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Acórdão 345/2015, de 30 de Julho

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma extraída dos artigos 168.º, n.º 1, e 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 143/99, de 31 de agosto, segundo a qual, a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça é instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos de atos administrativos, maxime sancionatórios, praticados pelo Conselho Superior da Magistratura; não conhece do objeto do recurso quanto às restantes questões de inconstitucionalidade suscitadas nos recursos

Texto do documento

Acórdão 345/2015

Processo 1041/14

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - Maria Isabel Pereira Pinto Namora, juíza de direito, notificada da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 20 de junho de 2013 que, na sequência de procedimento disciplinar, lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva, interpôs recurso contencioso da mesma ao abrigo do disposto nos artigos 168.º e 171.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de julho, com as alterações posteriores, nomeadamente e no tocante aos referidos preceitos, pela Lei 143/99, de 31 de agosto ("EMJ").

Por acórdão de 26 de fevereiro de 2014, a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça ("STJ") negou provimento ao recurso (fls. 206 e ss.).

Inconformada, a recorrente arguiu a nulidade de tal aresto e, em simultâneo, interpôs recurso daquela decisão para o Pleno, invocando o disposto nos artigos 35.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ("LOFTJ") e 141.º, 142.º, n.os 1 e 3, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ("CPTA"), aplicáveis ex vi do artigo 178.º do EMJ. Apresentou ainda requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade com fundamento no 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante referida como "LTC"), para apreciação das seguintes questões:

«O recurso é interposto cautelarmente prevenindo interpretação (que não se concede) que venha a considerar como sendo o aludido Ac. do STJ insuscetível de recurso ordinário e aplicável, desde já, o prazo estabelecido no artigo 75.º n.º 1 da Lei 28/82, e sem que tal implique renúncia ao recurso nesta data interposto da mesma decisão para o Pleno desse STJ.

Em observância ao disposto no artigo 75.º-A n.os 1 e 2, consigna-se que as normas cuja declaração de inconstitucionalidade se pretende e as normas e princípios Constitucionais violados são os seguintes:

a) Declaração de inconstitucionalidade dos artigos 82.º, 95.º n.º 1 a) e 117.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, por violação do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa - expressamente invocado pela recorrente no recurso interposto contra a deliberação do CSM (artigo 20.º e 32.º do recurso e conclusões 1.ª (1.4) e 2.ª (2.3);

b) [...] Dos artigos 85.º, 96.º e 97.º do EMJ, por violação do artigo 268.º da CRP - expressamente invocado pela recorrente arts. 75 e seguintes do recurso e 9.ª conclusão;

c) Do artigo 95.º n.º 1 a) do EMJ por violação dos artigos 13.º, 53.º e 56.º da CRP, bem como dos artigos 67.º n.º 1 e 68.º n.º 1 da CRP - expressamente invocado pela recorrente artigo 97.º do recurso e 10.ª conclusão (10.4); e art. 133.º do recurso e 13.ª conclusão (13.2)

d) Do artigo 98.º do EMJ por violação do artigo 268.º da CRP - expressamente invocado pela recorrente alínea G) do recurso (arts. 98 e seguintes) e 13.ª conclusão;

e) Do artigo 168.º do EMJ por violação do artigo 32.º n.º 1 da CRP - expressamente invocado pela recorrente artigo 43.º das alegações de recurso e 8.ª conclusão das mesmas.» (fls. 282-283)

2 - Por despacho de fls. 319 e ss., o relator no tribunal a quo não admitiu o recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça. Determinou ainda, quanto ao recurso de constitucionalidade, que a apreciação do mesmo apenas deveria ter lugar após pronúncia quanto à arguição de nulidades formulada. Tal arguição veio a ser indeferida por acórdão de 29 de maio de 2014 (fls. 327 e ss.).

Na sequência do aludido despacho, a recorrente apresentou requerimento de «reclamação para o Pleno», invocando interpretação inconstitucional do artigo 168.º do EMJ, por violação dos artigos 13.º, 32.º, n.os 1 e 10, da Constituição, e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ("CEDH").

Por despacho de fls. 348 foi admitido o recurso anteriormente interposto para o Tribunal Constitucional.

Por acórdão de 25 de setembro de 2014, a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação apresentada, considerando que não cabe recurso das decisões proferidas por aquela composição. Vejamos a fundamentação expendida neste aresto:

«Prevê o artigo 168.º n.º 1 do EMJ que "das deliberações do Conselho Superior da Magistratura recorre-se para o Supremo Tribunal de justiça".

E depois de regular a tramitação de tal recurso desde a interposição até à prolação do acórdão da Secção de Contencioso vocacionada para o conhecimento e julgamento de tal recurso (art.s 168.º a 177.º), prescreve o artigo 178.º, a propósito da lei subsidiária aplicável, que "são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo, interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo".

Ou seja, a previsão de subsidiariedade restringe-se às normas de tramitação processual dos recursos do contencioso administrativo no STA.

Não às normas sobre recorribilidade dos acórdãos da Secção de Contencioso do STJ e à definição do tribunal com competência para apreciar tais recursos.

Como certeiramente se entendeu no Acórdão do Contencioso deste STJ de 12-07-2007, "a remissão que subsidiariamente é feita no artigo 178.º do EMJ para as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo abrange apenas as normas relativas à tramitação do recurso e não as que se referem à recorribilidade das decisões".

Logo, o artigo 178.º do EMJ, ao prescrever subsidiariamente aplicáveis as normas que regem a sequência de atos processuais dos recursos do contencioso administrativo para o STA apenas pretende colmatar as lacunas da regulamentação prevista nos art.s 168.º a 178.º do EMJ e. "de modo algum, teve o propósito de admitir mais um grau de jurisdição, a possibilidade de mais um recurso, caso isto seja possível no caso destes recursos para que subsidiariamente remete"

Quer dizer: o EMJ prevê e regulamenta os atos processuais que culminam no acórdão final mas nada diz sobre a impugnação deste, sendo certo que a remissão subsidiária aí prevista para os recursos do STA se cinge apenas à regulamentação dos respetivos trâmites previstos no EMJ.

Não prevendo o EMJ recurso do acórdão da Secção de Contencioso, igualmente se não descortina tal impugnabilidade em outros diplomas.

É certo que o artigo 53.º-b) da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013 de 26 de agosto) prevê que compete ao Pleno das Secções (do STJ), conforme a sua especialização, julgar os recursos de decisões proferidas em 1.ª instância pelas ditas secções,

Mas, como decorre do que ficou dito, tendo em conta o modo e a forma como delibera colegialmente a Secção de Contencioso - com intervenção de todos os Juízes que a compõem - e, para além de só haver uma Secção de Contencioso (o que inviabiliza a formação de um Pleno (de Secções do Contencioso), a eventualidade de uma tal instância de recurso colocaria os Conselheiros perante a alternativa de confirmarem ou revogarem um acórdão que eles próprios haviam proferido.

Sem dúvida que a recorrente coloca um problema de competência e funcionamento interno do STJ cujos princípios gerais estão contidos nos art.s 47.º e segs da Lei 62/2013 citada e dos quais resulta que ele funciona:

a) em plenário;

b) em pleno das secções especializadas;

c) por secções (artigos 48.º n.º 1 e 52.º a 56.º).

Está naturalmente excluída, no caso concreto, a competência do Plenário do STJ definida no artigo 52.º-a) da Lei 62/2013, por inverificação da hipótese aí prevista, inexiste igualmente norma atribuidora de competência ao Plenário do STJ para apreciar situações subsumíveis ao caso concreto, ou seja, que contemplem a hipótese prevista no artigo 52.º-b) do mesmo diploma.

Subjacente à competência atribuída ao Pleno das Secções para o julgamento dos recursos interpostos contra acórdãos proferidos em 1.ª instância pelas Secções está um julgamento colegial de composição restrita por estas (apenas por três juízes - artigo 56.º n.º 1), o que legitimaria o recurso para o Pleno das Secções (conforme a sua especialização).

Ou seja, dentro do próprio STJ, a composição do órgão julgador no primeiro e no segundo grau de jurisdição seria diversa.

Escreveu-se no acórdão do STJ de 12-07-2007:

"Ora, julgando a secção de contencioso em 1.ª instância, poder-se-ia dizer, à primeira vista, que as suas decisões eram suscetíveis de recurso.

Todavia, as coisas não se passam assim. Vejamos porquê. Nas secções cíveis, criminais e na secção social, os julgamentos não são feitos por todos os juízes que integram essas secções. São feitos apenas por três juízes, funcionando um como relator e os outros como adjuntos (artigo 37.º, n.º 1, da LOTJ). Isso permite que as suas decisões sejam suscetíveis de recurso para o pleno das respetivas secções especializadas, mas tal possibilidade já não existe na secção de contencioso, uma vez que todos os seus juízes intervêm no julgamento, como inequivocamente resulta do disposto no n.º 2 do artigo 177.º do EMJ, nos termos do qual o processo vai a vistos de todos os juízes da secção. Ora, se a secção de contencioso funciona sempre em pleno, para que pleno haveria de ser interposto o recurso das suas decisões?

A lei é omissa a esse respeito, o que nos leva a concluir que tais decisões não são suscetíveis de recurso. E compreende-se que assim seja, uma vez que, sendo a secção composta por vários juízes conselheiros (atualmente por oito), a qualidade e o acerto da decisão estão por demais garantidos.

E diga-se de passagem que o regime previsto na legislação administrativa não oferece mais garantias. Admite, é certo, um 2.º grau de jurisdição, uma vez que prevê recurso para o pleno da Secção de Contencioso Administrativo dos acórdãos proferidos pela Secção em 1.º grau de jurisdição (artigo 25.º, n.º 1, al. a), do ETAF). Mas também é verdade que nos acórdãos tirados em 1.º grau de jurisdição na Secção de Contencioso Administrativo do STA só intervêm três juízes (artigo 17.º, n.º 1, do ETAF) e não por oito, como acontece com os acórdãos da secção de contencioso do STJ, uma vez que esta, como já foi dito, funciona sempre em pleno.

Deste modo, quer numa jurisdição quer na outra, a decisão final acaba por ser proferida por "tribunal" de igual categoria funcional: o pleno da secção. E não se pode dizer que o facto de o recurso contencioso interposto para o STJ ser apreciado apenas em um grau de jurisdição, e não em dois graus como acontece na jurisdição administrativa, é mais desvantajoso para o recorrente. Na verdade, a boa justiça não depende propriamente do número de graus de jurisdição em que o litígio pode ser apreciado, mas da qualidade do decisor final e o facto de, no STJ, o contencioso administrativo ser julgado em um só grau de jurisdição acaba por trazer vantagens para o recorrente, uma vez que consegue obter uma decisão mais célere e com menor custos".

Mas pergunta-se:

Não envolverá a inexistência de um duplo grau de jurisdição, de uma segunda instância, um juízo de inconstitucionalidade?

O Tribunal Constitucional tem entendido, ao invés do sustentado por alguma doutrina, que a exigência constitucional de duplo grau de jurisdição se basta com a sua consagração em matéria penal e na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa previstas no artigo 32.º da Constituição; logo, fora do âmbito penal, o direito ao duplo grau de jurisdição não goza de consagração constitucional, como núcleo essencial e inarredável do acesso ao Direito e aos Tribunais.

"Fora do âmbito do processo penal - como se escreveu no Ac. Trib. Constitucional de 22-06-1995 - o Tribunal tem entendido que a Constituição impõe tão-somente que se assegure, sem restrições, o acesso a um grau de jurisdição, o que constitui a garantia mínima de acesso aos tribunais, não gozando assim a garantia do duplo grau de jurisdição de proteção generalizada (cf., sobre este aspeto, Lopes do Rego, «Acesso ao direito e aos tribunais», in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, p. 80). Uma vez que a Constituição não garante, por forma expressa, a existência do direito ao recurso, o legislador ordinário goza neste domínio de uma ampla margem de discricionariedade na conformação concreta dos casos em que são admissíveis e dos requisitos dos recursos em domínios como o direito civil, laboral e administrativo"

Significa isto que o Tribunal Constitucional, como já se escreveu, "não censura jurídico-constitucionalmente o único grau de jurisdição, dado o acesso aos tribunais não se encontrar moldado e garantido, em parâmetros de constitucionalidade, em todos os casos, como direito a um duplo grau de jurisdição".

Logo, o direito de acesso aos tribunais não garante em todos os casos o direito a um duplo grau de jurisdição.

Mas aqui entra em cena outra linha de argumentação que se prende com a eventual violação do princípio constitucional da igualdade previsto no artigo 13.º n.º 1 da Constituição, na medida do tratamento diferenciado que as deliberações do Plenário do CSM, impugnáveis apenas em um grau de jurisdição, têm, relativamente às deliberações do Conselho Superior do Ministério Público, impugnáveis em dois graus de jurisdição, perante o STA e depois perante o Pleno do mesmo STA.

Sobre esta concreta questão se pronunciou já o Tribunal Constitucional em 22-06-1995 (Relator Nunes de Almeida), entendendo então que

"As Magistraturas Judiciais e do Ministério Público, embora paralelas, não são iguais, pelo que não viola o princípio da igualdade, o facto das decisões do Conselho Superior do Ministério Público poder haver apreciação em duplo grau de recurso e das do Conselho Superior da Magistratura haver apenas um grau de recurso. Por isso, também neste particular não é inconstitucional o artigo 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais".

A desigualdade de tratamento, cuja evidência é inquestionável, só adquire relevância constitucional se for, além de destituída de fundamento, desproporcionada e irrazoável.

Ora, como flui do exposto, a unicidade do grau de jurisdição (e a consequente irrecorribilidade dos acórdãos da Secção de Contencioso do STJ) decorre da organização estrutural deste Tribunal (com apenas uma Secção de Contencioso) e da forma como esta funciona e delibera, (em primeira e única instância, com o "pleno" dos seus membros), ao invés do que sucede com o STA; quer dizer: a própria estrutura interna do STJ e o funcionamento da respetiva Secção de Contencioso, inviabilizam o reconhecimento do duplo grau de jurisdição e do direito ao recurso dentro da própria Secção...

E desde que a exigência constitucional de um duplo grau de jurisdição se limita ao âmbito penal, há que reconhecer que fora dele, a lei ordinária goza, em matéria de recursos, de liberdade de conformação dos graus de jurisdição.

Como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional de 22-06-1999 (Relator Tavares da Costa):

"Admitida a liberdade de conformação do legislador ordinário na opção por um ou mais graus de jurisdição em matéria de recursos - com exceção dos casos de decisões condenatórias em processo penal - a limitação do direito ao recurso das deliberações do Conselho Superior da Magistratura para a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, não constituindo, porventura, a solução ótima, não integra uma forma irrazoável ou desproporcionada do cerceamento desse mesmo direito, nem, na perspetiva da igualdade, se reveste de arbitrariedade, dando lugar a situações diferenciadas, sem fundamento material bastante".» (fls. 359-364)

3 - Notificada desta decisão, a autora interpôs novo recurso de constitucionalidade ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC. Este recurso foi admitido por despacho de fls. 373.

4 - Subidos os autos a este Tribunal Constitucional, foi proferido despacho convidando a recorrente a esclarecer, quanto aos dois recursos interpostos, qual o teor das normas ou interpretações normativas questionadas, identificando, dessa forma, a norma ou critério normativo que terá constituído o fundamento das decisões recorridas (fls. 379).

A recorrente respondeu o seguinte (fls. 381-387):

«4.º

E embora considerando que deu cabal cumprimento ao invocado n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC - o que é coisa diferente da circunstância de ter agora de desenvolver, ainda mais do que já fez nas peças processuais onde arguiu as inconstitucionalidades em causa, a sua argumentação acerca de como, em seu entender, os artigos da lei, v.g. do EMJ, interpretados e aplicados como o foram nas decisões recorridas, contrariam os preceitos e princípios constitucionais apontados, e mais ainda da circunstância de Vª Exª porventura concordar ou discordar dessa argumentação... -, com vista a evitar argumentos ou pretextos de qualquer ordem, designadamente para o proferimento de uma qualquer decisão sumária de rejeição dos mesmos recursos, vem então a recorrente dar o maior cumprimento possível ao solicitado/ordenado por Vª Exª.

5.º

Assim, e desde logo quanto ao 2.º dos recursos (interposto a fls. 370 e 371 e admitido pelo despacho de fls. 373), o que nele está patentemente em causa são os preceitos dos artºs 168.º, n.º 1 e também o 178.º do EMJ, quando interpretados no sentido, explicitamente consagrado na decisão recorrida, de que a Secção de Contencioso do STJ seria instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos dos atos administrativos, maxime sancionatórios, praticados pelo CSM,

6.º

Pelo que das deliberações de tal Secção de Contencioso, tomadas em 1.ª instância, não caberia afinal recurso para o Pleno ao STJ, consagrando-se assim a inexistência de um duplo grau de jurisdição,

7.º

Ainda por cima, exatamente ao invés, e sem qualquer justificação bastante para isso, do que sucede com os magistrados do Ministério Público, que podem interpor recurso das decisões (v.g. disciplinares) do CSM para o STA, e deste para o Pleno do mesmo STA.

8.º

E isto porque entende a recorrente - como argumentos que desenvolverá plenamente nas alegações de recurso que tem o pleno direito de apresentar - que o princípio do duplo grau de jurisdição se aplica não só às matérias penais mas a todos os procedimentos sancionatórios, maxime os de natureza pública,

9.º

Relativamente aos quais, e até por força do n.º 10.º do artigo 32.º e também do artigo 269.º, n.º 3, ambos da CRP, o direito ao recurso também integra o núcleo essencial das garantias da defesa, que devem e têm que ser respeitados. Por outro lado,

10.º

A limitação do direito de recurso por parte dos Juízes das deliberações do CSM a um único grau de jurisdição, ao invés do que sucede por exemplo e desde logo com os magistrados do MºPº, representa igualmente uma situação diferenciada, sem fundamento material bastante,

11.º

Até porque, como se afigura óbvio, não será constitucionalmente sustentável procurar fundamentar a constitucionalidade dessas diferenças de tratamento no facto de a dita Secção de Contencioso do STJ já funcionar com um soit-disant pleno dos seus membros (o que assim fundamentaria a dispensa do recurso para o Pleno do próprio STJ, com todos os membros deste). Deste modo,

12.º

Interpretados e aplicados como o foram na decisão recorrida - ou seja, consubstanciando a solução normativa de que dos atos da Secção de Contencioso do STJ não cabe recurso para o Pleno do mesmo STJ - os artºs 168.º e 178.º do EMJ violam o núcleo essencial dos direitos da defesa, e designadamente o de recurso ou duplo grau de jurisdição (consagrado nos artºs 32.º, n.º 1 e 10 e também 269.º, n.º 3 da CRP, mas também no artigo 6.º, n.º 1 da CEDH), e violam igualmente o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP. Por outro lado,

13.º

Agora no que ao 1.º recurso diz respeito, a recorrente considera que, na vertente normativa como foram interpretados e aplicados na decisão recorrida, os artºs 82.º, 95.º, n.º 1, al. a), 117.º e 122.º do EMJ - permitindo que um magistrado possa ser objeto de uma deliberação sancionatória onde não se indicam nem têm que se indicar expressamente os deveres funcionais alegadamente violados e, logo, que não é devidamente fundamentada também com tal indicação - violam claramente a CRP, desde logo os seus artºs 29.º, n.º 5 e 268.º, cujos preceitos e princípios proíbem tal solução e se têm de ter por aplicáveis também aos ilícitos e procedimentos disciplinares. Ademais,

14.º

Os artºs 117.º e 168.º do EMJ (e também o 125.º do CPA), se e quando interpretados como o foram na decisão recorrida - e isto, independentemente de terem sido, ou não, objeto de invocação expressa pela decisão recorrida - ou seja, permitindo uma inexistente, ou pelo menos deficiente, fundamentação de uma decisão administrativa, e escusando-se depois o STJ a sindicar tal decisão sob o argumento de que apenas o fará em caso de erro manifesto ou grosseiro do CSM ou de que este adote critérios ostensivamente desajustados, para mais sancionatórios, e mais ainda aplicadores da sanção muito grave da aposentação compulsiva, violam por completo os artºs 20.º, 32.º, n.º 1 e 268.º, n.º 3 da CRP, por representarem as constitucionalmente inadmissíveis subtração das decisões disciplinares do CSM a qualquer tipo de efetivo controle jurisdicional e a inutilização prática dos direitos da defesa e de tutela jurisdicional efetiva. Por seu turno,

15.º

o artigo 5.º, n.º 2 do CPA e 85.º, 96.º e 97.º do EMJ, interpretados e aplicados como o foram na decisão recorrida, violam por completo o basilar princípio constitucional da proporcionalidade a que todos os órgãos administrativos, incluindo o CSM, estão obrigados por força do artigo 266.º, n.º 2, da CRP ao propugnar e sustentar uma pena completamente desproporcionada, em particular em atenção à culpa da recorrente e às concretas circunstâncias atenuantes, bem como violam os direitos à família e à maternidade (atentas as circunstâncias da vida familiar da recorrente que são do inteiro conhecimento do CSM e, também, do STJ, e que são por completo desvalorizadas e desprezadas pela decisão recorrida no pressuposto de que a vida familiar e nomeadamente as obrigações impostas pela maternidade e pelo dever de assistência aos progenitores devem ceder, e em absoluto, perante os deveres do desempenho profissional), consagrados nos artºs 67.º e 68.º, n.º 1 da CRP.

16.º

Mais ainda! Os artºs 260.º, n.º 3 e 261.º do RCTFP (ex vi do artigo 32.º do EMJ) e os artºs 34.º, n.º 2 e 36.º, n.º 2 (este a contrario sensu) e sobretudo os artºs 82.º e 95.º, n.º 1, alínea a) do EMJ, também interpretados e aplicados como o foram na decisão recorrida (ou seja, no sentido de permitir a aposentação compulsiva de um magistrado com base, não em qualquer comportamento doloso mas sim numa sua suposta "absoluta incapacidade organizativa", que é o mesmo que uma espécie de despedimento por suposta inadaptação, ainda por cima alicerçado em meros juízos valorativos e conclusivos) viola claramente (pela desigualdade de tratamento relativamente aos demais trabalhadores que exercem funções públicas, ao abrir a possibilidade de desvincular um Juiz por uma forma não admitida para os contratados) os preceitos e princípios do artigo 13.º (igualdade) e 53.º (segurança no emprego, proibição dos despedimentos e desvinculações arbitrários e sem justa causa), ambos da CRP.

17.º

Por fim, acrescentará a recorrente que é, para si, evidente que as decisões recorridas definiram determinadas soluções normativas para as questões que foram levadas à entidade a quo (STJ), soluções essas que - independentemente de, com intenção ou sem ela, a mesma entidade invocar expressamente esta ou aquela disposição legal - consubstanciam uma efetiva interpretação e aplicação dos preceitos legais supracitados,

18.º

Sendo que não apenas não se torna necessário que as normas em questão tenham sido expressamente invocadas ou sequer aplicadas, bastando, como aqui inequivocamente sucede, que tal decorra implicitamente da decisão (como a melhor doutrina - cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in "CRP anot.", Vol. II, p. 949 - e Jurisprudência - cf. Acs. TC n.os 318/90, 466/90 e 445/99), sempre têm consagrado,

19.º

Como cabem "também no âmbito deste recurso (de fiscalização sucessiva concreta de constitucionalidade - nota nossa) os casos das decisões que tenham interpretado uma norma num sentido arguido de inconstitucionalidade pela recorrente, de modo a excluí-la do âmbito da aplicação da norma, pois nesse caso o Tribunal "aplica" (embora de forma negativa) a norma na parte impugnada" - cf. AA. cit., ibidem, e Ac. TC n.º 329/91.

20.º

As apontadas inconstitucionalidades foram, pois, devida e atempadamente arguidas no processo e a recorrente deixa indicadas com suficiente clareza as exatas vertentes normativas dos diversos preceitos legais suprarreferenciados que se revelam, como e porquê, violadoras de preceitos e princípios constitucionais, que igualmente ficam (de novo) devidamente individualizados e indicados.» (fls. 381-387)

5 - Na sequência desta resposta, o relator neste Tribunal proferiu despacho determinando a produção de alegações e alertando as partes para a eventual subsistência das seguintes questões prévias, potencialmente obstativas a uma pronúncia sobre o mérito do recurso (fls. 389-390):

«a) A invocada inconstitucionalidade dos artigos 82.º, 95.º, n.º 1, alínea a), e 117.º do EMJ, interpretados no sentido de que "um magistrado possa ser objeto de uma deliberação sancionatória onde não se indicam nem têm que se indicar expressamente os deveres funcionais alegadamente violados", em virtude de tal critério não constituir ratio decidendi do acórdão recorrido;

b) A invocada inconstitucionalidade dos mesmos preceitos, interpretados "no sentido de permitir a aposentação compulsiva de um magistrado com base não em qualquer comportamento doloso mas sim numa sua suposta 'absoluta incapacidade organizativa', que é o mesmo que uma espécie de despedimento por suposta inadaptação, ainda por cima alicerçado em meros juízos valorativos e conclusivos", pelo facto de, por um lado, não ter ocorrido suscitação da inconstitucionalidade em termos processualmente adequados e, por outro, o critério sindicado não integrar a ratio decidendi do acórdão recorrido;

c) A invocada inconstitucionalidade dos artigos 85.º, 96.º e 97.º do EMJ, "ao propugnar[em] e sustentar[em] uma pena completamente desproporcionada, em particular em atenção à culpa da recorrente e às concretas circunstâncias atenuantes", pelo facto de não se tratar de uma questão normativa e, por conseguinte, não constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade;

d) A invocada inconstitucionalidade do artigo 95.º, n.º 1, alínea a), do EMJ, pelo facto de não ter ocorrido suscitação adequada da inconstitucionalidade durante o processo;

e) A invocada inconstitucionalidade do artigo 168.º do EMJ, interpretado no sentido de permitir "uma inexistente, ou pelo menos deficiente, fundamentação de uma decisão administrativa, e escusando-se depois o STJ a sindicar tal decisão sob o argumento de que apenas o fará em caso de erro manifesto ou grosseiro do CSM ou de que este adote critérios ostensivamente desajustados, para mais sancionatórios, e mais ainda aplicadores da sanção muito grave da aposentação compulsiva", pelo facto de não se tratar de uma questão normativa e, por conseguinte, não constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.»

6 - A recorrente apresentou alegações, pronunciando-se no sentido de não se verificarem quaisquer impedimentos ao conhecimento do mérito do recurso, e pugnando no sentido de se verificarem as inconstitucionalidades invocadas. Concluiu a sua peça nos seguintes termos:

«1.ª Ao invés do que o Sr. Juiz Relator parece dar a entender, todas as questões de inconstitucionalidade foram devida e oportunamente arguidas no decurso do presente processo, e foram-no precisando com clareza o critério normativo das normas que o Acórdão recorrido aplicou, quer fosse expressa, quer fosse implicitamente.

2.ª O entendimento no sentido, que foi o consagrado no Acórdão ora sob recurso, de que o dever de fundamentação de decisão que aplique sanção disciplinar se pode considerar cumprido sem a indicação dos deveres funcionais previstos no EMJ concretamente violados conduz à incontornável inconstitucionalidade dos artºs 82.º e 1 17.º do EMJ assim interpretados e aplicados, por óbvia violação do artigo 29.º da CRP.

3.ª O que se verificou no concreto caso dos autos é que os mesmos factos - atrasos na prolação das decisões - foram pela decisão sancionatória do CSM e pelo Acórdão sob recurso considerados como podendo ser duplamente considerados em sede disciplinar, o que tudo é constitucionalmente intolerável face ao artigo 29.º da CRP.

4.ª O entendimento de que o STJ não pode afinal sindicar a decisão do CSM exceto em caso de erro manifesto ou grosseiro ou caso esta adote critérios ostensivamente desajustados implica a subtração a qualquer tipo de controlo judicial das decisões do CSM, em clara violação dos mais elementares direitos constitucionalmente consagrados, nomeadamente o direito a processo equitativo e ao recurso aos Tribunais previstos nos artigos 20.º e 32.º n.º 1 e 268.º da CRP.

5.ª A vertente normativa consagrada no Acórdão conduziria a um resultado interpretativo absurdo e inconstitucional - como expressamente já alegado, uma vez mais, no decurso do presente processo - de que os nomeados estariam afinal mais desprotegidos do que os «contratados» quanto à cessação do vínculo por alegada inadaptidão, com manifesta e totalmente injustificada diferenciação de tratamento, ou seja, com discriminação e, logo, com violação dos supracitados artºs 13.º, 56.º 3 53.º da CRP.

6.ª A decisão confirmada pelo Acórdão recorrido e este próprio representam, também, um salto lógico incompreensível em termos de proporcionalidade e adequação, impondo uma sanção manifestamente excessiva e sem suporte fático fundamentador bastante, e consagrando uma vertente normativa do citado artigo 85.º claramente violadora do artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

7.ª A escolha da pena constante da decisão sancionatória e do Acórdão impugnado que a confirmou, consubstancia um «erro manifesto ou grosseiro» que o Supremo Tribunal de Justiça poderia (e entende a recorrente deveria) ter corrigido, substituindo a sanção disciplinar aplicada por outra menos grave.

8.ª Ao não fazê-lo, o STJ consagrou uma vertente normativa do citado artigo 85.º totalmente desconforme com a letra e o espírito da Lei Fundamental, tal como também logo foi expressamente alegado.

9.ª A decisão sancionatória e o Acórdão recorrido radicam numa lastimável confusão entre a avaliação do mérito e a imputação de matéria disciplinar, e que tem por pressuposto o entendimento (inconstitucional, por violação dos artºs 67.º e 68.º, n.º 1 da CRP) de que a vida familiar, nomeadamente as obrigações impostas pela maternidade e pelo dever de assistência aos progenitores, devem ceder perante o dever de um dado desempenho profissional.

10.ª Quanto ao 2.º dos recursos, o que nele está patentemente em causa são os preceitos dos artºs 168.º, n.º 1 e também o 178.º do EMJ, quando interpretados no sentido, explicitamente consagrado na decisão recorrida, de que a Secção de Contencioso do STJ seria instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos dos atos administrativos, maxime sancionatórios, praticados pelo CSM. Ora,

11.ª O princípio do duplo grau de jurisdição se aplica não só às matérias penais mas a todos os procedimentos sancionatórios, maxime os de natureza pública, relativamente aos quais, e até por força do n.º 10.º do artigo 32.º e também do artigo 269.º, n.º 3, ambos da CRP, o direito ao recurso também integra o núcleo essencial das garantias da defesa, que devem e têm que ser igualmente respeitados, no âmbito do procedimento disciplinar contra Juízes.

12.ª Interpretados e aplicados como efetiva e inequivocamente o foram na decisão recorrida, os artºs 168.º e 178.º do EMJ violam o núcleo essencial dos direitos da defesa, e designadamente o de recurso ou duplo grau de jurisdição (consagrado nos artºs 32.º, n.º 1 e 10 e também 269.º, n.º 3 da CRP, mas também no artigo 6.º, n.º 1 da CEDH), e violam igualmente o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

13.ª No que ao 1.º recurso diz respeito, é para a recorrente igualmente manifesto que, na vertente normativa como foram, uma vez mais, interpretados e aplicados na decisão ora recorrida, os artºs 82.º, 95.º, n.º 1, al. a), 117.º e 122.º do EMJ, no sentido de determinar que um magistrado possa ser objeto de uma deliberação sancionatória onde não se indicam, nem têm que se indicar expressamente, os deveres funcionais alegadamente violados, violam claramente a CRP, desde logo os seus artºs 29.º, n.º 5 e 268.º, cujos preceitos e princípios proíbem tal solução e, uma vez mais, se têm de ter por aplicáveis também aos ilícitos e procedimentos disciplinares.

14.ª Os artºs 117.º e 168.º do EMJ (e também o 125.º do CPA), interpretados e aplicados no sentido de possibilitarem uma inexistente, ou pelo menos gravemente deficiente, fundamentação de uma decisão administrativa, e escusando-se depois o STJ a sindicar tal decisão sob o argumento de que apenas o fará em caso de erro manifesto ou grosseiro do CSM, violam por completo os artºs 20.º, 32.º, n.º 1 e 268.º, n.º 3 da CRP, por representarem as constitucionalmente inadmissíveis subtração das decisões disciplinares do CSM a qualquer tipo de efetivo controle jurisdicional e a inutilização prática dos direitos da defesa e de tutela jurisdicional efetiva.

15.ª Os artºs 5.º, n.º 2 do CPA e 85.º, 96.º e 97.º do EMJ, interpretados e aplicados como o foram na decisão recorrida, violam por completo o basilar princípio constitucional da proporcionalidade a que todos os órgãos administrativos, incluindo o CSM, estão obrigados por força do artigo 266.º, n.º 2, da CRP, bem como violam os direitos à família e à maternidade, consagrados nos artºs 67.º e 68.º, no 1 da CRP.

16.ª Os artºs 260.º, n.º 3 e 261.º do RCTFP (ex vi do artigo 32.º do EMJ) e os artºs 34.º, no 2 e 36.º, n.º 2 (este a contrario sensu) e sobretudo os artºs 82.º e 95.º, n.º 1, alínea a) do EMJ, no sentido, consagrado no Acórdão sob recurso, de permitir e fundar a aposentação compulsiva de um magistrado com base, não em qualquer comportamento doloso mas sim numa sua suposta absoluta incapacidade organizativa, violam claramente os preceitos e princípios do artigo 13.º (igualdade) e 53.º (segurança no emprego, proibição dos despedimentos e desvinculações arbitrários e sem justa causa), ambos da CRP.

17.ª As decisões recorridas definiram determinadas soluções normativas para as questões que foram levadas à entidade a quo (STJ), soluções essas que consubstanciam uma efetiva interpretação e aplicação dos preceitos legais supracitados, sendo que não se torna necessário que as normas em questão tenham sido expressamente invocadas ou sequer aplicadas, bastando, como aqui, na questão sub judíce, inequivocamente sucede, que tal decorra implicitamente da decisão. Deste modo,

18.ª A lógica de - caso o Tribunal a quo, propositadamente ou não, não invoque explicitamente, em abono da solução que consagra, uma determinada disposição legal, embora seja evidente que o faz de forma implícita - logo este Tribunal Constitucional tratar de não conhecer do objeto do recurso das respetivas questões de constitucionalidade invocando que a referida disposição não constitui "ratio decidendum" da mesma decisão não só é profundamente errónea e injusta como constitucionalmente infundada.

19.ª A verdade é que todas as apontadas inconstitucionalidades foram devida e atempadamente arguidas no decurso do presente processo e a recorrente, aquando da respetiva arguição, deixou indicadas com suficiente clareza as exatas vertentes normativas de quais os diversos preceitos legais supra- referenciados que, como e porquê, se revelam, em seu entender, claramente violadoras de preceitos e princípios constitucionais, logo também ali devidamente individualizados e indicados.»

O recorrido Conselho Superior da Magistratura ofereceu o merecimento dos autos.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

Do objeto do recurso

7 - Constam, no presente processo, dois recursos de constitucionalidade: o primeiro, interposto pelo requerimento de fls. 282-283, admitido pelo despacho de fls. 348, respeitante ao acórdão do STJ (Secção do Contencioso) de 26 de fevereiro de 2014 (fls. 206 e ss.); e o segundo, interposto pelo requerimento de fls. 370-371, admitido pelo despacho de fls. 373, respeitante ao acórdão do STJ (Secção do Contencioso) de 25 de setembro de 2014 (fls. 358 e ss.). Ambos os recursos são deduzidos com fundamento na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC. Este preceito visa os recursos de constitucionalidade interpostos de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.

8 - Como é sabido, o conhecimento do objeto de recursos interpostos ao abrigo da mencionada alínea b), exige o preenchimento de diversos pressupostos.

8.1 - Desde logo, o objeto mediato destes recursos deve ser uma norma. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputadas a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.

Constitui jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística das singularidades próprias do caso concreto e autónoma valoração ou subsunção do julgador - não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo ou de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.

A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a uma interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente à decisão judicial que faz aplicação da mesma radica em que, na primeira hipótese, é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com caráter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto, na segunda hipótese está, em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto (cf. o Acórdão deste Tribunal n.º 138/2006, disponível, assim como os demais adiante citados, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Por outro lado, se se utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico infraconstitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e este é desconforme com o Diploma Básico. Efetivamente, se um preceito da lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que esgrimir com a violação desse preceito, representa uma ótica de acordo com a qual ele se mostra consonante com a Constituição (cf. o Acórdão 489/2004).

8.2 - Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC - como ocorre no presente caso -, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.

A suscitação processualmente adequada de uma questão de constitucionalidade implica, desde logo, que o recorrente tenha cumprido o ónus de a colocar ao tribunal recorrido, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível, em ato processual e segundo os requisitos de forma que criam para o tribunal a quo um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta. Acresce que, no caso de pretender questionar apenas certa interpretação de um preceito legal, deverá o recorrente especificar claramente qual o sentido ou dimensão normativa do preceito ou preceitos que tem por violador da Constituição, enunciando cabalmente e com precisão e rigor todos os pressupostos essenciais da dimensão normativa tida por inconstitucional. Como se refere no Acórdão deste Tribunal n.º 590/94 - e constitui jurisprudência uniforme e constante -,

«[7.] O recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica (ou de um seu segmento ou de certa interpretação dela) e que, não obstante a acusação de ilegitimidade constitucional que lhe foi feita, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso.

[...]

De facto, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver - o que, obviamente, exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e percetível.

Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo.

A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é, pois - [...]-, uma "mera questão de forma secundária". É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão.»

No que se refere a este último aspeto, porque está em causa formular um juízo sobre uma norma, ou interpretação normativa, tal como aplicada no caso concreto, é pressuposto de conhecimento do recurso que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada possa produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre (cf., entre muitos, os Acórdãos deste Tribunal n.os 463/94, 366/96, 687/2004, 447/2012). Exige-se, por outras palavras, a correspondência entre o critério normativo cuja fiscalização de constitucionalidade se requereu e aquele que foi adotado pela decisão recorrida. De outro modo, o eventual juízo positivo de inconstitucionalidade a emitir pelo Tribunal Constitucional não terá qualquer efeito útil sobre a decisão recorrida (cf. o artigo 80.º, n.º 2, da LTC).

8.3 - Além destes requisitos, cuja verificação é imprescindível para que se proceda ao conhecimento do recurso de constitucionalidade, há que ter presente que o objeto deste recurso é definido, em primeiro lugar, pelos termos do requerimento de interposição de recurso e, se for o caso, pela resposta ao despacho convite proferido ao abrigo do artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da LTC, destinada a completá-lo. Na verdade, tem sido entendimento constante do Tribunal Constitucional que, ao definir, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende sindicar, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, com exceção de uma redução do pedido, nomeadamente, no âmbito da alegação que produza.

9 - Deste modo, considerando o requerimento de recurso de fls. 282-283 - transcrito supra no n.º 1 - e a resposta de fls. 381-387 ao despacho convite do relator - transcrita supra no n.º 4 -, e tendo presente que estão em causa dois acórdãos recorridos, cumpre começar por esclarecer a circunstância de, relativamente aos artigos 168.º e 178.º do EMJ, terem sido suscitadas questões de constitucionalidade nos dois requerimentos de recurso. E percebe-se que assim tenha sucedido: com efeito, embora pretendendo deduzir impugnação ordinária do primeiro aresto referido, a recorrente estava ciente dos problemas inerentes à admissibilidade dessa mesma impugnação e, em coerência com uma estratégia processual adequada tendo em vista a ulterior interposição de um futuro recurso de constitucionalidade, suscitou logo aí o problema de constitucionalidade perante o Tribunal a quo, colocando-o perante tal dilema e desencadeando a sua pronúncia sobre o mesmo.

Assim, quanto à questão relativa aos artigos 168.º e 178.º do EMJ, a decisão recorrida é a de fls. 358 e ss. - o acórdão do STJ (Secção do Contencioso) de 25 de setembro de 2014 -, uma vez que esta consubstancia a última pronúncia da instância a quo quanto a este problema de constitucionalidade.

10 - Importa agora apreciar a existência de questões prévias potencialmente obstativas a uma pronúncia de mérito, para as quais a recorrente foi devidamente alertada no despacho de fls. 389-390 (cf. supra o n.º 5).

10.1 - Quanto à inconstitucionalidade imputada aos artigos 82.º, 95.º, n.º 1, alínea a), e 117.º, todos do EMJ, quando interpretados no sentido de que «um magistrado possa ser objeto de uma deliberação sancionatória onde não se indicam nem têm que se indicar expressamente os deveres funcionais alegadamente violados, e, logo, que não é devidamente fundamentada com tal indicação», constata-se que não houve aplicação de qualquer norma com este sentido, razão por que a mesma não pode integrar o objeto do presente recurso. Na verdade, como esclarece a decisão ora recorrida - o acórdão do STJ (Secção do Contencioso) de 26 de fevereiro de 2014 (fls. 206 e ss.) - a fls. 260, «[b]asta ler atentamente o texto integral da decisão recorrida para se constatar que foram indicados os deveres gerais e especiais que o CSM, órgão a quem cabe a gestão e disciplina dos Magistrados Judiciais, compreendendo nessas atribuições a apreciação e classificação do mérito dos mesmos, teve por violados na citada apreciação. Aliás, a parte decisória do referido Acórdão é inequívoca neste aspeto e por isso aqui se transcreve: "condenar a Excelentíssima Senhora Juiz de Direito, Dr.ª Maria Isabel Pereira Pinto Namora pela prática de infrações ao dever de zelo na administração da justiça e ao dever de prossecução do interesse público e de manter a confiança dos cidadãos no funcionamento dos tribunais e do poder judicial, nas vertentes de cumprimento dos processos, da assiduidade e da pontualidade, da organização do agendamento e da direção funcional da secretaria [...]"».

10.2 - Quanto à inconstitucionalidade imputada aos mesmos preceitos, quando interpretados «no sentido de permitir[em] a aposentação compulsiva de um magistrado com base não em qualquer comportamento doloso mas sim numa sua suposta "absoluta incapacidade organizativa", que é o mesmo que uma espécie de despedimento por suposta inadaptação, ainda por cima alicerçado em meros juízos valorativos e conclusivos», a mesma não pode ser conhecida por dois motivos diferentes.

Em primeiro lugar, porque a questão não foi adequadamente suscitada perante o tribunal a quo durante o processo.

Perante tal instância, a recorrente não enunciou qual o sentido normativo que, atenta a sua inconstitucionalidade, deveria ver a sua aplicação recusada, limitando-se a referir o seguinte, a fls. 99:

«[...]

54 - Estamos assim em presença daquilo que materialmente (e é isso que releva) se chama «despedimento por inadaptação» - pois que não se imputa à arguida violação de quaisquer deveres a título de dolo mas tão só dada uma sua suposta «absoluta incapacidade organizativa»

55 - Sendo certo que nem tal fundamento se encontra expressamente previsto no EMJ nem nenhuma norma deste Estatuto prevê quais os requisitos da cessação da relação funcional com tal fundamento, pelo que sempre se terão de aplicar, subsidiariamente, as disposições que sobre a matéria dispõe o Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, pois que, não obstante a Judicatura ser titular de um órgão de soberania, são-lhe aplicáveis subsidiariamente, as normas que regem o regime de trabalho dos trabalhadores que exercem funções públicas - artigo 32.º do EMJ.

56 - Na sua resposta pretende o recorrido que dada a origem do vínculo está excluída tal aplicação mas, quanto a nós, sem razão.

57 - Não obstante a diversa natureza do ato originário da relação de emprego público, o certo é que a lei prevê expressamente a aplicação subsidiária da legislação convocada e existe quanto à questão em causa, como se disse, uma verdadeira lacuna.

58 - De resto a interpretação seguida na resposta conduziria a um resultado interpretativo absurdo e inconstitucional, como já alegado - a de que os «nomeados» (vínculo por natureza mais estável) estariam afinal mais desprotegidos do que os «contratados» quanto à cessação do vínculo por inadaptidão.

59 - Esta conclusão não implica a aplicação automática do convocado regime mas, de outro modo, uma aplicação com as necessárias adaptações.

60 - Ora, como já alegado, para as situações como aquela que foi dada por assente nos autos - de baixa produtividade e deficiente capacidade organizativa - o próprio EMJ prevê meio formal próprio para processar a desvinculação do Juiz.

61 - Tal meio é a instauração de «inspeção extraordinária» prevista no artigo 36.º n.º 2 do EMJ e, em consequência da avaliação que nessa sede for feita (sendo caso disso) a atribuição de notação de «medíocre» e automática instauração de processo disciplinar precisamente por incapacidade definitiva para a função - cf. Artigo 34.º n.º 2 do EMJ.»

E ainda, a fls. 104-105:

«10 - Estamos assim em presença daquilo que materialmente (e é isso que releva) se chama «despedimento por inadaptação» - pois que não se imputa à arguida violação de quaisquer deveres a título de dolo mas tão só dada uma sua suposta «absoluta incapacidade organizativa»

11 - Sendo certo que tal fundamento se encontra expressamente previsto no EMJ nenhuma norma deste Estatuto prevê quais os requisitos da cessão da relação funcional com tal fundamento, pelo que sempre se terão de aplicar, subsidiariamente, as disposições que sobre a matéria dispõe o Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas - artigo 32.º do EMJ.

12 - Não obstante a diversa natureza do ato originário da relação de emprego público, o certo é que a lei prevê expressamente a aplicação subsidiária da legislação convocada e existe quanto à questão em causa, como se disse, uma verdadeira lacuna.

13 - De resto a interpretação seguida na resposta conduziria a um resultado interpretativo absurdo e inconstitucional, como já alegado - a de que os «nomeados» (vínculo por natureza mais estável) estariam afinal mais desprotegidos do que os «contratados» quanto à cessação do vínculo por inadaptidão, sendo que para as situações como aquela que foi dada por assente nos autos - de baixa produtividade e deficiente capacidade organizativa - o próprio EMJ prevê meio formal próprio para processar a desvinculação do Juiz - 36.º n.º 2 do EMJ.»

Embora referindo-se a uma interpretação adotada que conduziria a um resultado inconstitucional, a recorrente nunca logrou enunciar, perante o tribunal a quo, o sentido ou dimensão normativa dos preceitos que agora tem por violador da Constituição, enunciando cabalmente e com precisão e rigor todos os pressupostos essenciais da dimensão normativa tida por inconstitucional. Por esse motivo, não pode agora esta questão ser apreciada em sede de recurso de constitucionalidade.

Acresce que, ainda que o tivesse feito, a verdade é que a decisão recorrida - o acórdão do STJ (Secção do Contencioso) de 26 de fevereiro de 2014 (fls. 206 e ss.) - não assumiu a interpretação normativa em causa - que somente foi enunciada em sede de recurso de constitucionalidade - como ratio decidendi.

Com efeito, o que se pode ler em tal decisão na parte pertinente - a fls. 266 - é que a definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função (artigo 95.º, n.º 1, alínea a), do EMJ) aqui em causa - e «que vive paredes meias com aqueloutra de "inaptidão profissional"» (prevista na alínea c) do mesmo artigo 95.º, n.º 1) - tem a natureza de infração disciplinar a que a lei faz «corresponder as duas mais gravosas penas do vasto leque ou panóplia punitiva prevista na lei, a de aposentação compulsiva e da demissão [...T]al definitiva incapacidade de adaptação não se confunde com a natural incapacidade de adaptação emergente de patologia física ou de entorpecimento mental do Magistrado, na medida em que a mesma decorra de conduta dolosa ou negligente, vale dizer a título de culpa.» Daí a conclusão afirmada na mesma decisão (fls. 266-267):

«Revertendo ao caso sub iudicio, constata-se que a Exm.ª Recorrente obteve a classificação profissional de Medíocre por decisão que constitui caso resolvido ou decidido, como atrás se disse.

Foi-lhe instaurado um processo disciplinar em que se apuraram várias condutas integrantes da violação de deveres profissionais, como se pode constatar da ampla transcrição do acervo factual fixado, tendo, na apreciação global de tal factualidade, sido entendimento do CSM de que a mesma revela definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função.

Assim sendo, [...] face ao disposto no artigo 95.º, n.º 1, alínea a) do EMJ, o CSM aplicou-lhe a pena de aposentação compulsiva.»

10.3 - No tocante à invocada inconstitucionalidade dos artigos 85.º, 96.º e 97.º do EMJ, interpretados no sentido de «propugnar[em] e sustentar[em] uma pena completamente desproporcionada, em particular em atenção à culpa da recorrente e às concretas circunstâncias atenuantes», é evidente que a mesma não pode integrar objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade, porquanto não está em causa qualquer norma ou critério de conduta, visando-se, ao invés, a sindicância da própria decisão de aplicação da pena concreta à recorrente. Assim, o que se visa apreciar não é uma norma geral e abstrata, mas sim a aplicação da concreta pena que, face às circunstâncias do caso, se apresenta, na ótica da recorrente, como desproporcionada. Ora, o Tribunal Constitucional não tem competência para fiscalizar as decisões dos outros tribunais, designadamente no que tange à valoração e qualificação dos factos e à determinação da pena concreta a aplicar em sede de processo disciplinar. Por isso, esta questão não é suscetível de apreciação em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.

10.4 - Quanto à inconstitucionalidade do artigo 95.º, n.º 1, alínea a), do EMJ, embora a recorrente não especifique na resposta apresentada ao despacho convite o sentido normativo imputado ao citado preceito, comprova-se, em razão do que afirma no requerimento de recurso quanto ao momento processual em que suscitou este problema de constitucionalidade, que o mesmo se reporta à questão da aplicação da pena de cessação de vínculo em caso de «baixa produtividade e deficiente capacidade organizativa». Trata-se, portanto, da mesma questão já apreciada supra na primeira parte do n.º 10.2., prevalecendo, por conseguinte, com a fundamentação aí explanada, a impossibilidade de conhecimento da presente matéria em virtude de não ter existido suscitação adequada da inconstitucionalidade normativa durante o processo.

10.5 - Quanto à inconstitucionalidade do artigo 98.º do EMJ, por violação do artigo 268.º da Constituição, tal questão foi abandonada pela recorrente na resposta que apresentou ao convite de aperfeiçoamento.

10.6 - Quanto à inconstitucionalidade do artigo 168.º do EMJ, por violação do artigo 32.º da Constituição, conjuntamente com os artigos 117.º do EMJ e 125.º do CPA (preceitos aditados na resposta ao convite) «se e quando interpretados como o foram na decisão recorrida - e isto independentemente de terem sido, ou não, objeto de invocação expressa pela decisão recorrida - ou seja, permitindo uma inexistente, ou pelo menos deficientes, fundamentação de uma decisão administrativa, e escusando-se depois o STJ a sindicar tal decisão sob o argumento de que apenas o fará em caso de erro manifesto ou grosseiro do CSM ou de que este adote critérios ostensivamente desajustados, para mais sancionatórios, e mais ainda aplicadores da sanção muito grave da aposentação compulsiva»: assim enunciada, esta questão carece, obviamente, de qualquer caráter normativo, traduzindo apenas a impugnação da própria decisão recorrida e a valoração que a mesma faz, quanto à inexistente ou insuficiente fundamentação da decisão administrativa, bem como dos critérios «ostensivamente desajustados» que a terão balizado. O que a recorrente impugna é, claramente, o facto de o tribunal a quo ter reconhecido um determinado espaço de valoração própria ao Conselho Superior da Magistratura. Contudo, não logrou formular este dissídio em moldes normativos, impugnando uma norma que pudesse agora ser objeto de fiscalização em sede de recurso de constitucionalidade.

10.7 - Quanto à inconstitucionalidade dos artigos 168.º e 178.º do EMJ, por violação dos artigos 13.º, 32.º, n.º 1, e 10.º da Constituição, bem como do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quando interpretados «no sentido, explicitamente consagrado na decisão recorrida, de que a Secção de Contencioso do STJ seria instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos dos atos administrativos, maxime sancionatórios, praticados pelo CSM»: como já se referiu, a decisão recorrida quando a esta questão de constitucionalidade é o acórdão proferido em 25 de setembro de 2014, pela qual não se admitiu o recurso interposto pela recorrente do aresto de 26 de fevereiro de 2014. A questão de constitucionalidade foi suscitada na «reclamação para o Pleno» de fls. 344 e ss., tendo sido objeto de pronúncia no aresto de 25 de setembro de 2014.

Este é o objeto cognoscível do presente recurso de constitucionalidade: a norma extraída dos artigos 168.º, n.º 1, e 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de julho, na redação que lhes foi dada pela Lei 143/99, de 31 de agosto, segundo a qual, a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça é instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos de atos administrativos, maxime sancionatórios, praticados pelo Conselho Superior da Magistratura (cf. o n.º 5.º da resposta de fls. 381 e ss.).

11 - Os artigos 168.º e 178.º do EMJ têm a seguinte redação:

Artigo 168.º

(Recursos)

1 - Das deliberações do Conselho Superior da Magistratura recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça.

2 - Para efeitos de apreciação do recurso referido no número anterior o Supremo Tribunal de Justiça funciona através de uma secção constituída pelo mais antigo dos seus vice-presidentes, que tem voto de qualidade, e por um juiz de cada secção, anual e sucessivamente designado, tendo em conta a respetiva antiguidade.

3 - Os recursos são distribuídos pelos juízes da secção, cabendo ao presidente voto de qualidade.

4 - A competência da secção mantém-se até ao julgamento dos recursos que lhe tenham sido distribuídos.

5 - Constituem fundamentos do recurso os previstos na lei para os recursos a interpor dos atos do Governo.

Artigo 178.º

Lei subsidiária

1 - São subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo.

11.1 - A norma sindicada decorre do disposto no artigo 168.º do EMJ, o qual comete a competência para apreciar os recursos das deliberações do CSM a uma secção do STJ, constituída pelo mais antigo dos seus vice-presidentes, que tem voto de qualidade, e por um juiz de cada secção, anual e sucessivamente designado, tendo em conta a respetiva antiguidade, e, por outro, da falta de previsão em outros diplomas de mecanismo destinado à impugnabilidade das decisões proferidas por aquela secção. Nesse sentido, entendeu o tribunal a quo que o facto de o artigo 53.º, alínea b), da Lei 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) prever que compete ao Pleno das secções do STJ, conforme a sua especialização, julgar os recursos de decisões proferidas em 1.ª instância pelas ditas secções, não importa qualquer conclusão ao nível da impugnabilidade das decisões proferidas pela referida Secção de Contencioso prevista no artigo 168.º, n.º 2, do EMJ: uma vez que essa composição delibera, por natureza, em plenário, e, existindo uma só secção de contencioso - o que inviabiliza a formação de um Pleno de secções do contencioso. Assim, a existência de um eventual recurso «colocaria os Conselheiros perante a alternativa de confirmarem ou revogarem um acórdão que eles próprios haviam proferido» (fls. 360; v. também supra o n.º 2).

11.2 - Sustenta a recorrente, em síntese, que: (i) o princípio do duplo grau de jurisdição se aplica não só às matérias penais, mas a todos os procedimentos sancionatórios pelo que, até por força do disposto no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, o direito ao recurso também integra o núcleo essencial das garantias de defesa aplicáveis no âmbito do procedimento disciplinar contra juízes; (ii) por outro lado, a limitação do direito ao recurso in casu a um único grau de jurisdição, diferentemente do que sucede com o regime aplicável aos magistrados do Ministério Público, representa uma violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da Constituição, uma vez que se trata de uma diferenciação legal desprovida de fundamento material bastante.

São invocadas violações dos artigos 32.º, n.os 1 e 10, 269.º, n.º 3, e 13.º, da Constituição, bem como do artigo 6.º da CEDH. Cumpre desde já afastar da presente fiscalização os parâmetros de controlo contidos no artigo 6.º da CEDH uma vez que as garantias aí consagradas encontram plena consagração no artigo 32.º da Constituição, reconduzindo-se, por conseguinte, ao escrutínio que se irá efetuar do objeto do recurso à luz do referido complexo paramétrico.

Do mérito do recurso

B.1. A jurisprudência constitucional em matéria de recursos das deliberações do CSM

12 - A disciplina jurídica que rege os recursos de decisões proferidas pelo CSM em matéria disciplinar foi já objeto de apreciação por jurisprudência constitucional anterior.

Assim:

Os Acórdãos n.os 336/95 e 373/99 (disponíveis, assim como a restante jurisprudência constitucional adiante citada, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), debruçaram-se especificamente sobre o artigo 168.º do EMJ, na medida em que tal preceito não prevê o recurso para o Plenário das decisões proferidas na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça.

12.1 - No Acórdão 336/95 foi invocado como parâmetro o princípio da igualdade, arguindo-se uma «desigualdade não justificada de graus de jurisdição nos recursos que podem ser interpostos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público». Com efeito, sendo as deliberações do Conselho Superior do Ministério Público ("CSMP") recorríveis para a secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo ("STA"), e cabendo recurso de tais decisões para o Pleno daquela mesma secção (nos termos do regime então vigente, consubstanciado nos artigos 24.º, alínea a), e 26.º, n.º 1, alínea d), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei 129/84, de 27 de abril - "ETAF84"), já das decisões do CSM só caberia um grau de recurso, a exercer perante a Secção do Contencioso do STJ, de cujas decisões não cabe recurso.

O Tribunal concluiu então que não se verificava violação do princípio da igualdade. Para alcançar esta conclusão, o Tribunal Constitucional partiu de diversas premissas:

a) Em primeiro lugar, salientou que, nos termos de constante jurisprudência constitucional, o direito de acesso aos tribunais não equivale necessariamente ao direito a um duplo grau de jurisdição, fora das matérias abrangidas pelo direito ao recurso consagrando no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, existindo, neste domínio, uma ampla margem de conformação legislativa, a qual, contudo, não é total, atentos os limites resultantes do dever de não aniquilar, na prática, um sistema de recursos cuja previsão se encontra constitucionalmente assente, bem como de observar as limitações resultantes do princípio da igualdade na dimensão de proibição do arbítrio.

b) O Tribunal debruçou-se seguidamente sobre a invocada violação do princípio da igualdade, apreciando o regime então vigente em matéria de impugnação das deliberações do Conselho Superior do Ministério Público e do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF"). Nos termos desse regime, a impugnação das deliberações do CSMP conhecia dois graus de jurisdição, traduzindo-se num primeiro grau de recurso para a 1.ª Secção do STA e num segundo grau de recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo (nos termos dos artigos 26.º, n.º 1, alínea d), e 24.º, alínea a), do ETAF84").

Já a impugnação das deliberações do CSTAF se situava em "posição similar" à dos recursos do CSM: «no primeiro caso, recurso para uma "secção" apenas constituída para esse feito, com específica competência, que se esgota com o julgamento dos processos distribuídos, sem qualquer outro grau de recurso ordinário; no segundo caso, recurso direto para o Pleno da secção de contencioso administrativo, não se prevendo também qualquer outro grau de recurso ordinário» (regime decorrente do artigo 24.º, alínea d), do ETAF84).

A violação do princípio da igualdade quanto à diversidade de regimes de impugnação das deliberações do CSMP e do CSM, no que toca aos graus de recurso legalmente disponíveis, foi afastada uma vez que se «trata [...] de carreiras diversas, de género diferente e por isso usualmente referidas como 'paralelas', mas que correspondem a diversas exigências constitucionais e, por isso também, os respetivos órgãos de cúpula e as deliberações neles tomadas não podem ser colocadas na mesma posição para efeitos de imposição da mesma solução legislativa quanto aos graus de recurso»; as mesmas são, por isso mesmo, «regidas por princípios diferentes e têm estruturas próprias que as tornam radicalmente diferentes entre si».

c) Por fim, o Tribunal avaliou o problema de saber se a solução legal - traduzida no recurso em grau único das deliberações do CSM (e, também, do CSTAF) - representaria, face à solução aplicável ao CSMP, diferenciação arbitrária ou isenta de fundamento material bastante concluindo, também quanto a este problema, de modo negativo:

«Mas a opção do legislador tem certamente, para além de outras justificações possíveis, uma bem objetiva e diretamente relacionada com as matérias que constituem normalmente o objeto destes recursos: trata-se de questões (profissionais, de carreira ou disciplinares) que respeitam a magistrados judiciais ou de outras ordens de tribunais e cuja resolução, a prolongar-se no tempo - o que seria inevitável, no caso de se preverem vários graus de jurisdição - podia acarretar graves perturbações num serviço essencial à existência de um Estado de Direito, a realização da justiça.

Assim, o legislador em vez de optar por vários graus de recurso decidiu-se pelo reconhecimento de um único grau de jurisdição, mas atribuindo o conhecimento de tais recursos a tribunais de especial qualificação: no STJ, uma secção constituída pelo presidente e quatro juízes, um de cada secção, que são designados anual e sucessivamente, de acordo com a respetiva antiguidade e no STA, para o pleno da 1.ª secção, constituído pelo presidente e por nove juízes, incluídos os vice-presidentes, o relator e o número de juízes necessários dos mais antigos, afastando-se, assim, em ambos os casos, pelo recurso à maior antiguidade dos magistrados intervenientes, quaisquer possíveis conflitos de interesses (ainda que de difícil perspetivação).

Inexiste, por isso e face a tudo quanto atrás fica referido nos n.os 10 e 11, qualquer violação do princípio da igualdade, não só porque o caso das decisões do CSMP não pode ser considerado como igual para impor uma tutela legislativa similar mas também, porque, caso se pudesse admitir tal similitude de situações, haveria um fundamento material bastante para a diferenciação dos regimes de recursos, não estando, por isso, o n.º 2 do artigo 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação que dele faz o acórdão recorrido, no sentido de não permitir recurso, para o plenário do Supremo Tribunal de Justiça, das decisões proferidas na secção prevista naquela norma, afetado de qualquer inconstitucionalidade.»

12.2 - Também o Acórdão 373/99 se debruçou sobre a solução normativa resultante do artigo 168.º, n.º 1, do EMJ, no sentido de da mesma decorrer a recorribilidade, das decisões do Plenário do CSM, para a Secção de Contencioso do STJ, a qual aprecia tais recursos em grau único de jurisdição. Este aresto considerou igualmente não se encontrar violado o princípio da igualdade nem o direito de acesso ao direito previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, reiterando, no que ora importa, os fundamentos já expendidos no referido Acórdão 336/95.

Foi ainda apreciada a questão de saber se tal regime comportaria violação do artigo 214.º, n.º 3, da Constituição (atual artigo 212.º, n.º 3), na medida em que atribui aos tribunais comuns o julgamento de litígios materialmente administrativos. O Tribunal concluiu negativamente considerando que «não existe impedimento constitucional à atribuição pontual da competência aos tribunais judiciais para a apreciação de determinadas questões de natureza administrativa», reiterando a jurisprudência já constante dos Acórdãos n.os 347/97, 687/98 e 40/99.

Estes arestos apreciaram a solução decorrente do artigo 168.º, n.º 1, do EMJ, face, essencialmente, ao parâmetro então contido no artigo 214.º, n.º 3, da Constituição (atual artigo 212.º, n.º 3) o qual atribui aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Entendeu-se nesses arestos que o artigo 214.º, n.º 3 (atual artigo 212.º, n.º 3), da Constituição consagrou uma competência comum ou genérica dos tribunais administrativos para a apreciação dos litígios jurídico-administrativos mas que dele não decorre uma reserva absoluta de competência. Não existe, portanto, obstáculo constitucional à atribuição pontual e fundamentada de competência aos tribunais judiciais para a apreciação de certas questões de natureza administrativa.

O Acórdão 40/99 apreciou ainda questão relativa ao artigo 168.º, n.º 2, do EMJ por eventual violação do direito de acesso à justiça administrativa, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.os 4 e 5, da Constituição, na vertente de acesso a um tribunal independente. Entendeu-se que, por um lado, estava assegurada a independência uma vez que todos os juízes integrantes da secção mencionada se encontram no exercício da função jurisdicional. E, por outro, uma vez que a composição dessa mesma secção é feita com base num critério objetivo e estritamente vinculado, decorrente da lei, não se encontrou qualquer discricionariedade constitucionalmente censurável no poder atribuído ao Presidente do STJ de designar os respetivos juízes.

12.3 - A questão da competência atribuída pelo EMJ a uma secção do STJ para julgar os atos em matéria disciplinar do CSM foi igualmente objeto de jurisprudência constitucional posterior, mais recente.

O Acórdão 277/2011 debruçou-se sobre tal problemática, concluindo pela não inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 168.º do EMJ, na dimensão assim especificada, uma vez que, não obstante os tribunais administrativos serem, de acordo com o figurino constitucional, os tribunais comuns em matéria administrativa, o legislador tem margem para, em casos justificados e pontuais, atribuir a competência para julgar causas substancialmente administrativas a outros tribunais. Por outro lado, o Tribunal entendeu também que o facto de os juízes que integram a Secção do Contencioso do STJ competente para julgar os recursos interpostos das deliberações do CSM, designadamente em matéria disciplinar, se encontrarem sujeitos à gestão e disciplina deste órgão, não pode ser encarado como um fator suscetível de influenciar a sua pronúncia nestas causas.

Do mesmo modo, considerou-se ainda que o facto de esses juízes, com exceção do Vice-Presidente mais antigo do STJ, serem nomeados pelo Presidente, que é também, por inerência, o Presidente do órgão recorrido, não é suscetível de pôr em causa a sua imparcialidade, uma vez que a designação feita pelo Presidente do STJ obedece a um critério objetivo e estritamente vinculado.

Este entendimento veio posteriormente a ser reiterado pelo Acórdão 327/2013, o qual concluiu, igualmente, pela não inconstitucionalidade do regime decorrente do artigo 168.º, n.os 1, e 2, do EMJ. Este aresto, contudo, não se limitou a reiterar a jurisprudência contida no Acórdão 277/2011, uma vez que no seu objeto estavam contidas outras dimensões problematizantes do referido regime legal.

Para além da questão de saber se tal regime comportaria desrespeito da reserva material de jurisdição administrativa, outros parâmetros fundamentais foram integrados no objeto do recurso: o «princípio das máximas garantias de defesa do Juiz arguido em processo sancionatório», o princípio da presunção de inocência, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e o direito (do juiz arguido) a ver a sua causa examinada de forma equitativa e por uma entidade imparcial, bem como as garantias de defesa decorrentes do artigo 32.º, n.os 1 e 10, da Constituição. O Tribunal não deu por verificada qualquer ofensa a estes parâmetros constitucionais. O direito ao recurso não foi então especificadamente individualizado - nem pelo recorrente nem pelo Tribunal. Contudo, no cotejo que então se fez da jurisprudência constitucional anterior, transcreveram-se, expressamente, trechos relevantes relativo aquele parâmetro.

Por outro lado, a propósito do direito ao recurso enquanto dimensão integrante das garantias de defesa em processo criminal, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, e face à técnica remissiva constante do n.º 10 daquele mesmo preceito, concluiu então o Tribunal, reiterando jurisprudência constitucional anterior e autorizada doutrina, não se verificar qualquer desconformidade. Da remissão constante do referido n.º 10 não resulta a extensão, às matérias sancionatórias, do direito ao recurso especificamente elencado no n.º 1, visando-se apenas garantir, em todos os processos sancionatórios, os direitos de audiência e de defesa dos arguidos.

B.2. Apreciação do mérito do presente recurso

13 - Feito o périplo sobre a jurisprudência constitucional relevante proferida em matéria da disciplina do artigo 168.º do EMJ a propósito da instância competente para a apreciação de impugnações judiciais de decisões proferidas pelo CSM no âmbito do exercício do seu poder disciplinar - bem como do grau único em que tal instância desenvolve essa mesma competência - relembremos que, nos presentes autos, o objeto do recurso integra apenas o problema da insuscetibilidade de recurso das decisões proferidas pela Secção de Contencioso do STJ em apreciação de deliberações proferidas por aquele órgão em matéria disciplinar. É esta a questão que importa apreciar e a que passaremos já de seguida.

14 - A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil. Em processo penal, só após a revisão constitucional de 1997, passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, segundo a qual a Constituição contempla o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º

14.1 - A recorrente sustenta violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, na dimensão da garantia do direito ao recurso das decisões judiciais proferidas em matéria penal. Entende a mesma que tal garantia é aplicável a todos os processos sancionatórios - designadamente os processos disciplinares - por força do disposto no n.º 10 do mesmo preceito.

Não está em causa, como é evidente, decisão proferida no âmbito de processo-crime, pelo que não existe lugar à aplicabilidade direta do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto preceito que consagra o direito ao recurso em processo penal.

14.2 - Por outro lado, não restam dúvidas que a remissão operada pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, não tem o efeito de alargar, no âmbito de processos sancionatórios em que se incluem os procedimentos disciplinares como o que se apresenta nos autos, a garantia do direito ao recurso enquanto dimensão constante das garantias de defesa previstas no n.º 1, daquele mesmo preceito.

Quanto a este aspeto, reitera-se a jurisprudência constitucional já proferida a propósito desta solução normativa e que se analisou supra. Como observou o já citado Acórdão 327/2013, em transcrição de excerto do Acórdão 33/2002, «[...] a inclusão, levada a cabo no falado n.º 10 do artigo 32.º, do asseguramento dos direitos de audiência e defesa nos processos sancionatórios não tem o significado de fazer atrair o regime destes processos em geral, e do processo disciplinar em especial, para o regime do processo criminal».

E adiantou ainda aquele aresto:

«Pelas mesmas razões não se vislumbra qualquer violação do n.º 10 do artigo 32.º da CRP - segundo o qual "Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa" - que o recorrente invoca para sustentar a inexistência de exame da causa de forma equitativa e por uma entidade imparcial.»

Acresce referir que este Tribunal já se pronunciou sobre o âmbito da garantia consagrada naquele n.º 10 do artigo 32.º da CRP. No Acórdão 33/2002 afirmou-se que:

"[...] a norma que se surpreende no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição (que, a partir da Revisão Constitucional decorrente da Lei Constitucional 1/97, de 20 de setembro, passou a assegurar os direitos de audiência e defesa em todos os processos sancionatórios, e não apenas nos processos de contraordenação), nada veio a acrescentar ao que já se prescrevia na versão da Lei Fundamental anterior àquela Revisão relativamente aos procedimento disciplinar efetuado no âmbito da Administração Pública. De facto, no n.º 3 do artigo 269.º estabelece-se, como já se estabelecia, que em processo disciplinar são garantidas ao arguido as suas audiência e defesa. E daí que se conclua que a inclusão, levada a efeito no falado n.º 10 do artigo 32.º, do asseguramento dos direitos de audiência e defesa nos processos sancionatórios não tem o significado de fazer atrair o regime destes processos em geral, e do processo disciplinar em especial, para o regime do processo criminal."

E, no Acórdão 135/2009, afirma-se, a propósito da referida norma, que:

"[...] a introdução dessa norma constitucional (efetuada, pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contraordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao atual artigo 269.º, n.º 3). Tal norma implica tão-só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, "nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios", de "todas as garantias do processo criminal" (artigo 32.º-B do Projeto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-RC, n.º 20, de 12 de setembro de 1996, pp. 541-544, e 1.ª série, n.º 95, de 17 de julho de 1997, pp. 3412 e 3466).

Mas, como se reconheceu nesse Acórdão 659/2006, é óbvio que não se limitam aos direitos de audição e defesa as garantias dos arguidos em processos sancionatórios, mas é noutros preceitos constitucionais, que não no n.º 10 do artigo 32.º, que eles encontram esteio. É o caso, desde logo, do direito de impugnação perante os tribunais das decisões sancionatórias em causa, direito que se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da CRP. E, entrados esses processos na 'fase jurisdicional', na sequência da impugnação perante os tribunais dessas decisões, gozam os mesmos das genéricas garantias constitucionais dos processos judiciais, quer diretamente referidas naquele artigo 20.º (direito a decisão em prazo razoável e garantia de processo equitativo), quer dimanados do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), sendo descabida a invocação, para esta fase, do disposto no n.º 10 do artigo 32.º da CRP."»

Não ocorre, por conseguinte, violação do artigo 32.º, n.os 1 e 10, da Constituição.

15 - A convocação do artigo 269.º, n.º 3, da Constituição também não aporta qualquer dimensão de relevo. Deste preceito resulta apenas a vigência, no âmbito do processo disciplinar, das garantias de audiência e defesa, as quais, aliás, decorreriam já do disposto no n.º 10, do artigo 32.º, o que não significa a consagração, neste domínio, de um direito ao recurso em termos análogos ao que se verifica em processo penal.

Fora do processo penal, algumas vozes têm considerado como incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos.

Vejamos, a propósito deste aspeto, a impressiva síntese feita no Acórdão 44/2008:

«Importa saber o que está em causa quando se fala em direito ao recurso.

A propósito do processo civil, ensinava PAULO CUNHA ("Processo Comum de Declaração", 2.º Vol., págs. 368 e 376 e segs., ed. de 1944, de Augusto Costa) que os recursos são os meios de impugnação da sentença que consistem em se procurar a eliminação dos defeitos da sentença injusta ou inválida por devolução do julgamento a outro órgão da judicatura hierarquicamente superior, ou em se procurar a correção de uma sentença já transitada em julgado.

Tal noção geral de recurso é igualmente recebida no âmbito do processo penal (vide GERMANO MARQUES DA SILVA, em "Curso de Processo Penal", III, pág. 301, da ed. de 1994, da Verbo).

"A impugnação das decisões satisfaz um interesse da parte prejudicada, que assim pode obter a correção de uma decisão que lhe é desfavorável. Aquela impugnação também corresponde aos interesses gerais da comunidade, porque a eliminação de decisões erradas ou viciadas não só combate os sentimentos de segurança e injustiça, como favorece o prestígio dos tribunais e a uniformização jurisprudencial. [...] A impugnação da decisão perante um tribunal de hierarquia superior assenta no pressuposto de que aquele tribunal se encontra em melhores condições de apreciar o caso sub iudice do que o tribunal recorrido. Tal deve-se, entre outros fatores, quer à experiência e maturidade dos juízes que o compõem, quer à colegialibilidade dos tribunais superiores (por oposição ao tribunal singular que opera na primeira instância), quer ainda à concentração dos seus esforços em aspetos específicos da causa." (MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, em "Estudos sobre o novo Processo Civil", pág. 376, da 2.ª ed., da Lex).

Um olhar minimamente atento sobre as regras que conformam a extensão da recorribilidade no âmbito das diferentes jurisdições permite chegar à conclusão de que a regra geral adotada pelo legislador ordinário no nosso sistema processual é a da recorribilidade das decisões judiciais para instâncias superiores.

Essa tem sido aliás a orientação geral dos diversos sistemas jurídicos desde a introdução da appelatio do direito processual romano, apesar da existência de tribunais de recurso hierarquicamente superiores não deixar de suscitar opiniões críticas, sobretudo em épocas de "revolução" (referenciando estas críticas, vide ARMINDO RIBEIRO MENDES, em "Direito processual civil III - Recursos", pág. 121-123, da ed. da A.A.F.D.L., de 1982).

Contudo, olhando a Constituição, não vemos nenhum preceito que consagre expressamente, em termos genéricos, o direito a um duplo grau de jurisdição.

A Revisão Constitucional de 1997 procedeu somente à alteração do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, autonomizando expressamente o recurso no contexto das garantias de defesa do arguido que o processo penal deve assegurar.

Este direito ao recurso, como garantia de defesa, tem sido identificado pelo Tribunal Constitucional com a garantia do duplo grau de jurisdição quanto a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais. Ao mesmo tempo que isso é reconhecido, não se deixa igualmente de afirmar que a Constituição não assegura o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo penal, havendo assim de admitir-se que a faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certas decisões, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial do direito de defesa do arguido.

Note-se que o assistente em processo-crime não beneficia desta garantia constitucional que apenas integra os direitos de defesa do arguido

Tal exigência viria a vigorar cumulativamente na ordem jurídica portuguesa por força da entrada em vigor, em 1 de março de 2005, do Protocolo 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo artigo 2.º consagrou também expressamente, como valor supralegal, o "direito do arguido a um duplo grau de jurisdição em matéria penal".

Porém, são vários os preceitos constitucionais dos quais se pode retirar uma consagração implícita de um direito geral ao recurso, nomeadamente aqueles que se referem ao Supremo Tribunal de Justiça e aos Tribunais judiciais de primeira e segunda instância (artigos 209.º, n.º 1, a), e 210.º, n.º 1, 3, 4 e 5).

Desta previsão constitucional de tribunais de diferente hierarquia resulta que o legislador ordinário não pode eliminar, pura e simplesmente, a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, na medida em que tal eliminação global dos recursos esvaziaria de qualquer sentido prático a competência dos tribunais superiores e deixaria sem conteúdo útil a sua previsão constitucional (cf. FERNANDES THOMAZ e COLAÇO CANÁRIO, em "O objeto do recurso em processo civil", na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 42, 1982, II, págs. 365-366, e ARMINDO RIBEIRO MENDES, na ob. cit., págs. 124-127).

Para além desta limitação, o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação do direito ao recurso.

Não é desconhecida, porém, a tese da imposição constitucional da recorribilidade das decisões judiciais que afetem direitos fundamentais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos "direitos, liberdades e garantias". Esta tese tem origem numa declaração de voto aposta por VITAL MOREIRA, no Acórdão 65/88 (em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 11.º vol., pág. 653) com o seguinte teor:

"Votei a conclusão do acórdão, mas não acompanho em tudo a respetiva fundamentação. Com efeito, penso que há de considerar-se constitucionalmente garantido - ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático - o direito à reapreciação judicial das decisões judiciais que afetem direitos fundamentais, o que abrange não apenas as decisões condenatórias em matéria penal - como se reconhece no acórdão - mas também todas as decisões judiciais que afetem direitos fundamentais constitucionais, pelo menos os que integram a categoria constitucional dos «direitos, liberdades e garantias» (artigos 25.º e seguintes da CRP).

É neste entendimento que continuo a sustentar o que noutro lugar subscrevi (Constituição da República Portuguesa Anotada, de que sou coautor, juntamente com J. J. Gomes Canotilho), no sentido de que «o direito de recurso para um tribunal superior tenha de ser contado entre as mais importantes garantias constitucionais», naturalmente quando se trata da «defesa de direitos fundamentais» (ob. cit., 2.ª ed., vol. 1.º, p. 181, nota III ao artigo 20.º).

De resto, não é por acaso que em alguns ordenamentos constitucionais estrangeiros existem específicos recursos de defesa de direitos fundamentais («recurso de amparo», «Verfassungsbeschwerde»), inclusive contra decisões judiciais, recurso normalmente destinado aos tribunais constitucionais, ou com funções de jurisdição constitucional. Entre nós, não existindo tal figura (cf. ob. cit., ibidem), penso que não pode deixar de considerar-se necessária ao menos a garantia de um grau de recurso (e portanto de um «duplo grau de jurisdição») como componente inerente ao regime constitucional das garantias dos direitos fundamentais constitucionais.

Recorde-se, de resto, que uma tal ideia de reapreciação jurisdicional das decisões (inclusive as judiciais) que afetem direitos fundamentais encontra eco mesmo no plano de direito internacional, no âmbito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, através da queixa dos particulares à Comissão Europeia dos Direitos do Homem, com eventual submissão de tal queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem."

A esta posição veio a aderir ANTÓNIO VITORINO, na declaração de voto aposta ao Acórdão 202/90 (em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 16.º vol., pág. 505).

Pode ler-se também no comentário de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA ao artigo 20.º, da C.R.P. (em "Constituição da República Portuguesa anotada", vol. I, págs. 161-165, da 4.ª Edição, da Coimbra Editora):

"O direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efetiva não fundamenta um direito subjetivo ao duplo grau de jurisdição. Discute-se em que medida o direito de acesso aos tribunais inclui o direito ao recurso das decisões judiciais, traduzido no direito ao duplo grau de jurisdição. A chamada doutrina de "2.ª instância em matéria penal" encontra-se expressamente consagrada no artigo 14.º-5 do PIDCP e resulta já do artigo 32.º-1 da CRP (Ac. TC n.º 210/86 e 8/87). Não existe, porém, um preceito constitucional a consagrar "a dupla instância" ou o duplo grau de jurisdição em termos gerais (Ac. TC n.º 31/87, 65/88, 163/90, 259/97 e 595/98). Todavia, o recurso das decisões judiciais que afetem direitos fundamentais, designadamente direitos, liberdades e garantias, mesmo fora do âmbito penal, apresenta-se como garantia imprescindível desses direitos. Em todo o caso, embora o legislador disponha de liberdade de conformação quanto à regulação dos requisitos e graus de recurso, ele não pode regulá-lo de forma discriminatória, nem limitá-lo de forma excessiva [...]".

Referem ainda JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS (em "Constituição Portuguesa Anotada", tomo I, pág. 200, da ed. de 2005, da Coimbra Editora) o seguinte:

"A plenitude do acesso à jurisdição e os princípios da juridicidade e da igualdade postulam um sistema que assegure a proteção dos interessados contra os próprios atos jurisdicionais, incluindo um direito de recurso.

É jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema judiciário, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das ações aos diversos "patamares" de recurso [...].

O Tribunal Constitucional reconhece, no entanto, que - por força dos artigos 27.º, 28.º, e 32.º, n.º 1 - a exigência de um duplo grau de jurisdição [...] está constitucionalmente consagrada no âmbito do processo penal, não relativamente a todas as decisões proferidas, mas em relação às decisões condenatórias do arguido [...] bem como às decisões respeitantes à situação do arguido em face da privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais [...].

Conclusão análoga - sustentada, em termos ainda assim não inteiramente coincidentes, mais por parte da doutrina do que pela jurisprudência dominante [...] deve admitir-se relativamente às decisões jurisdicionais que imponham restrições a direitos, liberdades e garantias (ou, pelo menos, em face da preocupação constitucional, subjacente ao artigo 20.º, n.º 5, em assegurar a tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações dos direitos, liberdades e garantias pessoais, em relação às decisões jurisdicionais que restrinjam tais direitos). A conclusão baseia-se na analogia com a situação consagrada em matéria de restrições à liberdade e é coerente com o princípio do caráter restritivo das restrições aos direitos, liberdades e garantias, que se extrai do artigo 18.º, n.º 2 e 3."

A referência a esta opinião também se encontra em diversos acórdãos do Tribunal Constitucional, sem que contudo se mostre aplicada como fundamento de qualquer decisão que tenha imposto o direito ao recurso deduzido por assistente em processo penal.»

Este aresto reafirmou, quanto a este aspeto, a tese que o Acórdão 40/2008, prolatado na mesma data, havia já explicitado:

«Reapreciando esta problemática, afigura-se que - para além dos casos em que este Tribunal tem tradicionalmente afirmado a imposição constitucional de um direito ao recurso jurisdicional (ou direito a um duplo grau de jurisdição), a saber: as decisões condenatórias em processo penal ou que impliquem a adoção de medidas restritivas da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido (orientação reafirmada, por último, nos Acórdãos n.os 500/2007 e 588/2007, que justamente julgaram não inconstitucional a norma constante do artigo 28.º, n.º 1, da Lei 34/2004, de 29 de julho, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso da decisão judicial tirada sobre impugnação de decisão administrativa que indefere requerimento de apoio judiciário) - é sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer atos lesivos dos direitos dos cidadãos (maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses atos provenientes de particulares ou de órgãos do Estado, forçoso é que se garanta o direito à impugnação judicial de atos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou atuações materiais) que constituam a causa primeira e direta da afetação de tais direitos. Considera-se, pois, que quando uma atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deve ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação. Mas quando a afetação do direito fundamental do cidadão teve origem numa atuação da Administração ou de particulares e esta atuação já foi objeto de controlo jurisdicional, não é sempre constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão.»

Esta orientação tem sido reafirmada por jurisprudência constitucional posterior. Ainda muito recentemente, o Tribunal sustentou que «fora do processo penal e quando não esteja em causa a violação pela decisão jurisdicional de direitos fundamentais a Constituição não impõe a consagração do direito ao recurso, dispondo o legislador do poder de regular, com larga margem de liberdade, a recorribilidade das decisões judiciais» (cf. Acórdão 151/2015).

Retomando a análise da situação que se oferece nos autos, verifica-se que não está em causa eventual violação pela decisão jurisdicional de direitos fundamentais, uma vez que, a ter ocorrido ofensa dos direitos fundamentais da recorrente, a mesma decorre de uma decisão administrativa - a deliberação adotada pelo CSM, a qual foi objeto de controlo jurisdicional na sindicância efetuada pela Secção de Contencioso do STJ.

Por conseguinte, não se tratando de matéria em que a Constituição impõe a existência de um duplo grau de jurisdição, não se encontra qualquer violação do direito ao recurso, nesta dimensão, em solução normativa que consagra a apreciação judicial em instância única de impugnações de decisões proferidas pelo CSM em matéria disciplinar.

16 - A jurisprudência constitucional tem também sido constante no que toca a outros limites constitucionais que vinculam a liberdade de conformação do legislador em matéria de direito ao recurso, ainda que não referido especificamente a processo-crime ou a decisões que afetem direitos fundamentais. Salientou o Acórdão 774/2014, que «[a] liberdade de conformação legislativa do processo é mais ampla nos domínios não abrangidos pela incidência constitucional em matéria de garantias de defesa, maxime garantias de defesa em processo penal. Com efeito decorre da Constituição, em processo-crime, uma mais intensa vinculação, nomeadamente no tocante ao direito ao recurso, por atuação das garantias previstas no artigo 32.º da Lei Fundamental.»

16.1 - Por um lado, a disciplina legal do sistema de recursos deve ser tal que respeite a sua própria existência. Como se observou no Acórdão 261/2002,

«[...] este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210.º), terá de admitir-se que 'o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos' (cf., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e n.º 340/90, id., vol. 17, pág. 349).

Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cf. os citados Acórdãos n.º 31/87, 65/88, e ainda 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12, pág. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos n.º 359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, pág. 605), n.º 24/88, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 525), e n.º 450/89, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13, pág. 1307).»

16.2 - Por outro lado, a liberdade de conformação do legislador em matéria de direito ao recurso conhece ainda outros limites decorrentes do princípio da igualdade.

Neste domínio, entende o Tribunal Constitucional que, fora do processo penal, quando o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição, na respetiva regulamentação não lhe eì consentido adotar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerar-se vinculado ao respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cf. o Acórdão 197/2009). Como se referiu no Acórdão 628/2005, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso, pois «tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer - mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 1229/96 e 462/2003) [...]».

17 - É sob esta perspetiva que cumpre agora avaliar a solução normativa objeto do presente recurso: a norma segundo a qual «a Secção de Contencioso do STJ seria instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos dos atos administrativos, maxime sancionatórios, praticados pelo CSM».

A recorrente invoca violação do princípio da igualdade pelo facto de o regime de impugnação das deliberações sancionatórias proferidas pelo CSMP prever um grau de recurso, o que sinalizaria, em sua ótica, uma diferenciação legal desprovida de fundamento material bastante.

Tal regime diferenciado verifica-se, atualmente, não apenas relativamente aos magistrados do Ministério Público mas ainda, acrescentamos agora nós, relativamente aos juízes dos tribunais administrativos e fiscais. Com efeito, das deliberações proferidas pelo CSMP ou pelo CSTAF em matéria disciplinar, cabe recurso para a Secção de Contencioso do STA, havendo, nesses casos, recurso em um grau para o Pleno da Secção de Contencioso, como decorre dos artigos 24.º, n.º 1, alínea a), pontos vii) e ix), e 27.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de fevereiro, e alterado, por último, pela Lei 20/2012, de 14 de maio ("ETAF").

Já se viu que estamos em domínio constitucionalmente reservado à margem de valoração e conformação do legislador.

Recordando o que afirmou o Tribunal no Acórdão 546/2011,

«[...] não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, "racionais". O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do "merecimento" - isto é, só quando se concluir que diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face à ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir - é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor "racionalidade" ou congruência interna de um sistema legal, que contudo não se repercuta no trato diverso - e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto - de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º) pode a Constituição garantir que sejam sempre "racionais" ou "congruentes" as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundadas em motivos razoáveis.»

18 - Como referido supra no n.º 12, a sindicância da solução normativa sub judicio em face do princípio da igualdade foi já efetuada em jurisprudência constitucional anterior, nomeadamente por referência ao regime que vigora quanto à impugnabilidade judicial das deliberações proferidas pelo CSMP em matéria disciplinar. É o essencial desse entendimento já manifestado pelo Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos n.os 336/95 e 373/99 que agora se reitera.

No primeiro daqueles arestos, o Tribunal salientou a diversidade constitucional da magistratura judicial e da magistratura do Ministério Público, concluindo não estar perante «situações que entronquem num ponto comum que possa servir de parâmetro comparativo». Em especial, o Tribunal afirmou no Acórdão 336/95:

«Esta diversidade (de carreiras) tem, aliás, origem na própria matriz constitucional das magistraturas judicial e do Ministério Público, e, por isso, é não só incontornável pela lei ordinária como também não poderá deixar de influenciar o regime legal que regula as respetivas relações interprofissionais e disciplinares e, consequentemente, de algum modo, influir no particular regime de impugnação das deliberações dos seus órgãos de cúpula.

11 - Efetivamente, são diferentes as garantias constitucionais que a Lei Fundamental institui para os tribunais e magistrados judiciais e para os magistrados do Ministério Público, sendo também diversa a estatuição constitucional respeitante à composição dos respetivos Conselhos Superiores.

Assim, os tribunais são os órgãos de soberania, dotados de independência e em que um ou mais juízes procedem à administração da justiça (artigos 205.º, 206.º e 218.º da CRP), assegurando e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimindo a violação da legalidade democrática e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados (artigo 205.º, n.º 2, da CRP).

A independência dos Tribunais é, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, p. 794), «um elemento essencial da sua definição, uma das regras clássicas do Estado Constitucional e uma das garantias essenciais do Estado de direito democrático (artigo 2.º)».

Pelo seu lado, a independência dos juízes é uma das garantias essenciais da independência dos tribunais, abrangendo segundo aqueles autores (ibidem) não só a «sua inamovibilidade e irresponsabilidade (artigo 218.º) mas também a sua liberdade perante quaisquer ordens ou instruções das demais autoridades, além de um regime adequado de designação, com garantias de isenção e imparcialidade que evitem o preenchimento dos quadros da magistratura de acordo com os interesses dos demais poderes do Estado, sobretudo do Governo e da Administração (cf. artigos 219.º e 220.º)».

A Constituição remete para a lei a fixação dos requisitos e das regras de recrutamento dos juízes de primeira instância, mas, no que se refere aos juízes de segunda instância, é a própria Constituição que determina que o seu recrutamento se faz «com prevalência do critério do mérito, por concurso curricular entre juízes de primeira instância. Quanto ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, a Constituição apenas impõe a abertura de um concurso curricular determinando expressamente quem pode ser candidato e remetendo para a lei ordinária os termos da respetiva regulamentação.

Estes são aspetos ligados ao estatuto dos juízes dos tribunais judiciais, que a Constituição impõe que seja único, constituindo eles próprios também um corpo único, o que desde logo implica uma diferenciação estatutária face aos juízes de outros tribunais mas também a separação funcional e orgânica entre a magistratura judicial e do Ministério Público, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (ibidem, p. 821).

Por outro lado, a Constituição reconhece como uma das garantias essenciais de todos os juízes a da sua inamovibilidade que, à semelhança do que também acontece com a garantia da não responsabilização pelas decisões proferidas, a Constituição não reconheceu de uma forma absoluta mas apenas de modo relativo - ressalvando os casos ou exceções previstas na lei - garantias estas que, juntamente com a exigência da dedicação exclusiva dos juízes (também constante da Constituição), realizam a independência dos tribunais, a qual, todavia, não pode deixar de pressupor a própria independência dos juízes, que é a característica essencial e marcante da judicatura.

Mas, no que respeita ao Ministério Público, já a Constituição, para além de expressamente reconhecer que também esta magistratura goza de estatuto próprio, não só não lhe reconhece a independência que é atributo dos tribunais mas a mera «autonomia nos termos da lei» como também, de forma inequívoca, determina que os «agentes do Ministério Público são, magistrados responsáveis» e «hierarquicamente subordinados», gozando constitucionalmente de uma inamovibilidade relativa similar à dos juízes («não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei» - artigo 221.º da Constituição).

Existe, assim, uma clara separação - por imposição constitucional - das carreiras da magistratura judicial e do ministério público, com separação dos respetivos corpos profissionais e autonomia das respetivas carreiras, as quais estão submetidas também a princípios constitucionais diversos.

À irresponsabilidade e independência dos juízes corresponde, em contraponto, a responsabilização e a subordinação hierárquica dos magistrados do Ministério Público; à independência dos tribunais, enquanto órgãos de soberania competentes para administrar a justiça corresponde a autonomia do Ministério Público, enquanto órgão ao qual compete representar o Estado, exercer a ação penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar.

Por último, não são também idênticas as exigências constitucionais relativamente à constituição dos órgãos superiores de cúpula de ambas as magistraturas.

Assim, enquanto a constituição do Conselho Superior da Magistratura é pormenorizadamente indicada no artigo 220.º da Constituição, que não só indica o presidente do CSM mas também a origem, número e natureza dos respetivos vogais: dois designados pelo Presidente da República, sendo um magistrado judicial, sete eleitos pela Assembleia da República, sete juízes eleitos pelos seus pares, de acordo com o princípio da representação proporcional, no que se refere ao Conselho Superior do Ministério Público, a Lei Fundamental, para além de o considerar um órgão compreendido na Procuradoria-Geral da República, limita-se a referir que «inclui membros eleitos pela Assembleia da República, e membros entre si eleitos pelos magistrados do Ministério Público», remetendo para a lei o restante da pertinente regulamentação.

Resulta, assim, claro um manifesto reforço das garantias constitucionais respeitantes ao CSM, não só pelo facto da particularização da sua constituição na Lei Fundamental, mas também pelo facto de a própria Constituição mandar aplicar a todos os vogais do CSM as mesmas regras que impõe no que se refere às garantias dos juízes, garantias estas que não são nem constitucional nem legalmente referidas aos vogais do CSMP.»

E rematou o Tribunal a conclusão de não violação do princípio da igualdade nos seguintes termos:

«Tem, pois, de se concluir que se não está perante situações que entronquem num ponto comum que possa servir de parâmetro comparativo; ao invés, trata-se de carreiras diversas, de género diferente e por isso usualmente referidas como "paralelas", mas que correspondem a diversas exigências constitucionais e, por isso, também, os respetivos órgãos de cúpula e as deliberações neles tomadas não podem ser colocadas na mesma posição para efeitos de imposição da mesma solução legislativa quanto aos graus de recurso.

Efetivamente, admitida que vem a existência por parte do legislador de uma certa margem de liberdade de conformação, fora do processo penal em caso de decisões condenatórias, no sentido de poder optar por um ou dois graus de jurisdição em matéria de recurso (cf. ponto 7, supra), nada permite concluir que a mera consagração de um único grau de recurso em matéria de decisões do CSM constitua uma violação do espaço de vinculação do legislador que pode reconhecer-se na existência de dois graus de recurso quanto às deliberações do CSMP.

Desde logo, não pode deixar de se referir que o legislador, no momento em que estabeleceu o regime diferenciado, se encontrava face a duas ordens judiciárias separadas, sendo os tribunais de recurso também diferentes - a ordem judiciária comum e a ordem judiciária administrativa, correspondendo ao Supremo Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Administrativo.

E parece não poder deixar de se reconhecer que o legislador ordinário, na modelação da secção a que veio atribuir competência para conhecer das deliberações do CSM, acabou por se inspirar na própria composição do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, bastando, para alcançar tal conclusão, comparar o n.º 2 do artigo 175.º da Lei 85/77 (redação do Decreto-Lei 348/80, de 3 de setembro) com os artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei 699/73, de 28 de dezembro: em ambos os casos o presidente do tribunal superior vai buscar um juiz a cada secção, respeitando a ordem de antiguidade, para funcionarem sucessivamente por um ano.»

19 - O Acórdão 373/99 voltou a retomar esta questão. E fê-lo posteriormente à entrada em vigor da alteração introduzida ao ETAF84 pelo Decreto-Lei 229/96, de 29 de novembro, mercê da qual a Secção do Contencioso do STA, pelas suas subsecções, passou a conhecer dos recursos dos atos administrativos ou em matéria administrativa praticados pelo CSTAF e seu Presidente, com recurso para o pleno da Secção do Contencioso Administrativo [cf. redação conferida pelo referido diploma aos artigos 26.º, n.º 1, alínea c), e 24.º, n.º 1, alínea a)], regime idêntico ao que vigora atualmente no que se refere à impugnação das decisões proferidas pelas subsecções. E, já neste novo contexto normativo, uma eventual violação do princípio da igualdade foi também afastada:

«[...] de semelhante constatação não se retira mais do que a inexistência de uma organização estrutural do Supremo Tribunal de Justiça a permitir, ao invés da relativa ao Supremo Tribunal Administrativo, dois graus de jurisdição. Admitida a liberdade de conformação do legislador ordinário na opção por um ou mais graus de jurisdição em matéria de recursos - com exceção dos casos de decisões condenatórias em processo penal - a limitação do direito ao recurso das deliberações do Conselho Superior da Magistratura para a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, não constituindo, porventura, a solução ótima, não integra uma forma irrazoável ou desproporcionada do cerceamento desse mesmo direito, nem, na perspetiva da igualdade, se reveste de arbitrariedade, dando lugar a situações diferenciadas, sem fundamento material bastante.

Por outro lado, não pode esquecer-se que a composição da Secção do Contencioso é diferente, visto ser constituída por cinco magistrados e não apenas por três como sucede com as Subsecções da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.»

Embora a comparação entre o regime de impugnação, ao nível dos meios de recurso disponíveis, das deliberações proferidas em matéria disciplinar pelo CSTAF e das deliberações proferidas pelo CSM não tenha sido expressamente identificada pela recorrente como fundamento de censura constitucional do objeto do presente recurso, importa aprofundá-la.

20 - Os Tribunais são, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, da Constituição, órgãos de soberania, os quais têm competência para administrar a justiça em nome do povo (artigo 202.º, n.º 1, da CRP). Os juízes são, como é inequívoco, os titulares destes órgãos de soberania que são os Tribunais.

Por outro lado, nos termos da Constituição, a função jurisdicional é atribuída a diversas categorias de tribunais. Logo na sua primeira versão, a Constituição de 1976 regulou os tribunais administrativos como verdadeiros tribunais, no mesmo plano dos demais tribunais, enquanto órgãos de soberania, perdendo a qualidade que detinham, desde a Constituição de 1933, de órgãos jurisdicionais integrados na administração. A jurisdição administrativa alcançou assim a sua independência face ao poder executivo, embora, fosse, então, ainda de existência facultativa. A obrigatoriedade da jurisdição administrativa - que já resultava do ETAF84 - veio a ser introduzida na revisão constitucional de 1989, a qual institucionalizou os tribunais administrativos como ordem específica do sistema judicial português. Como assinala Maria da Glória Garcia, Portugal retomou assim, no campo da justiça administrativa, a tradição judicialista, «através de tribunais especiais com um modelo de organização judiciária paralelo ao dos tribunais comuns [...], como garantia imprescindível de um Estado assente no princípio da separação de poderes [...]» (Da justiça administrativa em Portugal - sua origem e evolução, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1994, p. 666; v. também o Acórdão 528/2012).

A integração dos tribunais administrativos e fiscais no poder judicial produziu naturais consequências ao nível do estatuto dos seus juízes. Enquanto no regime anterior os mesmos eram livremente nomeados pelo Governo, a Constituição de 1976 assegura a respetiva independência e imparcialidade, prevendo uma disciplina comum a todos os juízes em matéria de garantias e incompatibilidades (cf. artigo 216.º da Constituição), o qual, todavia, não obstou a uma decomposição do poder judicial em diferentes ordens jurisdicionais. E a tal diversidade de ordens jurisdicionais correspondem, como se salientou no Acórdão 528/2012, diferentes "corpos de juízes", os quais são autónomos e separados entre si.

Daí não dever surpreender, quanto à matéria concretamente em causa - o regime de impugnação das deliberações proferidas pelo CSM em termos dos graus de recurso disponíveis -, que, não se encontrando beliscado o direito ao recurso, possa haver regimes diferenciados no espaço correspondente à liberdade de conformação do legislador. Decerto que se pode cogitar se não seria preferível de lege ferenda a existência de regime idêntico quanto à impugnação das deliberações em matéria disciplinar aplicadas pelos respetivos Conselhos Superiores aos juízes dos tribunais comuns e dos tribunais administrativos e fiscais. Mas, quanto à solução adotada de lege lata, o que importa averiguar é se as diferenças existentes nesse domínio se mostram arbitrárias ou desrazoáveis.

A opção do legislador foi a de submeter o regime das impugnações das deliberações dos Conselhos a regimes legais e jurisdicionais diferenciados em função do modo de organização e funcionamento de cada um dos supremos tribunais daquelas duas ordens jurisdicionais. Com efeito, uma vez que o Supremo Tribunal Administrativo e o Supremo Tribunal de Justiça seguem diferentes modos de organização interna e funcionamento, tal diversidade comporta naturais e normais consequências.

Funcionando a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, regularmente, com o pleno dos seus membros, das suas deliberações não cabe recurso para qualquer outra secção ou composição daquele Tribunal. Nesse sentido, afirma-se no acórdão recorrido: «tendo em conta o modo e a forma como delibera colegialmente a Secção de Contencioso - com intervenção de todos os Juízes que a compõem - e, para além de só haver uma Secção de Contencioso (o que inviabiliza a formação de um Pleno (de Secções do Contencioso), a eventualidade de uma tal instância de recurso colocaria os Conselheiros perante a alternativa de confirmarem ou revogarem um acórdão que eles próprios haviam proferido» (cf. fls. 360). E, prevenindo a aplicabilidade do disposto na Lei 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), acrescenta-se na mesma decisão: «está naturalmente excluída, no caso concreto, a competência do Plenário do STJ definida no artigo 52.º-a) da Lei 62/2013, por inverificação da hipótese aí prevista [;] inexiste igualmente norma atribuidora de competência ao Plenário do STJ para apreciar situações subsumíveis ao caso concreto, ou seja, que contemplem a hipótese prevista no artigo 52.º-b) do mesmo diploma. Subjacente à competência atribuída ao Pleno das Secções para o julgamento dos recursos interpostos contra acórdãos proferidos em 1.ª instância pelas Secções está um julgamento colegial de composição restrita por estas (apenas por três juízes - artigo 56.º n.º 1), o que legitimaria o recurso para o Pleno das Secções (conforme a sua especialização). Ou seja, dentro do próprio STJ, a composição do órgão julgador no primeiro e no segundo grau de jurisdição seria diversa» (cf. fls. 361)

A situação já é diferente no caso das impugnações das deliberações do CSTAF, para as quais é competente a Secção de Contencioso Administrativo do STA (cf. artigo 24.º, n.º 1, alínea a), subalínea vii) do ETAF). Com efeito, o julgamento em cada secção do STA compete ao relator e a dois juízes (cf. o artigo 17.º, n.º 1, do ETAF). De tais acórdãos, porque proferidos pela Secção em 1.º grau de jurisdição, cabe recurso para o Pleno da mesma Secção, nos termos do artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Estatuto.

Ou seja, e como salientado no acórdão recorrido, «a unicidade do grau de jurisdição (e a consequente irrecorribilidade dos acórdãos da Secção do Contencioso do STJ) decorre da organização estrutural deste Tribunal (com apenas uma Secção de Contencioso) e da forma como esta funciona e delibera (em primeira e única instância, com o "pleno" dos seus membros) ao invés do que sucede com o STA; quer dizer: a própria estrutura interna do STJ e o funcionamento da respetiva Secção de Contencioso inviabilizam o reconhecimento do duplo grau de jurisdição e do direito ao recurso dentro da própria Secção...» (cf. fls. 364).

Não se verifica, por conseguinte, qualquer violação do princípio da igualdade pelo facto de as deliberações do CSM em matéria disciplinar serem objeto de recurso para a Secção do Contencioso do STJ, a qual decide em primeiro e último grau estas impugnações, ao invés do que sucede com as deliberações do CSTAF, recorríveis para a secção de contencioso do STA, cujas decisões em primeira instância são impugnáveis para o Pleno daquela Secção: nem se trata de situações que reclamam, constitucionalmente, um tratamento legal idêntico, nem a desigualdade surge como arbitrária, uma vez que a mesma decorre da existência de estruturas e organizações internas diferenciadas ao nível do STA e do STJ, surgindo a tramitação decisória, dentro de cada uma daquelas organizações, como racional e suficientemente justificada.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

a) Não conhecer do objeto do recurso quanto às seguintes questões de inconstitucionalidade:

- Artigos 82.º, 95.º, n.º 1, alínea a), e 117.º, todos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de julho, quando interpretados no sentido de que «um magistrado possa ser objeto de uma deliberação sancionatória onde não se indicam nem têm que se indicar expressamente os deveres funcionais alegadamente violados, e, logo, que não é devidamente fundamentada com tal indicação»;

- Os mesmos preceitos, quando interpretados «no sentido de permitir a aposentação compulsiva de um magistrado com base não em qualquer comportamento doloso mas sim numa sua suposta "absoluta incapacidade organizativa", que é o mesmo que uma espécie de despedimento por suposta inadaptação, ainda por cima alicerçado em meros juízos valorativos e conclusivos»;

- Artigos 85.º, 96.º e 97.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de julho, quando interpretados no sentido de «propugnar[em] e sustentar[em] uma pena completamente desproporcionada, em particular em atenção à culpa da recorrente e às concretas circunstâncias atenuantes»;

- Artigo 95.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de julho;

- Artigo 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de julho, interpretado no sentido de permitir «uma inexistente, ou pelo menos deficientes, fundamentação de uma decisão administrativa, e escusando-se depois o STJ a sindicar tal decisão sob o argumento de que apenas o fará em caso de erro manifesto ou grosseiro do CSM ou de que este adote critérios ostensivamente desajustados, para mais sancionatórios, e mais ainda aplicadores da sanção muito grave da aposentação compulsiva»;

b) Não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 168.º, n.º 1, e 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de julho, na redação que lhes foi dada pela Lei 143/99, de 31 de agosto, segundo a qual, a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça é instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos de atos administrativos, maxime sancionatórios, praticados pelo Conselho Superior da Magistratura; e, em consequência,

c) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 4 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).

Lisboa, 23 de junho de 2015. - Pedro Machete - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro.

208807611

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1028345.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1973-12-28 - Decreto-Lei 699/73 - Presidência do Conselho

    Introduz alterações na orgânica do Supremo Tribunal Administrativo.

  • Tem documento Em vigor 1977-12-13 - Lei 85/77 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1980-09-03 - Decreto-Lei 348/80 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Justiça

    Revê a organização judiciária.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-04-27 - Decreto-Lei 129/84 - Ministérios da Justiça e das Finanças e do Plano

    Aprova o estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (no uso da autorização conferida ao Governo pela Lei n.º 29/83, de 8 de Setembro).

  • Tem documento Em vigor 1985-07-30 - Lei 21/85 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1996-11-29 - Decreto-Lei 229/96 - Ministério da Justiça

    Cria o Tribunal Central Administrativo definindo a sua organização, funcionamento e competências. Altera o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Dec Lei 129/84 de 27 de Abril e a Lei de Processo nos Tribunais aprovada pelo Dec Lei 267/85 de 16 de Julho. O Tribunal Central Administrativo é um Tribunal Superior de jurisdição administrativa e fiscal tendo jurisdição em todo o território nacional e compreende duas secções, uma de contencioso administrativo (1ª secção) e outra de contenc (...)

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-31 - Lei 143/99 - Assembleia da República

    Altera o Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho.

  • Tem documento Em vigor 2002-02-19 - Lei 13/2002 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, altera o regime jurídico das empreitadas de obras públicas, o Código de Processo Civil, o Código das Expropriações e a Lei de Bases do Ambiente.

  • Tem documento Em vigor 2004-07-29 - Lei 34/2004 - Assembleia da República

    Estabelece um novo regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe parcialmente para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE (EUR-Lex), do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

  • Tem documento Em vigor 2012-05-14 - Lei 20/2012 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração à Lei do Orçamento do Estado para 2012, aprovada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, no âmbito da iniciativa para o reforço da estabilidade financeira, altera ainda o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Código Fiscal do Investimento, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a lei geral tributária, o Regime Geral das Infrações Tributárias, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e (...)

  • Tem documento Em vigor 2013-08-26 - Lei 62/2013 - Assembleia da República

    Estabelece as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário - Lei da Organização do Sistema Judiciário.

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