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo sob recurso, de 13 de Fevereiro de 2008 e, assim, desaplicadas do caso dos autos."
O recorrido contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2 - Fundamentação.
2.1 - Como é sabido, não compete ao Tribunal Constitucional, no âmbito dos recursos de constitucionalidade para ele interpostos, tomar posição sobre a correcção da interpretação do direito ordinário efectuada pelas instâncias, designadamente na decisão recorrida, mas tão-só apreciar se essa interpretação - assumida como um dado da questão de constitucionalidade - viola, ou não, normas ou princípios constitucionais.
Surge, assim, como deslocado, todo o esforço, em que o recorrente consumiu a maior parte da sua argumentação, no sentido de sustentar a tese de que o artigo 18.º do EDFAACRL se deveria considerar revogado pelo artigo 68.º, n.º 2, alínea a), da Lei 169/99, de 18 de Setembro.
2.2 - O recorrente sustenta que o artigo 18.º, n.os 1, 3 e 4, do EDFAACRL, interpretado - como o foi no acórdão recorrido - no sentido de, relativamente aos funcionários municipais, ser a câmara municipal que detém competência para aplicar sanções disciplinares, com excepção da pena de repreensão, que pode ser aplicada pelo presidente desse órgão executivo, padece de "inconstitucionalidade orgânica e formal de cariz originário", por a Lei 10/83, de 13 de Agosto - que concedeu a autorização legislativa ao abrigo da qual o Decreto-Lei 24/84, que aprovou o EDFAACRL, foi emitido - apenas invocar as alíneas d) e u) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP, na versão de 1982, então vigente, que inseriam na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República as matérias do "regime geral de punição das infracções disciplinares" e das "bases do regime e âmbito da função pública", mas já não a alínea r) do mesmo preceito, concernente ao "estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais", matéria a que respeitariam as citadas regras do artigo 18.º do EDFAACRL, se interpretadas - como o foram - como normas definidoras de competência dos órgãos das autarquias locais.
A Lei 10/83, invocando os artigos 164.º, alínea e), 168.º, n.os 1, alíneas d) e u), e 2, e 169.º, n.º 2, da CRP, na versão de 1982, então vigente, autorizou o Governo a legislar "em matéria de regime disciplinar da função pública" (artigo 1.º, n.º 1, alínea b)), precisando o n.º 3 deste artigo 1.º que "o regime a instituir nos termos da alínea b) do n.º 1 visa introduzir alterações ao Decreto-Lei 191-D/79, de 25 de Junho, por forma a redefinir os factos ilícitos ou a definir novas formas de ilícito de corrupção passíveis de sanção disciplinar, a corrigir a dosimetria das penas em vigor e ainda a ultrapassar dificuldades de execução e a integrar lacunas do Estatuto Disciplinar".
Esta autorização abarcava, inequivocamente, a edição de norma como a do questionado artigo 18.º do EDFAACRL.
Recorde-se que o Decreto-Lei 191-D/79, cuja alteração foi autorizada, aprovara o anterior Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, o qual, no artigo 19.º, declarava que o disposto no capítulo em que se inseria (dedicado à competência disciplinar) seria "aplicável na Administração Autárquica nos termos previstos em diploma regulamentar a publicar no prazo de cento e oitenta dias" (n.º 1) e que "até à entrada em vigor do diploma previsto no número anterior, continuará a aplicar-se o artigo 572.º do Código Administrativo, para o efeito do que se consideram incluídas na previsão do seu n.º 1 todas as penas constantes do n.º 1 do artigo 11.º deste Estatuto e na do seu n.º 2 as de repreensão e multa". Ora, conjugando esta disposição com a do artigo 572.º do Código Administrativo [que atribuía aos corpos administrativos competência, no n.º 1, para a aplicação, aos funcionários dos seus quadros privativos, das penas dos n.os 1 a 7 do artigo 564.º (a que se fizeram equivaler todas as penas do n.º 1 do artigo 11.º do EDFAACRL de 1979), e, no n.º 2, para a aplicação, aos funcionários do quadro geral que se encontrassem ao seu serviço, das penas dos n.os 1 a 3 do mesmo artigo 564.º (a que se fizeram corresponder as penas de repreensão e multa), acrescentando o § único que "o presidente da câmara municipal tem competência para advertir e repreender qualquer funcionário municipal"], resulta que, relativamente aos funcionários municipais, era da competência do "corpo administrativo" (câmara municipal) a aplicação de todas as penas constantes do n.º 1 do artigo 11.º, podendo o presidente da câmara municipal aplicar a pena de repreensão (ou advertência).
Na autorização legislativa para alteração do regime disciplinar dos funcionários da Administração Local não poderia deixar de estar inserida a matéria relativa à definição da correspondente competência disciplinar, isto é, designadamente, a definição de quais os órgãos dessa Administração competentes para aplicar cada tipo de pena disciplinar. Tratava-se de matéria que se prendia de modo directo com a definição do regime geral de punição das infracções disciplinares e de uma parte das bases do regime e âmbito da função pública, só indirectamente e de modo reflexo respeitando ao estatuto das autarquias locais, na parte em que este estatuto abrange a definição da competência dos órgãos das autarquias. Sendo o propósito primordial da projectada intervenção legislativa a revisão de todo o regime disciplinar da função pública, de que a função autárquica constituía uma parte, compreende-se que a lei de autorização legislativa se tenha limitado a invocar as alíneas d) e u) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP então vigente. Da omissão de referência à alínea r) do mesmo preceito não é lícito retirar - porque tal seria flagrantemente contraditório como o objectivo visado - que o Parlamento não quis conceder autorização ao Governo para regular o regime disciplinar dos funcionários da Administração Local num ponto tão central como o da definição da competência punitiva dos respectivos órgãos.
Conclui-se, assim, que a Lei 10/83 encerra credencial parlamentar bastante para a edição, pelo Governo, da norma do artigo 18.º do EDFAACRL de 1984, pelo que não se verifica o vício de "inconstitucionalidade orgânica e formal de cariz originário" que o recorrente arguiu.
Ao que sempre se poderia acrescentar que tal norma, na parte relevante para o presente recurso - isto é, na parte em que atribui à câmara municipal, e não ao seu presidente, competência para aplicar a um funcionário municipal a pena de suspensão - , não se reveste de carácter inovatório, pois já resultava do artigo 572.º do Código Administrativo e foi mantida em vigor pelo EDFAACRL de 1979, pelo que, também por esta razão, improcederia a acusação de inconstitucionalidade orgânica.
Refira-se, por último, quanto a este ponto, embora o recorrente não tenha questionado o cumprimento adequado da definição do sentido da autorização legislativa, que este Tribunal, pelos Acórdãos n.os 257/97, 380/98, 743/98 e 491/99, sempre entendeu que o n.º 3 do artigo 1.º da Lei 10/83 não violava o n.º 2 do artigo 168.º da CRP, na versão então vigente, por falta de definição de sentido preciso da autorização legislativa.
2.3 - A segunda questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente respeita a alegada "inconstitucionalidade material de natureza superveniente", decorrente de a revisão constitucional de 1997, no n.º 2 do artigo 243.º, ter aditado ao teor primitivo do n.º 2 do correspondente artigo 244.º das anteriores versões ("é aplicável aos funcionários e agentes da administração local o regime dos funcionários e agentes do Estado") a expressão "com as adaptações necessárias, nos termos da lei".
Da introdução deste inciso retira o recorrente a afirmação da prevalência das leis organizatórias das autarquias locais (Decreto-Lei 100/84, de 29 de Março, na redacção dada pelo Decreto-Lei 18/91, de 12 de Junho, e Lei 169/99, de 18 de Setembro), designadamente do artigo 68.º, n.º 2, alínea a), desta última Lei, que, ao atribuir ao presidente da câmara o poder de tomar todas as decisões relacionadas com a gestão dos recursos humanos afectos aos serviços municipais, o teria reconhecido como o órgão executivo autárquico dotado de genérica competência disciplinar.
Já se disse que não compete ao Tribunal Constitucional tomar posição quanto à questão de saber se esta última norma determinou a revogação do artigo 18.º, n.os 1, 3 e 4, do EDFAACRL de 1984. Constata-se apenas que a jurisprudência administrativa - tal como veio a decidir o acórdão ora recorrido - nunca aderiu a essa tese: o acórdão do STA, de 5 de Maio de 1999, processo 41 514, decidiu que o Decreto-Lei 100/84, na redacção dada pelo Decreto-Lei 18/91, não revogou os artigos 18.º e 75.º, n.º 4, do EDFAACRL de 1984 (pelo que o presidente da câmara municipal não era competente para aplicar a pena de aposentação compulsiva), no mesmo sentido (quanto à primeira proposição) tendo decidido o acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 2 de Março de 2000, processo 3597/99; os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23 de Setembro de 2004, processo 126/04, e de 22 de Novembro de 2007, processo 1592/05.3BRPRT, tomaram idêntica decisão face à Lei 169/99; e o acórdão deste mesmo Tribunal, de 3 de Abril de 2008, processo 1887/05.6BEPRT, fê-lo quer face ao diploma de 1991 quer face ao diploma de 1999.
Ora, o entendimento de que esses diplomas organizatórios das autarquias locais não revogaram a lei, tida por especial, constante do EDFAACRL de 1984, em nada contende com o preceito constitucional invocado - o artigo 243.º, n.º 2, na versão de 1997 - , pois neste apenas se possibilita que o legislador, se o entender, introduza alterações ao regime dos funcionários e agentes do Estado quando aplicado aos funcionários e agentes da Administração Local.
É claramente improcedente a tentativa de transformar esta norma meramente habilitadora de uma intervenção deixada à liberdade do legislador ordinário numa regra de absoluta prevalência dos diplomas organizatórios autárquicos sobre o regime disciplinar da função pública, tanto mais que, neste regime, constante do EDFAACRL, o legislador, justamente no questionado artigo 18.º, introduziu já a adaptação que considerou adequada quando tratou de definir a competência disciplinar relativamente aos funcionários da Administração Local.
3 - Decisão.
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 18.º, n.os 1, 3 e 4, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16 de Janeiro, interpretadas no sentido de que compete à câmara municipal a aplicação de sanções disciplinares aos funcionários e agentes da autarquia, com excepção da pena de repreensão, que pode ser aplicada pelo presidente desse órgão executivo; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Setembro de 2008. - Mário José de Araújo Torres, relator - Benjamim Silva Rodrigues - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Rui Manuel Moura Ramos.