de 5 de Novembro
Embora o uso de certas drogas seja conhecido de longa data, o problema da droga adquiriu nos últimos anos, a nível mundial, uma enorme extensão e gravidade.De entre os factores contribuintes destacam-se:
a) A crise de valores da juventude nas sociedades de consumo e de abundância;
b) A crise das estruturas sociais e da família, e não raro o projecto de utilizar a disseminação da droga como instrumento político de destruição da sociedade burguesa;
c) Os lucros proporcionados pelo comércio e o tráfico da droga.
O uso das drogas, expressão de uma profunda angústia existencial do homem moderno, nomeadamente da juventude, vem assim constituindo um factor de desorganização e de destruição da pessoa e da sociedade. O problema não deve, por isso, ser encarado isoladamente, mas em globo, na sua complexidade médico-psico-sociológica. Com efeito, situações de inadaptação social, de conflito na estrutura familiar, de ócio laboral e escolar, e de insegurança, entre outras, constituem condições de alto risco para o uso da droga, bem como para outras formas de condutas associais ou anti-sociais.
Tomadas em conta as proporções alarmantes do consumo da droga em Portugal, a especificidade do problema e as dificuldades com que se debatem as instituições de assistência, teve-se por necessária e oportuna a criação de um organismo oficial, especializado, denominado Centro de Estudos da Profilaxia da Droga, com as seguintes funções:
Estudar o fenómeno droga no contexto da realidade social portuguesa, através de métodos de investigação pluridisciplinar;
Criar e pôr em execução, no mais breve prazo, equipas pluridisciplinares de profilaxia, tratamento e reintegração social de consumidores de droga;
Contribuir para o aproveitamento óptimo das estruturas existentes, nomeadamente do MEIC, do MAS e dos serviços tutelares de menores, através de apoio técnico, de documentação e de formação e reciclagem de pessoal;
Contribuir para uma atitude adequada, face ao problema, de pais, educadores, profissionais de informação, técnicos de saúde e farmácia, juristas e população em geral, através de informação técnica preparada pelo Centro.
O problema da droga comporta essencialmente dois aspectos:
a) O seu consumo e respectivas consequências, enquadrado no âmbito do Centro de Estudos da Profilaxia da Droga;
b) O seu tráfico ilícito, da competência do Centro de Investigação e Contrôle da Droga.
Um e outro, de acção coordenada pelo Gabinete Coordenador do Combate à Droga, os três constituindo um complexo orgânico exclusivamente voltado para o combate integrado da comercialização e consumo da droga.
A acção do Centro de Estudos da Profilaxia da Droga incidirá assim exclusivamente sobre os consumidores da droga, as respectivas famílias, os grupos naturais e as estruturas sociais em que se integram e que possam constituir factor causal de manutenção ou de agravamento do consumo da droga.
Dado o melindre do problema, e de acordo com a experiência de outros países e os pareceres de peritos internacionais, a solução médico-social do fenómeno droga terá de ser procurada com total independência em relação às medidas e estruturas de carácter judiciário ou policial.
O Centro de Estudos da Profilaxia da Droga respeitará prioridades na solução dos problemas a que se dirige, prevendo-se a curto prazo:
1) A criação de equipas médico-psico-sociais em trabalho directo com as estruturas existentes na comunidade e com a população em geral;
2) A extensão do trabalho já iniciado no domínio da prevenção, nomeadamente:
a) Sessões de informação e esclarecimento nas escolas, liceus e outros locais;
b) O esclarecimento de pais e educadores;
c) O esclarecimento de profissionais da informação, no sentido de os sensibilizar para a necessidade de uma atitude não alarmista nem sensacionalista, adequada ao tratamento do problema;
d) A utilização progressiva e prudente dos meios de comunicação social para o esclarecimento das populações;
e) A criação de locais de convívio, ocupação e cultura, funcionando como centros de observação e hospital de dia;
f) A criação de unidades de internamento para tratamentos intensivos;
g) O levantamento do problema a nível nacional e a tentativa de criação de estruturas nas zonas mais afectadas.
O Centro de Estudos da Profilaxia da Droga propõe-se assim descentralizar e regionalizar, tanto quanto possível, os programas de intervenção através das estruturas existentes, nomeadamente as de saúde pública e de saúde escolar, em termos de promoção e conservação da saúde.
Do Centro de Estudos da Profilaxia da Droga se espera uma contribuição decisiva para a superação da presente quase passividade em face do drama individual dos consumidores de droga.
Sem deixar de ser um delito, o uso ilícito da droga coloca delicados problemas jurídicos, na medida em que conduz a um enfraquecimento, e até a uma escravização da vontade, que tendencialmente transmuda o infractor num doente, nessa medida imune, ou pouco menos, a uma imputação de culpa.
Daí que imponha, paralelamente à criação das referidas estruturas, uma cuidada revisão do ilícito penal consistente no consumo de drogas, que melhor caberia no âmbito de um conjunto de normas de mera ordenação social.
Por outro lado, se uma pena, por mais humana, não pode normalmente substituir-se ao tratamento clínico adequado, não é menos certo que debalde se cogitará de conseguir, na generalidade dos casos, a colaboração do próprio doente. Aponta isso para a necessidade da institucionalização em certos casos e condições da medida de sujeição obrigatória a tratamento, que, por não ter natureza infamante nem implicar necessariamente um juízo ético, não deverá revestir natureza penal.
Neste delicado domínio há-de ter-se em conta a experiência alheia - sem prejuízo do relativo insucesso das medidas até hoje tentadas e a que nós próprios formos sedimentando, sempre de um ângulo o mais possível clínico e sociológico.
Seja como for, o problema da droga ultrapassará a fase do resignado lamento colectivo a que, até hoje, praticamente se tem confinado. O problema é de todos. E todos, empenhados nisso, havemos de resolvê-lo.
Nestes termos:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
ARTIGO 1.º (Definição)
1. O Centro de Estudos da Juventude (CEJ), criado pelo Decreto-Lei 745/75, de 31 de Dezembro, passa a denominar-se Centro de Estudos da Profilaxia da Droga (CEPD).2. O CEPD é um organismo de âmbito nacional e goza de autonomia administrativa, estando sujeito, para efeitos de planeamento global das suas actividades, às directrizes dimanadas do coordenador referido nos n.os 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 745/75.
ARTIGO 2.º
(Competência)
Compete ao CEPD:a) Estudar as condições psico-sociais que possam contribuir para a instabilidade, inadaptação e condutas associais e anti-sociais no âmbito do consumo da droga e problemas afins;
b) Elaborar, propor e executar programas de prevenção primária, secundária e terciária necessários à resolução dos problemas do consumo da droga;
c) Elaborar, propor e executar programas para a solução da problemática psíco-social da população em alto risco de consumo de droga, bem como de outras formas de desiquilíbrio psico-afectivo;
d) Centralizar toda a documentação nacional e estrangeira e elaborar e divulgar informação adequada, no domínio das alíneas anteriores, de apoio aos técnicos dos organismos interessados na prevenção e recuperação dos consumidores de droga;
e) Apoiar tecnicamente, no domínio da sua competência, estruturas oficiais ou particulares, nomeadamente as dependentes dos Ministérios dos Assuntos Sociais e da Educação e Investigação Científica;
f) Preparar e reciclar o pessoal próprio do Centro, bem como o de outros serviços que o solicitem;
g) Incentivar e apoiar a participação activa de associações e agrupamentos comunitários na procura de soluções locais dos problemas emergentes no âmbito do consumo da droga.
ARTIGO 3.º
(Organização)
O CEPD compreende:a) Serviços centrais;
b) Serviços regionais.
ARTIGO 4.º
(Serviços centrais)
1. São órgãos do CEPD:a) A direcção nacional;
b) O conselho administrativo.
2. O CEPD compreende os seguintes serviços:
a) O gabinete de estudos, informação e documentação;
b) Serviços administrativos.
ARTIGO 5.º
(Direcção nacional)
1. A direcção nacional é constituída por um presidente e dois vogais com formação técnica diferenciada, cumprindo-lhe a definição e elaboração dos programas a executar pelas direcções regionais e nomeadamente:a) Orientar tecnicamente as direcções regionais;
b) Elaborar planos de acção, em colaboração com as direcções regionais;
c) Coordenar o funcionamentos das direcções regionais;
d) Providenciar pela formação do pessoal técnico do Centro e pela reciclagem do pessoal de outros organismos que o solicitem.
2. A direcção nacional delegará no presidente os poderes que julgar convenientes, no âmbito da sua competência.
ARTIGO 6.º
(Conselho administrativo)
1. O conselho administrativo é constituído pelo presidente da direcção nacional, pelo vogal da direcção encarregado dos assuntos administrativos pelo chefe dos serviços administrativos e por um representante da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, competindo-lhe as funções fixadas nas leis da contabilidade pública.2. Constituem receitas do Centro:
a) As dotações que lhe forem consignadas no Orçamento Geral do Estado ou atribuídas pelo corpos administrativos;
b) Os subsídios que lhe forem concedidos por outras entidades, públicas ou privadas;
c) Quaisquer liberalidades a seu favor;
d) O produto da venda de publicações ou outro material produzido ou adquirido pelo Centro;
e) As receitas provenientes da prestação de serviços a entidades públicas ou privadas;
f) Outras receitas que lhe sejam atribuídas por lei, por contrato ou outro título.
ARTIGO 7.º
(Gabinete de Estudos, Informação e Documentação)
1. O Gabinete de Estudos, Informação e Documentação, dirigido por um dos vogais da direcção nacional, é constituído pelo pessoal do Centro que esta a ele afectar e compete-lhe designadamente:
a) A investigação científica fundamental e aplicada no âmbito do consumo da droga;
b) A investigação de factores individuais, familiares e sociais de alto risco para o equilíbrio neuro-motor e psico-afectivo do indivíduo, numa perspectiva de desenvolvimento;
c) O estudo e preparação do material de informação e apoio respeitante a campanhas de intervenção;
d) A análise dos relatórios regionais com vista à avaliação permanente dos resultados colhidos, bem como das técnicas e métodos de utilização;
e) A preparação das estatísticas nacionais sobre consumo de droga;
f) A centralização, arquivo e distribuição de toda a documentação nacional e estrangeira respeitante à missão do Centro;
g) A preparação de material de divulgação respeitante a programas de prevenção, com vista à sua publicação.
2. O Gabinete compreende a Divisão de Documentação e Informação Social e a de Desenvolvimento Neuro-Psicológico.
ARTIGO 8.º
(Serviços administrativos)
Aos serviços administrativos, constituídos pelo pessoal do Centro que a direcção nacional a eles afectar, compete assegurar o expediente geral dos serviços centrais e regionais do Centro.
ARTIGO 9.º
(Regionalização)
Os serviços regionais compreendem:a) O director regional;
b) O Departamento Psico-Social;
c) O Departamento Clínico.
ARTIGO 10.º
(Director regional)
1. Ao director regional, coadjuvado pelos chefes dos departamentos, compete a execução dos programas de prevenção e tratamento aprovados pela direcção nacional.2. A direcção nacional e o conselho administrativo poderão delegar no director regional as atribuições e poderes que, no âmbito da respectiva competência, venham a ser julgados convenientes.
ARTIGO 11.º
(Departamento Psico-Social)
1. Ao Departamento Psico-Social compete:
a) A investigação de situações de risco de consumo de droga ou de condutas associais;b) A execução de medidas conducentes à resolução de situações de risco psico-afectivo da população, principalmente da população adolescente;
c) A execução de programas de prevenção primária no domínio do consumo da droga;
d) A elaboração de relatórios da situação das populações no domínio do consumo da droga.
2. O Departamento Psico-Social é dirigido por um chefe de departamento.
ARTIGO 12.º
(Departamento Clínico)
1. Ao Departamento Clínico compete:a) A execução de programas de prevenção secundária do consumo da droga, nomeadamente de apoio permanente, consulta, tratamento, ocupação terapêutica e observação;
b) A execução de programas de internamento e desintoxicação;
c) O apoio pós-cura à reinserção social.
2. O Departamento Clínico é dirigido por um chefe de departamento.
ARTIGO 13.º
(Articulação com outros departamentos)
O CEPD articulará o seu funcionamento com o dos serviços e organismos dos Ministérios interessados, nomeadamente dos seguintes:
a) Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, Instituto de Acção Social Escolar, Serviços Sociais universitários e os diversos estabelecimentos de ensino;
b) Direcção-Geral de Saúde e Direcção-Geral dos Hospitais;
c) Direcção-Geral da Assistência Social e Instituto da Família e Acção Social;
d) Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores;
e) Casa Pia de Lisboa e Misericórdias.
ARTIGO 14.º
(Pessoal)
1. O CEPD terá o pessoal dirigente, técnico, administrativo e auxiliar constante do quadro anexo a este diploma.2. A distribuição do pessoal pelos serviços regionais compete à direcção nacional.
3. A distribuição do pessoal no âmbito dos serviços regionais compete à direcção regional.
4. Conforme se trate ou não de funcionários com provimento definitivo, o provimento será sempre feito em comissão de serviço ou terá carácter provisório durante dois anos, findos os quais, se o funcionário for considerado apto pela direcção nacional ou pela direcção regional respectiva, consoante os casos, será provido definitivamente no lugar ou dispensado dos serviços em caso contrário.
ARTIGO 15.º
(Condições de provimento)
1. Os lugares de membro da direcção nacional e de director regional serão providos em comissão de serviço, por escolha do Primeiro-Ministro, mediante proposta do coordenador, de entre diplomados com curso superior, de comprovada experiência e reconhecida competência, nomeadamente nos domínios da psiquiatria, psicologia, sociologia, pedagogia e gestão administrativo-financeira.2. Os lugares de chefe de departamento e técnico de 1.ª classe serão promovidos de entre diplomados com curso superior adequado e com formação específica nos domínios referidos no número anterior.
3. Os lugares de médico especialista serão providos de entre licenciados em Medicina, com o título da especialidade em Psiquiatria.
4. Os técnicos de 2.ª classe serão providos de entre diplomados com curso superior adequado.
5. Os restantes lugares serão providos nos termos da lei geral.
ARTIGO 16.º
(Pessoal além do quadro)
1. O Primeiro-Ministro poderá autorizar que, pelas disponibilidades de vencimentos ou por força de Verbas especialmente inscritas para vencimentos e salários, seja contratado além do quadro pessoal técnico, administrativo ou auxiliar destinado a ocorrer a necessidades eventuais ou extraordinárias dos serviços.2. A utilização das disponibilidades de vencimentos do pessoal dos quadros para efeitos do disposto no número anterior carece de autorização do Ministro das Finanças.
ARTIGO 17.º
(Actividades especiais)
A direcção nacional poderá propor ao coordenador a admissão de pessoal para projectos específicos de curta duração, em regime de tarefa, bem como o convite a entidades nacionais ou estrangeiras para realizarem estudos ou inquéritos necessários ao bom funcionamento do Centro.
ARTIGO 18.º
1. O Primeiro-Ministro poderá delegar a competência que por este diploma lhe é atribuída.2. A delegação dos poderes que ao Primeiro-Ministro foram conferidos pelo Decreto-Lei 745/75, de 31 de Dezembro, abrange automaticamente a delegação dos poderes constantes do presente diploma.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Mário Soares.
Promulgado em 25 de Outubro de 1976.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Quadro do pessoal a que se refere o artigo 14.º (ver nota a)
(ver documento original) (nota a) Este quadro refere-se aos serviços e três centros regionais.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.