de 2 de Dezembro
1. A RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L. constitui-se, em execução do Decreto-Lei 40341, de 18 de Outubro de 1965, por escritura pública de 15 de Dezembro do mesmo ano entre o Estado e vários outros accionistas, alguns dos quais empresas emissoras particulares de radiodifusão.O capital social, que era inicialmente de 60000 contos, veio a ser depois elevado para 80000 e para 100000 contos, montante actual em que o Estado participa com 60%. A esta sociedade anónima foi concedido o serviço público de televisão, por contrato outorgado com termo de 16 de Janeiro de 1956, pelo prazo de vinte anos.
A concessionária assumiu, entre outras obrigações, a de «satisfazer eficientemente as exigências do serviço concedido» - n.º 3 do artigo 2.º -, «organizando programas de nível elevado, com a composição e a duração aconselháveis, de modo a preencher, nas melhores condições possíveis, as necessidades do público» - n.º 1 do artigo 10.º Também a concessionária se comprometeu a possuir e manter permanentemente em bom estado de funcionamento todo o equipamento, introduzindo progressivamente no material de exploração os aperfeiçoamentos técnicos adequados - n.os 1 e 2 do artigo 4.º Para tanto, deveria a RTP constituir e manter, com as receitas de exploração, um fundo de amortização e renovação que, com autorização do Governo, poderia ser investido em novas aquisições ou aplicado a outros fins reputados convenientes - n.º 4 do artigo 4.º -, devendo ser entregue ao Estado, no termo da concessão, com todos os demais bens integrantes da universalidade a esta afecta - artigos 16.º, n.º 2, 17.º, n.º 3, e 18.º, n.º 1.
2. A RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L., em vez de «programas de nível elevado» deu ao povo português, ao longo de dezoito anos, uma programação de baixo nível, tornando-se um instrumento embrutecedor e alienante ao serviço do conservantismo retrógrado e fascista.
E, em lugar de renovar o equipamento, limitou-se a manter material obsoleto e ineficiente.
Desenvolveu, além disso, uma gestão patrimonial muito deficiente, de que resulta ser actualmente o património da sociedade de valor inferior ao capital social. Para além disso, lesiva da maioria dos accionistas, mormente do Estado, com o contraponto de um inadmissível proveito da minoria, como resulta do que adiante se refere.
3. O contrato de concessão prevê no artigo 11.º, n.º 1, que a utilização do tempo de emissão seja reservada às seguintes entidades:
a) Ao Estado, por intermédio da Emissora Nacional de Radiodifusão;
b) Às empresas particulares de radiodifusão que sejam accionistas da sociedade concessionária;
c) À concessionária.
Mais estabelece o mesmo artigo, no n.º 2, que o tempo da emissão a utilizar pelo Estado e pelas emissoras particulares de radiodifusão será proporcional ao capital que possuam na empresa, até ao limite de 80%, utilizando a concessionária todo o tempo restante, nunca inferior, portanto, a 20% do total da emissão. Prevê ainda o artigo 11.º do contrato de concessão que a «utilização do tempo de emissão será paga de harmonia com as tabelas aprovadas pelo Governo», mas que «nos pagamentos devidos pelo Estado, será levada em conta a percentagem sobre as taxas de radiodifusão que a Emissora Nacional de Radiodifusão entregar à concessionária, nos termos do artigo 5.º do citado Decreto-Lei 40341, de 18 de Outubro de 1955.
É esta uma percentagem sobre as taxas de radiodifusão sonora, cobradas e arrecadadas pela ENR, que, nos termos do § único do citado artigo 5.º, foi de 10% durante os primeiros dez anos de concessão, e seria, findo aquele prazo, estabelecida, tanto quanto ao seu montante como quanto ao respectivo período de aplicação, por despacho da Presidência do Conselho, ouvidas a ENR e a RTP. Esse despacho veio a ser proferido em 20 de Dezembro de 1966, mantendo a aludida percentagem em 10% nos anos de 1966 e 1967 e reduzindo-a para 5% durante 1968.
Depois deste ano a percentagem em causa não voltou a ser fixada e deixou de ser entregue.
4. A utilização do tempo de emissão por entidades que não fossem a concessionária (RTP) estava, portanto, prevista, mas para se verificar mediante um preço a fixar por tabela a aprovar pelo Governo, sendo levada à conta de pagamento desse preço, quanto à utilização das emissões pelo Estado, a percentagem das taxas de radiodifusão sonora que este entregasse à RTP.
O Estado entregou esse subsídio-preço à RTP nos montantes e durante os períodos acima referidos. Mas nunca participou nos lucros que as emissões proporcionavam através da publicidade. Por outro lado, as emissoras particulares accionistas da RTP nunca pagaram quaisquer importâncias pela utilização do tempo de emissão. Não obstante, vieram a participar - e de modo exageradíssimo - nos lucros da mesma publicidade. Vale a pena referir em que termos.
Em 23 de Dezembro de 1958 a RTP e as ditas emissoras particulares celebraram entre si, com exclusão do Estado um «fundo comum (pool)» para organização e emissão dos programas publicitários e repartição dos respectivos lucros líquidos, na proporção de 50% para a primeira e 50% para as restantes, que dividiriam este bolo entre si na proporção das respectivas participações no capital da RTP. Este acordo, vigente por um ano, renovável, foi substituído por outro de 31 de Dezembro de 1959, de igual prazo, que por sua vez foi substituído por outro de 18 de Maio de 1962, para vigorar até 1 de Agosto de 1976, termo previsível da concessão.
Nestes dois últimos contratos, em que o Estado também não interveio, o pool passou a ser constituído só pelas citadas empresas particulares de radiodifusão accionistas, que transferiram para a RTP todos os seus direitos referentes à utilização do tempo de emissão mediante o pagamento por esta àquelas de 15% da receita bruta proveniente das emissões, com inclusão de publicidade comercial, e da cedência a terceiros de tempo de emissão, excepto o que fosse utilizado pelo Estado, nos referidos termos do contrato de concessão.
Por virtude destes contratos, as empresas particulares da radiodifusão, cuja participação inicial no capital da RTP foi de 20000000$00, receberam as seguintes importâncias:
(ver documento original) A repartição destes lucros entre as ditas empresas, na proporção do respectivo capital, como estipularam, foi efectuada nos termos seguintes:
(ver documento original) Estes números revelam que, por virtude da aludida alínea b) do artigo 11.º do contrato de concessão e dos contratos que ao abrigo dela se fizeram, as empresas de radiodifusão accionistas da RTP têm obtido, além do seu dividendo, e sem que para isso tenham investido mais um centavo, um lucro líquido que em 1973 quase atingiu 100% do capital investido, e que no total equivale a mais de seis vezes a totalidade do investimento.
Simultaneamente, o Estado, que era também accionista da RTP, e com 60% do capital social total, entregou até 1968, além do seu investimento, as aludidas percentagens das taxas de radiodifusão, e não teve qualquer participação nos lucros da publicidade.
5. Impõe-se, e já tarda, o saneamento de toda esta escandalosa situação e a simultânea instituição de uma nova televisão que esteja ao serviço, não de interesses comerciais inconfessáveis, mas dos superiores interesses do povo português. E só destes.
Impõe-se, portanto, pôr termo - e imediatamente - à concessão, para entregar a uma empresa exclusivamente pública o serviço de televisão.
À face do instrumento jurídico outorgado em 1956, a concessão pode terminar:
a) Pelo termo do respectivo prazo - vinte anos -, adquirindo o Estado a universalidade da concessão mediante o pagamento à concessionária de uma quantia igual ao capital nominal desta, ou comprando a mesma universalidade, no todo ou em parte, pelo valor que no momento tiver o que quiser comprar - artigo 18.º;
b) Por resgate, a partir do décimo ano de vigência da concessão, com pré-aviso de um ano, adquirindo o Estado a mesma universalidade mediante o pagamento da referida quantia, igual ao capital nominal, acrescida de um prémio de evicção igual ao dividendo médio distribuído aos accionistas nos cinco anos anteriores ao dito pré-aviso - artigo 16.º;
c) Por rescisão, quando haja violação grave dos deveres contratuais por parte da concessionária, hipótese em que também o Estado deverá, para adquirir a universalidade da concessão, pagar o aludido montante igual ao capital nominal, mas sem o prémio de evicção - artigo 17.º Daqui resulta que em qualquer das hipóteses de cessação da concessão, mesmo a justificada por violação grave das obrigações contratuais, as empresas de radiodifusão sonora, accionistas da RTP, iriam reembolsar o seu capital (com prémio de evicção no caso de resgate), depois de o terem reembolsado já perto de sete vezes no período de dezanove anos, em termos de mais do que discutível licitude e de inexistente equidade.
Tal não pode ser consentido. As referidas empresas não deverão receber do Estado, nem directa nem indirectamente, quaisquer importâncias sem prévia averiguação do que embolsaram em prejuízo do mesmo.
6. Dentro do princípio de que a televisão é um serviço público que desempenha uma relevante função social, nos domínios da informação, da pedagogia, da cultura e do recreio, nessa medida sendo de todo o ponto necessário mantê-la ao serviço do povo e da Revolução, mal se compreenderia que continuasse com a estrutura de uma empresa privada, em cujo capital subsistissem participações, ainda que minoritárias, não pertencentes directa ou indirectamente ao Estado.
Por outro lado, há que reconduzir os serviços que presta à objectividade, isenção, pluralismo e intransigente defesa dos valores e interesses nacionais que os hão-de qualificar como verdadeiro serviço público que deve ser, e que nem sempre tem sido.
Isto sem prejuízo, antes com salvaguarda, dos necessários criticismo, liberdade e independência em relação aos poderes político e económico, que melhor assento terá no estatuto da empresa pública que agora se cria, e que em breve será aprovado.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3, da Lei Constitucional 5/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º São nacionalizadas as posições sociais no capital da sociedade RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L., com sede em Lisboa, não pertencentes directa ou indirectamente ao Estado.
Art. 2.º - 1. A nacionalização decretada assegura, em princípio, aos titulares das posições sociais nacionalizadas o direito a serem indemnizados em termos a fixar quanto ao montante e forma de pagamento, por acordo ou, na falta dele, por diploma a publicar dentro do prazo de cento e oitenta dias, a contar da data da publicação do presente decreto-lei.
2. O direito à indemnização e seu montante são colocados sob a condição e a dependência das conclusões de um inquérito à licitude dos lucros auferidos pelos respectivos titulares.
Art. 3.º É rescindido, deixando de produzir quaisquer efeitos a partir da data da publicação do presente diploma, o contrato de concessão outorgado entre o Estado e a RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L., datado de 16 de Janeiro de 1956, publicado no Diário do Governo, 3.ª série, n.º 21, de 25 de Janeiro de 1956.
Art. 4.º Não produzirão efeitos, para o futuro, quaisquer contratos que tenham sido celebrados entre a RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L., e empresas emissoras particulares de radiodifusão e suas accionistas, com base no direito destas sobre o tempo de emissão, e tendo por objecto a repartição das receitas de exploração da publicidade nas emissões de televisão, ficando, nomeadamente, extintas todas as obrigações emergentes dos mesmos contratos que se não mostrem ainda cumpridos.
Art. 5.º - 1. É criada uma empresa pública denominada Radiotelevisão Portuguesa, E.
P., com o objectivo do exercício, em regime de exclusividade, do serviço público de televisão e, eventualmente, de radiodifusão.
2. A empresa pública referida no número antecedente é dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira e reger-se-á por estatuto próprio a aprovar pelo Governo dentro do prazo de trinta dias, a contar da entrada em vigor do presente diploma.
3. No estatuto previsto no número antecedente deverão ser salvaguardadas:
a) A autonomia da empresa em relação ao poder político e ao poder económico;
b) A representação dos trabalhadores nos órgãos de gestão e fiscalização da empresa;
c) A representação dos telespectadores num órgão de base, cuja composição reflicta o pluralismo das correntes políticas e dos credos religiosos.
Art. 6.º - 1. São transferidos para a empresa pública os valores activos e passivos, os direitos e as obrigações que constituem a universalidade da concessão e do património afecto à respectiva exploração, hoje na titularidade da sociedade RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L., sem dependência de qualquer formalidade, à excepção dos actos do registo que no caso couberem.
2. São, nomeadamente, transmitidas as posições contratuais e de entre estas as emergentes de contratos de trabalho, sem prejuízo do disposto nos artigos 3.º e 4.º 3. O acto de publicação do presente diploma acarretará a automática dissolução da sociedade RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L.
Art. 7.º - 1. Até à designação dos corpos sociais estabelecidos no estatuto previsto no antecedente artigo 5.º, a empresa pública Radiotelevisão Portuguesa será administrada e dirigida por uma comissão administrativa constituída por cinco membros, um dos quais desempenhará as funções de presidente, outro de vice-presidente, a nomear pelo Governo, sob proposta do Ministro da Comunicação Social, podendo dela fazer parte todos ou alguns dos actuais administradores da sociedade RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L., os quais continuarão em exercício de funções até à nomeação daquela comissão.
2. A comissão administrativa prevista no número antecedente exercerá, directamente ou por delegação, a plenitude das funções actualmente pertencentes a todos os corpos ou órgãos sociais, administrativos, directivos ou outros da sociedade RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L., que se consideram automaticamente dissolvidos por força do presente diploma.
3. Os actuais administradores por parte do Estado da sociedade RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L., exercerão, até à nomeação da comissão administrativa, os poderes constantes do número antecedente.
Art. 8.º A comissão administrativa exercerá as suas funções com a preocupação de assegurar uma informação o mais possível objectiva, verdadeira e pluralista ao serviço do povo, cujos sentimentos, preferências e necessidades procurará auscultar e satisfazer.
Art. 9.º O Ministro da Comunicação Social regulamentará, por portaria, os actos de execução do presente diploma que disso se mostrem carecidos.
Art. 10.º Até à entrada em funcionamento dos órgãos e serviços que vierem a ser estabelecidos no estatuto da empresa pública Radiotelevisão Portuguesa, os actuais serviços da sociedade RTP - Radiotelevisão Portuguesa, S. A. R. L., continuarão em funcionamento sob a administração e direcção da comissão administrativa que for nomeada e dos actuais administradores por parte do Estado até à nomeação da mesma comissão, com salvaguarda do disposto nos artigos 7.º e 8.º Art. 11.º As dúvidas que suscitar a interpretação do disposto no presente diploma serão esclarecidas por despacho do Ministro da Comunicação Social, que de igual modo integrará as respectivas lacunas.
Art. 12.º O presente diploma entra em vigor na data da publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - José Baptista Pinheiro de Azevedo - Francisco Salgado Zenha - Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa - António de Almeida Santos.
Promulgado em 2 de Dezembro de 1975.
Publique-se.O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.