Sumário: Decide, com respeito às contas anuais de 2012, julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Partido Socialista (PS) e, consequentemente, reduzir a coima que lhe foi aplicada pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP); julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela responsável financeira do referido Partido nas contas anuais de 2012, e, consequentemente, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada pela ECFP.
Aos vinte e oito dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.
Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:
I. Relatório
1 - Nos presentes autos vindos da Entidade Das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), o Partido Socialista (PS) e a sua responsável financeira, Rosa Maria Lopes De Freitas, vêm recorrer, ao abrigo do disposto nos n.os 2 a 4 do artigo 46.º da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, referida adiante pela sigla «LEC»), na redação dada por último pela Lei 71/2018, de 31 de dezembro, da decisão daquela Entidade, datada de 31 de julho de 2020, de:
Aplicar ao arguido PS uma coima no valor de 15 (quinze) salários mínimos nacionais («SMN») de 2008, perfazendo a quantia de (euro)6.390,00 (seis mil trezentos e noventa euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de Junho (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, «LFP»);
Aplicar à arguida Rosa Maria Lopes De Freitas, enquanto responsável financeira do referido Partido nas contas anuais de 2012, uma coima no valor de 7 (sete) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)2.982,00 (dois mil novecentos e oitenta e dois euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da referida LFP.
2 - Através do Acórdão 420/2016, de 27 de junho de 2016, o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da LEC, na sua redação originária, pronunciou-se sobre a legalidade e a regularidade das contas anuais apresentadas pelos partidos políticos respeitantes ao ano de 2012.
No que respeita ao partido aqui recorrente, aí se deliberou julgar as contas prestadas, com irregularidades.
Proferido tal acórdão, o Ministério Público, ao abrigo do disposto nos artigos 32.º, n.º 4, da LEC e 103.º-A, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), promoveu a aplicação de coimas aos ora recorrentes, em virtude das irregularidades verificadas. Notificados para exercerem o contraditório, apenas o arguido PS se pronunciou, concluindo pelo arquivamento do procedimento contraordenacional em apreço relativamente a ambos os arguidos ou, caso assim não se entenda, pela fixação da coima no mínimo legal.
Por decisão do Presidente do Tribunal Constitucional e na sequência da entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril - que alterou a LEC -, foram os autos remetidos à ECFP, em 22 de outubro de 2018, que proferiu a decisão ora recorrida.
3 - Inconformados, os arguidos interpuseram recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, mediante requerimento que concluíram nos seguintes termos (cf. fls. 421-426):
«[...]
C. Alega [a ECFP] que os ora arguidos praticaram (alegadamente, diga-se) todas infrações melhor descritas nos pontos 4., 5., 6., 7., 8., 9. a 9.4., 10. dos factos provados (para cuja descrição se remete), a título de DOLO EVENTUAL.
D. Considera como violado o artigo 12.º da Lei 19/2003 [- a LFP -], e cuja violação conduz ao preenchimento do elemento subjetivo da contraordenação em apreço por força do artigo 29.º n.º 1 e 2 da identificada lei.
E. O Partido Socialista e seu responsável financeiro aqui arguidos não aceitam a decisão condenatória, pois que não praticaram qualquer infração ou irregularidade, o que vai ficar aqui provado junto do Tribunal Constitucional.
F. Refere a ECFP, que foram registados valores de regularização incerta, considerando a incerteza quanto à regularização destes valores [...]
G. Conforme largamente explicitado na resposta, da norma incriminatória, não resulta qual o fundamento da tal incerteza, não se extraindo da norma do artigo 12.º supratranscrito, qual, ou quais as incertezas que estão em causa.
H. A entidade administrativa fiscalizadora e decisória não esclarece que tipo de incerteza está em causa - Incerteza dos montantes? Será? Incerteza no tipo de despesa? Será? Ficamos sem saber, pelo que daí não pode resultar qualquer condenação...
I. Apenas refere que a infração exclusivamente sustentada no seguinte facto - Falta de demonstração da respetiva incerteza e regularização incerta.
J. Conforme se comprova do texto acusatório, se uma coisa que não existe é a determinabilidade do tipo legal, uma vez que é pura e simplesmente ininteligível qual ou quais os normativos violados, afetando, na sua totalidade o princípio da legalidade invocado supra (cf. aprofundado na terceira nota prévia supra - ponto II das alegações).
K. Na decisão que deu origem aos presentes autos de contraordenação, nem agora através da acusação aqui sob recurso, é feita prova da alegada infração, bem sabendo que o ónus da prova cabe - "in casu" - ao Estado, através dos seus agentes/órgãos.
L. Pelo que a acusação agora notificada aos ora arguidos é NULA, não podendo subsistir, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.
M. Por outro lado, e não menos importante, os factos que sustentam a presente condenação em relação a todas as infrações são insuficientes ou inadequados para concluir pela existência de qualquer infração contraordenacional.
N. O auto de notícia não menciona - claramente - "os factos que constituem a infração, e as circunstâncias em que foi cometida", sendo que no caso em concreto tais "circunstâncias" porque factuais, se apresentavam de extrema importância para indicar e sinalizar que, ou que tipo de infração está em causa.
O. Com efeito, como já referido anteriormente, o auto de notícia apresenta-se amputado de factos, conclusivo, vago e genérico, viciado pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator dos arguidos, com todas as suas consequências e reflexos cm termos acusatórios, quer como delimitador do próprio libelo acusatório e sustentáculo-básico de uma posterior decisão condenatória, quer ainda, e não menos importante, no quadro e em parâmetros do cabal exercício de um direito de defesa por parte dos arguidos.
P. A verdade é que a totalidade dos vícios imputados ao auto de notícia estão vertidos na acusação aqui sob recurso.
Q. E muito embora estejamos no domínio do direito contraordenacional prevenido no RGCO, não se pode ignorar nem minimizar, tal como já foi enquadrado mais acima, o apelo que nos artigos 32.º e 41.º se faz ao direito penal e processual criminal, como direito subsidiário, com todas as suas consequências.
R. Assim, e consequentemente, há que considerar nula a acusação aos arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41.º n.º 1, do DL 433/82 e alínea b) n.º 3 artigo 283.º do CPP.
S. A ECFP lavra em erro na interpretação de tal inciso legal, na medida em que a incerteza, ou a falta dela, não tem qualquer arrimo ao dispositivo legal invocado pela entidade administrativa.
T. E não se diga que da leitura do disposto na Lei 19/2003 (na redação atual) se retira tal efeito da incerteza, na medida em cabe à entidade fiscalizadora (e também sancionadora) indicar qual ou quais os normativos violados, e não aos arguidos fazer um juízo de prognose no sentido de tentar perceber qual a norma violada e em que medida concreta o seja.
U. Logo, e recorrendo à transcrição da norma do artigo 12.º, não se retira qual a incerteza na regularização das contas, ou falta dela, que a ECFP viu, ao ponto de acoimar o Partido Socialista e o seu responsável financeiro ora arguidos.
V. Ora, a lei, in casu o artigo 12.º (na terminologia utilizada pela entidade administrativa a fls.12 da acusação) transcrito, não refere, nem remete para outras normas, que sustentem a tesis da incerteza invocada pela ECFP.
W. Nem o legislador ao longo de todo o diploma legal faz qualquer referência à matéria da incerteza dos gastos, nem se extraindo da Lei o que tal significa, muito menos a título de infração contraordenacional.
X. Tudo para invocar aqui a inexistência de infração descrita no ponto 5. dos factos provados, devendo a presente acusação ser liminarmente arquivada, atenta a nulidade já invocada.
Y. Ora, cotejadas as normas alegadamente violadas pelos arguidos transcritas supra, não se extrai a conclusão infratora pretendida pela Entidade das Contas.
Z. É que, e invocando o que vem dito em relação ao princípio da legalidade, consagrado nos artigos 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 2.º do RGCO, que tem, como decorrências deste princípio a determinabilidade do tipo legal - que a lei seja certa e determinada - ou seja, «importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamento proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente e dirigível a conduta dos cidadãos» e de acordo com o disposto no artigo 1.º do RGCO que refere que "constitui contraordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima"; e bem sabendo que o citado artigo 1.º consubstancia o princípio da tipicidade, "significando que a própria lei deve especificar clara e suficientemente os factos em que se desdobra o tipo legal de crime - no caso, de contraordenação - ou que constituem os pressupostos da aplicação da medida de segurança criminal - no caso, da coima, tal significando que só a lei pode definir o que são crimes - no caso, contraordenações - e quais os pressupostos da aplicação de medidas de segurança criminais - no caso, das coimas, a verdade é que a entidade das contas não pode, de moto próprio, enquadrar segundo a sua vontade e interpretação, normas que não apresentam um mínimo de enquadramento legal em relação à interpretação que a própria Entidade Administrativa sancionatória pretende.
AA. Ou seja, a interpretação feita pela entidade das contas não tem um mínimo de acolhimento ou acoito na lei.
BB. Porque estamos a falar de normas sancionatórias, a matéria de facto invocada pela Entidade Administrativa, nas infrações, não tem um mínimo acolhimento na lei sancionatória invocada, razão pela qual a decisão condenatória é nula por violação do princípio da legalidade e da tipicidade prevista nos artigos 29.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c), ambos da CRP.
CC. A matéria de facto carreada para a decisão condenatória aqui sob recurso, não é suficiente, nem encontra qualquer enquadramento nas normas violadas invocadas no libelo acusatório, sendo que, sendo admitida esta interpretação e subsunção que a entidade das contas faz dos factos à norma, será sempre uma interpretação inconstitucional.
DD. E dizemos inconstitucional, porque viola frontalmente o princípio da legalidade, e, como seu corolário, no princípio da tipicidade (no sentido da exigência de uma descrição clara e precisa do facto punível), uma vez que os aqui arguidos estão impedidos de conhecer os elementos essenciais do tipo da infração.
EE. Inconstitucionalidade e nulidade que ficam invocada, com os legais efeitos.
FF. Para a aplicação da sanção (rectius: coima), porém, é mister ainda que o facto, além de típico e antijurídico, seja censurável, isto é, reprovável.
GG. Logo a punição do agente tem de fundar-se num juízo de reprovação do autor pela formação da vontade e que a concreta sanção nunca pode ser mais grave do que aquele mereça segundo a sua culpa.
HH. Donde, a descoberta da verdade material não consiste somente na averiguação do ilícito material, mas também, e sobretudo, na indagação do elemento subjetivo da infração, já que a imputação da responsabilidade contraordenacional só é possível se o comportamento do agente for censurável.
II. O libelo acusatório não dá nota de nenhum facto suscetível de, juridicamente qualificado, preencher a culpa do arguido (maxime sob a forma de culpa), sendo certo que essa factualidade não se presume, antes é elemento subjetivo do tipo, pelo que deve ser comprovada para que o ilícito doloso seja preenchido.
JJ. O que é bastante e suficiente para afastar a imputada responsabilidade do arguido, pois "no direito de mera ordenação social a condenação não pode ter lugar independentemente de culpa.
KK. Agir com culpa significa atuar por forma a que a conduta do agente mereça a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo: está, portanto, arredada a admissibilidade de uma responsabilidade objetiva...
LL. Conforme já ficou dito mais acima na quarta nota (vide: ponto I das notas prévias), no caso que aqui nos ocupa, e porque o diploma legal invocado no libelo acusatório da entidade administrativa ECFP não faz referência à punição a título de negligência, os arguidos apenas podem ser punidos a título de dolo.
[...]
NN. A Entidade Administrativa invoca no texto da decisão DOLO EVENTUAL dos arguidos pela prática das infrações que vêm noticiadas, e agora sob a forma de condenação, e nada prova, nada refere porque o dolo eventual, nada comprova, não ouviu o representante dos arguidos... nada.
OO. Da decisão condenatória nada resulta para além da decisão (conveniente) que os arguidos agiram com DOLO, referindo que "... os arguidos agiram com dolo eventual, sendo que a contraordenação em causa apenas comporta o sancionamento doloso." Apenas porque sim...
PP. Nos termos do disposto no artigo 7.º, n.os 1 e 2, do RGCO, as coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas coletivas, sendo estas responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.
QQ. Sendo o arguido Partido Socialista uma pessoa coletiva, a imputação a título de dolo ou de negligência exige a atuação dolosa ou negligente por parte de uma ou mais pessoas físicas, agindo no exercício das suas funções, em nome e no interesse dessa mesma sociedade/ pessoa coletiva.
[...]
TT. Remetendo para a resposta apresentada, os arguidos nunca poderiam praticar a infração sobre a incerteza, se não é possível extrair que tipo de infração é essa que sustenta a incerteza invocada pela entidade administrativa.
UU. Ora, perante o que foi dito em sede de resposta, e perante esta concretização, verifica-se que a decisão da autoridade administrativa não faz uma descrição suficiente dos factos que consubstanciam a imputação à mesma da contraordenação em causa, desde logo no que respeita aos elementos subjetivos das infrações.
VV. Lida e relida a decisão da autoridade administrativa, constata-se, sem hesitação, que, no tocante (designadamente) à fundamentação da imputação subjetiva das infrações, a mesma não é, de modo algum, efetuada, pois que refere apenas [«... os erguidos agiram com dolo eventual...»].
WW. Ou seja, o que a entidade administrativa refere unicamente na decisão condenatória é que os arguidos agiram com dolo eventual, e a interpretar normativos legais que ela (entidade das contas) entende que encerram em si mesma um conceito de incerteza, que como já ficou dito, não tem qualquer enquadramento na lei sancionatória que nos tem ocupado neste processo.
[...]
YY. Aliás, nem as putativas vantagens para o Partido, advenientes das alegadas infrações são demonstradas, limitando-se a ECFP a referir, singelamente, que:"em termos de benefício retirado da prática da contraordenação, o mesmo não é mensurável".
ZZ. Não é mensurável porque a contas estão regularmente constituídas, e não existe qualquer infração dita de incerteza, ou violação do princípio da especialização...
AAA. A ECFP não quantificou o benefício económico com a (alegada) infração, e fez tábua rasa do disposto no citado artigo 18.º, ao não considerar, aquando da medida da pena, o simples facto de não existir qualquer benefício económico, com as legais consequências.
BBB. Concluindo-se que a doutrina hoje dominante conceitualiza o dolo, na sua formulação mais geral, como o conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo de ilícito, sendo o conhecimento o momento intelectual e a vontade o momento volitivo de realização do facto.
CCC. Da presente decisão condenatória da entidade das contas, não consta (mesmo em termos simplificados, mas próximos de uma acusação penal) o relato dos factos que possam integrar o dolo ou a negligência dos aqui arguidos, não bastando invocar uma série de normas, e criar, assim, um novo conceito de atuação segundo a incerteza, para daí inferir a existência de dolo [ou até de negligência inconsciente].
[...]
FFF. A decisão da autoridade administrativa, ao não enunciar os referidos factos, é nula, de acordo com o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, al, b), do RGCO, 374º, n.º 2, e 379.º, n.º 1. al. a), do C. P. Penal (estes aplicáveis ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do referido RGCO).
GGG. A falta de indicação daqueles factos constitui, ela própria também, falta de fundamentação da decisão da autoridade administrativa, tal como exigido na parte final da al. e c) do n.º 1 desse mesmo preceito legal.
HHH. Nulidade que fica invocada para toda a decisão condenatória, e que o Tribunal Constitucional não deixará de conhecer.
III. Errou a entidade das contas na apreciação dos factos que enquadram as identificadas infrações, não tendo apreciado a resposta apresentada, ou se a apreciou fez tábua rasa das notas apresentadas, e que comprovam o erro em lavrou ao condenar os arguidos nos termos constantes na acusação aqui em crise.
JJJ. Quanto à infração melhor descrita no ponto 4. da condenação aqui sob impugnação, considera a entidade administrativa que o Partido Socialista apresentou despesas relativas a atividades de benemerência, violando o principio da especialidade, uma vez que essas despesas não correspondem a gastos inerentes à sua atividade partidária, e apresenta outras afetas, direta ou indiretamente a ações de propaganda partidária (Federação da Madeira e Federação de Braga).
KKK. Ora, conforme já referido anteriormente e como consta dos autos, importa referir que a ECFP apenas refere a existência de ações de valor superior ao salário mínimo nacional que não estão incluídas no mapa de ações e meios. Pelo que, não está em causa a natureza e a descrição da despesa, sendo as mesmas referidas no próprio relatório.
LLL. Nesta matéria remetemos para as explicações apresentadas supra, vide artigos 76.º a 84º das alegações.
[...]
OOO. Quanto à infração melhor descrita no ponto 5. da condenação os arguidos reiteraram, que as contas correntes refletem devidamente todas as receitas e despesas, não sendo relevante o valor relativo a exercícios anteriores.
PPP. Nesta matéria remetemos para as explicações apresentadas supra, vide artigos 85.º a 96.º das alegações.
QQQ. Assim e face a tudo o descrito supra, deve a presente infração ser devidamente arquivada, sem mais diligências adicionais, uma vez que a ECFP andou mal ao decidir pela aplicação de sanção aos arguidos.
RRR. Quanto à infração melhor descrita no ponto 6. dos factos provados da condenação, o tratamento contabilístico dado ao perdão de quotas, originou uma sobreavaliação dos resultados do exercício de 2012, no montante de (euro) 2.472.689.
SSS. Remetemos para as explicações apresentadas supra, vide artigos 97.º a 109.º das alegações.
TTT. Pelo que, não existe, por parte do Partido Socialista qualquer violação e andou mal a ECFP em decidir pela aplicação de sanção.
UUU. Quanto à infração melhor descrita no ponto 7. dos factos provados da condenação, o não cumprimento integral do princípio da especialização ou acréscimo.
VVV. O Partido Socialista tem feito um enorme esforço para que todas as regras de procedimentos contabilístico-financeiros sejam cumpridas por parte de todas as suas estruturas, e o esforço que tem vindo a ser feito pelo Partido Socialista, tem permitido melhorar expressivamente as suas Demonstrações Financeiras e Patrimoniais.
WWW. Remetemos para as explicações apresentadas supra, vide artigos 110.º a 116.º das alegações.
XXX. Mais uma vez se afirma, que andou mal a ECFP em decidir pela aplicação de sanção aos ora arguidos.
YYY. Quanto à infração melhor descrita no ponto 8. dos factos provados, conforme já anteriormente referido em sede de resposta, a doação de estruturas de outdoors no valor de (euro) 20.000,00, pelo Presidente da concelhia de Amarante, corresponde a uma doação efetuada por vários militantes que, ao invés de fazerem a doação em numerário, doaram um espaço publicitário.
ZZZ. Nesta matéria, remetemos para as explicações apresentadas supra, vide artigos 117.º a 122.º das alegações.
AAAA. Assim, andou mal a ECFP em decidir pela aplicação de sanção ao PS e seu responsável financeiro
BBBB. Quanto à infração melhor descrita no ponto 9. dos factos provados, remetemos para tudo o que foi afirmado em sede de alegações, artigos 123.º a 130.º supra, relembrando que, este procedimento foi alterado a partir do novo mandato em 2019, passando as transferências a serem efetuadas individualmente pelos próprios deputados europeus, conforme recomendação da ECFP.
CCCC. Logo, não se vislumbra qualquer violação do n.º 1, do artigo 12.º, da Lei 19/2003.
DDDD. Quanto à infração melhor descrita no ponto 10. do libelo acusatório, temos a referir que nas contas anuais do PS referentes ao exercício de 2012, foram integradas como receita as Subvenções atribuídas aos Grupos Parlamentares da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, no valor de (euro) 369.000, e da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, no valor de (euro) 408.216.
EEEE. Remetemos para tudo o que foi afirmado em sede de alegações, artigos 131.º a 136.º supra, relembrando que, não existe, qualquer violação do disposto no n.º 1, do artigo 12.º, da Lei 19/2003, antes um efetivo cumprimento do disposto na legislação aplicável, ficando perfeitamente identificadas as transferências de fundos, sua origem e destino, como obrigatoriamente deveria acontecer.
FFFF. Assim, andou mal a ECFP ao decidir pela aplicação de sanção ao Partido Socialista.
[...]».
4 - Por deliberação de 18 de setembro de 2020, a ECFP sustentou tabelarmente a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.
5 - Admitido liminarmente o recurso, pronunciou-se o Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC, nada tendo requerido.
Notificados, os arguidos não se pronunciaram.
II. Fundamentação
A. Factos provados
6 - Com relevo para a decisão, têm-se por demonstrados os seguintes factos:
1 - O PS é um partido político português, constituído em 1 de fevereiro de 1975, que se encontra registado no Tribunal Constitucional.
2 - O PS apresentou, a 31 de maio de 2013, as contas relativas ao ano de 2012.
3 - Foi remetido, pelo Partido referido em 1., ao Tribunal Constitucional, ofício com data de 19 de dezembro de 2012, no qual foi identificada, como responsável financeira pelas contas do Partido de 2012, Rosa Maria Lopes de Freitas.
4 - Nas contas do Partido de 2012 foram registadas as seguintes despesas, no valor total de (euro) 17.452,32:
4.1 - Na Federação da Madeira, o Partido apresentou as seguintes despesas relativas a atividades de benemerência:
4.1.1 - Movimento 76 no diário de fornecedores, no valor de (euro) 370,00.
4.1.2 - Movimento 61 do diário de fornecedores, no valor de (euro) 3.239,00.
4.1.3 - Movimento 55 do diário de fornecedores, no valor de (euro) 3.000,00 + IVA.
4.1.4 - Movimento 47 do diário de fornecedores, no valor de (euro) 465,00.
4.2 - Na Federação de Braga, o Partido apresentou as seguintes despesas não validadas como sendo afetas direta ou indiretamente a ações de propaganda partidária:
4.2.1 - Movimento 7000003 de Bancos, correspondente ao registo do recibo n.º 276, no valor de (euro) 592,86.
4.2.2 - Movimento 4000010 do diário de Bancos, na quantia de (euro) 650,00.
4.2.3 - Movimento 10000032 do diário de Fornecedores, no valor de (euro) 558,17.
4.2.4 - Movimento 10000001 do diário de Fornecedores, no valor de (euro) 1.057,53.
4.2.5 - Movimento 6000047 do diário de Fornecedores, no valor de (euro) 150,00.
4.2.6 - Movimento 4000008 do diário de Bancos, no valor de (euro) 369,00.
4.2.7 - Movimento 6000021 do diário de Fornecedores, no valor de (euro) 774,90.
4.2.8 - Movimento 4000008 do diário de Fornecedores, no valor de (euro) 2.500,00.
4.2.9 - Movimento 4000013 do diário de Fornecedores, no valor de (euro) 1.937,50.
4.2.10 - Movimento 7000013 do diário de Bancos, no valor de (euro) 1.578,00.
4.2.11 - Movimento 12000042 do diário de Bancos, no valor de (euro) 210,36.
5 - Nas contas apresentadas pelo Partido, foram registados os seguintes valores de regularização incerta:
5.1 - Em "Outras Contas a Receber - Transferência de fundos", um saldo total de (euro) 4.603,00, referente a transferências no valor de (euro) 97,00 e (euro) 835,00, efetuadas pela Sede no final de 2012 respetivamente para as Federações de Santarém e Coimbra, que aguardam regularização; e a saldos provenientes de anos anteriores (Federação de Benelux, que regista um saldo de (euro) 3.593,00 desde julho de 2009, e Federação de França, com um saldo de (euro) 78,00, desde 2008).
5.2 - Nas demonstrações financeiras, os seguintes saldos sem movimento durante o ano e sem demonstração de razão para a sua subsistência:
5.2.1 - Um saldo a receber no montante de (euro)44.014,00 registado na rubrica de Outras Contas a receber - Responsáveis financeiros.
5.2.2 - Um saldo a pagar, no montante de (euro) 429.565,00, registado na rubrica de Outras Contas a pagar - Responsáveis Financeiros.
6 - No ano de 2012, o Partido efetuou um perdão nacional de quotas em dívida até ao ano de 2009, inclusive, no valor de (euro) 2.472.689,00, que registou nas respetivas contas do seguinte modo: creditou as contas 277 - Quotas em dívida, no valor de (euro) 2.472.689,00, debitando a conta 560001 - Exercícios anteriores, e debitou a conta 279 - Perdas por imparidade acumuladas, por contrapartida da conta 7621 - Reversões de perdas por imparidade - em dívidas a receber, a qual apresenta consequentemente um valor líquido de (euro) 1.878.803,00.
7 - O Partido não apresentou elementos documentais comprovativos das despesas, relativas a gastos no período contabilístico em que foram efetuados, respeitantes a reembolsos a Catarina Furtado, abonados entre fevereiro e julho de 2012, de 16.406,25 quilómetros de deslocações em Ponta Delgada, no montante total de 5.250,00 (euro).
8 - Nas contas anuais de 2012, foi registada, na rubrica de Ativos Fixos Tangíveis, a entrega para a concelhia de Amarante de estruturas de outdoors avaliadas globalmente em (euro) 20.000,00, correspondente ao movimento n.º 41 de "Operações diversas".
9 - O suporte documental dos seguintes gastos e rendimentos, registados nas contas anuais de 2012 do PS, apresenta as seguintes deficiências:
9.1 - Ao nível de contribuições de eleitos: a Sede Nacional recebeu, em 2012, contribuições de eleitos dos deputados ao Parlamento Europeu, com a emissão de um único recibo global;
9.2 - Regularização de saldos de fornecedores: ao nível da Sede Nacional, o Partido procedeu, em 2012, à regularização de saldos de fornecedores, relativos às eleições autárquicas de 2009, no montante total de (euro) 18.597,00, tendo por contrapartida movimento a crédito da conta de resultados transitados, mas não apresentou documento com evidência do pagamento ou crédito pelo fornecedor referente aos seguintes montantes:
(ver documento original)
9.3 - Débitos das contas de fornecedores, na Federação do Porto, sem terem anexa qualquer evidência documental:
9.3.1 - Através do documento de Operações diversas n.º 49, de dezembro de 2012, que teve como contrapartida a conta 278224069 - Responsável Secção Campo, com descritivo que refere ser a dívida ao responsável da Secção, por não existir dívida ao fornecedor, sendo os seguintes débitos:
Conta 221100387, Fornecedor Águas de Valongo S. A., (euro) 496,88;
Conta 221100362, Fornecedor PT Comunicações, S. A., (euro) 426,19;
Conta 221103441, Fornecedor EDP Serviço Universal, S. A., (euro) 3.254,27;
9.3.2 - Através do documento de Operações diversas n.º 56, de dezembro de 2012, foi debitada a conta 221103441 - EDP Serviço Universal, S. A., no valor de (euro) 1.237,68, por contrapartida da conta 278224091 - Responsável Secção de Vilar Paraíso, por inexistência de dívida ao fornecedor.
9.4 - Inexistência do recibo de renda, na Federação de Braga, a suportar o Movimento 4000001 do diário de fornecedores, na conta 626111 - Rendas de casa, no valor de (euro) 765,00.
10 - O Partido integrou, nas suas contas de 2012, as subvenções recebidas da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, no montante de (euro) 369.000,00 e da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, no montante de (euro) 408.216,00, destinadas aos Grupos Parlamentares do PS nas mesmas Assembleias Legislativas.
11 - Ao agir conforme descrito em 4. a 9. dos factos provados, os Arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
12 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
13 - Nas contas de 2012, o PS registou:
13.1 - No balanço: um total do ativo de (euro) 10.989.720,00, um total do capital próprio de (euro) 2.403.136,00 e um total do passivo de (euro) 8.586.584,00.
13.2 - Na demonstração de resultados do ano: rendimentos no valor de (euro) 9.670.697,00 e gastos no valor de (euro) 9.080.810,00.
14 - Por referência ao ano de 2012, o PS recebeu subvenção estatal no valor de (euro) 4.448.425,48.
B. Factos não provados
7 - Com relevância para a decisão, não se provou que:
7.1 - A entrega das estruturas de outdoors referida no ponto 8. dos factos provados, correspondeu a uma única doação realizada pelo militante e Presidente da Concelhia de Amarante, Armindo Abreu.
7.2 - Ao agir conforme descrito no ponto 10. dos factos provados, os arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
7.3 - Os arguidos sabiam que a conduta referida no ponto 10. era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
C. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
8 - A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise crítica e conjugada da prova documental junta aos presentes autos, bem como de inferências lógicas e presunções naturais fundadas nas regras da experiência.
Concretizando, para a prova da factualidade constante do ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da Internet do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos2402.html?wano=1993, da qual a mesma se extrai.
A prova dos factos constantes do ponto 2. dos factos provados resulta do teor dos documentos de fls. 5 a 21 dos presentes autos.
A factualidade indicada no ponto 3. dos factos provados decorre do teor do documento de fls. 22 dos presentes autos.
A prova da matéria factual descrita nos pontos 4. a 10. dos factos provados fundou-se na análise das contas apresentadas, em conjugação com o teor dos documentos contabilísticos e com os documentos de suporte apresentados.
Em especial no que se refere ao ponto 7. dos factos provados, verifica-se que os documentos constantes de fls. 625 a 633 do Anexo I, vol. II, ao PCO n.º 52/2020, intitulados "Abono por Quilómetro", além de, contrariamente ao alegado (cf. o artigo 114.º da alegação e a respetiva WWW.), não corresponderem a boletins itinerários, limitam-se a indicar a matrícula de um veículo e um número de km por percurso sem qualquer verosimilhança com a realidade: a título meramente exemplificativo, "PDL/Nordeste - 250 km" (20 vezes), "Ribeira Grande/Nordeste/PDL - 350 km" (8 vezes) ou "Povoação/Nordeste/PDL - 350km"; os percursos reais, mesmo considerando as opções mais demoradas e menos económicas correspondem, respetivamente, a 58,2 km ou 99,5 km, a 97,7 km ou 139 km ou a 85,3km ou 134km, consoante o percurso Nordeste-Ponta Delgada seja feito pela costa norte ou pela costa sul da ilha de São Miguel.
A prova dos factos constantes dos pontos 11. e 12. dos factos provados resultou de presunção judicial e regras de experiência comum. Estando aqui em causa estados mentais do agente, a prova dos factos que os consubstanciem pode ser alcançada, essencialmente, por duas vias: pela confissão feita pelo próprio ou por uma interpretação da manifestação exterior dos factos internos correspondentes. A segunda via implica o uso de inferências, assentes, quer em presunções judiciais apoiadas nas regras da experiência comum, quer em deduções baseadas em factos externos e objetivos, estes apurados através de prova direta e dotados de idoneidade inferencial.
Com efeito, do Relatório da ECFP constante de fls. 29 a 87/v.º dos presentes autos, relativo à apreciação das contas aqui em apreço, constavam já todas as situações aqui em análise, sendo que o Partido e a respetiva Responsável Financeira foram do mesmo notificados e, apesar de lhes ter sido concedido prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas, os mesmos, nesta parte, não o fizeram. Por outro lado, a factualidade apurada por prova direta permite inferir, de forma segura, que os arguidos tinham conhecimento das obrigações contabilísticas que sobre si impendiam, da punibilidade da sua violação e de que a factualidade vertida nos pontos 4. a 9. infringia tais deveres, tendo-se conformado com tal possibilidade. Na verdade, estas infrações constam de lei conhecida dos arguidos e sobre a qual recaía jurisprudência consolidada (v., entre muitos outros, a título de mero exemplo, os Acórdãos n.os 711/2013, 86/2012 e 301/2011, ambos notificados ao PS), sendo certo que, à data da prestação das contas em causa, o PS tinha já 38 anos de existência, o que torna inverosímil que não estivesse ciente das obrigações contabilísticas em apreço. E o mesmo vale para a Responsável Financeira, cuja especial posição torna inverosímil, na completa ausência de elementos probatórios de sentido contrário, a hipótese de desconhecimento das obrigações legais em causa e da consequente contrariedade à lei dos comportamentos adotados. Com efeito, é suposto que tanto os partidos políticos, como os seus responsáveis financeiros tenham conhecimento das obrigações e dos deveres que, para eles, decorrem da LFP, visto que o seu incumprimento é expressamente sancionado, nomeadamente, nos artigos 28.º e 29.º dessa mesma Lei.
A prova da factualidade constante dos pontos 13. a 13.2. dos factos provados resulta do teor de fls. 6 e 7 dos presentes autos.
A prova dos factos constantes do ponto 14. dos factos provados resulta de fls. 386 dos presentes autos.
Quanto aos factos não provados, verifica-se que o documento junto pelos recorrentes a fls. 382 vem corroborar o alegado pelo PS na resposta à auditoria das suas contas oportunamente realizada, segundo a qual está em causa «uma doação entregue pelo militante Presidente da Concelhia de Amarante, enquanto responsável, [mas que, na verdade,] corresponde a uma doação efetuada por vários militantes (cf. documento que protesta juntar) que, ao invés de doarem dinheiro, doaram um espaço publicitário que pagaram do seu (deles) bolso» (cf. fls. 96, v.º). Com efeito, o documento em causa corresponde a uma declaração subscrita pelo Presidente da Concelhia de Amarante, em que este identifica os militantes que doaram as estruturas em questão, a designação (ou descrição) das estruturas, o respetivo valor unitário e o número de estruturas doadas por cada um dos citados militantes. Da eventual irregularidade da inscrição contabilística - resultante do dever de discriminar estes donativos na lista a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 12.º da LFP - não se pode concluir, sem mais, automaticamente, que o doador tenha sido a pessoa que justificou a inscrição. Recorde-se que o lançamento em causa foi «suportado por recibo do PS e declaração do Presidente da Comissão política da concelhia de Amarante» (cf. fls. 73, v.º).
Com referência ao tratamento contabilístico das contas próprias do grupo parlamentar do PS nas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores - a que se refere o ponto 10. dos factos provados - os arguidos não contestam a integração de umas contas nas outras e, bem assim, a omissão de elaboração e apresentação de um anexo com as contas do grupo parlamentar. A oposição deduzida na impugnação da decisão condenatória centra-se na afirmação de que tal integração, pelo modo como foi efetuada, não consubstancia qualquer violação das normas aplicáveis.
Segundo alegam, os valores em causa correspondem a transferências efetuadas pelos referidos Grupos Parlamentares, suportadas nos correspondentes protocolos estabelecidas com as federações.
A esse propósito, refere a decisão da ECFP que «[a] prova da factualidade elencada nos pontos 11. e 12. Dos factos provados [os constantes dos factos não provados - pontos 7.2. e 7.3. - quanto ao ponto 10. dos factos provados] extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação, tanto mais quanto do Relatório da ECFP de fls. 29 a 87 dos autos, relativo à apreciação das contas em apreço, constavam já todas as situações aqui em análise, sendo que o Partido e a respetiva Responsável Financeira foram do mesmo notificados e, apesar de lhes ter sido concedido prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas, os mesmos, nesta parte, não o fizeram» (fls. 392 verso).
Porém, para aferir da convicção que animou o Partido e o seu responsável financeiro na apresentação das contas do modo como o foram, relevam fundamentalmente as circunstâncias que precederam o momento da sua apresentação.
Relativamente às subvenções dos grupos parlamentares, em 2012 vigorava o n.º 8 do artigo 5.º e os n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, de 20 de junho (LFP), na redação dada pela Lei 55/2010, de 24 de dezembro, que atribuíram competência ao Tribunal Constitucional para as fiscalizar, determinando, para o efeito, que as mesmas fossem «anexas» às contas nacionais dos partidos e, quando atribuídas pelas Regiões Autónomas, fossem «incluídas» nas contas das estruturas regionais que, por sua vez, eram anexadas às contas nacionais. A interpretação destas normas foi efetuada pelo Tribunal Constitucional em acórdãos posteriores, onde acabou por ser declarada a inconstitucionalidade da norma atributiva da competência do Tribunal - o n.º 8 do artigo 5.º da LFP. Não deixou, porém, o Tribunal de alertar para a repercussão que esta decisão poderia ter nas contas de 2012, já que os partidos agiram em conformidade com as normas que lhes impunham a apresentação das contas anexadas ou incluídas nas contas nacionais dos partidos.
É certo que um tal procedimento não seria, por si só, idóneo a suportar a comprovação de uma deficiente compreensão da organização contabilística devida, caso fosse conhecida, no momento da apresentação das contas, a posição contrária deste Tribunal sobre a questão [vd., nesse sentido, perante alegação de erro subsumível ao disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), os Acórdãos n.os 99/2009, 405/2009 e 643/2009].
Todavia, no caso vertente, as pronúncias anteriores do Tribunal não versaram o problema da devida forma de autonomização das contas dos grupos parlamentares, no quadro das alterações introduzidas pela Lei 55/2010. Essa questão apenas foi apreciada nos Acórdãos n.os 535/2014, 801/2014, 296/2016 e 420/2016, este proferido justamente em sede de fiscalização das contas apresentadas pelos partidos políticos respeitantes ao ano de 2012.
Recorde-se o que se escreveu sobre a matéria nesse último aresto, proferido em 27 de junho de 2016:
«7 - Com interesse para vários Partidos, cabe, antes de mais, chamar a atenção para as alterações legais em matéria das subvenções atribuídas aos grupos parlamentares e aos grupos parlamentares regionais. Efetivamente, às contas analisadas nos presentes autos são já aplicáveis as alterações introduzidas à Lei 19/2003 (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), pela Lei 55/2010, de 24 de dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2011.
Tais alterações, como já se salientou no recente Acórdão 296/2016, referente às contas de 2011, revestem-se da maior importância, já que, dizendo respeito às relações a estabelecer entre as contas anuais dos partidos políticos (agora em julgamento) e as contas dos respetivos grupos parlamentares, sejam eles regionais sejam eles nacionais, terão induzido [tais alterações] a que alguns partidos - BE, CDS-PP, PCP, PEV, MPT, PAN, PPM, PPD/PSD e PS - optassem por incluir, de uma forma ou de outra, estas últimas contas nas primeiras.
7.1 - Neste domínio, a Lei 55/2010, de 24 de dezembro, modificou a Lei 19/2003 em dois pontos fundamentais: primeiro, no domínio "adjetivo", na exata medida em que atribuiu inovatoriamente ao Tribunal Constitucional a competência "exclusiva" para fiscalizar as contas relativas às subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares; segundo, no domínio "substantivo", na exata medida em que passou a identificar, como parte integrante das contas dos partidos políticos, as referidas subvenções.
Assim, e quanto à alteração dita "adjetiva", a Lei 55/2010 veio prever, no novo n.º 8 do artigo 5.º, que "A fiscalização relativa às subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares ou deputado único representante de um partido e aos deputados não inscritos em grupo parlamentar ou aos deputados independentes na Assembleia da República e nas assembleias legislativas das regiões autónomas, ou por seu intermédio, para a atividade política e partidária em que participem, cabe exclusivamente ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 23.º".
Por seu turno, e quanto à alteração dita "substantiva", a redação do artigo 12.º da referida Lei 19/2003 (após a entrada em vigor da Lei 55/2010), passou a ser a seguinte, sob o título "Regime contabilístico":
"8 - São igualmente anexas às contas nacionais dos partidos, para efeitos da apreciação e fiscalização a que se referem os artigos 23.º e seguintes, as contas dos grupos parlamentares e do deputado único representante de partido da Assembleia da República.
9 - As contas das estruturas regionais referidas no n.º 4 devem incluir, para efeitos de apreciação e fiscalização a que se referem o n.º 8 do artigo 5.º e os artigos 23.º e seguintes, as relativas às subvenções auferidas diretamente, ou por intermédio dos grupos parlamentares e do deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas das regiões autónomas".
7.2 - Cabe, ainda, recordar, porém, neste âmbito, que, no Acórdão 535/2014, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 1.º da Lei 55/2010, de 24 de dezembro, e do artigo 3.º, n.º 4, da Lei 55/2010, de 24 de dezembro, por violação do artigo 166.º, n.º 2, com referência ao artigo 164.º, c), e do artigo 168.º, n.º 4, todos da CRP. Entendeu o Tribunal que, ao pretender atribuir-lhe, por essa via, uma nova competência (a de fiscalizar as contas relativas às subvenções auferidas por grupos parlamentares), estava o legislador a regular de modo diverso matéria atinente à "organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional". Ora, sendo essa matéria da reserva absoluta de competência da Assembleia da República - artigo 164.º, alínea c) da CRP -, a verdade é que a forma da deliberação parlamentar deveria, quanto a ela, revestir a especificidade da lei orgânica (artigo 166.º, n.º 2), o que implicava necessariamente a aprovação na votação final global por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções (artigo 168.º, n.º 5). A não observância desta formalidade fundamentou o juízo de inconstitucionalidade constante do mencionado Acórdão, o qual, tendo sido repetido em julgamentos ulteriores, deu azo ao Acórdão 801/2014, que declarou a inconstitucionalidade, força obrigatória geral, das normas mencionadas.
Na sequência desta decisão, e a fim de sanar a inconstitucionalidade, foi publicada a Lei Orgânica 5/2015, que atribui ao Tribunal Constitucional a competência para apreciar e fiscalizar as contas dos grupos parlamentares [eliminando, pois, o n.º 8 do artigo 5.º da Lei 19/2003 e procedendo à sexta alteração à Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro)]. Porém, conforme decorre do respetivo artigo 3.º, «para efeitos da entrega das contas no Tribunal Constitucional com vista à sua apreciação e fiscalização a presente lei aplica-se ao exercício económico de 2014 e seguintes». Como tal, e por força da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão 801/2014, o Tribunal Constitucional carece de competência para a apreciação e fiscalização das contas dos grupos parlamentares relativas ao exercício de 2012 (ou a fiscalização das "subvenções auferidas diretamente ou por intermédio dos grupos parlamentares ou de deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas regionais").
7.3 - Argumentar-se-á, porém, que, tendo sido a declaração de inconstitucionalidade proferida apenas em 2014, as normas constantes dos artigos 5.º, n.º 8, e 12.º, n.º 8 e 9, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhes foi conferida pela Lei 55/2010, se encontravam plenamente vigentes durante o ano de 2012, a que reportam as contas dos partidos políticos aqui analisadas. A perda de eficácia de tais normas corresponde ao efeito retroativo da declaração de inconstitucionalidade, que só posteriormente ao momento da apresentação de contas foi emitida, não sendo exigível aos partidos que antecipadamente a levassem em conta. Aliás, as normas de organização contabilística dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, na nova redação que lhe foi dada pela Lei 55/2010, que não foram abrangidas pela declaração de inconstitucionalidade, preveem a inclusão, nas contas dos partidos políticos, de contas relativas às subvenções aos grupos parlamentares.
Deste modo, à conclusão segundo a qual, na altura de apresentação das contas ora em julgamento, não existe qualquer norma atributiva de competência ao Tribunal Constitucional em matéria de controlo das contas dos grupos parlamentares, sempre se poderia opor a subsistência do disposto nos referidos preceitos.
Face à subsistência formal dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, poder-se-ia, na verdade, sustentar que as contas apresentadas pelos partidos mencionados (BE, CDS-PP, PCP, PEV, MPT, PAN, PPM, PPD/PSD e PS), mais não refletiram que a nova cominação legal. Como adiante se verá (ponto 9.), vai neste sentido a resposta dada por estes partidos ao relatório de auditoria.
Todavia, e quanto a este ponto, deve, antes de mais, recordar-se que o Tribunal, em jurisprudência constante, sempre sublinhou que entre as contas dos grupos parlamentares e as contas dos partidos políticos subsistem diferenças de natureza que não podem ser desconsideradas (vejam-se, entre outros, os Acórdãos n.os 376/2005, 26/2009, 515/2009, 498/2010, 394/2011 e 314/2014).
Ainda em período anterior à entrada em vigor da nova redação dada ao artigo 12.º pela Lei 55/2010, o Tribunal manteve este entendimento face à interpretação então defendida pelos partidos, que pretendiam aplicar, já ao momento, a "unidade de contas" por aquela nova redação propugnada. Com fundamento nele, considerou-se - ver os Acórdãos n.os 314/2014 (ponto 8.) ou 711/2013 (ponto 8.3.) - que o disposto nos números 9 e 10 do artigo 12.º da Lei 19/2003, quanto "à fiscalização das subvenções auferidas diretamente ou por intermédio dos grupos parlamentares e do deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas regionais, nada traz de novo, [na medida em que se limitam a remeter] para a norma adjetiva constante do n.º 8 do artigo 5.º [...]".
É certo que, entre esta jurisprudência e o momento presente ocorre uma diferença fundamental: as contas ora em julgamento foram apresentadas já depois da entrada em vigor da nova redação do artigo 12.º introduzida pela Lei 55/2010, no contexto da qual se mantém - porque não abrangida pela declaração de inconstitucionalidade que afetou a norma atributiva de competência ao Tribunal Constitucional - a disposição "substantiva" relativa ao regime contabilístico e que consta dos atuais n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003. Passa, pois, a estar em causa uma solução normativa diretamente decorrente da nova redação de preceitos já entrados em vigor, numa interpretação puramente enunciativa, e não, como acontecia anteriormente, o eventual resultado de uma certa interpretação atualista das normas da Lei 19/2003, na sua anterior redação.
No entanto, para que se considere procedente este argumento, ao ponto de ver nele justificação suficiente para a prática seguida pelos partidos mencionados e que incluíram, nas contas anuais, as contas dos seus grupos parlamentares ou as subvenções a estes pagas, necessário é que se considere que os referidos n.os 8 e 9 do artigo 12.º têm implícita uma norma [indiretamente] atributiva de competências ao Tribunal para o controlo das subvenções auferidas pelos seus grupos parlamentares ou às receitas e despesas em geral desses mesmos grupos.
Ora, pelo contrário, a falta de competência do Tribunal Constitucional para tal controlo relativo às contas dos grupos parlamentares não pode deixar de refletir-se em normas de mera organização contabilística, como é o caso dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003. Estas terão, naturalmente, que respeitar e ajustar-se ao que, noutra sede, vigora quanto à competência fiscalizadora, e não o inverso, pelo que não pode aceitar-se que, dessas normas, promane a atribuição indireta de competência.
Assim, no que se refere à apresentação de 2012, o Tribunal apenas é competente para o controlo da regularidade das contas anuais dos partidos políticos. No respeitante às contas dos Grupos Parlamentares, e na sequência do Acórdão 801/2014, por força do qual se repristina a situação anterior à declaração de inconstitucionalidade, mantém-se, para o ano de 2012, o regime vigente antes da entrada em vigor da Lei 55/2010 (artigo 282.º, n.º 1, da CRP).
Uma vez que o que vem de dizer-se tem repercussões restritas ao juízo relativo à regularidade das contas [na medida em que os partidos tenham incluído subvenções e/ou despesas dos grupos parlamentares nas suas contas anuais], outro poderá vir a ser o julgamento a realizar, em momento oportuno, em matéria de responsabilidade contraordenacional. Efetivamente, não está em causa, nesta sede, uma avaliação sobre o comportamento dos partidos políticos no processo de elaboração e prestação de contas, nem a sua eventual justificação, mas meramente um juízo objetivo sobre a regularidade daquelas.».
Como avulta da parte final do segmento transcrito, o reconhecimento das dificuldades que o problema suscitava não pode deixar de ter reflexos na apreciação do conhecimento e volição que animou os arguidos na organização e apresentação das contas, em 31 de maio de 2013. A que acresce, no mesmo sentido, a edição do Regulamento 16/2013, de 10 de janeiro, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos referente à normalização de procedimentos relativos a contas de partidos políticos e de campanhas eleitorais, em vigor no momento da apresentação das contas partidárias de 2012, onde se diz, na secção II, ponto 5, que as contas do grupo parlamentar «podem» ser anexas às contas nacionais do respetivo partido político.
D. Apreciação do mérito do recurso
9 - A Lei Orgânica 1/2018 veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.
Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.
Sobre este novo regime foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020, para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa se prende com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que até abril de 2018 pertencia ao Tribunal Constitucional, passando no novo quadro legal a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), e 24.º, n.º 1, da LEC e da LFP, respetivamente).
Assim, nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional, em formação plenária, apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (cf. artigo 23.º, n.º 1, da LEC e artigos 9.º, alínea e), e 103.º-A, ambos da LTC).
10 - Sem prejuízo do que antecede, e tendo em conta a impugnação oportunamente deduzida, importa apreciar as seguintes questões:
a) Nulidade da decisão administrativa recorrida (cf. conclusões F. a EE. e FF. a HHH.);
b) Falta do elemento subjetivo do tipo (cf. conclusões FF. a HHH.);
c) Subsunção dos factos dados como provados aos ilícitos imputados (cf. conclusões III. a FFFF.).
11 - Importa começar por apreciar a questão da nulidade da decisão administrativa, invocada pelos arguidos.
Os recorrentes fazem assentar tal nulidade em diversas ordens de razões.
Em primeiro lugar, sustentam que, embora a decisão recorrida refira que «foram registados valores de regularização incerta, considerando a incerteza quanto à regularização destes valores», não resulta do artigo 12.º da LFP qual o fundamento da tal incerteza, dela não se extraindo qual ou quais as incertezas que estão em causa. Acrescentam ainda que tal comprova a inexistência de determinabilidade do tipo legal, uma vez que é ininteligível qual ou quais os normativos violados, o que afeta o princípio da legalidade. Concluem, por isso, que na «decisão que deu origem aos presentes autos de contraordenação, nem agora através da acusação aqui sob recurso, é feita prova da alegada infração», pelo que «a acusação agora notificada aos ora arguidos é nula» (cf. as conclusões F. a L.).
Em segundo lugar, consideram os recorrentes que «os factos que sustentam a presente condenação em relação a todas as infrações são insuficientes ou inadequados para concluir pela existência de qualquer infração contraordenacional», uma vez que, na sua perspetiva, tal decisão se encontra viciada «pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator dos arguidos», razão pela qual concluem também pela nulidade da «acusação aos arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41.º n.º 1, do DL 433/82 e alínea b) n.º 3 artigo 283.º do CPP» (cf. as conclusões M. a R.). Por outro lado, depois de tecerem diversas considerações sobre a falta, na decisão recorrida, do relato dos factos que possam integrar o dolo ou a negligência dos arguidos, sustentam que tal decisão é manifestamente infundada, por ausência de descrição bastante de factos relevantes para a incriminação e que, ao não enunciar os referidos factos, a decisão ora impugnada é nula, de acordo com o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, al, b), do Decreto-Lei 433/83, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações, doravante, referido como «RGCO»), 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1. al. a), do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do referido RGCO (cf. conclusões FF. a HHH.).
Finalmente, consideram os recorrentes que a decisão ora impugnada padece de erro na interpretação do artigo 12.º da LFP, uma vez que de tal preceito não se retira qual a incerteza (ou falta dela) na regularização das contas, o que, para além de implicar a inexistência da infração referida no ponto 5. dos factos provados, faz com que a matéria de facto invocada na decisão recorrida, nas infrações imputadas aos arguidos, não tenha um mínimo acolhimento na lei sancionatória invocada, razão pela qual entendem que a decisão condenatória é nula por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, previstos nos artigos 29.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c), ambos da Constituição (cf. conclusões S. a EE.).
11.1 - Conforme decorre das razões em que fazem assentar a invocada nulidade da decisão recorrida, os recorrentes consideram que o artigo 12.º da LFP, pela sua indeterminabilidade, viola os princípios da legalidade e da tipicidade, pelo que importa, antes de mais, apreciar esta questão.
Recorde-se que, nos termos do artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP, os partidos políticos (e os seus dirigentes que pessoalmente participem nas infrações) que não cumprirem as obrigações impostas no Capítulo II de tal diploma são punidos com coima, contendo-se no capítulo em causa as normas aplicáveis em matéria de financiamento dos partidos políticos. Consequentemente, é por referência aos preceitos desse Capítulo que se materializa o elemento objetivo das contraordenações em causa. Segundo o artigo 12.º, n.º 1, da LFP, «os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo a que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei». O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos obedece ainda a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza dos partidos políticos e pela adstrição das suas contas ao controlo público da respetiva situação financeira e patrimonial e à verificação do cumprimento dos seus deveres legais (que se encontram elencados de forma precisa nas diversas alíneas do n.º 3 do artigo 12.º), bem como outros deveres especificados nos demais números do mesmo preceito legal.
O Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de se pronunciar variadíssimas vezes sobre a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional, tendo reiteradamente considerado que «a Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29.º da Constituição se aplica imediatamente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165.º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo parlamentar que atribui aos crimes» (cf. o Acórdão 41/2004).
Mais recentemente, no Acórdão 231/2020, este Tribunal, a respeito das exigências constitucionais decorrentes dos aludidos princípios em matéria contraordenacional, afirmou o seguinte:
«Deve, portanto, concluir-se que as exigências do enquadramento constitucional relativamente à técnica legislativa a ser adotada no Direito Contraordenacional não correspondem necessariamente ao paradigma mais exigente da tipicidade no Direito Criminal.
É certo que a vinculação da atividade da Administração ao princípio da legalidade pressupõe a tipicidade dos seus comportamentos. Todavia, a exigência da determinabilidade na definição dos deveres impostos aos administrados que podem ser sancionados administrativamente não impede o recurso a conceitos indeterminados.
[...]
Daqui resulta que os tipos contraordenacionais podem revestir maior maleabilidade, desde que acautelem a determinabilidade objetiva das condutas proibidas. Certo é que não se encontra afastada a possibilidade de recurso a conceitos indeterminados, desde que a sua utilização não obste à determinabilidade objetiva da conduta proibida. Tão pouco fica impedido o recurso a normas em branco, desde que remetam para critérios fixados pela própria Administração com vista à realização das finalidades visadas.»
No caso dos autos, o tipo contraordenacional em causa resulta da interpretação conjugada das normas do artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP com as normas do Capítulo II do mesmo diploma, onde se integra o artigo 12.º, ao qual os recorrentes reportam o problema colocado. Ora, através de tal interpretação conjugada, a descrição dos comportamentos sancionados como contraordenação - e a respetiva sanção - resultam objetivamente determináveis para os destinatários, não podendo considerar-se violado o disposto nos artigos 29.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição. Nesse sentido, este Tribunal afirmou o seguinte no Acórdão 301/2011:
«Como se afirmou no Acórdão 198/2010, "Aquela [Lei 19/2003] é, fundamentalmente, uma atualização corretiva desta última [Lei 56/98]. Por isso, a quase totalidade das orientações anteriores que este Tribunal adotou nesta matéria mantêm, na íntegra, a sua atualidade. Assim, como já se assinalava no Acórdão 455/2006, relativo às contas de 2003 e estando ainda em vigor a Lei 56/98, quando esta «sucessivamente, no seu artigo 14.º, pune com coima e qualifica como contraordenação o incumprimento das obrigações impostas aos partidos na matéria em causa, claro é que tal contraordenação tanto pode resultar da infração do dito dever genérico, como da de qualquer dos deveres específicos que as suas normas impõem. Só que enquanto neste segundo caso estamos perante uma determinação precisa do tipo contraordenacional, de tal maneira que ele só é preenchido exatamente por um comportamento desconforme à conduta imposta, já no primeiro se depara com um tipo bastante mais aberto, cujo preenchimento é suscetível de se operar através de condutas múltiplas e diversas, ou de também diversificadas conjugações dessas condutas; ponto é que elas tenham a ver com o desrespeito de regras ou exigências decorrentes da própria lógica técnica da organização contabilística, de tal modo que a sua verificação ponha em causa, em maior ou menor medida, a fiabilidade da contabilidade partidária, ou seja, a possibilidade [...] de através dela se conhecer, de forma rigorosa, a situação financeira e patrimonial do partido e o cumprimento de certas suas obrigações legais na matéria [...]». Como então se acrescentou, «esta distinta natureza das normas que suportam a definição do comportamento contraordenacional divide as infrações identificadas pelo Ministério Público em dois grupos: o formado pelas violações de determinações concretas da lei [...] e aquele em que a inobservância se reporta a um dever genérico respeitante à organização contabilística [...]». Mas, como logo também se afirmou, estando embora em causa, «nesta segunda situação, aquilo que o Tribunal define no Acórdão 288/2005 como «um tipo bastante mais aberto», não deixa este de conter «[...] a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos [dos quais depende que] uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos [...]» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral, tomo I, Coimbra, 2004, pp. 173/174)".»
Conforme resulta da citada jurisprudência, as apontadas normas tipificadoras não se revestem de ambiguidade, imprecisão ou vagueza na descrição dos comportamentos cuja violação constitui ilícito contraordenacional. Concretamente, no que respeita à factualidade descrita no ponto 5. dos factos provados, a respeito da qual os recorrentes colocam especialmente o problema ora em análise, não se verifica a apontada indeterminabilidade dos comportamentos puníveis, designadamente no que respeita à incerteza (ou falta dela) da regularização dos valores em causa, estando em causa, nos termos expostos, o incumprimento do referido dever genérico de possuir contabilidade organizada (v. ainda, a este respeito, o ponto 15, infra).
Resta, portanto, concluir que as normas em apreço não violam o princípio da tipicidade ou da legalidade, improcedendo o alegado pelos recorrentes no que respeita às invocadas nulidade e inconstitucionalidade com base em tal fundamento.
11.2 - Os arguidos invocam ainda a nulidade da decisão recorrida, sustentando que tal decisão se encontra viciada pela ausência de factos que consubstanciem a imputação objetiva e subjetiva da infração pela qual foram condenados, designadamente no que respeita à descrição dos factos correspondentes aos elementos típicos da infração, conforme exigido pelo artigo 58.º do RGCO.
Este preceito prevê os elementos que a decisão de aplicação da coima deve conter, merecendo especial relevância, tendo em atenção o presente caso, o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1, onde se incluem a identificação dos factos imputados e a fundamentação da decisão. Aquela decisão deve, assim, observar um conjunto de requisitos, tendo uma estrutura semelhante a uma sentença criminal, ainda que simplificada. Desde logo, tal decisão deve conter a fundamentação da decisão tomada, quer no plano factual, quer no plano do direito.
Conforme referido, os recorrentes fazem assentar a nulidade ora em apreciação, por um lado, numa alegada insuficiência de factos para concluir pela existência de qualquer infração contraordenacional, considerando que a decisão recorrida se encontra viciada «pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator dos arguidos»; por outro lado, entendem ainda que tal decisão é manifestamente infundada, por ausência de descrição bastante de factos relevantes para preenchimento do tipo.
Liminarmente, cumpre salientar que o plano dos vícios intrínsecos de um determinado ato processual - neste caso da decisão administrativa sancionatória - não se confunde com o plano do respetivo mérito, designadamente no que respeita à correção de determinada operação de subsunção jurídica de um conjunto de factos à norma tipificadora de uma infração criminal ou contraordenacional. A eventual invalidade da decisão administrativa ora impugnada coloca-se no primeiro dos planos enunciados, verificando-se quando esta não contenha factos que permitam sequer efetuar ou sindicar o juízo subsuntivo. Assim, a decisão de aplicação de uma coima, tendo de conter os elementos referidos no artigo 58.º do RGCO, estará suficientemente fundamentada desde que, em face da mesma, se mostrem justificadas as razões pelas quais é aplicada determinada sanção ao arguido, de modo que este, tomando conhecimento da decisão, possa compreender, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais é condenado e, consequentemente, esteja em condições de impugnar tais fundamentos.
No caso dos autos, é manifesto que não assiste razão aos recorrentes quanto defendem que a decisão ora impugnada não contém os factos suficientes para decidir sobre a imputação da infração contraordenacional objeto dos presentes autos. Com efeito, conforme resulta da leitura de tal decisão, é manifesto que da mesma consta a descrição da matéria factual suficiente para julgar a causa. Na verdade, foram na mesma dados como provados factos atinentes ao tipo objetivo (cf. os pontos 4. a 10. dos factos provados) e ao tipo subjetivo do ilícito imputado (cf. os pontos 11. e 12.), bem como factos relevantes para a graduação da medida das coimas a aplicar (cf. os pontos 13. e 14.). Por outro lado, é também manifesto que tal decisão se encontra fundamentada, quer no que respeita às razões pelas quais se consideraram provados os aludidos factos, quer no que respeita à subsunção dos mesmos às normas jurídicas tidas por relevantes. A decisão recorrida contém, por isso, todos os elementos exigidos no artigo 58.º, n.º 1, do RGCO, designadamente os elementos a que se referem as alíneas b) e c) deste preceito.
Questão diferente, a apreciar oportunamente - e que respeita ao mérito da causa -, é a de saber se a factualidade dada como provada é subsumível ao tipo contraordenacional imputado aos arguidos, permitindo concluir que estes praticaram a contraordenação ora em análise.
Em face do exposto, improcedem as arguidas nulidades.
12 - Uma segunda questão colocada pelos recorrentes respeita à alegada falta do elemento subjetivo do tipo de ilícito imputado. Segundo os recorrentes, atenta a circunstância de a decisão impugnada não fazer uma descrição suficiente dos factos que consubstanciam a imputação da contraordenação em causa, no que respeita ao elemento subjetivo das infrações e não estando demonstrada a imputação destas a título de dolo (eventual), a condenação não pode subsistir.
Do que vem de ser dito (cf. o ponto 11.2., supra), é de concluir que improcede desde logo a argumentação dos recorrentes na parte em que invocam a ausência de factos concretizadores da imputação subjetiva das infrações em causa, para fundamentar a nulidade da decisão recorrida.
Com efeito, conforme se referiu, os factos relativos tipo subjetivo de ilícito - com base nos quais a decisão recorrida concluiu pela imputação aos arguidos da contraordenação prevista nos n.os 1 e 2 do artigo 29.º da LFP - encontram-se descritos nos pontos 11. e 12. dos factos provados. Conforme resulta de tal decisão, foi a partir de tal matéria fáctica dada como provada - com base nas provas indicadas na motivação da decisão - que se concluiu pela imputação dos factos aos arguidos a título de dolo eventual, não existindo qualquer fundamento para afastar as razões em que, a esse respeito, assentou tal decisão.
Acresce, por outro lado, que as questões colocadas pelos recorrentes a propósito da imputação dos factos a título de dolo ao Partido ou aos seus representantes (cf., em particular, as conclusões PP. a WW.) já foram também objeto de apreciação por este Tribunal em casos semelhantes. A este respeito, o Tribunal entendeu no Acórdão 711/2013 o seguinte:
«8.4 - Nos presentes autos está igualmente em causa a responsabilidade contraordenacional dos dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na infração, uma vez que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003, também eles respondem contraordenacionalmente pela mesma. A este propósito, o Tribunal já afirmou (Acórdão 198/2010) que os dirigentes partidários responsabilizáveis são aquelas pessoas que exerceram, no período em causa, "funções de direção no Partido, individualmente ou enquanto membros de um órgão colegial, neles se incluindo os dirigentes das estruturas descentralizadas ou autónomas", sendo que "uma vez que se trata de matéria atinente à organização interna dos partidos, só por via dos respetivos estatutos é que se pode apurar quem são as pessoas com funções de direção". Por outro lado, acrescentou-se ainda, "importa considerar que só pode ser imputada responsabilidade contraordenacional aos dirigentes «que tenham participado pessoalmente» nas infrações verificadas relativamente às contas dos partidos. Assim, tal responsabilidade fica limitada aos dirigentes com responsabilidades no âmbito da elaboração, fiscalização e aprovação das contas do partidos, pois só esses podem ter tido participação pessoal no incumprimento das obrigações impostas aos partidos em matéria de financiamento e organização contabilística, devendo, também aqui, recorrer-se aos estatutos de cada Partido para verificar a quem foram atribuídas competências nesse domínio". Com efeito, sobre estes dirigentes recai o dever de garantir o cumprimento das obrigações impostas aos partidos em matéria de financiamento e organização contabilística. Trata-se de um dever de garante, pelo que, como tal, compete a tais dirigentes, no exercício dos seus poderes, desenvolver, no interior das estruturas partidárias, fórmulas procedimentais e mecanismos de responsabilização interna, de modo a tornar mais difíceis as condições que comprometam o cumprimento das obrigações que oneram os partidos. Deste modo, os dirigentes em causa são contraordenacionalmente responsáveis, nos termos previstos na Lei 19/2003, não apenas nas hipóteses em que, por ações suas, tiverem originado diretamente o resultado antijurídico, mas, também, quando tiverem contribuído, por omissão, causal ou cocausal, para a produção de tal resultado."
Nesta matéria, porém, como se afirmou no Acórdão 301/11, "a própria lei estabelece um mecanismo de identificação dos responsáveis partidários, primariamente dependente de indicação, pelos próprios partidos, dos indivíduos a quem tenha sido deferida a responsabilidade última pela fidedignidade das contas partidárias. Ou seja, aqueles a quem se imponha, em especial, o dever de garante acima referido. [...] Quanto às contas anuais, o n.º 1 do referido artigo 18.º da Lei Orgânica 2/2005 estatui que "anualmente, os partidos políticos apresentam ao Tribunal Constitucional [...] as respetivas contas, devendo, no ano anterior, comunicar à Entidade o seu responsável, quer seja pessoa singular ou órgão interno do partido" [...]. Ou seja, todos os anos, os partidos têm o dever de comunicar à ECFP quem são os responsáveis pela elaboração e entrega das contas. Em suma, os partidos devem, no quadro das competências estabelecidas pelos respetivos estatutos, identificar quem, em relação às contas anuais, assuma a responsabilidade que é conferida, no caso das campanhas eleitorais, com as necessárias adaptações, aos mandatários financeiros. Na ausência de indicação, impõe-se apurar, perante os estatutos partidários, qual ou quais sejam os órgãos ou dirigentes sujeitos, em especial, ao cumprimento do aludido dever de garante.
8.5 - Por último, em maior ou menor medida, é contestado que, subjetivamente, os factos possam ser imputados a título de dolo e/ou que houvesse consciência da ilicitude dos mesmos [...]. Frequentemente, porém, essa conclusão assenta num deficiente entendimento do exato significado do conceito de dolo em matéria de responsabilidade contraordenacional ou, então, atribui à falta de consciência da ilicitude do facto consequências que ela não tem. De facto, sendo isento de dúvida que as infrações contraordenacionais às regras sobre o financiamento dos partidos e apresentação das respetivas contas são estruturalmente dolosas, é, por outro lado, igualmente seguro que a responsabilidade contraordenacional é compatível com qualquer forma de dolo - direto, necessário ou eventual. E duas conclusões se impõem: a de que, em geral, mas também no que se refere às contraordenações ora em causa, o dolo não pressupõe ou implica qualquer "intenção" especial, como, aliás, o Tribunal já teve ocasião de afirmar por mais do que uma vez (por exemplo, no Acórdão 474/09) e a de que a falta de consciência da ilicitude do facto, quando censurável, apenas pode conduzir a uma atenuação especial da coima (artigo 9.º, n.º 1, do RGCO).»
Estas considerações são transponíveis para o caso em apreço. Com efeito, tendo o PS, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 18.º da LEC, informado o Tribunal Constitucional, através de comunicação efetuada à ECFP, que a sua responsável financeira era Rosa Maria Lopes de Freiras, ora recorrente, e também responsável pela elaboração e apresentação das contas anuais do Partido respeitantes a 2012, recaía sobre esta, nos termos expostos, um dever de garante, no sentido de evitar ilegalidades ou irregularidades nas contas apresentadas. Cabia-lhe, por isso, adotar as adequadas providências no sentido de evitar a ocorrência de tais vícios.
Assim, ao não terem ser sido adotadas, quer pelo Partido, quer pela sua Responsável Financeira, as providências e os procedimentos adequados a impedir a verificação das ilegalidades e irregularidades detetadas nas contas relativas ao ano de 2012, tais infrações, punidas nos termos do artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP, são imputáveis ao PS e à indicada Responsável Financeira a título de dolo, uma vez que esta, não podendo deixar de conhecer as exigências legais a que obedece a apresentação de tais contas, não as apresentou em conformidade com tais exigências.
Em face do exposto, improcedem os fundamentos com base nos quais os recorrentes sustentam quer a falta de prova do elemento subjetivo da contraordenação pela qual foram condenados, quer a nulidade da decisão recorrida.
13 - Cumpre agora analisar, de forma mais circunstanciada, cada uma das infrações imputadas aos recorrentes, designadamente no que respeita ao preenchimento do tipo objetivo, tendo em atenção o disposto no artigo 12.º da LFP.
14 - Provou-se que o arguido PS incluiu, nas contas anuais de 2012, na Federação da Madeira, despesas relativas a atividades de benemerência (cf. o ponto 4.1. dos factos provados) e, na Federação de Braga, despesas não validadas como sendo afetas direta ou indiretamente a ações de propaganda partidária (cf. o ponto 4.2., ibidem).
Considerou a decisão recorrida que a apresentação de despesas relativas a atividades de benemerência constitui uma violação do princípio da especialidade, uma vez que tais despesas não correspondem a gastos inerentes à atividade partidária. Por outro lado, teve-se em conta que foram ainda apresentadas outras despesas em relação às quais não foi possível validar se estavam ou não afetas, direta ou indiretamente, a ações de propaganda partidária. Concluiu-se, por isso, pela violação do artigo 12.º LFP e pelo preenchimento do tipo objetivo da contraordenação em apreço, por força do artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Os recorrentes salientam que a ECFP apenas refere a existência de ações de valor superior ao salário mínimo nacional, que não estão incluídas no mapa de ações e meios, pelo que não está em causa a natureza e a descrição da despesa, sendo as mesmas referidas no próprio relatório. Mais referem que o PS tem procurado, ao longo dos tempos, melhorar os seus procedimentos de controlo interno e de reporte, de forma a garantir que todas as ações e meios realizados constem dos documentos de prestações de contas e que, apesar do esforço efetuado pela Sede Nacional do Partido, no sentido das estruturas descentralizadas confirmarem os valores relevados nos documentos de prestações de contas, ou a ausência de gastos, houve ainda algumas falhas no reporte desses documentos, as quais, no entanto, foram na grande maioria de índole meramente formal, não levantando qualquer questão de materialidade sobre a veracidade das demonstrações financeiras apresentadas. Esclareceram ainda que, relativamente à despesa não identificada no mapa de ações e meios da Federação da Madeira, referente a artigos alimentícios e de higiene para cabazes (que são brindes) oferecidos às populações desfavorecidas da Freguesia de Água de Pena, a mesma enquadra-se no artigo 12.º, n.º 3, alínea c), subalínea ii), respeitante a despesas com aquisição de bens e serviços. Segundo os recorrentes, tal atividade foi desenvolvida no âmbito da ação política contra a pobreza e teve sobretudo o propósito de exemplificar as carências existentes em determinadas zonas da Madeira, devendo ser entendida como uma ação de propaganda política e de materialização exemplar das intenções de um futuro Governo Regional formado pelo PS, através da visita e contacto com os cidadãos mais desfavorecidos, pelo que se trata de uma ação diretamente afeta à atividade própria do partido.
Concluem, por isso, que não se verifica qualquer violação do artigo 12.º da LFP, devendo tal infração ser devidamente arquivada, sem mais diligências adicionais.
14.1 - No que respeita às despesas respeitantes à Federação da Madeira, os recorrentes confirmam que foram efetuadas despesas com a aquisição de "artigos alimentícios e de higiene para cabazes oferecidos às populações desfavorecidas da Freguesia de Água de Pena". Contudo, consideram que tais despesas, sendo respeitantes à aquisição de bens e serviços, foram realizadas no âmbito de uma ação diretamente afeta à atividade própria do partido.
O artigo 51.º, n.º 1, da Constituição consagra «o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos e de através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político». Em concretização deste preceito, o artigo 1.º da Lei Orgânica 2/2003, de 22 de Agosto (Lei dos Partidos Políticos ou «LPP»), estabelece que «[o]s partidos políticos concorrem para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política». Por sua vez, o artigo 2.º desta mesma Lei, no que respeita aos fins dos partidos políticos, estabelece o seguinte:
«São fins dos partidos políticos:
a) Contribuir para o esclarecimento plural e para o exercício das liberdades e direitos políticos dos cidadãos;
b) Estudar e debater os problemas da vida política, económica, social e cultural, a nível nacional e internacional;
c) Apresentar programas políticos e preparar programas eleitorais de governo e de administração;
d) Apresentar candidaturas para os órgãos eletivos de representação democrática;
e) Fazer a crítica, designadamente de oposição, à atividade dos órgãos do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias locais e das organizações internacionais de que Portugal seja parte;
f) Participar no esclarecimento das questões submetidas a referendo nacional, regional ou local;
g) Promover a formação e a preparação política de cidadãos para uma participação direta e ativa na vida pública democrática;
h) Em geral, contribuir para a promoção dos direitos e liberdades fundamentais e o desenvolvimento das instituições democráticas.»
A LFP, ao regular, em cumprimento do disposto no n.º 6 do artigo 51.º da Constituição, o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, não poderia prever a possibilidade de tais recursos financeiros serem afetos a qualquer atividade não compreendida nas funções e fins dos partidos. Por isso, qualquer atividade exercida que não se prenda com as finalidades constitucionais e legais dos partidos viola desde logo o princípio da especialidade, razão pela qual a ECFP, no âmbito das suas competências, deverá verificar se as despesas efetuadas pelo Partido correspondem a gastos inerentes à sua atividade.
Assim, a LFP, ao especificar, no artigo 12.º, n.º 3, alínea c), a obrigação de discriminar as despesas, refere expressamente na subalínea vi) as despesas com a atividade própria dos partidos. Deste modo, qualquer atividade exercida que não se prenda com as finalidades constitucionais e legais dos partidos viola, desde logo, o princípio da especialidade, razão pela qual a ECFP, no âmbito das suas competências, deverá verificar se as despesas efetuadas pelos partidos correspondem a gastos inerentes à sua atividade.
Ora, as atividades de benemerência, designadamente as efetuadas através do fornecimento de bens em espécie a pessoas singulares (neste caso, de artigos alimentícios e de higiene a populações desfavorecidas), ainda que, como referem os recorrentes, tenham sido integradas no contexto de uma ação de propaganda política, extravasam a atividade partidária, não podendo as despesas respeitantes à aquisição de tais bens ser consideradas despesas inerentes a tal atividade. Daí que tais despesas não possam ser enquadradas como «despesas com aquisição de bens e serviços» (cf. a subalínea ii) da alínea c) do n.º artigo 12.º da LFP) ou como «outras despesas com a atividade própria do partido» [cf. a subalínea vi), ibidem]. Com efeito, a entrega de cabazes com artigos alimentícios e de higiene - que não se confundem com «brindes» ou ofertas de material partidário de baixo valor - poderá considerar-se como uma forma de influência dos eleitores, através de uma atividade de benemerência, que extravasa a corrente atividade partidária, não podendo por isso ser financiada através dos recursos atribuídos aos partidos para o exercício da sua atividade.
Nestes termos, uma vez que a despesa em questão extravasa o âmbito próprio e específico da atuação do PS enquanto partido político, é de concluir que, com a sua inclusão nas contas apresentadas, ocorreu uma violação do artigo 12.º da LFP, estando também preenchido o elemento objetivo da contraordenação em apreço, por força do artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma, conforme se entendeu na decisão recorrida.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso apresentado.
14.2 - No que respeita às despesas relativas à Federação de Braga, as quais não foram validadas como sendo afetas, direta ou indiretamente, a ações de propaganda partidária, concluiu-se igualmente pela violação do mesmo artigo 12.º e pelo preenchimento do elemento objetivo da contraordenação em apreço.
Os recorrentes limitam-se a referir que não está em causa a natureza e a descrição das despesas, sendo as mesmas referidas no próprio relatório, dando conta ainda de que, não obstante os esforços realizados pelo PS no sentido das estruturas descentralizadas confirmarem os valores relevados nos documentos de prestações de contas, houve ainda algumas falhas no reporte desses documentos, as quais, no entanto, foram na grande maioria de índole meramente formal, não levantando qualquer questão de materialidade sobre a veracidade das demonstrações financeiras apresentadas. Tal posição, no entanto, em nada infirma a conclusão a que se chegou na decisão recorrida e que assenta apenas na circunstância de, relativamente a determinadas despesas, não ter sido possível validar se estavam ou não afetas, direta ou indiretamente, a ações de propaganda partidária.
Ora, não tido sido prestado pelo PS qualquer esclarecimento que permita enquadrar, direta ou indiretamente, o tipo de despesas efetuadas em ações de propaganda partidária, é de manter, nesta parte, o decidido, concluindo-se pela violação do dever de organização contabilística previsto no artigo 12.º da LFP e pela prática da contraordenação imputada aos recorrentes.
15 - Apurou-se ainda que, nas contas apresentadas pelo PS, foram registados diversos valores de regularização incerta (cf. o ponto 5. dos factos provados).
Na decisão recorrida, considerando a incerteza quanto à regularização destes valores, concluiu-se pela violação do artigo 12.º, n.º 1, da LFP e pelo consequente preenchimento do elemento objetivo da contraordenação em apreço, atento o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Os recorrentes, na sua impugnação, para além de invocarem a indeterminação do conceito de incerteza (cf. o ponto 11.1., supra), reiteram que as contas correntes refletem devidamente todas as receitas e despesas, não sendo relevante o valor relativo a exercícios anteriores, concluindo pelo arquivamento da presente infração, não havendo lugar à aplicação de sanção aos arguidos (cf. conclusões OOO. a QQQ.).
15.1 - Conforme resulta dos factos provados (cf. o ponto 5.1.), nas contas apresentadas foi registado em «Outras Contas a Receber - Transferência de fundos» um saldo de (euro) 4.603,00, respeitante a duas situações: a) transferências efetuadas pela Sede no final de 2012 para as Federações de Santarém e Coimbra, nos montantes de (euro) 97,00 e (euro) 835,00, que aguardam regularização; b) saldos provenientes de anos anteriores: (i) Federação de Benelux, que regista um saldo de (euro) 3.593,00 desde julho de 2009; (ii) Federação de França, com um saldo de (euro) 78,00 desde 2008.
Relativamente a estes valores, os recorrentes, para além da afirmação genérica de que as contas correntes refletem devidamente todas as receitas e despesas, não sendo relevante o valor relativo a exercícios anteriores (cf. conclusão OOO.) e embora refiram nas conclusões que remetem para as explicações constantes dos artigos 85.º a 96.º das alegações (cf. conclusão PPP.), nada alegam aí de concreto a este respeito que permita afastar, nesta parte, a decisão impugnada.
Com efeito, no que respeita às transferências efetuadas pela Sede no final de 2012 para as Federações de Santarém e Coimbra, os recorrentes nada dizem no que respeita à regularização de tais valores. Relativamente aos saldos provenientes de anos anteriores, referiu-se no Acórdão 420/2016 (ponto 10.16.) que parece duvidosa a recuperação destes montantes, pelo que se justificaria, pelo menos, o reconhecimento da imparidade. Ora, a este respeito, os recorrentes também nada dizem que justifique que tais montantes não tenham sido reconhecidos como imparidades.
É de manter, por isso, também nesta parte a decisão impugnada, atenta a confirmação da incerteza quanto à regularização dos valores em causa.
15.2 - Por outro lado, as Demonstrações Financeiras das contas apresentadas relativas ao ano de 2012 incluem os seguintes saldos sem movimento durante o ano e sem demonstração de razão para a sua subsistência: um saldo a receber no montante de (euro) 44.014,00, registado na rubrica de «Outras Contas a receber - Responsáveis financeiros», e um saldo a pagar, no montante de (euro) 429.565,00, registado na rubrica de «Outras Contas a pagar - Responsáveis Financeiros» (cf. o ponto 5.2. dos factos provados).
Na impugnação apresentada os recorrentes sustentam, a este respeito, que para o Partido o saldo a pagar nos Responsáveis Financeiros se trata apenas de adiantamentos de pagamento de despesas de pequeno montante, relativas a encargos locais de funcionamento, e que tais montantes ou ficam como adiantamentos a regularizar, ou são transformados em «Contribuição de Militante», por declaração comprovativa emitida pelo Responsável Financeiro. Sustentam ainda que, de acordo com o Manual de Procedimentos para a prestação das contas pelas Federações/Secções, é da competência e da responsabilidade do Técnico Oficial de Contas da Federação, contratado pelo Partido para o efeito, proceder à análise das contas, através da conciliação das contas correntes de terceiros (responsáveis financeiros) e do Responsável Financeiro da Federação e que, ao instituir estes procedimentos, o PS pretende acautelar situações irregulares, o controlo das operações com terceiros e a manutenção da situação financeira das Secções.
Mais referem que o Responsável Financeiro da Secção é um militante eleito para o respetivo Secretariado, a quem compete autorizar e controlar as despesas da Secção, bem como o cumprimento em termos administrativos e financeiros das regras impostas pela Lei e pelos procedimentos emanados pela Sede Nacional, e que o facto dos Responsáveis Financeiros das Secções poderem fazer adiantamentos temporários, com vista a evitar cortes de fornecimento ou encargos por moras no pagamento às Secções, até estas terem verbas suficientes para os reembolsarem ou até o próprio interessado decidir declarar que o quer transformar em «Contribuição de Militante», não significa, sob qualquer aspeto, a existência de donativos de natureza pecuniária, dado que estes têm contornos contabilísticos-financeiros e jurídicos de uma amplitude totalmente diferente, isto além de estarmos em presença de militantes e do próprio Partido, sem envolvimento externo de qualquer natureza.
Sustentam ainda que a última revisão da LFP veio clarificar esse entendimento, admitindo expressamente os adiantamentos a cargo de responsáveis ou dirigentes partidários (pessoas singulares), para fazer face a determinadas despesas (artigo 19.º n.º 4), concluindo, por isso, que não se vislumbra qualquer violação do artigo 12.º da citada Lei, uma vez que estes procedimentos são meros adiantamentos fundamentados no orçamento de cada Federação/Secção, que são regularizados assim que exista verba disponível.
Por fim, consideram que mesmo que assim não fosse, tendo em conta a invocada norma do n.º 4 do artigo 19.º, a verdade é que nunca os ora arguidos teriam agido com dolo nesta matéria, tudo estando devidamente registado e comprovado, pelo que, em qualquer caso, não há fundamento para a aplicação de qualquer sanção contraordenacional.
Não lhes assiste, contudo, razão.
Na decisão recorrida, entendeu-se que, considerando a incerteza no que respeita à regularização dos referidos valores, ocorreu violação do artigo 12.º, n.º 1, da LFP estando preenchido o tipo objetivo da contraordenação em apreço, atento o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Conforme resulta dos factos provados, estão em causa valores registados nas contas do Partido e que foram considerados de regularização incerta, concretamente, nas demonstrações financeiras, os seguintes saldos sem movimento durante o ano e sem demonstração de razão para a sua subsistência: um saldo a receber no montante de (euro) 44.014,00 registado na rubrica de «Outras Contas a receber - Responsáveis financeiros», e um saldo a pagar, no montante de (euro) 429.565,00, registado na rubrica de «Outras Contas a pagar - Responsáveis Financeiros». Ou seja, tais saldos não apresentaram movimento durante o ano, sem que tanha sido demonstrada a razão para tal.
No que respeita à argumentação apresentada pelos recorrentes, é de reiterar o afirmado, a este respeito, no Acórdão 420/2016 (ponto 2.16.):
«Verifica-se que, em alguns casos, se trata de adiantamentos para despesas, que serão pagas posteriormente pelos responsáveis das Secções, mas nem sempre a respetiva documentação é devidamente registada. Existem também algumas contas que não registaram qualquer movimento durante o ano 2012, suscitando dúvidas sobre se o saldo é efetivamente cobrável ou se terá de vir a ser posteriormente regularizado, corrigindo o resultado de períodos anteriores.
Por seu lado, os saldos credores de responsáveis de Secções referem-se a valores adiantados pelas próprias Secções, para pagamento de despesas, e que aguardam reembolso por parte das Federações, na medida em que terão excedido o montante das quotas que foram cobradas. Esta situação parece indicar que as Secções efetuam desembolsos além das disponibilidades que lhes são atribuídas, pelo que haverá adiantamento de verbas por parte de militantes do Partido. Com base na análise aos saldos dos diferentes responsáveis, desde 2009, verifica-se a existência de bastantes saldos, de quantias elevadas, que resultam de financiamentos dos responsáveis, ou outros elementos das Secções, por não haver outra receita, e que se mantém de forma persistente ao longo dos anos e têm até vindo a aumentar. Tais situações parecem ter a natureza de financiamento gratuito, efetuado por militantes das estruturas ao Partido, com prazos muito dilatados. Dada a permanência em dívida destes valores, subsiste a incerteza sobre a sua futura liquidação e o impacto de eventuais regularizações.
[...]
Podendo aceitar-se as explicações do Partido sobre os procedimentos, ainda que estas se revistam de caráter genérico, não pode, porém, este Tribunal, à semelhança de anos anteriores, deixar de considerar que os adiantamentos realizados por militantes ou filiados constituem verdadeiros empréstimos, pelo que o PS deveria "fornecer todas as informações necessárias respeitantes a tais empréstimos (v.g, identidade dos respetivos titulares, as suas condições de reembolso e juros e o respetivo suporte documental), sob pena de a ECFP não poder controlar se se trata de verdadeiros empréstimos onerosos, ou, afinal de contas, de donativos de natureza pecuniária encapotados - assim se contornando os limites legais a eles respeitantes" (Acórdão 146/2007).
A falta dessa informação concretiza, assim, uma violação ao dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, n.º 1, da Lei 19/2003.».
Por outro lado, não têm também razão os recorrentes, quando afirmam que o procedimento adotado se encontra previsto no artigo 19.º, n.º 4, da LFP e que tal circunstância afastaria o dolo.
Com efeito, tal preceito tem um campo de aplicação diverso do que está aqui em questão. Tal norma, inserida no Capítulo III da referida lei, respeita ao «financiamento das campanhas eleitorais», relativamente às quais existem «contas próprias restritas à respetiva campanha» (cf. o artigo 15.º, n.º 1, da referida Lei). E é no contexto das contas das campanhas eleitorais e, concretamente, no que respeita às respetivas despesas, que o referido artigo 19.º, depois de estabelecer no seu n.º 3 que «[o] pagamento das despesas de campanha [se] faz [...] obrigatoriamente, por instrumento bancário, nos termos do artigo 9.º, com exceção das despesas de montante inferior ao valor do IAS desde que, durante este período, estas não ultrapassem o valor global de 2 % dos limites fixados para as despesas de campanha», dispõe, no n.º 4, que «[a]s despesas de campanha eleitoral passíveis de serem pagas em numerário nos termos do número anterior podem ser liquidadas por pessoas singulares, a título de adiantamento, sendo reembolsadas por instrumento bancário que permita a identificação da pessoa, pela conta da campanha eleitoral».
Ora, como resulta manifesto desta norma, a possibilidade nela prevista, de pagamento de despesas, por pessoas singulares, a título de adiantamento, não tem aplicação fora deste contexto específico, não sendo transponível para o regime das contas anuais dos partidos, ora em análise.
Assim, é de concluir que os arguidos não poderiam contar com a aplicação da referida norma ao regime contabilístico das contas anuais do Partido, não sendo essa razão atendível para afastar o dolo quanto ao incumprimento do regime previsto no artigo 12.º da LFP.
Finalmente, importa referir que não assiste qualquer razão aos recorrentes quanto às objeções colocadas no que respeita ao conceito de incerteza constante do ponto 5. dos factos provados. Conforme resulta do exposto, é manifesto que o que está em causa é a incerteza no que respeita à regularização dos valores em causa, isto é, no que respeita ao efetivo recebimento dos valores indicados no ponto 5.1., bem como no que respeita ao saldo a receber e ao saldo a pagar referidos no ponto 5.2., sendo que, estando em causa o cumprimento de regras contabilísticas, os recorrentes não podem deixar de conhecer tais conceitos, não procedendo também o invocado a este respeito (v. ainda, sobre este assunto, o ponto 11.1., supra).
16 - Provou-se ainda que, no ano de 2012, o Partido efetuou um perdão nacional de quotas em dívida até ao ano de 2009, inclusive, no valor de (euro) 2.472.689,00, que registou nas respetivas contas do seguinte modo: creditou a «Conta 277 - Quotas em dívida», no valor de (euro) 2.472.689,00, debitando a «Conta 560001 - Exercícios anteriores», e debitou a «Conta 279 - Perdas por imparidade acumuladas», por contrapartida da «Conta 7621 - Reversões de perdas por imparidade - em dívidas a receber», a qual apresenta consequentemente um valor líquido de (euro)1.878.803,00 (cf. o ponto 6. dos factos provados).
Segundo a decisão recorrida, de tal procedimento resultou a reversão da imparidade das dívidas no resultado do período, bem como o registo do correspondente gasto em capitais próprios e, uma vez que tal gasto já tinha sido reconhecido em exercício anteriores, através de imparidade, o procedimento adotado pelo Partido gerou uma sobreavaliação dos resultados do ano de 2012 no montante global de (euro) 2.472.689,00. Concluiu-se, por isso, pela violação do artigo 12.º da LFP.
Os recorrentes consideram que não ocorreu qualquer violação de tal preceito, alegando, em síntese, o seguinte:
A deliberação do Secretariado Nacional de 22 de dezembro de 2012, com base na qual se procedeu ao abatimento das quotas em dívida de militantes ((euro) 2.472.689) e consequente reversão da imparidade para dívidas de quotas ((euro) 1.878.803) visou contrariar um entendimento contabilístico adverso à realidade de um partido político, segundo o qual a quota não paga constitui uma dívida por cobrar, na medida em que se regista como receita a totalidade das quotas "devidas" e não, como seria mais credível e correto, as que efetivamente são pagas, numa lógica de tesouraria;
O pagamento de quota é um compromisso livremente aceite pelo militante do partido, para cujo incumprimento estão previstas consequências estatutárias - a verificação de uma incapacidade eleitoral ativa e passiva - sem juntar a essas consequências ainda uma pesada sanção contra o Partido - o registo de uma imparidade de montante muito significativo, de verbas que não podem, realisticamente, ser objeto de cobrança forçada ou coerciva, considerando por isso que devem ser adotadas práticas contabilísticas que respeitem essa realidade da natureza da quotização partidária, tirando todas as consequências contabilísticas e estatutárias de quaisquer decisões de perdão de quotas ou de reconhecimento da respetiva incobrabilidade, por respeitarem a uma fonte de receita que só de modo muito remoto e parcial o Partido consegue controlar;
A penalização formal ou punitiva de erros ou atuações verificadas neste domínio são manifestamente inadequados à natureza da transação de quotas entre militantes e Partido, o que deve ser tido em conta quer na imputação, quer na penalização de eventuais desacertos registados nesse domínio, pelo que o perdão de quotas foi integralmente registado na conta 56 como uma correção de erros de anos anteriores e a diferença entre o total registado como perdão de quotas e a reversão da imparidade é de (euro) 593.886, que corresponde aproximadamente à diferença entre as quotas do ano registadas e as que resultam do número de militantes ativos;
O valor de perdão registado resulta assim da conjugação de 2 efeitos: o da aceitação da incobrabilidade de dívidas anteriores a 2010 em resultado da deliberação do Secretariado Nacional e o da redução do número de militantes ativos, uma vez que se registou uma redução da ordem dos 48.000 militantes ativos entre dezembro de 2011 e 31 de janeiro de 2012, o que resultou da passagem à inatividade de militantes com dívidas antigas por aplicação da suspensão dos direitos do militante aplicado a partir de fevereiro de 2012;
A maior parte, das dívidas reportadas a anos anteriores a 2010, já tinham uma imparidade reconhecida, pelo que a reversão dessa imparidade na sequência do perdão e aplicação do regulamento deveria ter correspondência no reconhecimento do gasto pela incobrabilidade da dívida de modo a não serem afetados os resultados de 2012 (reversão teria correspondência num gasto de igual montante);
O perdão de quotas foi uma decisão da gestão do partido e não a correção de um erro, pelo que deveria dar origem ao registo do gasto e não ao movimento no capital próprio.
Em relação a este ponto, importa ter presente que, nos termos do artigo 3.º da LFP, constituem receitas próprias dos partidos políticos as quotas e outras contribuições dos seus filiados, pelo que o seu tratamento contabilístico deverá obedecer aos critérios resultantes do artigo 12.º
Conforme decorre da decisão recorrida, não é apropriado, em termos contabilísticos, o procedimento adotado pelo partido, no sentido de reconhecer a reversão da imparidade das dívidas nos resultados do período em análise, bem como o correspondente gasto, em capitais próprios, referente ao perdão de quotas. Com efeito, uma vez que tal gasto havia sido já reconhecido em exercícios anteriores através das correspondentes imparidades, tal procedimento gerou uma sobreavaliação dos resultados do ano de 2012, no montante global de (euro) 2.472.689,00.
Valem aqui, a respeito das objeções levantadas pelos recorrentes, as considerações formuladas pela ECFP no seu parecer relativo às contas dos partidos políticos respeitantes ao ano de 2012, apresentado nos termos do artigo 31.º da LEC, na sua redação inicial (cf. fls. 145/v.º):
«De acordo com as regras contabilísticas em vigor, nomeadamente no âmbito do SNC - Sistema de Normalização Contabilística, que o abate de valores que eram registados como sendo dívidas a receber, referentes aos anos de 2003 a 2009 (no total de 2.472.689 euros), as quais tinham, por outro lado, associadas imparidades (isto é, registos efetuados em anos anteriores, traduzindo já uma expectativa de que não iriam ser cobradas dívidas, relativas a quotas desses anos, no montante global estimado de 2.605.325 euros), não poderá afetar o resultado do ano de 2012.
Devendo, nos termos das normas contabilísticas, tal perdão de dívida (anulação de ativos, no referido montante de 2.472.689 euros) ter por contrapartida a anulação das imparidades que haviam sido reconhecidas em anos anteriores, naturalmente, apenas, até à concorrência desse valor; isto é, tendo sido anuladas imparidades de 2.605.325 euros, só o diferencial (excedente, no valor de 132.636 euros) poderá ser reconhecido como "ganhos" do ano de 2012 (o que poderá ser justificado, por exemplo, por se terem cobrado quotas que já se assumira, em anos anteriores, como não sendo recuperáveis).
Do que resulta que, tendo sido, por outro lado, anuladas também imparidades relativas a 2011, no valor de 277.032 euros, o valor total de reversões a registar na correspondente rubrica de "ganhos" (nas contas do ano de 2012) ascenderia a 409.668 euros.
Contudo, dado que foram, paralelamente, reconhecidas novas imparidades em 2012, relativas a quotas por cobrar, desse próprio ano, no montante de 1.001.528 euros (a que acrescem ainda 2.026 euros relativos a quotas de 2010), o saldo líquido a apresentar na Demonstração dos resultados (Reforços - Reversões) seria de 593.886 euros (traduzindo, neste caso, uma "perda, em termos líquidos).
Ora, tendo o Partido, ao invés, registado um "ganho", no valor líquido de 1.878.803 euros, tal traduz uma sobreavaliação dos resultados do ano de 2012 no montante global de 2.472.689 euros.»
Assim, no caso, deverá concluir-se pela violação do regime contabilístico previsto no artigo 12.º da LFP, a que estão sujeitos os partidos políticos, sendo que as razões invocadas pelos recorrentes não são de molde a justificar, nos termos expostos, o afastamento das regras de organização contabilística decorrentes dos n.os 1 e 2 daquele preceito.
Em face do exposto, é de considerar verificada a infração imputada aos recorrentes, por violação do dever constante do n.º 1 do artigo 12.º da LFP, devendo manter-te também nesta parte a decisão recorrida.
17 - De acordo com a factualidade provada, o PS não apresentou elementos documentais comprovativos das despesas, relativas a gastos no período contabilístico em que foram efetuados, respeitantes a reembolsos a Catarina Furtado, abonados entre fevereiro e julho de 2012, de 16.406,25 quilómetros de deslocações em Ponta Delgada, no montante total de 5.250,00 (euro) (cf. o ponto 7 dos factos provados).
Entendeu a decisão recorrida, no que respeita a tais despesas, que não foi cumprido integralmente o princípio da especialização ou acréscimo, segundo o qual os rendimentos e os gastos devem ser registados no período contabilístico em que são obtidos ou incorridos, independentemente da data do seu recebimento ou pagamento, e que, não estando tais despesas suportadas suficientemente por elementos documentais, se verificou uma violação do artigo 12.º, n.º 3, alínea e), subalínea ii), da LFP, estando preenchido o elemento objetivo da contraordenação em apreço, por força do artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Os recorrentes sustentam que o Partido Socialista tem feito um enorme esforço para que todas as regras de procedimentos contabilístico-financeiros sejam cumpridas por parte de todas as suas estruturas, o que tem permitido melhorar expressivamente as suas Demonstrações Financeiras e Patrimoniais. Sustentam ainda, relativamente às despesas relativas a quilómetros, que o aspeto duvidoso mencionado na Promoção de 2012 e consequente não consideração como despesa não elegível resulta do facto de a apresentação dos documentos pertinentes - correspondentes às referidas fls. 625 a 633, e que os recorrentes qualificam como boletins itinerários - ter sido efetuada em datas díspares em relação à efetivação das deslocações, o que não prejudica, no entanto, a sensatez da despesa, nos casos em que o Partido sugere aos seus dirigentes, militantes e/ou funcionários que usem a viatura própria em deslocações de serviço partidário, o que deve ser tido em adequada conta. Concluem, por isso, que não se verifica qualquer violação do artigo 12.º, da Lei 19/2003, pelo que andou mal a ECFP em decidir pela aplicação de sanção aos ora arguidos (cf. as conclusões UUU. a XXX. das alegações com referência aos seus artigos 110.º a 116.º).
Contudo, as razões invocadas pelos recorrentes, em especial quando confrontadas com os documentos que apresentaram, em nada infirmam os fundamentos em que assentou a decisão recorrida. Com efeito, embora referindo o esforço efetuado no sentido do cumprimento das regras contabilísticas, a explicação prestada não afasta a falta de justificação da despesa, com base em elementos documentais que a comprovem efetivamente.
É de concluir, por isso, que se verifica uma violação da subalínea ii) da alínea c) do n.º 3 do artigo 12.º da Lei 19/2003, sendo de manter, nesta parte, a decisão recorrida.
18 - Apurou-se ainda a existência de algumas deficiências no que respeita ao suporte documental respeitante a determinados gastos e rendimentos registados nas contas anuais de 2012 do PS (cf. o ponto 9. dos factos provados).
Considerou a decisão recorrida ter ocorrido a violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP, uma vez que tais deficiências dos suportes documentais comprometem a transparência das contas apresentadas, concluindo que se mostra preenchido o elemento objetivo da contraordenação prevista no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Relativamente a esta contraordenação, os recorrentes reiteram o afirmado em sede de alegações, nos artigos 123.º a 130.º, referindo ainda que o procedimento em causa foi alterado a partir do novo mandato em 2019, passando as transferências a ser efetuadas individualmente pelos próprios deputados europeus, conforme recomendação da ECFP, concluindo inexistir qualquer contraordenação (cf. as conclusões BBBB. e CCCC.).
Importa a analisar, em relação a cada uma das deficiências apontadas na decisão recorrida, se assiste razão aos recorrentes.
18.1 - Relativamente ao recebimento de contribuições de eleitos dos deputados ao Parlamento Europeu, com a emissão de um único recibo global (cf. o ponto 9.1. dos factos provados), os recorrentes alegam, em síntese, o seguinte:
- No início de cada Legislatura, é realizada uma reunião com todos os Deputados eleitos pelo PS para efeitos de, nos termos legais e regimentais aplicáveis, tomar a decisão de se constituírem e organizarem sob a forma Grupo de Aliança Progressista dos Socialistas & Democratas no Parlamento Europeu - Socialistas Portugueses;
- Neste contexto, cada deputado contribui de forma voluntária com um valor mensal, destinado à atividade partidária e, de modo a facilitar a realização desta contribuição, é entregue aos Deputados um formulário no qual declararam autorizar a transferência mensal para o Grupo Parlamentar do referido montante;
- A realização da Contribuição de Eleito para o Partido encontra-se devidamente documentada, tanto a transferência bancária, como a emissão do respetivo recibo, e é feita de forma transparente e rigorosa, pelo que não existe qualquer irregularidade;
- Apesar disso, este procedimento já foi alterado a partir do novo mandato em 2019, passando as transferências a serem efetuadas individualmente pelos próprios deputados europeus, conforme recomendação da ECFP.
Conforme reconhecem os recorrentes, as contribuições para o Partido, efetuadas pelos deputados eleitos para o Parlamento Europeu, têm lugar mediante uma contribuição autorizada por cada deputado para o Grupo Parlamentar, após o que, conforme resultou provado, é emitido pelo PS um único recibo global. Estando em causa uma contribuição efetuada para o Partido pelos seus deputados eleitos, nos termos previstos no artigo 3.º, n.º 1, alínea b), da LFP, aplica-se a tal contribuição (que constitui receita do Partido e não do Grupo Parlamentar) o procedimento previsto no n.º 2 daquele artigo, sendo «obrigatoriamente tituladas por meio de cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem e depositadas em contas bancárias exclusivamente destinadas a esse efeito», tendo em vista permitir identificar, direta e imediatamente, nas contas apresentadas, bem como na respetiva documentação de suporte, quem fez a contribuição e o respetivo montante.
O procedimento adotado, não tendo respeitado tal exigência, constitui uma violação do artigo 12.º, n.º 1, da LFP, sendo de concluir, conforme entendeu a decisão recorrida, que se mostra preenchido o elemento objetivo da contraordenação prevista no artigo 29.º, n.º 1, da mesma Lei.
18.2 - Quanto às deficiências relativas ao suporte documental da regularização de saldos de fornecedores, ao nível da Sede Nacional (cf. ponto 9.2. dos factos provados), a débitos das contas de fornecedores, na Federação do Porto (cf. o ponto 9.3. dos factos provados) e à inexistência de recibo de renda, na Federação de Braga (cf. o ponto 9.4. dos factos provados), os recorrentes alegam que os registos de regularizações de saldos de fornecedores se encontram suportados na informação disponibilizada pelos respetivos fornecedores, nomeadamente faturas, extratos de conta corrente e de saldos em dívida, para a qual se procedeu à respetiva reconciliação de saldos e regularização, concluindo que as regularizações efetuadas se encontram adequadamente suportadas em documentação enviada pelos fornecedores. Mais referem, no que respeita às formas de pagamento, que estas são efetuadas através de cheque ou transferência bancária, conforme o n.º 1 do artigo 9.º da LFP, por forma a identificar o montante e a entidade destinatária do pagamento.
Isto é, os recorrentes limitam-se a alegar, genericamente, qual o suporte documental com base no qual é efetuado determinado tipo de operações. Contudo, relativamente aos concretos factos dados como provados e às concretas insuficiências documentais neles referidas, nada alegam ou demonstram que permita infirmar tais factos.
Assim, quanto às insuficiências de suporte documental em questão, cuja descrição detalhada se encontra nos pontos 9.2. a 9.4. dos factos provados, resta concluir, tal como a decisão recorrida, que ocorreu a violação do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da LFP, estando preenchido o elemento objetivo da contraordenação prevista no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma.
19 - Resulta ainda dos factos provados que o recorrente PS integrou nas suas contas de 2012 as subvenções recebidas da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, no montante de (euro) 369.000,00, e da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, no montante de (euro) 408.216,00, destinadas aos Grupos Parlamentares do PS nas mesmas Assembleias Legislativas (cf. ponto 10. dos factos provados).
Considerou a decisão recorrida que tal constitui violação do artigo 12.º da LFP, concluindo que se mostram preenchidos os elementos objetivo e subjetivo da contraordenação prevista no artigo 29.º, n.º 1, de tal Lei.
Os recorrentes manifestam a sua discordância quanto ao decidido, sustentando não existir qualquer violação do referido normativo.
Segundo alegam, os valores em causa correspondem a transferências efetuadas pelos referidos Grupos Parlamentares, suportadas nos correspondentes protocolos estabelecidas com as federações. O facto de os referidos montantes terem sido integrados nas contas do PS (Federações dos Açores e da Madeira) não distingue as contas dos partidos das contas dos grupos parlamentares. E inexiste «norma de competência ao Tribunal Constitucional para a fiscalização [das contas] dos Grupos Parlamentares» (artigo 133.º das alegações de recurso). Sustentam, por isso, que foi dado efetivo cumprimento ao disposto na legislação aplicável, tendo em atenção o disposto no n.º 9 do artigo 12.º da LFP, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica 5/2015, de 10 de abril, ficando perfeitamente identificadas as transferências de fundos, sua origem e destino, como obrigatoriamente deveria acontecer (cf. conclusões DDDD. a FFFF. e artigos 131.º a 136.º das alegações).
Apesar do preenchimento do elemento objetivo, do ponto de vista subjetivo, apurou-se que a organização das contas foi animada por deficiente consciência da proibição legal de integração das contas dos grupos parlamentares nas contas partidárias, sendo a conduta aqui em apreço dotada de um desvalor axiológico especialmente insignificante. Neste caso particular, portanto, afigura-se justificado compreender aquela deficiente consciência como um erro sobre a proibição, erro esse que, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do RGCO, exclui o dolo, única modalidade de imputação subjetiva comportada pelo tipo contraordenacional do artigo 29.º da LFP.
Cumpre, assim, afastar, neste plano, a censura contraordenacional.
E. Medida concreta das coimas
20 - Importa salientar ainda que não procede o alegado pelos recorrentes, a propósito da não quantificação, na decisão recorrida, do benefício económico com a (alegada) infração, fazendo «tábua rasa» do disposto no artigo 18.º do RGCO, ao não considerar, aquando da medida da pena, o simples facto de não existir qualquer benefício económico (cf. conclusões ZZ. e AAA.).
Conforme resulta da fundamentação respeitante à determinação da medida concreta da coima, a decisão recorrida ponderou os diversos critérios previstos no artigo 18.º, n.º 1, do RGCO. Concretamente, no que respeita ao benefício económico retirado da prática da contraordenação, a afirmação, contida em tal decisão, de que «o mesmo não é mensurável» não significa que tenha sido considerada a existência de tal benefício (designadamente, para efeitos do n.º 2 daquele artigo). Com efeito, não tendo apurado qualquer valor desse benefício, é manifesto que o mesmo não foi considerado em desfavor dos arguidos para determinação da coima. Aliás, não obstante a amplitude das molduras contraordenacionais aplicáveis, qualquer dos arguidos foi sancionado com uma coima cujo valor se situa muito próximo do limite mínimo aplicável.
21 - Considerando a conclusão alcançada no que respeita à inexistência de uma das infrações imputadas aos recorrentes, concretamente a infração decorrente da violação do artigo 7.º, n.º 1, da mesma lei (donativo singular de valor superior ao limite legal) e a irrelevância contraordenacional, por ausência de uma conduta dolosa, relativamente a uma das irregularidades imputadas - a relativa à integração nas contas do Partido de subvenção regional da Madeira -, importa reavaliar a medida concreta das coimas aplicadas nos seguintes termos:
- Quanto ao recorrente PS, a coima aplicada pela ECFP, no valor de 15 (quinze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 6.390,00 (seis mil trezentos e noventa euros), deverá ser reduzida para o valor de 14 (catorze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 5.964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros);
- Quanto à recorrente Rosa Maria Lopes De Freitas, enquanto Responsável Financeira do referido Partido nas contas anuais de 2012, a coima aplicada pela ECFP, no valor de 7 (sete) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 2.982,00 (dois mil novecentos e oitenta e dois euros), deverá ser reduzida para o valor de 6 (seis) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 2.556,00 (dois mil quinhentos e cinquenta e seis euros).
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Partido Socialista (PS) e, consequentemente, reduzir a coima que lhe foi aplicada pela ECFP, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho, para o valor de 14 (catorze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 5.964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros);
b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por Rosa Maria Lopes de Freitas, enquanto Responsável Financeira do referido Partido nas contas anuais de 2012, e, consequentemente, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada pela ECFP, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da referida Lei 19/2003, para o valor de 6 (seis) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 2.556,00 (dois mil quinhentos e cinquenta e seis euros).
Atesto os votos de conformidade dos Conselheiros José António Teles Pereira e Lino Rodrigues Ribeiro nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 18 de março (aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei 20/2020, de 1 de maio). João Pedro Caupers.
Lisboa, 21 de abril de 2021. - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo - Gonçalo Almeida Ribeiro - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Mariana Canotilho - Maria de Fátima Mata-Mouros - José João Abrantes - João Pedro Caupers.
314252593