Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Relatório.
1.1 - Vera Marina de Campos Bregas Thellier interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o Acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 11 de Setembro de 2008, que indeferiu reclamação por ela apresentada contra o despacho do conselheiro relator do STA de 21 de Maio de 2008, que não admitiu recurso para o plenário do STA interposto do acórdão da «Formação de apreciação preliminar», de 23 de Janeiro de 2008, que não considerara preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso excepcional de revista, previsto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro (CPTA) [por «Formação de apreciação preliminar», entende-se «a formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo» à qual compete a apreciação preliminar sumária da verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso excepcional de revista previsto no artigo 150.º e, bem assim, a verificação dos pressupostos do «reenvio prejudicial» previsto no artigo 93.º, ambos do CPTA].De acordo com o requerimento de interposição de recurso, a recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade das normas dos artigos 150.º, n.º 5, do CPTA e 29.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro (ETAF), «por vedarem a possibilidade de recurso de decisão liminar que não admitiu o recurso de revista por si interposto, ou seja, a impossibilidade legal de sindicância de decisão liminar que não admite o recurso em causa», referindo que suscitou a questão da inconstitucionalidade dessas normas na aludida reclamação do despacho do relator, designadamente nos n.os 12 a 24 das conclusões desse articulado, «por colidirem com o direito à tutela jurisdicional, designadamente o direito ao recurso, os quais vão previstos na Constituição da República nos artigos 20.º, n.os 1, 4 e 5, e 280.º, e ainda insertos no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 14.º do Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos».
1.2 - No presente caso, por Acórdão de 23 de Janeiro de 2008, da «Formação de apreciação preliminar» da 1.ª Secção do STA fora decidido não admitir o recurso excepcional de revista, interposto pela ora recorrente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, contra o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de 11 de Outubro de 2007, que negara provimento ao recurso jurisdicional por si interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé de 25 de Julho de 2007, que declarou extinta a instância por desistência da autora (aqui recorrente), assim absolvendo a entidade demandada (a agora recorrida Câmara Municipal de Tavira), recurso excepcional de revista esse que tinha «por objecto a melhor aplicação do direito, no que tange à norma ínsita no Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro, na versão do Decreto-Lei 177/2001, de 4 de Julho (artigo 104.º, n.º 2), estando tal pedido fundamentado na questão social e na dificuldade no planoexegético da referida norma».
O aludido acórdão assentou a sua decisão de não admissão do recurso nas seguintesconsiderações:
«2.1 - O recurso de revista a que alude o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo possibilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.Temos assim que, de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins tidos em vista pelo legislador (cf. a «Exposição de motivos» do CPTA).
Vejamos, então.
2.2 - Tal como resulta dos autos, a agora recorrente intentou junto do TAF de Loulé uma acção administrativa especial contra a Câmara Municipal de Tavira para «impugnação do acto administrativo que conduziu ao embargo de obras de edificação e de trabalhos de remodelação de terrenos, que originou o referido auto de embargo datado de 14 de Novembro de 2005 [...]» - cf. fls. 2.Na sequência do requerimento apresentado pela recorrente, em 13 de Junho de 2006, a fls. 61, o TAF de Loulé, por decisão de 25 de Julho de 2006, julgou extinta a instância «por desistência da sua autora», tendo interpretado o dito requerimento no sentido de este veicular a vontade, por parte da autora (aqui recorrente), de desistir da
instância - cf. fls. 67-68.
Para assim decidir o TAF invocou, expressamente, o disposto nos artigos 287.º, alínea d), n.º 1 do artigo 296.º e os n.os1 e 3 do artigo 300.º do CPC, por força do artigo 1.º do CPTA, sendo estes os únicos preceitos aplicados na mencionada decisão, que apenas se debruçou sobre o questionado requerimento de fls. 61.Sucede que tal decisão foi coonestada pelo acórdão recorrido, aresto este que, para além de ter apreciado prioritariamente a questão da invocada nulidade da decisão do TAF de Loulé, com base no preceituado nas alíneas e) e c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, acabou por se pronunciar sobre a única questão que foi conhecida e decidida no TAF, a qual, como já se sabe, se centrou na aludida questão da extinção da instância, concluindo o TCA pelo acerto da decisão do TAF, considerando não se estar perante uma situação passível de se reconduzir à figura da inutilidade ou impossibilidade
superveniente da lide.
Ora, em fase do quadro jurídico em que se moveram as instâncias (o TAF e o TCA), é patente que o presente de recurso de revista se não pode centrar, como pretende a recorrente, em questões novas não decididas na decisão sob recurso (v., nesta linha, o Acórdão deste STA de 27 de Abril de 2006, recurso n.º 377/06), como é o caso das que enuncia, designadamente, a fls. 183, não se podendo aqui falar, propriamente, de uma qualquer melhor aplicação do direito em relação a questões que nunca foram objecto de apreciação nas instâncias e de normas que estas não aplicaram nem tinham de aplicar, por se terem centrado na decisão de questão meramente processual, não tendo entrado na apreciação da questão de fundo, sendo que, com atinência à questão efectivamente apreciada no TCA, se não detecta a existência de erro clamoroso ao nível da pronúncia nele contida, tanto mais que ela assenta, fundamentalmente, na interpretação que se fez do alcance e sentido do já aludido requerimento de fls. 61, pelo que a apreciação de eventual erro de direito de que enferme o dito aresto não preenche os requisitos do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, uma vez que não seria apta para melhorar a aplicação do direito nos moldes pretendidos pela recorrente, limitada que se encontra a questão à especificidade daquela aludida interpretação (v., neste sentido, o acórdão deste STA de 20 de Dezembro de 2006, recurso n.º 1192/06).Por outro lado, em face das questões apreciadas no TCA (nulidade da decisão do TAF e a questão da extinção da instância), é patente que as mesmas não se revestem de especial relevo jurídico, não envolvendo a sua resolução operações exegéticas de
grande dificuldade.
Finalmente, também se não depara com questões de especial relevo social, na medida em que, atendendo ao já descrito âmbito da pronúncia contida no acórdão recorrido, o dito relevo não vai além do caso concreto, ou seja, do interesse particular das partes.Em suma, não se verificam os pressupostos de admissão do recurso de revista.» 1.3 - A recorrente veio interpor recurso deste acórdão para o plenário do STA, o qual, porém, não foi admitido, por despacho do conselheiro relator do STA de 21 de Maio de 2008, por entender que o dito acórdão «não é passível de recurso jurisdicional fora dos casos de recurso para o Tribunal Constitucional, mas, aqui, apenas, no tocante a questões de constitucionalidade», acrescentando:
«Com efeito, o CPTA não prevê recurso dos acórdãos proferidos no modo do n.º 5 do artigo 150.º Ver, neste sentido, entre outros, o Acórdão deste STA de 11 de Janeiro de 2007, recurso n.º 890/06, e a anotação ao dito preceito por parte de Carlos
Cadilha e Mário Aroso de Almeida.
Temos, assim, que não cabe recurso do acórdão que não admitiu o recurso de revista, dele não cabendo, designadamente, recurso para o plenário do STA, por a situação em análise se não enquadrar na previsão do artigo 29.º do ETAF.» 1.4 - Notificada deste despacho, a recorrente apresentou reclamação do mesmo para o Presidente do STA, o qual, por despacho de 30 de Junho de 2008, convolou, ao abrigo do artigo 144.º, n.º 4, do CPTA, tal reclamação em reclamação para a conferência, in casu para a formação específica a que alude o artigo 150.º, n.º 5, doCPTA.
Os fundamentos dessa reclamação foram sintetizados nas seguintes conclusões:«1 - [O despacho reclamado] Ao não admitir o recurso ao plenário deste STA admite como inexorável a sua decisão de não admissão do recurso de revista.
2 - O despacho do qual se recorreu foi uma decisão preliminar de não admissão de recurso de revista, não tendo havido apreciação da matéria em discussão e, por isso, tal pronúncia não pode ser havida como inexpugnável.
3 - A admitir-se que assim fosse, tal decisão seria discricionária, cabível na previsão do artigo 679.º do CPC, segundo a qual somente os despachos de mero expediente e
outros aí contidos não são recorríveis.
4 - No caso presente, não estamos em presença de um despacho de mero expedientee por isso a decisão é impugnável.
5 - O n.º 5 do artigo 150.º do CPTA confere poderes aos senhores Juízes de, em sede colegial, admitirem ou não o recurso de revista, em sede de apreciação liminar, não prevendo, todavia, que a mesma não seja sindicável.6 - Para que assim fosse, a lei adjectiva administrativa teria que conter normativo que previsse ser tal decisão inatacável, o que não ocorre.
7 - Silenciando a lei sobre tal aspecto, nada obsta que da mesma se recorra para
diferente órgão do mesmo Tribunal.
8 - Apesar de o artigo 29.º do ETAF não consignar que o plenário deste STA deva ou não conhecer de tais matérias, deve entender-se que é o órgão próprio para dela conhecer, já que não vai previsto na referida norma (artigo 29.º) tal proibição.9 - Subsidiariamente aplicando-se ao processo administrativo a normas do processo civil, deve entender-se que a impugnação de despacho ou acórdão de não admissão de recurso deve ser dirigida ao Presidente do Tribunal para onde se recorreu (artigo 688.º
do CPC).
10 - Os argumentos expendidos pela ora reclamante no seu recurso anterior respeitam a questões do conhecimento deste STA (questão social relevante e exegese).11 - O recurso atravessado ao Tribunal Constitucional só é de admitir quando o impugnante ataque, desde logo, qualquer inconstitucionalidade, o que não foi o caso em
apreço.
12 - Ao estribar a sua decisão no artigo 150.º, n.º 5, do CPTA, combinado com o artigo 29.º do ETAF, está o Sr. Relator a negar o direito ao recurso, o qual vai previsto nos artigos 20.º, n.os 1, 4 e 5, e 280.º da Constituição, que dispõem da tutelajurisdicional.
13 - Tal decisão é inconstitucional na sua interpretação, o que conduz à inconstitucionalidade na aplicação do direito.14. Deveria o Sr. Relator ter considerado a possibilidade de recurso ao plenário, assim
cumprindo os preceitos constitucionais.
15 - Devendo V. Ex.ª conhecer e declarar tal inconstitucionalidade com as legaisconsequências.
16 - Se a não considerar inconstitucional na sua interpretação e por via disso na sua aplicação, a reclamante invoca a inconstitucionalidade da própria norma, a qual afronta os referidos artigos contidos nas conclusões n.os 12, 19 e 20.17 - Porquanto, nenhuma norma, diploma ou disposição legal pode estar em
contradição ao texto constitucional.
18 - Tal norma está, pois, em arrepio directo à Constituição.19 - Outrossim, afronta ainda diplomas europeus e internacionais, violando o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na parte em que garante a todo o indivíduo o direito a ver a sua causa discutida em Tribunal, o que, aliás, tem sido coarctado à ora recorrente, apesar de todas as alegações e recursos e demais
requerimentos.
20 - Violando ainda o artigo 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, na parte cm que a todos garante o direito a estar em Juízo para que a sua causa seja apreciada, o que, e com a devida permissão de Vossas Excelências, vem sendo coarctado à ora recorrente, ao longo de tantos recursos, os quais representam, com a Vossa devida permissão (e ao jeito de desabafo) tantos sacrifícios intelectuais para poder ver a sua causa apreciada e julgada como é de justiça.21 - Tais diplomas internacionais e europeus constituem direito interno português e, por isso, a nossa legislação deve estar em harmonia aos mesmos.
22 - E tanto assim é que o artigo 7.º do CPTA impõe aos senhores magistrados judiciais o dever de, na apreciação das causas, interpretarem as normas por forma a produzirem decisões que apreciem a pretensão dos peticionantes.
23 - Deveria o despacho reclamado ter tido em conta tais preceitos, admitindo e fazendo subir o recurso ao plenário do qual sois Presidente.
24 - Se assim houvesse sido, estaria o despacho reclamado a cumprir as normas que
acima se deixaram ditas como violadas.
25 - Sendo mister ainda afirmar que, em sede de direito administrativo e porque estão em causa actos da Administração Pública, deve a norma ser interpretada no sentido de não coarctarem direitos ao cidadão, tornando-lhe inacessível a justiça, ou os meios de atacar os actos públicos, porquanto, sendo o Estado um pessoa de bem, ao serviço dos seus cidadãos, não pode socorrer-se de preceitos legais que tornem defeso ao indivíduo discutir as decisões das quais é destinatário e que com as mesmas se nãoconforma.
26 - Cumprindo dizer que, no caso sub judice, a ora reclamante apenas teve o direito aum recurso, o qual dirigiu ao TCAS.
27 - Entendendo V. Ex.ª que a presente peça processual deve ir atravessada ao Tribunal Constitucional, requer a devida convolação em recurso ao mesmo, porque a tal nada obsta, tendo em conta a vontade da mesma em recorrer.28 - Sempre requerendo que a decisão anterior seja revogada, substituída por outra que atenda a pretensão da reclamante, com as legais consequências, e como é de
Justiça.»
1.5 - Por Acórdão de 11 de Setembro de 2008 - ora recorrido - , a «Formação de apreciação preliminar» da 1.ª Secção do STA indeferiu a reclamação da recorrente,com a seguinte fundamentação:
«2 - Ora, é patente não assistir razão à recorrente, sendo que a tese sustentada na sua reclamação não tem qualquer apoio legal, destarte se devendo confirmar na íntegra o despacho do relator, de fls. 294, como se verá, de seguida.Com efeito, tal como se assinala no despacho reclamado, o acórdão proferido pela «formação» deste STA a que alude o n.º 5 do artigo 150.º do CPTA e que se pronuncie pela verificação ou não verificação dos pressupostos que condicionam a admissão do recurso de revista não é passível de recurso jurisdicional, fora dos casos de recurso para o Tribunal Constitucional, mas, aqui, apenas no tocante a questões de
constitucionalidade.
Esta tem sido a posição afirmada por este STA - cf. o Acórdão de 11 de Janeiro de2007, recurso n.º 890/06.
Ver, também, quanto a esta questão, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a fls. 755.Ou seja, como se referiu no despacho reclamado, do Acórdão, de 23 de Janeiro de 2008, que não admitiu a revista interposta pela recorrente, não cabe recurso para qualquer das «formações» deste STA, designadamente, para o «plenário», por a situação em análise manifestamente se não enquadrar na previsão do artigo 29.º do ETAF, não estando aqui em causa, obviamente, um conflito de jurisdição, sendo que, neste particular aspecto, a recorrente dá à norma em causa um sentido e alcance que ela não comporta, já que ela tem o seu conteúdo devidamente tipificado no corpo do dito artigo 29.º, na sequência da pertinente opção do poder legislativo, não relevando, a este nível, o sentido e alcance que a recorrente lhe pretende dar, atribuindo ao plenário competências que o legislador lhe não fixou.
Finalmente, contra o que defende a recorrente na sua reclamação, o despacho do relator de 21 de Maio de 2008, a fls. 294, não aplicou ou interpretou inconstitucionalmente nenhuma norma legal, designadamente, as contidas nos referidos artigos 29.º do ETAF e 150.º, n.º 5, do CPTA, não procedendo a invocação que a recorrente faz do preceituado nos artigos 20.º, n.os 1, 4 e 5, e 280.º da CRP, preceitos que não tutelam, nem consagram, o direito ao recurso para o plenário ou para o pleno deste STA do acórdão proferido em sede no n.º 5 do artigo 150.º do CPTA, acórdão este, de resto, proferido, de alguma maneira, já em 2.º grau de recurso jurisdicional, depois de a 2.ª instância (o TCA) se ter pronunciado quanto ao recurso jurisdicional interposto pela recorrente da decisão do TAF de Loulé de 25 de Julho de 2007.
Por outro lado, a posição sustentada pela recorrente também se não pode relevantemente ancorar nas demais fontes normativas invocadas na sua reclamação, em especial, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos.
Improcedem, assim, todas as conclusões da reclamação da recorrente, não tendo o despacho reclamado violado qualquer dos preceitos nelas mencionado, sendo, por isso, de manter, na íntegra, o despacho do relator de 21 de Maio de 2008, a fls. 294.» 1.6 - É deste acórdão que vem interposto o presente recurso, tendo a recorrente, no termo das alegações apresentadas neste Tribunal, formulado as seguintes conclusões:«1 - A norma do artigo 150.º, n.º 5, do CPTA é inconstitucional por omissão, porquanto não prevê, na sua redacção, mecanismo processual de impugnação ao acórdão que indefira, liminarmente, o recurso de revista interposto.
2 - Tal mecanismo haverá de ser a figura da reclamação, dirigida ao Presidente do STA, a exemplo do que vai previsto na lei processual civil (artigo 688.º) e na lei
processual penal (artigo 405.º).
3 - Tal norma obsta a que a parte recorrente reaja contra decisão que lhe é desfavorável, em contradição ao que vai previsto e garantido na CRP, mormente o artigo 20.º, n.º 4, que dispõe de processo equitativo, devendo entender-se que tal equidade só existe se houver possibilidade de exame da matéria que foi propostaavaliar-se.
4 - A decisão preliminar de rejeição do recurso de revista não toma conhecimento do objecto do recurso e por isso a questão não é examinada, devendo entender-se que opera a falta de julgamento, já que a questão não é examinada.5 - Garantindo a CRP, aos cidadãos, a tutela jurisdicional efectiva, corporizada esta no artigo 20.º, deve entender-se que a mesma só se efectiva com o julgamento da questão
que lhe é posta.
6 - Para que tal opere, deve tal norma, do artigo 150.º, n.º 5, do CPTA, conter um segmento redaccional que consigne que tal despacho de indeferimento é passível de impugnação, através da peça processual reclamação dirigida ao Presidente do STA.7 - A não consagração de tal possibilidade gera o tratamento mais favorável do Estado contra o cidadão mais desfavorável e subtrai a este, do campo dos seus direitos, o direito de recurso a ver julgada questão sua, não examinada anteriormente, tendo em conta que o recurso de revista administrativo, pela sua especificidade, traz à discussão um tema novo, ainda não submetido às instâncias anteriormente.
8 - Tais temas, que só podem ser a questão social com relevância e ou a exegese, são os únicos assuntos que podem ser submetidos ao STA cm revista e, pela sua própria natureza, hão-de interessar a todos, porque interesses de dimensão colectiva, tanto para o social como para a comunidade jurídica em particular.
9 - Por isso, tanto mais grave a circunstância de tais questões deverem ser sujeitas a julgamento, que não liminar, que este não conhece do objecto e por isso não julga.
10 - Não esquecendo que, em se tratando de acto administrativo, actos dos agentes públicos ao serviço do Estado, deve a lei ser ainda mais perfeita, ou pelo menos quase perfeita, por forma a esgotar todas as vias de discussão da conduta do Estado, não se conformando o sistema administrativo apenas com duas decisões, uma de primeira instância e outra, a segunda, de recurso (citando Abraham Lincoln, 'leis imperfeitas são
a pior espécie de tirania').
11 - Sem que contudo aqui apliquemos tal citação, sempre se dirá que a inconstitucionalidade que aqui se discute vai na omissão da norma, ou na feitura da mesma, no seu momento redaccional, por lapso do legislador, o qual, na sua previsão,cerceou a impugnação de decisão liminar.
12 - O legislador não teve presente, na feitura da lei, as previsões constitucionais, mormente o artigo 268.º da CRP, que garante aos administrados o direito a impugnar decisões que os prejudiquem, no âmbito administrativo, devendo entender-se que a falta de impugnação do referido acórdão de rejeição de recurso opera a sonegação dejustiça.
13 - A rejeição liminar de tal recurso não pode ser lida como transitada por falta de meio de impugnação, apenas o podendo ser se a parte assim se conformar e não usartal mecanismo.
14 - A ser como é, impeditivo é o acesso ao STA por via do recurso de revista, devendo entender-se que o direito, como uma ciência especulativa, presta-se ao subjectivismo da análise, ocasionando que, para uma mesma questão, pode haver várias opiniões, sendo certo que um raciocínio pode conduzir à admissão do recurso eoutro não.
15 - E porque assim é, deve existir, na previsão legal e como segmento do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA, a figura da reclamação ao Presidente do STA, no sentido de cumprir com a CRP e operando a tal tutela efectiva dos tribunais.16 - Só assim também será possível dar acolhimento, porque direito interno português, às previsões universais e europeias que consagram estas mesmas garantias, designadamente o artigo 14.º do PIDCP e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na vertente redaccional em que garantem a todos o direito a ver o seu caso discutido nas instâncias e a vê-lo renovado em recurso, se disso for caso.
17 - O direito interno dos países subscritores de tais diplomas há-de estar harmonizado aos mesmos, porque a tal se compromissaram, sob pena de sanção o não fazendo.
18 - O direito a recurso ao STA está cerceado pela falta de previsão legal que permita ao recorrente impugnar o tal acórdão liminar de rejeição, o qual, sem que conheça do objecto do recurso, impede que aquele (o recorrente) ataque tal acto de rejeição e possa defender o seu ponto de vista, não sendo admissível contemplar constitucionalmente garantias de defesa ao cidadão e subtrair tais garantias na lei
reguladora desses direitos.
19 - Porque e como se argumenta, o artigo 268.º da CRP garante a cidadão a faculdade de questionar o acto administrativo, pondo em crise a conduta do Estado, o que só pode significar a tutela completa da lei, traduzida em mecanismos processuais que permitam contrariar decisões desfavoráveis.20 - A norma do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA está em arrepio a esta prescrição; daí a sua inconstitucionalidade. Tal norma, como se argumentou, impede, na rejeição liminar do recurso não admitido, que se questione a decisão, a qual fica sendo de mero expediente quando decide questão abrangendo que discute direitos e não meros actos
de tramitação processual.
21 - A decisão que retire ou conceda direitos, ainda que liminar, há-de ser sempre atacável, pelo menos por uma vez. Ao não sê-lo, como no caso sub judice, resulta inconstitucional porque arbitrária. Julga sem julgamento, no sentido pleonástico dejulgar sem conhecer da matéria.
22 - Tanto basta para que afirme a ilegalidade por inconstitucionalidade.23 - Nenhum julgamento pode ser proferido sem que os factos estejam todos assentes.
A sê-lo, é a completa ausência de julgamento.
24 - Se a norma não for inconstitucional por omissão de redacção, como acima dito, sempre haverá de sê-lo por erro no seu sentido literal, porquanto permite e impõe que
se faça um julgamento sem factos.
25 - E por isso tal deve ser conhecido e declarado.26 - Do que acima se aduziu deve ser dado provimento ao presente recurso, conhecendo V. Exas. da inconstitucionalidade material da norma do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA, por falta de previsão legal, na sua redacção, de mecanismo que permita ao recorrente impugnar a decisão liminar de rejeição do recurso de revista, por colidir com os preceitos constitucionais que garantem o direito à tutela jurisdicional efectiva, mormente em sede administrativa, porque tal regime, como o é, cerceia o conhecimento do objecto do recurso e, ao permiti-lo, não permite por isso o próprio recurso, não se podendo admitir que em sede administrativa o direito ao recurso esteja
limitado como o está.»
1.7 - A recorrida Câmara Municipal de Tavira não apresentou contra-alegações.
Tudo visto, cumpre apreciar de decidir.
2 - Fundamentação.
2.1 - A introdução da figura do «recurso excepcional de revista»para o STA, no âmbito da reforma da justiça administrativa empreendida pelas Leis n.os 13/2002, de 19 de Fevereiro (que aprovou o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF), e 15/2002, de 22 de Fevereiro (que aprovou o CPTA), ambas com início de vigência em 1 de Janeiro de 2004, prende-se directamente com a reorganização das competências dos tribunais administrativos no âmbito da respectiva jurisdição.No sistema precedente, o STA, apesar de ser um «tribunal supremo», decidia em 1.ª instância um conjunto relevante de questões através sobretudo dos numerosos recursos contenciosos directamente interpostos para as suas Secções (cf. artigo 26.º, n.º 1, do anterior ETAF - Decreto-Lei 129/84, de 27 de Abril), conhecendo de matéria de direito e de matéria de facto (artigo 21.º do anterior ETAF), amplitude de cognição que valia igualmente quando intervinha como tribunal de recurso das decisões dos tribunais administrativos inferiores (tribunais administrativos de círculo e, desde 1996, o Tribunal Central Administrativo). A inexistência de alçada nos tribunais administrativos (artigo 10.º do anterior ETAF), associada à regra tradicional da existência de um duplo grau de jurisdição [sendo admitido um terceiro grau apenas com fundamento em oposição de julgados - cf. artigo 103.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho)], e ao número considerável de casos em que o TCA intervinha como tribunal de 1.ª instância, determinava que o STA funcionasse essencialmente como um tribunal de 1.ª instância e como um tribunal de apelação, afastando-se dos modelos típicos de funcionamento e competência dos tribunais supremos (cf. Ministério da Justiça, Reforma do Contencioso Administrativo, vol. ii, Coimbra, 2003, onde foram publicados o «Estudo de organização e funcionamento dos tribunais administrativos», elaborado por Accenture, S. A., e o «Relatório sobre a justiça administrativa em Portugal (1974-1999)», realizado, no âmbito do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, por Vital Moreira e Catarina Sarmento e Castro, e, desta última autora, «Organização e competência dos tribunais administrativos», em A Reforma da Justiça Administrativa, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica, n.º
86, Coimbra, 2005, pp. 29-78).
Com a opção fundamental, tomada no âmbito da reforma, da consagração da regra de atribuição aos tribunais administrativos de 1.ª instância da competência para o conhecimento da generalidade das acções afectas à jurisdição administrativa (incluindo a «acção administrativa especial», em que foi convertido o anterior «recurso contencioso de anulação»), assumindo agora carácter excepcionalíssimo os casos em que os tribunais superiores julgam em 1.ª instância (cf. artigos 24.º e 37.º do novo ETAF), mas com a persistência da regra da existência de um duplo grau de jurisdição, colocou-se naturalmente a questão de assegurar uma intervenção significativa do STA, que não se confinasse à função de uniformização de jurisprudência, fundada em oposição de julgados. Para atingir esta finalidade, consagraram-se três mecanismos:i) A interposição de recurso de revista per saltum para o STA de decisões de tribunais administrativos de círculo quando o valor da causa for superior a 3 milhões de euros ou seja indeterminado e as partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito, e desde que não se trate de processos respeitantes a questões de funcionalismo público ou relacionadas com formas públicas ou privadas de protecção social (artigo
151.º do CPTA);
ii) O reenvio prejudicial para o STA, decidido pelo presidente de um tribunal administrativo de círculo, para emissão de pronúncia sobre questão de direito nova que suscite dificuldades sérias e possa vir a ser suscitada noutros domínios (artigo 93.º doCPTA); e
iii) O recurso excepcional de revista, interposto de decisão proferida em 2.ª instância pelos TCA, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito Estas opções foram justificadas na Exposição de motivos» da proposta de lei 93/VII [suplemento ao n.º 76 do Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, de 18 de Julho de 2001, pp. 2434-(47) a 2434-(66)], nos seguintes termos:
«4 - [...]
No que se refere aos tribunais administrativos de círculo e à secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo, a mais significativa inovação prende-se com a redistribuição das suas competências. Indo ao encontro de diversas propostas que vinham sendo formuladas na jurisprudência e na doutrina e foram reafirmadas no âmbito da discussão pública, mas também à revelia de algumas reticências desde sempre manifestadas, optou-se por adoptar um modelo no qual o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Central Administrativo deixam, no essencial, de funcionar como tribunais de primeira instância, para exercerem as competências que são próprias dos tribunais superiores.Sem prejuízo de algumas ressalvas de limitada expressão estatística, os tribunais administrativos de círculo passam, assim, a conhecer, em primeira instância, da generalidade dos processos e os tribunais superiores a funcionar, essencialmente, como tribunais de recurso. O Tribunal Central Administrativo passa a ser o tribunal de segunda instância, para o qual são interpostos os recursos de apelação das sentenças
proferidas pelos tribunais de círculo.
Ao Supremo Tribunal Administrativo fica reservada a tarefa de funcionar como regulador do sistema, função adequada a uma instância suprema. Neste sentido, cabe-lhe apreciar os recursos para uniformização de jurisprudência, fundados em oposição de acórdãos. Também lhe podem ser, entretanto, dirigidos recursos de revista, interpostos per saltum, com exclusivo fundamento em questões de direito, de decisões de mérito proferidas pelos tribunais administrativos de círculo em processos de valor mais elevado, ou interpostos de decisões de mérito proferidas pelo Tribunal Central Administrativo, relativamente a matérias que, pela sua relevância jurídica ou social, se revelem de importância fundamental, ou em que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito. O Supremo Tribunal Administrativo pode ser, enfim, chamado, por um tribunal administrativo de círculo, a pronunciar-se, a título prejudicial, relativamente ao sentido em que deve ser resolvida uma questão de direito nova, que suscite dificuldades sérias e se possa vir a colocar noutros litígios.Repare-se que a referida admissão de um recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo vem introduzir no contencioso administrativo português a possibilidade de uma segunda instância de recurso e, portanto, de um triplo grau de jurisdição.
Considerou-se adequada a introdução desta via pelo facto de, no novo quadro de distribuição de competências, ser ao Tribunal Central Administrativo que incumbe funcionar como instância normal de recurso e se afigurar útil que, em matérias de maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência em sectores que devam ser considerados mais importantes. Não há, assim, a intenção de generalizar o recurso de revista, institucionalizando o terceiro grau de jurisdição, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios. Ao Supremo Tribunal Administrativo caberá dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione, como se pretende, como uma válvula de
segurança do sistema.
[...].»
Este «doseamento» da intervenção do STA, quando intervenha em terceiro grau de jurisdição, através da instituição de um procedimento prévio de admissão, já havia sido preconizado por Sérvulo Correia («Linhas de aperfeiçoamento da jurisdição administrativa», Revista da Ordem dos Advogados, ano 51, 1991, pp. 181-190, em especial p. 183), invocando o precedente instituído pela lei francesa de 31 de Dezembro de 1987 para os recursos de cassação interpostos para o Conseil d'État das decisões das Cours administratives d'appel então criadas.Pronunciando-se sobre o regime agora vigente, refere este autor (Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, i vol., Lisboa, 2005, pp. 696-697):
«Em suma, a revista per saltum e a revista excepcional asseguram que, não obstante o princípio geral da dupla jurisdição e a existência de duas instâncias abaixo do STA, não fiquem necessariamente subtraídas à cognição deste os processos de maior relevância social e económica que tramitem pela ordem jurisdicional administrativa. Mas, a par do propósito de não excluir o STA do julgamento de uma parte das questões mais salientes em termos de impacte social metajurídico, importava igualmente assegurar o acesso ao STA daquelas causas que, pelo tipo de problemas de direito que a sua apreciação suscite, se prestem ao desempenho de uma função de estabelecimento de novos marcos de jurisprudência, de apoio indicativo ao exercício da jurisdição pelos tribunais inferiores e de consolidação de soluções. É esta a finalidade considerada no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, quando se condiciona a admissibilidade da revista excepcional à importância da questão à luz da sua relevância jurídica ou à clara necessidade da apreciação do recurso para uma melhor aplicação do direito.
Tais pressupostos são expressos através de conceitos claramente indeterminados, cujo preenchimento valorativo através de apreciação preliminar sumária estará a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo (artigo 150.º, n.º 5, do CPTA). A sujeição da admissão do recurso a um livre juízo do tribunal sobre a suficiência do interesse da causa por modo a justificar que dela se ocupe o tribunal supremo é uma solução que tende hoje em dia a vulgarizar-se no Direito Processual comparado. Representa, simultaneamente, um modo de aliviar o tribunal de cúpula de uma chusma de casos irrelevantes e nocivos para o cabal desempenho da função de renovação jurisprudencial do Direito e de lhe reservar a escolha dos processos que se prestem à prossecução desse objectivo pela
natureza das questões neles versadas.»
São, no entanto, diversos os sistemas conhecidos, em direito processual comparado, de filtragem de recursos para os supremos tribunais, assinalando Armindo Ribeiro Mendes («Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo», comunicação apresentada no curso de Pós-Graduação em Contencioso Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, 2002-2003, policopiado, pp. 46-47) que algumas das soluções têm deparado «com resistência da prática forense e com acusações de inconstitucionalidade, por violação dos princípiosda igualdade e do acesso ao direito».
Eles revestem-se de carácter assumidamente discricionário nos países anglo-saxónicos, dependendo, no sistema inglês, a application for judicial review (AJR) de uma autorização discricionária do juiz (leave), que só será concedida se o requerente convencer que se justifica a discussão do seu caso (if an arguable case is shown) (Sérvulo Correia, ob. cit., p. 155). Como refere Armindo Ribeiro Mendes (loc. cit., p.47), é «tradicional no direito processual inglês a distinção entre recursos de direito (as of right) e recursos at the discretion of the higher court, em que é necessário, nestes últimos, obter uma permissão do tribunal a quo ou do superior (leave to appeal)».
Nos sistemas continentais, após a reforma do contencioso administrativo francês de 1987, os recursos de cassação para o Conselho de Estado foram sujeitos a um procedimento prévio de admissão, sendo esta recusada, por uma formação restrita de juízes, se o recurso não se fundar em razões sérias, ou seja, se lhe faltar um mínimo razoável de fumus boni iuris, enquanto o sistema alemão condiciona a admissibilidade de recurso de revista (Revision) para o Bundesverwaltungsgericht à verificação dos pressupostos do interesse substancial do recurso à luz dos fins da uniformidade da interpretação e aplicação ou do desenvolvimento do direito, da oposição com decisões de tribunais superiores ou da violação de uma norma processual que possa ter influenciado o sentido da decisão (Sérvulo Correia, ob. cit., pp. 48, 93-94 e 697, nota 414; e Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Coimbra, 2007, pp. 69-77, para o sistema alemão, e pp. 77-100, para
o sistema francês).
O sistema instituído pelo artigo 150.º do CPTA não deve ser caracterizado como permitindo uma escolha discricionária, pelo STA, dos casos em que conhecerá do recurso excepcional de revista, mas antes a consagração de regras de selecção assentes em conceitos indeterminados. Como se referiu no Acórdão do STA de 29 de Setembro de 2005, P. 938/05 (www.dgsi.pt/jsta), o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA «não atribui um poder discricionário à referida 'formação' do STA, não podendo esta, por isso, eleger uma entre várias soluções, igualmente válidas e legais, antes tendo de proceder casuisticamente à concretização da definição normativa», tratando-se, no fundo, «de subsumir os factos a uma determinada categoria legal contida no conceito indeterminado», pois, «se se interpretasse o mencionado n.º 1 do artigo 150.º do CPTA vendo nele a consagração de um poder discricionário, então, poder-se-ia questionar a constitucionalidade de tal interpretação, desde logo, com base na exigibilidade, à luz do princípio do Estado de Direito Democrático, de um grau mínimo de previsibilidade de que se devem revestir as normas processuais atinentes com a definição dos casos em que seja de admitir um recurso para um tribunal superior». Na opinião de José Carlos Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa (Lições), 9.ª ed., Coimbra, 2007, p. 443), «a exigir-se uma fundamentação qualificada da rejeição, a solução não será inconstitucional» (para uma desenvolvida defesa da constitucionalidade desta utilização de conceitos indeterminados, quer face ao princípio da igualdade, quer face ao princípio da proporcionalidade, cf. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, ob. cit., pp. 227-237; para a análise dos critérios que têm sido seguidos pela aludida «Formação de apreciação preliminar», cf. a mesma obra, pp. 249-289; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., Coimbra, 2007, pp. 860-872;Rosendo Dias José, «Os meios do CPTA próprios para a tutela de direitos fundamentais e o recurso do artigo 150.º», em Centro de Estudos Judiciários, A Nova Justiça Administrativa, Coimbra, 2006, pp. 207-235, em especial pp. 219-232;
Elizabeth Fernandez, «Notas sobre a excepcionalidade da revista no processo administrativo», em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 60, Novembro/Dezembro 2006, pp. 18-31; e Teresa Violante, «Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo", em O Direito, ano 139.º (2007), iv, pp. 841-877).
Não é, porém, a globalidade do regime instituído para o recurso excepcional de revista, nem designadamente a utilização de conceitos indeterminados, que está em causa no presente recurso, já que a recorrente apenas questiona a constitucionalidade da interpretação normativa, seguida no acórdão recorrido, de que é inimpugnável a decisão da «Formação de apreciação preliminar» que não admita o recurso por considerar não preenchidos os respectivos pressupostos. Esta interpretação tem sido constantemente assumida na jurisprudência do STA, com apoio na doutrina (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., p. 869; em sentido divergente, cf. Elizabeth Fernandez, estudo citado, pp. 19-20), embora sem explícita consagração na letra do preceito [diversamente do que ocorre no artigo 93.º, n.º 3, do CPTA, que refere que a apreciação da questão objecto de reenvio prejudicial pode ser liminarmente recusada, «a título definitivo», pela «Formação de apreciação preliminar», e do que viria a ser expressamente consagrado no artigo 721.º-A do Código de Processo Civil, aditado pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, que, assumidamente inspirado no artigo 150.º do CPTA (cf. Ministério da Justiça/Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, O Sistema de Recursos em Processo Civil e em Processo Penal, Coimbra, 2006, pp. 149-156, 168-170 e 232; e Armindo Ribeiro Mendes, «A reforma de 2007 dos recursos cíveis e o Supremo Tribunal de Justiça», em Estudos Comemorativos dos 10 Anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, vol. ii, Coimbra, 2008, pp. 545-573, em especial pp. 563-565), instituiu, na reforma dos recursos cíveis, a revista excepcional, dispondo o seu n.º 4 que a decisão da «Formação de apreciação preliminar» do Supremo Tribunal de Justiça quanto à verificação dos pressupostos de admissibilidade desse recurso «é definitiva»].
Como é sabido, não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a correcção, ao nível da interpretação do direito ordinário, do critério normativo adoptado no acórdão recorrido, mas apenas apreciar se tal critério, que é recebido como um dado da questão, se mostra constitucionalmente conforme. Advirta-se, desde já, que, estando perante um recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o parâmetro a considerar há-de consistir em norma ou princípio da CRP, e já não em normas ou princípios de convenções internacionais, designadamente os artigos 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, invocados pela recorrente, que, aliás, para o que ora importa, não se afigura que confiram mais intensa protecção que a assegurada pelo artigo 20.º da CRP.
2.2 - Como se recordou no Acórdão 40/2008, desta 2.ª Secção, relativamente ao direito de acesso aos tribunais, constitui reiterado entendimento deste Tribunal o de que do artigo 20.º, n.º 1, da CRP não decorre um direito geral a um duplo grau de jurisdição. Como se referiu no Acórdão 638/98 (na senda do já exposto, entre outros, nos Acórdãos n.os 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98 e 276/98, e explicitando orientação posteriormente reiterada em numerosos arestos, designadamente nos Acórdãos n.os 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007):
«7 - O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição assegura a todos 'o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos'.
Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente
protegidos.
Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição? A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo32.º
Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (v., a este respeito, as declarações de voto dos conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 653, e no Acórdão 202/90, idem, vol. 16.º, p. 505).Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210.º), terá de admitir-se que «o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos» (cf., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9.º, p. 463, e n.º 340/90, idem,
vol. 17.º, p. 349).
Como a lei fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cf. os citados Acórdãos n.os 31/87 e 65/88, e ainda n.º 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol., 12.º, p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos n.º 359/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, p. 605), n.º 24/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 525) e n.º 450/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13.º, p. 1307).O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos.
Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de
recorrer.»
No aludido Acórdão 40/2008 admitiu-se que - para além dos casos em que este Tribunal tem tradicionalmente afirmado a imposição constitucional de um direito ao recurso jurisdicional (ou direito a um duplo grau de jurisdição), a saber: as decisões condenatórias em processo penal ou que impliquem a adopção de medidas restritivas da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido - seria sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer actos lesivos dos direitos dos cidadãos (maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses actos provenientes de particulares ou de órgãos do Estado, se garantisse o direito à impugnação judicial de actos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou actuações materiais) que constituíssem a causa primeira e directa da afectação de tais direitos.Considerou-se, então, que quando uma actuação de um tribunal, por si mesma, afecta, de forma directa, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deveria ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação, mas que quando a afectação do direito fundamental do cidadão tivesse tido origem numa actuação da Administração ou de particulares e esta actuação já tivesse sido objecto de controlo jurisdicional, não era sempre constitucionalmente imposta uma reapreciação
judicial dessa decisão.
O presente caso não cabe nem no entendimento tradicional deste Tribunal quanto à garantia do direito ao recurso, nem sequer no alargamento admitido pelo Acórdão 40/2008, já que o direito da recorrente afectado pela decisão da «Formação de apreciação preliminar» cuja impugnabilidade se discute - a saber: o direito a um terceiro grau de jurisdição, pois nisso se traduziria a admissão do recurso excepcional de revista - não pode ser qualificado como direito fundamental, para o apontado efeito.Conclui-se, assim, não violar o direito de acesso aos tribunais, na dimensão de direito ao recurso, nos termos em que ele deve ser considerado como constitucionalmente consagrado, o entendimento de que é inimpugnável a decisão da «Formação de apreciação preliminar» que, nos termos do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA, não admita
o recurso excepcional de revista.
É certo que do facto de não ser constitucionalmente imposto que o legislador ordinário consagre um terceiro grau de jurisdição no contencioso administrativo, não se segue que o mesmo legislador, se decidir prever esse terceiro grau em determinadas situações, tenha irrestrita liberdade na regulação desse recurso. O Tribunal Constitucional sempre tem entendido que se o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição, na respectiva regulamentação não lhe é consentido adoptar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerar-se vinculado ao respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade. Como se referiu no Acórdão 628/2005, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso, pois «tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adopte soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer - mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam-se os Acórdãos do TribunalConstitucional n.os1229/96 e 462/2003)».
Acontece que, no caso, nenhuma destas violações vem alegada nem se descortina a suaexistência.
Na verdade, a decisão de admissão, ou não, do recurso excepcional de revista:
i) Tem de ser adequadamente fundamentada;
ii) Está sujeita à verificação de requisitos legalmente predeterminados, que, apesar de definidos através de conceitos indeterminados, não se deve qualificar como puramentediscricionária ou arbitrária; e
iii) Está confiada a uma formação colegial dos juízes mais experientes do STA (tendo a Lei 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, alterado a redacção originária do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA no sentido de a decisão de admissão do recurso excepcional de revista deixar de competir à «formação de três juízes à qual caiba o julgamento da revista» para passar a competir a uma «formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo», alteração aplaudida pela doutrina, que apontava à opção primitiva três defeitos: ser claro o risco de desincentivo à admissão por parte de quem teria o trabalho suplementar de julgar; dificultar-se a estabilidade na tarefa de densificação jurisprudencial dos pressupostos de admissibilidade; e haver contradição, desprovida de justificação material, com a solução acolhida no n.º 3 do artigo 93.º do CPTA para a determinação preliminar dos pressupostos do reenvio prejudicial - cf. Sérvulo Correia, ob. cit., p. 697, nota 413).Neste contexto, a não previsão de qualquer forma de impugnação da decisão de não admissão do recurso excepcional de revista, além de não ser constitucionalmente imposta, não se mostra desconforme com os aludidos princípios que devem nortear a regulação dos recursos apenas legalmente previstos.
3 - Decisão.
Em face do exposto, acordam em:a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, alterada pela Lei 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, interpretado no sentido de ser inimpugnável a decisão da «Formação de apreciação preliminar» que não admita recurso excepcional de revista, por entender não estarem preenchidos os pressupostos referidos no n.º 1 do mesmo preceito; e, consequentemente;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.
Lisboa, 28 de Abril de 2009. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Joaquim de Sousa Ribeiro - João Cura Mariano - Benjamim Silva Rodrigues - Rui Manuel de
Moura Ramos.
201836232