1 - O grupo de 31 deputados do PCP à Assembleia da República, signatários do requerimento de fl. 1, pediu, ao abrigo da alínea a) do artigo 281.º da Constituição da República e do n.º 1 do artigo 51.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 3, segunda parte, do Decreto-Lei 29/84, de 20 de Janeiro, por violação, por parte do Governo, da reserva relativa de competência da Assembleia da República definida na alínea b) do artigo 168.º da Constituição da República e por violação do direito de participação dos trabalhadores na elaboração da legislação de trabalho, previsto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição.
O referido pedido de inconstitucionalidade dever-se-á reportar ao artigo 1.º do citado Decreto-Lei 29/84, na medida em que da nova redacção à segunda parte do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, e não ao artigo 8.º, n.º 3, segunda parte, daquele diploma, como, por evidente erro material, como resulta dos termos do requerimento, se invoca na petição.
Fundamenta deste modo o pedido:
1.º O n.º 3 do artigo 8.º do citado Decreto-Lei 29/84 diz que um dos membros do conselho de administração representará os trabalhadores da empresa e será eleito nos termos do artigo 31.º da Lei 46/79, de 12 de Setembro, e por maioria do número de trabalhadores representados;
2.º A eleição de representantes das comissões de trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado e a outras entidades públicas é um direito das comissões de trabalhadores, previsto na alínea f) do artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa, no capítulo III «Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores» do título II «Direitos, liberdades e garantias», cuja regulamentação constitui reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República - alínea b) do n.º 1 do mencionado artigo 168.º;
3.º A Lei 30/83, de 8 de Setembro, não confere autorização legislativa ao Governo para alterar a Lei 46/79, de 12 de Setembro, modificando o regime eleitoral dos representantes dos trabalhadores da empresa, previsto e regulado no artigo 31.º da mesma lei, referido aos seus artigos 2.º, 4.º e 5.º, que não exigem o requisito «maioria qualificada», introduzido pela norma cuja inconstitucionalidade se peticionou;
4.º Com tal exigência poder-se-iam inviabilizar, e inviabilizaram-se de facto, eleições anteriormente realizadas com esse requisito e consagrou-se uma restrição «desproporcionada e abusiva de um direito fundamental, conducente à sua negação, com ofensa do disposto no artigo 55.º, alínea f), da Constituição»;
5.º A referida norma foi elaborada sem se ter realizado a apreciação pública nos termos previstos na Lei 16/79, de 26 de Maio, cujo artigo 2.º, n.º 1, alínea c) - e não da Lei 17/79, como, por manifesto lapsus callami, se escreveu no requerimento -, expressamente inclui no conceito de legislação de trabalho as leis que visem regular as «comissões de trabalhadores, respectivas comissões coordenadoras e seus direitos».
1.1 - O Sr. Primeiro-Ministro, notificado nos termos do artigo 54.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, determinou o envio a este Tribunal do parecer 24/84 da Auditoria Jurídica da Presidência do Conselho de Ministros, nele exarando a sua declaração de concordância.
Sustenta-se nesse parecer, em conclusão:
a) A Lei 30/83, de 8 de Setembro, autorizou o Governo a alterar os estatutos das empresas públicas no que respeita a disposições relativas aos órgãos sociais das mesmas empresas, sua estrutura e competência, bem como as regras de nomeação dos seus membros, de modo que os representantes dos trabalhadores tenham assento em tais órgãos;
b) Por isso o Decreto-Lei 29/84, designadamente o n.º 3 do seu artigo 8.º, não ultrapassa os limites dessa autorização legislativa;
c) Consequentemente, o referido decreto-lei não viola o princípio da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição da República;
d) A norma em questão não viola o disposto na alínea f) do artigo 55.º da lei fundamental, porquanto a eleição do representante dos trabalhadores para o conselho de administração da respectiva empresa não é um direito da comissão de trabalhadores (representação orgânica), competindo-lhe apenas promover a sua eleição, nos termos do referido preceito constitucional e dos artigos 30.º e 31.º da Lei 46/79;
e) O Decreto-Lei 29/84 não viola a alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição da República, porque não pode considerar-se legislação de trabalho, na enumeração feita pelo artigo 2.º da Lei 16/79.
2 - O procurador-geral da República, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, conjugado com o artigo 62.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, requereu, em processo de fiscalização abstracta sucessiva, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade formal originária, com os efeitos determinados nos n.os 1 e 3 do artigo 282.º da Constituição, do artigo 1.º do Decreto-Lei 29/84, de 20 de Janeiro, que deu nova redacção aos artigos 7.º, 8.º, 9.º, 9.º-A, 10.º, 13.º, 14.º, 16.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril.
Fundamenta deste modo o pedido:
a) O Decreto-Lei 29/84 pretende dar satisfação à legislação que estabelece a participação dos representantes dos trabalhadores nos órgãos sociais das empresas públicas e abordar os principais aspectos carecedores de mais urgente revisão, todos eles atinentes à gestão e respectivos órgãos das citadas empresas;
b) Os artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição garantem aos trabalhadores uma intervenção efectiva no processo legislativo laboral, através das respectivas comissões ou associações sindicais;
c) Este direito de participação inscreve-se no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, tendo a natureza de direito fundamental, nomeadamente para os efeitos da aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, constante dos artigos 17.º e 18.º da Constituição;
d) Porém, não se demonstra qualquer participação dos trabalhadores, nos referidos termos, na feitura do diploma em questão;
e) Assim, o artigo 1.º do mencionado Decreto-Lei 29/84 viola os artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.
2.1 - Em virtude do despacho do Conselheiro-Presidente deste Tribunal, proferido de harmonia com o disposto no artigo 64.º da citada Lei 28/82, incorporou-se o processo organizado com base neste requerimento ao que resultou do requerimento referido sob o antecedente n.º 1 deste acórdão.
3 - O Presidente da Assembleia da República, invocando o disposto nos artigos 51.º da Lei 28/82 e 281.º da Constituição, veio «apresentar o pedido de apreciação da constitucionalidade do Decreto-Lei 29/84», citado, nos termos e com os fundamentos seguintes:
a) A questão foi «levantada pela Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional»;
b) O Decreto-Lei 29/84 deu nova redacção aos artigos 8.º, n.º 3, 9.º, 9.º-A e 10.º, n.os 2 e 3, do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, que regulamentam o direito de participação dos trabalhadores em órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado e a outras entidades públicas, através de representantes cuja eleição deve ser promovida pelas comissões de trabalhadores;
c) Aquele diploma foi, porém, elaborado com preterição da participação das organizações de trabalhadores, segundo o processo previsto na Lei 16/79, de 26 de Maio;
d) Por isso o Decreto-Lei 29/84 enferma de inconstitucionalidade formal;
e) O n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei 29/84, ao estabelecer que o representante dos trabalhadores nele referido será eleito por «maioria do número dos trabalhadores representados», inovando relativamente à Lei 46/79, de 12 de Setembro, excedeu a autorização legislativa conferida ao Governo pela Lei 30/83, de 8 de Setembro;
f) Assim, aquele decreto-lei é organicamente inconstitucional;
g) Além disso, a referida exigência da «maioria do número de trabalhadores representados» constitui uma ilícita intromissão do Estado no domínio reservado da autonomia colectiva das organizações de trabalhadores;
h) Tal intromissão viola o direito de auto-organização dos trabalhadores, consagrado nos artigos 54.º, n.os 1, 2 e 4, e 56.º, n.os 2, alínea c), 3 e 4, da Constituição e nas Convenções n.os 87, 98 e 135 da OIT, ratificadas por Portugal;
i) A norma, criando condições susceptíveis de impedirem o exercício do direito previsto nos artigos 55.º, alínea f), da Constituição e 30.º, 31.º e 40.º da Lei 46/79, ao fazer depender de maioria absoluta dos trabalhadores da empresa a eleição do seu representante, viola o artigo 18.º da Constituição;
j) Verifica-se, pois, inconstitucionalidade material.
Assim, segundo a petição, enfermando o Decreto-Lei 29/84 de inconstitucionalidade orgânica, formal e material, «deve a sua inconstitucionalidade ser declarada com força obrigatória geral» por este Tribunal.
No pedido indicam-se como tendo sido violadas pelo Decreto-Lei 29/84 as seguintes normas:
Artigos 18.º, n.º 1, 55.º, alínea d), 57.º, n.º 2, alínea a), 168.º, n.º 1, alínea c), 55.º, alínea f), e 16.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
4 - Em suma, nos pedidos foram invocadas as seguintes inconstitucionalidades:
a) A inconstitucionalidade formal da norma do artigo 1.º do citado Decreto-Lei 29/84, na medida em que dá nova redacção ao artigo 8.º, n.º 3, segunda parte (pedido dos referidos deputados), aos artigos 7.º, 8.º, 9.º, 9.º-A, 10.º, 13.º, 14.º, 16.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º (pedido do procurador-geral da República), aos artigos 8.º, n.º 3, 9.º, 9.º-A e 10.º, n.os 2 e 3 (pedido do Presidente da Assembleia da República), do citado Decreto-Lei 260/76, por violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, por todos os peticionantes:
b) A inconstitucionalidade orgânica da norma do citado artigo 8.º, n.º 3, no segmento que estabelece que o representante dos trabalhadores no conselho de administração será eleito por maioria do número dos trabalhadores representados, inovando relativamente à Lei 46/79, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, pelos referidos deputados do PCP e pelo Presidente da Assembleia da República;
c) A inconstitucionalidade material da norma do artigo 8.º, n.º 3, na medida em que a referida exigência da maioria do número de trabalhadores representados constitui uma ilícita intromissão no domínio reservado da autonomia colectiva da organização dos trabalhadores, por violação dos artigos 18.º, 55.º, alínea f), 54.º, n.os 1, 2 e 4, e 56.º, n.os 2, alínea c), 3 e 4, da lei fundamental e das Convenções n.os 87, 89 e 135 da OIT, ratificadas por Portugal, em que impede o exercício do direito previsto nos artigos 55.º, alínea f), da Constituição e 30.º, 31.º e 40.º da Lei 46/79 pelo Presidente da Assembleia da República.
5 - Como nada obsta ao conhecimento dos mencionados pedidos de fiscalização sucessiva, cumpre decidir do seu mérito.
5.1 - Comecemos pelo pedido de inconstitucionalidade formal, comum a todos os requerentes.
Este pedido vem consubstanciado, como dissemos no antecedente n.º 4, alínea a), na violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição. Traduz-se na invocada falta de participação dos representantes dos trabalhadores relativamente à elaboração do artigo 1.º do citado Decreto-Lei 29/84, enquanto dá nova redacção quer à segunda parte do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei 260/76 - pedido dos mencionados deputados -, quer aos artigos 8.º, n.º 3, 9.º, 9.º-A e 10.º, n.os 2 e 3, deste diploma - requerimento do Presidente da Assembleia da República -, quer, além destes, aos artigos 7.º, 13.º, 14.º, 16.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º do mesmo decreto-lei - requerimento do procurador-geral da República.
Vejamos se ocorre o acusado vício.
5.1.1 - O artigo 55.º, alínea d), da Constituição define como um dos direitos das comissões de trabalhadores:
Participar na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económico-sociais que contemplem o respectivo sector.
Segundo o artigo 57.º, n.º 2, alínea a), da lei fundamental, constitui direito das associações sindicais:
Participar na elaboração da legislação do trabalho.
Que deverá entender-se, porém, por legislação do trabalho? A Lei 16/79, de 26 de Maio, dá no seu artigo 2.º, n.º 1, a noção de legislação do trabalho nestes termos:
Entende-se por legislação do trabalho a que vise regular as relações individuais e colectivas, bem como os direitos dos trabalhadores, enquanto tais, e suas organizações, designadamente:
a) Contrato individual de trabalho;
b) Relações colectivas de trabalho;
c) Comissões de trabalhadores, respectivas comissões coordenadoras e seus direitos;
d) Associações sindicais e direitos sindicais;
e) Exercício do direito à greve;
f) Salário mínimo e máximo nacional;
g) Formação profissional;
h) Acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., p. 300, a noção de legislação do trabalho «abrange toda e qualquer produção normativa (sobretudo legislativa), incluindo a aprovação de convenções internacionais, que vise aspectos do estatuto jurídico dos trabalhadores e das relações de trabalho em geral, incluindo, naturalmente, os que tenham a ver com os direitos constitucionalmente reconhecidos aos trabalhadores, quer a título de 'direitos, liberdades e garantias' (artigos 53.º a 58.º), quer a título de 'direitos económicos, sociais e culturais' (artigos 59.º e 60.º) (cf. Lei 16/79, artigo 2.º, n.º 1)».
Assim, o legislador constituinte, pelos citados artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), pretendeu conferir aos trabalhadores o direito de, através das suas organizações representativas, intervirem no processo de elaboração normativa de carácter laboral, ou relativa aos seus direitos constitucionalmente reconhecidos - direito à segurança no emprego, direito à criação de comissões de trabalhadores e direitos destas, direito à liberdade sindical, direitos das associações sindicais e direito à greve (artigos 53.º a 58.º); direito ao trabalho e direitos dos trabalhadores (artigos 59.º e 60.º); direito de intervenção democrática e de participação dos trabalhadores na gestão das empresas [artigos 55.º, alínea f), 80.º, alínea f), e 90.º, n.º 3].
Embora não conste da relação, meramente exemplificativa, o direito dos representantes dos trabalhadores na gestão, certo é que aí tem pleno cabimento.
Como justamente se salientou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 31/84, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 17 de Abril de 1984, o «escopo destes preceitos constitucionais consiste em assegurar aos trabalhadores, através das suas comissões e das suas associações sindicais, uma intervenção efectiva no processo legislativo laboral. Intervenção essa que se destina não só a permitir que o órgão legislativo tome conhecimento das posições assumidas pelos trabalhadores, mas também, e fundamentalmente, a garantir que possam, com inteiro conhecimento de causa, exercer a sua influência sobre determinadas políticas que, em especial, os afectam; de contrário, não se justificaria que aquela participação fosse constitucionalmente concebida e reconhecida como um direito.
[...] O cumprimento do texto constitucional impõe uma intervenção directa no próprio processo legislativo, pressupondo, pelo menos, o conhecimento prévio dos projectos de diplomas a publicar».
Os citados artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), inscrevem-se na parte I, «Direitos e deveres fundamentais», título II, «Direitos, liberdades e garantias», e capítulo III, «Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores», da Constituição. Consequentemente, como tais, gozam do regime e da força jurídica que lhes são atribuídos nos artigos 17.º e 18.º da lei fundamental.
Por seu turno, os artigos 59.º e 60.º situam-se no título III, «Direitos e deveres económicos, sociais e culturais», da parte I, «Direitos e deveres fundamentais».
5.1.2 - Antes de se encerrar esta rubrica importa atentar mais detidamente, porque isso se reveste de particular importância, como adiante se verá, no princípio da participação dos trabalhadores nos órgãos de gestão das empresas.
A representação dos trabalhadores nos órgãos de gestão da empresa encontra assento constitucional na alínea f) do citado artigo 55.º, que se transcreve:
Promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei.
Por sua vez, o artigo 80.º, alínea f), estabelece como um dos princípios fundamentais económico-sociais a intervenção democrática dos trabalhadores.
Também o artigo 90.º, referindo-se ao desenvolvimento da propriedade social, arvorado pelo citado artigo 80.º, alínea e), em princípio fundamental da constituição económica, diz:
As unidades de produção pertencentes ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas devem evoluir para formas de gestão que assegurem uma participação crescente dos trabalhadores.
Aliás, todos estes aspectos constituem expressões do objectivo assinalado no artigo 2.º da Constituição à República Portuguesa como Estado de direito democrático:
[...] assegurar a transição para o socialismo mediante a realização da democracia económica [...] e o aprofundamento da democracia participativa.
Tal participação assume, pois, a natureza de um direito constitucional dos trabalhadores, qua tales.
Assim, necessariamente parece poder concluir-se que toda a normação cujo objecto consista na representação ou na participação dos trabalhadores nos órgãos de gestão da empresa se enquadra na categoria de legislação de trabalho.
Aliás, se a alínea c) do artigo 2.º da Lei 16/79 considera legislação de trabalho a que respeita aos direitos das comissões de trabalhadores e se entre esses direitos se inscreve o da promoção da eleição dos trabalhadores para os órgãos sociais das empresas públicas - artigo 55.º, alínea f), da Constituição -, por paridade, ou até por maioria de razão, se devem tipicizar como legislação de trabalho as normas que se reportem à eleição desses representantes.
Consequentemente, a elaboração dessas normas carecerá, por imperativo constitucional - citados artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a) -, de prévia participação dos representantes dos trabalhadores.
A violação deste imperativo acarreta a inconstitucionalidade formal dessas normas.
5.1.3 - Os artigos 7.º, 8.º, n.º 3, 9.º, 9.º-A, 10.º, n.os 2 e 3, 13.º, 14.º, 16.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º ou qualquer deles, do Decreto-Lei 260/76, na redacção dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 29/84, poder-se-ão qualificar como legislação do trabalho? 5.1.3.1 - Transcrevamos as disposições em causa:
ARTIGO 7.º
(Órgãos da empresa)
1 - São órgãos sociais obrigatórios das empresas públicas o conselho de administração e a comissão de fiscalização.2 - Nas empresas que explorem serviços públicos, e quando a sua dispersão geográfica o justifique, poderão ser criados conselhos regionais com funções meramente consultivas.
3 - As regras relativas à criação, composição, nomeação e funções dos conselhos regionais são definidas nos estatutos.
4 - Por despacho dos Ministros das Finanças e do Plano e da tutela, as funções da comissão de fiscalização podem ser confiadas a uma sociedade de revisores de contas.
ARTIGO 8.º
(Conselho de administração)
[...] 3 - Um dos membros do conselho de administração representará os trabalhadores da empresa e será eleito nos termos do artigo 31.º da Lei 46/79, de 12 de Setembro, por maioria do número dos trabalhadores representados.[...]
(Competência do conselho de administração)
1 - Ao conselho de administração compete, sem prejuízo dos poderes da tutela:
a) Aprovar os objectivos e as políticas de gestão da empresa;
b) Aprovar os planos de actividade e financeiros anuais e plurianuais e os orçamentos anuais;
c) Aprovar os documentos de prestações de contas;
d) Aprovar a aquisição e a alienação de bens e de participações financeiras, quando as mesmas não estejam previstas nos orçamentos anuais aprovados e dentro dos limites definidos pela lei ou pelo estatuto;
e) Aprovar a organização técnico-administrativa da empresa e as normas de funcionamento interno;
f) Aprovar as normas relativas ao pessoal e respectivo estatuto;
g) Submeter a aprovação ou autorização da tutela os actos que nos termos da lei ou do estatuto o devam ser;
h) Gerir e praticar os actos relativos ao objecto da empresa;
i) Representar a empresa em juízo e fora dele, activa e passivamente;
j) Constituir mandatários com os poderes que julgar convenientes.
2 - O estatuto da empresa incluirá, a título imperativo e ou facultativo, a delegação pelo conselho de administração numa comissão executiva dos poderes constantes das alíneas f), g), h), i) e j) e ainda os da alínea d) para operações até ao montante de 50000 contos, bem como outros que entenda convenientes para assegurar a gestão corrente da empresa, sem prejuízo do direito de avocação de competências delegadas.
3 - A comissão executiva referida no número anterior laborará em regime de tempo inteiro e será presidida pelo presidente do conselho de administração e constituída por três a cinco membros, sempre que a lei não disponha de forma diferente, competindo a sua nomeação e exoneração ao Conselho de Ministros, sob proposta do ministro da tutela.
4 - Só aos membros do conselho de administração que trabalhem em regime de tempo inteiro e aos da comissão executiva se aplica o estatuto do gestor público.
5 - Os estatutos das empresas estabelecerão a periodicidade das reuniões do conselho de administração e da comissão executiva, bem como as regras de convocação e funcionamento respectivas.
6 - Nos estatutos de empresas de menor dimensão, ou de empresas em que tal medida se justifique, poderá prever-se que as funções referidas no n.º 2 sejam desempenhadas, a título permanente ou temporário, pelo presidente do conselho de administração.
ARTIGO 9.º-A
(Presidente do conselho de administração)
1 - Compete especialmente ao presidente do conselho de administração ou a quem as suas vezes fizer:
a) Representar a empresa;
b) Coordenar a actividade do conselho de administração e da comissão executiva;
c) Presidir às reuniões do conselho de administração e às da comissão executiva.
2 - O presidente ou quem as suas vezes fizer terá sempre voto de qualidade e poderá opor o seu veto a deliberações que repute contrárias à lei, aos estatutos ou aos interesses do Estado, com a consequente suspensão da executoriedade da deliberação, até que sobre esta se pronuncie o ministro da tutela.
3 - A suspensão referida no número anterior finda com a confirmação do acto pelo ministro da tutela ou pelo decurso do prazo de oito dias sobre o seu conhecimento, sem que a seu respeito tenha emitido qualquer juízo.
4 - A confirmação do veto acarreta a ineficácia da deliberação.
ARTIGO 10.º
(Comissão de fiscalização)
[...] 2 - O presidente e os demais membros da comissão de fiscalização são designados por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e da tutela, por períodos de três anos.3 - Um dos membros da comissão de fiscalização, que será obrigatoriamente revisor oficial de contas, será proposto pelo Ministro das Finanças e do Plano e, dos restantes, um será proposto pelo órgão representativo dos trabalhadores e os demais pelo ministro da tutela.
[...]
ARTIGO 13.º
(Tutela económica e financeira)
1 - A tutela económica e financeira das empresas públicas é exercida pelos Ministros das Finanças e do Plano e da tutela e compreende:a) A definição dos objectivos básicos a prosseguir pela empresa, designadamente para efeitos de preparação dos planos de actividade e dos orçamentos;
b) O poder de exigir todas as informações e documentos julgados úteis para acompanhar a actividade da empresa, bem como o de determinar inspecções ou inquéritos ao seu funcionamento ou a certos aspectos deste, independentemente da existência de indícios de prática de irregularidades;
c) O poder de autorizar ou aprovar:
Os planos de actividade e financeiros e plurienais;
Os orçamentos anuais de exploração de investimento e financeiros, bem como as respectivas actualizações que impliquem redução de resultados previsionais, acréscimo de despesas de investimento ou de necessidades de financiamento;
Os documentos relativos à prestação de contas, aplicação de resultados e utilização de reservas;
Os preços ou tarifas no caso de empresa que explore serviços públicos ou que exerça a sua actividade em regime de exclusivo;
As dotações para capital, indemnizações compensatórias e subsídios a conceder pelo OE e fundos autónomos;
A aquisição e venda de bens imóveis, quando as verbas globais correspondentes não estejam previstas nos orçamentos aprovados;
A aquisição e venda de bens de valor superior a 50000 contos;
Os acordos de saneamento económico e financeiro e os contratos de gestão;
O estatuto do pessoal e, no caso de empresa que explore serviços públicos ou exerça a sua actividade em regime exclusivo, as remunerações e regalias dos trabalhadores;
Os demais actos que nos termos da legislação aplicável necessitem de autorização tutelar.
2 - A autorização ou aprovação referida na alínea c) do n.º 1 depende também da concordância do Ministro do Trabalho e Segurança Social e do ministro competente para a fixação de preços, respectivamente nas matérias relativas a estatutos do pessoal e suas remunerações e à fixação de preços e tarifas.
3 - Em circunstâncias excepcionais pode a empresa ser sujeita a um regime especial de gestão, pelo prazo e nas demais condições fixados em resolução do Conselho de Ministros.
ARTIGO 14.º
(Intervenção do órgão central de planeamento)
1 - Os planos de actividade anuais e plurienais e os projectos de investimento devem ser enviados, através dos órgãos de planeamento dos ministérios da tutela, ao órgão central de planeamento, que informará sobre a sua viabilidade e compatibilidade com os objectivos e políticas macroeconómicos.
2 - O conjunto dos investimentos aprovados constitui o programa de investimentos do sector empresarial do Estado a integrar no Plano.
ARTIGO 16.º
(Contratos-programas)
1 - Sempre que o Governo determinar a prossecução de objectivos sectoriais ou a realização de investimentos de rentabilidade não demonstrada, a sua concretização ficará dependente da celebração de contratos-programas, onde serão acordadas as condições a que ambas as partes se obrigam para a realização dos objectivos programados, contratos que integrarão o plano de actividades para o período a que respeitem.2 - As empresas em situação financeira degradada e com demonstrada viabilidade económica poderão celebrar acordos de saneamento nos termos da legislação aplicável, designadamente do Decreto-Lei 353-C/77, de 29 de Agosto.
ARTIGO 21.º
(Princípios de gestão)
A gestão das empresas públicas realizar-se-á por forma a assegurar a sua viabilidade económica e o seu equilíbrio financeiro, com respeito pelos seguintes condicionalismos:a) Adaptação da oferta à procura economicamente rentável, salvo quando sejam acordadas com o Estado especiais obrigações de interesse público;
b) Obtenção de preços que permitam o equilíbrio da exploração a médio prazo;
c) Obtenção de índices de produtividade compatíveis com padrões internacionais;
d) Evolução da massa salarial adequada aos ganhos de produtividade e ao equilíbrio financeiro da empresa;
e) Subordinação dos novos investimentos a critérios de decisão empresarial, nomeadamente em termos de taxa de rentabilidade, período de recuperação do capital e grau de risco, excepto quando sejam acordados com o Estado outros critérios a aplicar;
f) Adequação dos recursos financeiros à natureza dos actos a financiar;
g) Compatibilidade da estrutura financeira com a rentabilidade da exploração e com o grau de risco da actividade;
h) Adopção de uma gestão previsional por objectivos, assente na descentralização e delegação de responsabilidades e adaptada à dimensão da empresa.
ARTIGO 22.º
(Instrumentos de gestão previsional e de controle de gestão)
1 - A gestão económica e financeira das empresas é disciplinada pelos seguintes instrumentos de gestão previsional:
a) Planos de actividade e financeiros plurienais;
b) Planos de actividade e orçamentos anuais, individualizando, pelo menos, os de exploração, investimento, financeiro e cambial e suas actualizações;
c) Relatórios de controle orçamental adaptados às características da empresa e às necessidades do seu acompanhamento por parte dos Ministérios das Finanças e do Plano e da tutela.
2 - Os Ministros das Finanças e do Plano e da tutela fixarão as regras a observar pelas empresas para a apresentação dos documentos referidos no n.º 1.
ARTIGO 23.º
(Planos de actividade e financeiros plurienais)
1 - Os planos de actividade plurienais devem estabelecer a estratégia a seguir pela empresa, sendo reformulados sempre que as circunstâncias o justificarem.
2 - Os planos financeiros plurienais incluirão o programa de investimentos e respectivas fontes de financiamento e, para um período bienal, a conta de exploração, o balanço, o plano financeiro e o balanço cambial previsionais, constituindo em relação ao primeiro ano uma síntese do orçamento anual, sendo apresentados nos prazos previstos no n.º 2 do artigo seguinte.
ARTIGO 24.º
(Plano de actividade e orçamento anual)
1 - As empresas prepararão para cada ano económico o plano de actividade e os orçamentos anuais, os quais deverão ser completados com os desdobramentos necessários para permitir a descentralização de responsabilidades e o adequado controle de gestão.
2 - Os projectos do plano de actividade e do orçamento anual a que se refere o n.º 1 serão elaborados, com respeito pelos pressupostos macroeconómicos, demais directrizes globais definidas pelo Governo e, quando for caso disso, pelos contratos-programas celebrados, sendo remetidos para aprovação, acompanhados de parecer da comissão de fiscalização, até 30 de Novembro.
3 - As empresas prepararão até 30 de Setembro de cada ano uma primeira versão de elementos básicos dos seus orçamentos de exploração, de investimento, financeiro e cambial para o ano seguinte.
Art. 2.º - 1 - Os estatutos das empresas devem ser alterados de acordo com os princípios consagrados no presente diploma no prazo de 180 dias.
2 - O registo da alteração dos estatutos em cumprimento do disposto no número anterior goza de isenção emolumentar.
3 - Enquanto não forem aprovados novos estatutos, as empresas regem-se pelos estatutos em vigor.
5.1.3.2 - Das disposições transcritas colhe-se, de imediato, que, com excepção dos artigos 8.º, n.º 3, e 10.º, n.os 2 e 3, as demais normas acusadas de inconstitucionais não contêm matéria tipicizável como legislação do trabalho.
Vejamos:
O artigo 7.º respeita apenas aos órgãos da empresa.
O artigo 9.º define: a competência do conselho de administração - n.º 1, alíneas a) a j); a delegabilidade de poderes por esse conselho numa comissão executiva - n.º 2; o modo de laboração e a constituição desta comissão - n.º 3;
a aplicação do estatuto de gestor público a membros do conselho de administração e aos da mencionada comissão - n.º 4; o regime de reuniões e funcionamento dos referidos conselho e comissão - n.º 5; a possibilidade de o presidente do conselho de administração desempenhar determinadas funções da competência do mesmo conselho - n.º 6.
O artigo 9.º-A refere-se à competência do presidente do conselho de administração.
Os artigos 13.º, 14.º e 16.º respeitam à intervenção estatal na vida económica e financeira das empresas públicas.
Nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 24.º formulam-se regras relativas à gestão económica e financeira das empresas.
É, por consequente, evidente que nenhuma destas normas contém directamente matéria subsumível a legislação de trabalho.
5.1.3.3 - Reportar-se-ão os artigos 8.º, n.º 3, e 10.º, n.os 2 e 3, a legislação do trabalho? Impõe-se a resposta afirmativa, pelas razões que passamos a expor.
Diz o artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei 260/76, na redacção dada pelo diploma ora sindicado:
São órgãos obrigatórios das empresas públicas o conselho de administração e a comissão de fiscalização.
O n.º 1 do imediato artigo estabelece:
O conselho de administração é o órgão de gestão da empresa [...] O n.º 3 deste normativo determina:
Um dos membros do conselho de administração representará os trabalhadores da empresa [...] Por sua vez, os n.os 2 e 3 do artigo 10.º estatuem que um dos membros da comissão de fiscalização, embora designado, como os demais, por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e da tutela, «será proposto pelo órgão representativo dos trabalhadores».
Face a estas disposições, forçoso se torna concluir que as normas em causa se inscrevem no âmbito do princípio da participação dos trabalhadores na gestão das empresas públicas.
Na verdade, estes dispositivos incidem sobre a representação dos trabalhadores nos órgãos sociais - conselho de administração (órgão de gestão) e comissão de fiscalização - das empresas públicas.
Atente-se em que um dos representantes dos trabalhadores é eleito para o conselho de administração, «o órgão estratégico com competência para as decisões fundamentais para a vida da empresa» - v. o relatório do diploma sindicado -, cuja actuação se reflectirá sobre a sua prosperidade ou degradação, que necessariamente afectará os próprios trabalhadores. O outro é proposto para a comissão de fiscalização, com competência, além do mais, para fiscalizar a gestão da empresa.
Ora, de acordo com o sobredito relatório, estes representantes constituem um «importante instrumento de diálogo com os trabalhadores».
Portanto, nenhumas dúvidas se podem suscitar de que a participação em apreço constitui um direito cuja essência se radica na qualidade de trabalhador e visa a tutela dos interesses dos trabalhadores da empresa.
Aliás, esta ideia resulta reforçada se nos confrontarmos com a discussão, na Assembleia da República, da proposta de lei 28/III, que autoriza o Governo a rever o Decreto-Lei 260/76 - Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 23, de 16 de Julho de 1983, pp. 1044 e seguintes -, discussão essa que incidiu por forma muito relevante e expressiva sobre o problema da eleição dos representantes dos trabalhadores nos órgãos de gestão das empresas públicas, como se vê das várias intervenções dos senhores deputados.
Consequentemente, os citados n.os 3 do artigo 8.º e 2 e 3 do artigo 10.º, estes na medida em que se reportam à designação do membro da comissão de fiscalização representante dos trabalhadores, tipificam necessariamente a categoria de legislação de trabalho para o efeito do artigo 57.º, n.º 2, alínea a), da lei fundamental.
Reportamo-nos, apenas, ao mencionado artigo 57.º, n.º 2, alínea a), porquanto a participação das comissões de trabalhadores, estabelecida na alínea d) do citado artigo 55.º, se restringe à legislação laboral referente aos respectivos sectores produtivos, que aqui, obviamente, não estão em causa, uma vez que aqueles normativos sindicados respeitam a todas as empresas públicas.
5.1.3.4 - Em execução do princípio da participação dos representantes dos trabalhadores na elaboração de leis do trabalho, o artigo 3.º da Lei 16/79, de 26 de Maio, determina:
Nenhum projecto ou proposta de lei, projecto de decreto-lei ou proposta de decreto regional relativo à legislação de trabalho pode ser discutido e votado pela Assembleia da República, pelo Governo da República, pelas assembleias regionais ou pelos governos regionais sem que as organizações de trabalhadores referidas no artigo 1.º se tenham podido pronunciar sobre ele.
Reza o imediato artigo 4.º:
1 - Para efeitos do disposto no artigo anterior, e para mais ampla divulgação, os projectos e propostas são publicados previamente em separata das seguintes publicações oficiais:
[...] b) Boletim do Trabalho e Emprego, tratando-se de legislação a emanar do Governo da República.
[...] 3 - A Assembleia da República, o Governo da República [...] farão anunciar, através dos órgãos de comunicação social, a publicação da separata e designação das matérias que se encontram em fase de apreciação pública.
Ora, nos casos em apreço não se adoptou a medida de publicidade prévia do projecto do Decreto-Lei 29/84.
Também não consta do processo, nem o Sr. Primeiro-Ministro, na sua resposta, por força do artigo 54.º da Lei 28/82, o alegou, que os representantes dos trabalhadores tivessem sido previamente ouvidos e se tivessem pronunciado acerca do projecto do citado decreto-lei.
Encontra-se, deste modo, frontalmente violado o disposto no artigo 57.º, n.º, 2, alínea a), da Constituição, pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 29/84, ao dar nova redacção aos artigos 8.º, n.º 3, e 10.º, n.os 2 e 3, estes na parte em que se referem à designação do membro da comissão de fiscalização representante dos trabalhadores, do Decreto-Lei 260/76.
Consequentemente, o artigo 1.º do Decreto-Lei 29/84 enferma, nessa medida, de inconstitucionalidade formal.
5.1.4 - Uma vez atingida a conclusão a que se chegou no número anterior, desnecessário se torna apurar a questão da inconstitucionalidade orgânica e da inconstitucionalidade material da norma do citado artigo 8.º, n.º 3, cuja declaração também foi pedida.
5.2 - Nos termos expostos, declara-se a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma contida no artigo 1.º do Decreto-Lei 29/84, de 20 de Janeiro, na parte em que dá nova redacção aos artigos 8.º, n.º 3, e 10.º, n.os 2 e 3 - quanto a este último artigo apenas na medida em que abrange o representante dos trabalhadores -, do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, por violação do artigo 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.
Lisboa, 9 de Abril de 1986. - Mário Afonso - Monteiro Dinis - Martins da Fonseca - Mário de Brito - Raul Mateus - Costa Mesquita - Vital Moreira (com declaração de voto) - Messias Bento (com declaração de voto) - Cardoso da Costa (vencido, conforme declaração anexa) - Magalhães Godinho (vencido, conforme declaração que junto) Armando Manuel Marques Guedes.
Declaração de voto
Tendo acompanhado a posição que fez vencimento quanto à inconstitucionalidade formal, entendo, todavia, que o acórdão não se devia ter quedado por aí, devendo ter abordado também as questões da inconstitucionalidade orgânica e da inconstitucionalidade material do artigo 8.º, n.º 3, do diploma em causa, que também foram expressamente suscitadas no processo. Não se compreende que em relação à referida norma se tenha prescindido de tratar da sua inconstitucionalidade material, tão flagrante ela se apresenta, com a absurda exigência de uma maioria de votos de todos os trabalhadores (votantes ou não) para haver eleição do representante dos trabalhadores, exigência que, a todas as luzes, torna impossível qualquer eleição. Num caso destes, privilegiar a declaraçao de inconstitucionalidade por motivos formais (que, aliás, não colheu o acordo unânime do Tribunal) em prejuízo da declaração de inconstitucionalidade material (que, é de crer, dificilmente poderia ser contestada), não se apresenta, pois, como solução adequada. Seria o mesmo que, no caso de um decreto-lei do Governo que instituísse a pena de morte, ficar pela declaração de inconstitucionalidade orgânica (por violação da competência reservada da Assembleia da República), prescindindo de abordar a inconstitucionalidade material, com o argumento de que com aquela já estaria atingido o objectivo da declaração da inconstitucionalidade ... - Vital Moreira.
Declaração de voto
O sentido natural da expressão «legislação do trabalho» identifica-a com a legislação que contenha regras atinentes ao trabalho subordinado.No presente caso, do que se trata é de regular a eleição dos representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais das empresas públicas, ou seja para o respectivo conselho de administração e para a comissão de fiscalização. É, assim, legislação que respeita à organização da gestão do sector empresarial do Estado.
Por isso, mesmo tendo em conta que a dita expressão - «legislação do trabalho» -, usada nos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, é um conceito normativo, mesmo assim, creio que só num sentido muito translato se poderá dizer que as normas que vêm questionadas se reconduzem a um tal conceito. Daí, pois, a minha dúvida sobre a existência de violação dos mencionados artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da lei fundamental. - Messias Bento.
Declaração de voto
Não fiquei inteiramente convencido de que as normas objecto de apreciação no precedente acórdão integrem a categoria da «legislação do trabalho», a que se reporta o artigo 55.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.Afigura-se-me claro que não se trata aí de normas laborais no sentido mais rigoroso do conceito, isto é, de normas de ordenação e enquadramento da relação laboral típica, ou directamente disciplinadoras do trabalho subordinado.
A deverem merecer essa qualificação, será só, por conseguinte, tomando a noção de «legislação do trabalho» num sentido mais amplo, como aquele, nomeadamente, que é o perfilhado pelo artigo 2.º, n.º 1, da Lei 16/79. Só que, desde logo, não é líquido que o Tribunal Constitucional, ao qual é pedido um puro juízo de «constitucionalidade», esteja adstrito, ao emitir tal juízo, a observar directamente a qualificação porventura decorrente desse preceito legal. E, por outro lado, nas normas questionadas prevalece indiscutivelmente, sobre qualquer eventual (mas sempre muito lata e lateral) qualificação «laborística», uma qualificação «empresarial» ou, mais precisamente, de «gestão empresarial»: na verdade, o sentido essencial e determinante dessas normas (aquilo, pois, que lhes imprime carácter) é o de todo o diploma em que elas se inserem, a saber, o de ordenar e organizar o regime da gestão das empresas públicas.
Eis por que, embora com alguma dúvida, votei vencido. - Cardoso da Costa.
Declaração de voto
Votei vencido, pois não encontrei possibilidade de considerar as normas do n.º 3 do artigo 8.º, nem, em nenhuma das suas partes, dos n.os 2 e 3 do artigo 10.º, como constituindo legislação laboral.É que elas apenas respeitam à estruturação e modo de eleição dos órgãos de gestão de empresas públicas, não contemplando qualquer situação que minimamente possa ter a ver com contratação, remuneração, duração do contrato, organização, segurança, horário, acidentes ou qualquer outra que com o trabalho possa relacionar-se e possa caber na definição de legislação do trabalho.
Mas votaria pelo entendimento de que as mesmas normas, não sendo inconstitucionais formalmente, o são, todavia, materialmente, por violarem as disposições da alínea f) do artigo 55.º e do n.º 2 do artigo 90.º da Constituição, na medida em que obrigam para a eleição do representante dos trabalhadores para o conselho de administração das empresas públicas ao voto favorável de mais de metade dos trabalhadores da empresa, ou seja da maioria dos trabalhadores representados.
Ora tal exigência, que nenhuma norma constitucional autoriza, é desproporcionada e manifestamente susceptível de impedir a concretização do direito que se pretendeu conferir a um lugar no conselho de administração, por isso mesmo que, dadas as frequências normais aos actos eleitorais dos plenários de trabalhadores, como a experiência indica, só muito dificilmente se tornaria viável, sobretudo sempre que haja mais de uma lista, como é natural que suceda, a obtenção de uma tal maioria. - Magalhães Godinho.