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Acórdão 262/90, de 20 de Dezembro

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Sumário

Não declara a inconstitucionalidade das normas constantes do Decreto-Lei n.º 65/87, de 6 de Fevereiro, que elimina a obrigatoriedade de aprovação prévia pela administração do trabalho dos mapas de horário de trabalho.

Texto do documento

Acórdão 262/90

Processo 142/89

Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:

I - O Provedor de Justiça, ao abrigo das disposições contidas no artigo 51.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, e no artigo 281.º da Constituição da República, requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes do Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro.

Fundamentando, aduziu os seguintes argumentos:

a) O Decreto-Lei 65/87 veio alterar a redacção do n.º 1 do artigo 46.º e do artigo 47.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro (lei de duração do trabalho), em termos de «a validade dos horários de trabalho» elaborados pelas entidades patronais passar a deixar de depender de aprovação prévia pela Administração;

b) Os preceitos do Decreto-Lei 65/87 constituem legislação do trabalho, nos termos do artigo 2.º da Lei 16/79, de 26 de Maio;

c) O Governo não ouviu previamente as comissões de trabalhadores nem as comissões coordenadoras ou as associações sindicais, que, assim, não participaram na elaboração do diploma em apreço;

d) Desse modo, foram violadas as normas contidas nos artigos 1.º, 3.º e seguintes da Lei 16/79 e ainda as normas dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República, que atribuem às comissões de trabalhadores e às associações sindicais o direito de participação na elaboração da legislação do trabalho [a referência é feita às normas constitucionais anteriores à 2.ª revisão da Constituição e que têm correspondência, respectivamente, nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), do actual texto constitucional].

Notificado nos termos do artigo 54.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o Primeiro-Ministro veio pronunciar-se sobre o pedido, afirmando, nomeadamente, que:

a) O Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro, considerou «desnecessária a aprovação dos mapas de horário de trabalho, sendo suficiente a remessa de uma cópia para conhecimento à Administração»;

b) Ao introduzir essa alteração, o legislador pretendeu desburocratizar o processo administrativo, tornando-o mais ajustado às realidades actuais do meio laboral;

c) A matéria que é objecto de alteração pelo Decreto-Lei 65/87 respeita às relações entre a Administração e a entidade patronal, «à própria organização governativa e suas prerrogativas»;

d), A «aprovação prévia» resultava da filosofia intervencionista do sistema político vigente à data da lei que a instituiu e não é certo que a sua funcionalidade se orientasse à defesa dos interesses dos trabalhadores;

e) As normas em questão não são susceptíveis de integrarem o conceito de «legislação do trabalho» no sentido que parece resultar dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.

O Primeiro-Ministro concluiu pela improcedência do pedido e a conformidade constitucional das normas contidas no Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro.

II - As normas:

1 - O Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro, cuja constitucionalidade se aprecia, dispõe assim:

Artigo 1º.O n.º 1 do artigo 46.º e o artigo 47.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 46.º

Elaboração dos mapas

1 - Uma cópia dos mapas de horário de trabalho será remetida pela entidade patronal à Inspecção-Geral do Trabalho com a antecedência mínima de oito dias relativamente à sua entrada em vigor.

2 - ....................................................................................................................

Artigo 47.º

Validade dos mapas

A validade dos mapas de horário de trabalho depende da sua conformidade com as disposições aplicáveis em matéria de duração de trabalho e do cumprimento das formalidades estabelecidas neste capítulo.

Art. 2.º São revogadas todas as disposições legais que consagrem a necessidade da aprovação dos mapas de horário de trabalho ou sancionem a falta de cumprimento de tal exigência.

Art. 3.º O disposto no presente diploma aplica-se aos mapas de horário de trabalho elaborados anteriormente à sua entrada em vigor, desde que ainda não tenha sido comunicada a sua aprovação.

Art. 4.º O presente decreto-lei entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.

Resultam, pois, alteradas as normas contidas nos artigos 46.º, n.º 1, e 47.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, cujo teor era o seguinte:

Artigo 46.º

Elaboração dos mapas

1 - Os mapas de horário de trabalho são elaborados em duplicado, sendo uma cópia enviada ao INTP.

2 - ....................................................................................................................

Artigo 47.º

Aprovação dos mapas

A validade dos mapas de horário de trabalho depende da sua aprovação pelo INTP quando as horas de começo e termo do período de funcionamento do estabelecimento não coincidam com as de entrada e saída de todos os trabalhadores ou quando não seja comum a todos estes o intervalo de descanso.

Por virtude da alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei 65/87, a validade dos mapas de horário de trabalho deixou de depender, em quaisquer circunstâncias, da aprovação prévia pela Administração. (Sublinhe-se que o Decreto-Lei 409/71 apenas fazia depender a validade dos mapas de prévia aprovação administrativa nos casos em que «as horas de começo e termo do período de funcionamento do estabelecimento não coincidissem com as de entrada e saída de todos os trabalhadores ou quando não fosse comum a todos estes o intervalo de descanso».) No quadro da actual legislação mantém-se o dever de a entidade patronal enviar à Inspecção-Geral do Trabalho (que substituiu o INTP) uma cópia dos mapas de horário de trabalho (prescrevendo-se a antecedência mínima de oito dias relativamente à entrada em vigor daqueles mapas). Mas a sua validade já não está sujeita a aprovação prévia da Administração: ela depende agora, e segundo a nova redacção dada ao artigo 47.º pelo Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro, da sua conformidade com as disposições aplicáveis em matéria de duração do trabalho e do cumprimento das formalidades estabelecidas no capítulo em que esta mesma disposição se insere. Trata-se do capítulo IX do Decreto-Lei 409/71, que respeita aos mapas de horário de trabalho, definindo as condições da sua publicidade e requisitos de afixação (artigo 44.º), as indicações que deles obrigatoriamente devam constar e, finalmente, as regras da sua elaboração e aprovação (artigos 46.º e 47.º, cuja alteração se aprecia).

2 - A questão de constitucionalidade suscitada respeita à alteração das normas contidas nos artigos 46.º, n.º 1, e 47.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, operada pelos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 65/87 (as outras normas deste diploma têm, em relação àqueles, uma natureza «instrumental», que lhes merecerá, «por arrastamento», o mesmo juízo da conformidade ou desconformidade constitucional).

Importa indagar se a matéria sobre que incide a alteração legislativa é susceptível de integrar as respectivas normas na noção de «legislação do trabalho».

É que a Constituição da República, nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a) [eram os artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da versão anterior à 2.ª revisão constitucional], reconhece às comissões de trabalhadores e às associações sindicais, respectivamente, o direito de participarem na elaboração da legislação do trabalho.

III - A fundamentação:

1 - O direito constitucional de participação na elaboração de legislação do trabalho configura-se como um direito institucional e orgânico de que são titulares as comissões de trabalhadores e associações sindicais (cf., neste sentido, Jorge Miranda, A Constituição de 1976, Lisboa, 1978, pp. 462-463; cf., igualmente, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 91-92). Não estão aqui em causa posições subjectivas individuais.

A ratio da institucionalização dos direitos próprios das comissões de trabalhadores e das associações sindicais, previstos nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, tem que ver com processos de asseguramento de representação de interesses, associando uma dimensão atinente a «opções de organização do poder político» (Vieira de Andrade) a uma dimensão de garantia dos direitos dos trabalhadores.

O direito de participação na elaboração da legislação do trabalho liga-se à dimensão participativa que a Constituição assinala ao princípio democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa). Não é uma participação vinculante para os órgãos de decisão política, assim se compaginando com o princípio representativo. A funcionalidade que desenvolve ordena-se à conformação das opções legislativas, visando acautelar os direitos dos trabalhadores.

Como se afirma no Acórdão 31/84 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 17 de Abril de 1984, o «escopo destes preceitos constitucionais consiste em assegurar aos trabalhadores, através das suas comissões e das suas associações sindicais, uma intervenção efectiva no processo legislativo laboral. Intervenção essa que se destina não só a permitir que o órgão legislativo tome conhecimento das posições assumidas pelos trabalhadores, mas também, e fundamentalmente, a garantir que possam, com inteiro conhecimento de causa, exercer a sua influência sobre determinadas políticas que, em especial, os afectem; de contrário, não se justificaria que aquela participação fosse constitucionalmente concebida e reconhecida como um direito».

2 - A Constituição, porém, não define o conceito de «legislação do trabalho». A delimitação da noção resultará da teleologia das normas constitucionais que atribuem o direito de participação.

Não é, desde logo, legítimo o preenchimento do conceito constitucional de «legislação do trabalho» por referência ao normativo legal que veio disciplinar o processo de audição das comissões de trabalhadores e associações sindicais (Lei 16/79, de 26 de Maio). A Constituição não se encontra, no «quadro das fontes», ao mesmo nível da legislação ordinária, a lei ordinária não se pode considerar constitutiva do processo constitucional. O suporte normativo da delimitação da extensão do conceito de «legislação do trabalho» será só a Constituição. Quando muito, o artigo 2.º, n.º 1, da Lei 16/79 (onde se procede a uma enumeração aberta das situações susceptíveis de imprimirem às normas que as regulam a qualificação de «legislação do trabalho») fornecerá alguns «subsídios» para a delimitação do conceito constitucional.

3 - A doutrina e a jurisprudência vêm procedendo à tarefa interpretativa da noção constitucional de «legislação do trabalho»: para Gomes Canotilho e Vital Moreira (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., p.

300), deve entender-se que «ela abrange toda e qualquer produção normativa (sobretudo legislativa), incluindo a aprovação de convenções internacionais, que verse aspectos do estatuto jurídico dos trabalhadores e das relações de trabalho em geral, incluindo, naturalmente, as que tenham a ver com os direitos constitucionalmente reconhecidos aos trabalhadores, quer a título de 'direitos, liberdades e garantias' (artigos 53.º a 58.º), quer a título de 'direitos e deveres económicos' (artigos 59.º e 60.º) (cf. Lei 16/79, artigo 2.º, n.º 1)».

(Os preceitos constitucionais aí referidos têm a redacção dada pela Lei Constitucional 1/82.) No comentário à versão originária da Constituição de 1976, os mesmos autores consideravam que tal noção devia abranger, pelo menos, «a legislação regulamentar dos direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.ª ed., 1978, p.

150).

A Lei 16/79, de 26 de Maio, veio, no seu artigo 2.º, n.º 1, delimitar assim a noção de «legislação de trabalho»:

Entende-se por legislação de trabalho a que vise regular as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores, enquanto tais, e suas organizações, designadamente:

a) Contrato individual de trabalho;

b) Relações colectivas de trabalho;

c) Comissões de trabalhadores, respectivas comissões coordenadoras e seus direitos;

d) Associações sindicais e direitos sindicais;

e) Exercício do direito à greve;

f) Salário mínimo e máximo nacional e horário nacional de trabalho;

g) Formação profissional;

h) Acidentes de trabalho e doenças profissionais.

No n.º 2 do mesmo artigo considera-se igualmente «legislação do trabalho» o processo de aprovação para ratificação das convenções da Organização Internacional do Trabalho.

O núcleo da definição legal é dado por dois vectores essenciais, a saber, a regulação das relações individuais e colectivas de trabalho e a regulação dos direitos dos trabalhadores enquanto tais e suas organizações.

A jurisprudência constitucional traçou já um critério de delimitação do âmbito da noção de legislação do trabalho que lhe vem servindo de suporte interpretativo dos preceitos constitucionais em causa.

Seguindo, por todos, o Acórdão 107/88, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 141, de 21 de Junho de 1988: «apesar de o texto constitucional não definir o que seja 'legislação do trabalho', pode dizer-se que esta há-de ser 'a que visa regular as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores enquanto tais, e suas organizações' (cf. parecer 17/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 16.º, p. 14), ou, se assim melhor se entender, há-de abranger 'a legislação regulamentar dos direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição' (cf.

Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 31/84, 451/87 e 15/88, in Diário da República, 1.ª série, de, respectivamente, 17 de Abril de 1984, 14 de Dezembro de 1987 e 3 de Fevereiro de 1988)».

4 - Assinalou-se ao direito de participação na legislação do trabalho próprio das comissões de trabalhadores e das associações sindicais uma dimensão organizatório-representativa e uma dimensão de garantia.

Dada a sua dimensão de garantia, a extensão deste direito haverá de ser aferida no âmbito de protecção das normas constitucionais sobre direitos fundamentais dos trabalhadores e das suas organizações: é o catálogo destes direitos, configurados como direitos, liberdades e garantias (artigos 53.º a 57.º da Constituição da República Portuguesa) ou como direitos e deveres económicos (artigos 58.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa), que deverá fornecer o material normativo de delimitação da noção de legislação de trabalho.

A interpretação deverá, por um lado, ter em conta a inserção sistemática das normas contidas nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, que reconhecem o direito de as comissões de trabalhadores e as associações sindicais participarem na elaboração da legislação do trabalho;

são normas que se incluem no capítulo III, «Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores», do título II, «Direitos, liberdades e garantias», da parte I, «Direitos e deveres fundamentais», da Constituição.

Por outro lado, a natureza do direito de participação (nas suas dimensões organizatório-representativa e de garantia) aponta para a sua funcionalização à garantia das posições subjectivas fundamentais dos trabalhadores. É esse o quadro da sua realização e o limite da legitimidade de intervenção das entidades suas titulares.

5 - Cabe agora analisar em que medida a matéria sobre que incide a alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro, é susceptível de integrar as respectivas normas na noção de «legislação do trabalho».

O Decreto-Lei 409/71 fazia depender a validade dos mapas de horário de trabalho de prévia aprovação administrativa nos casos em que «as horas de começo e termo do período de funcionamento do estabelecimento não coincidissem com as de entrada e saída de todos os trabalhadores ou quando não fosse comum a todos estes o intervalo de descanso» (artigo 47.º, antes da nova redacção).

No quadro da actual legislação mantém-se o dever de a entidade patronal enviar à Inspecção-Geral do Trabalho (que substituiu o INTP) uma cópia dos mapas de horário de trabalho (artigo 46.º), mas a sua validade já não está sujeita, em nenhuma circunstância, a autorização prévia da Administração: ela depende agora, e segundo a nova redacção dada ao artigo 47.º pelo Decreto-Lei 65/87, da sua conformidade com as disposições aplicáveis em matéria de duração do trabalho e do cumprimento das formalidades estabelecidas na lei.

O que está em causa é saber se o acto legislativo que dispensa a apresentação prévia à Administração dos mapas de horário de trabalho, como condição da sua validade, deve pressupor a audição prévia dos trabalhadores.

O que é o mesmo que perguntar se isto é «legislação do trabalho», se se trata de matéria atinente ao conteúdo da relação jurídica laboral, ao estatuto ou aos direitos dos trabalhadores.

A aprovação prévia que o Decreto-Lei 65/87 dispensou é um mecanismo de controlo administrativo para a defesa dos direitos dos trabalhadores ou essa garantia está noutro lugar, nas normas que organizam os horários de trabalho e estabelecem os seus limites? A nova redacção dos artigos 46.º, n.º 1, e 47.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, não exclui a tomada de conhecimento pela Administração dos mapas de horários de trabalho. A entidade patronal é obrigada a remeter à Inspecção-Geral do Trabalho uma cópia dos mapas com a antecedência de oito dias relativamente à sua entrada em vigor (artigo 46.º).

Trata-se de uma exigência dirigida ao controlo de legalidade pela Administração. E, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro, a velha exigência de aprovação prévia «revela-se insjustificada em relação ao papel que o Estado deve assumir, estabelecendo o quadro legal que, abstracta e genericamente, delimite o poder de organização dos agentes económicos e fiscalizando o acatamento das regras e dos limites impostos.

Para que esse objectivo se atinja é desnecessária a aprovação dos mapas de horário de trabalho, sendo suficiente a remessa de uma cópia, para conhecimento, à Administração».

Na necessidade de aprovação administrativa dos horários de trabalho não vai co-envolvida qualquer garantia dos direitos dos trabalhadores constitucionalmente previstos [cf. artigo 59.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea b), da Constituição]. Essa garantia situa-se no plano mais vasto das normas que organizam o horário de trabalho e os seus limites.

É nestas normas que tem lugar a protecção dos direitos dos trabalhadores, são elas o parâmetro de legalidade que obriga o Estado a auto-organizar-se em vista da sua defesa.

As normas dos artigos 46.º e 47.º do Decreto-Lei 409/71 respeitam às relações entre a entidade empregadora e a Administração Pública, prevêem mecanismos de publicidade que possibilitam a defesa da lei.

Como se disse no Acórdão 203/90 do Tribunal Constitucional (inédito), não integram o conceito de «legislação de trabalho» as normas que «não assumem aquela directa repercussão na situação jurídica dos trabalhadores que justifica a participação das suas organizações representativas no processo de elaboração respectivo».

Num Estado constitucional democrático a defesa das leis laborais há-de ser também, reflexamente, a defesa dos trabalhadores. E no caso vertente a matéria das normas em apreço não tem intensidade suficiente para justificar a sua integração no conceito constitucional de «legislação do trabalho».

Não deverá o intérprete potenciar à sua máxima amplitude este direito de participação, pois que aqui não ocorre uma verdadeira similitude com as situações em que se faz valer o princípio da máxima efectividade das normas sobre direitos fundamentais.

O que se trata é de obter a conjugação entre a dimensão organizatório-representativa e a dimensão de garantia do direito de participação, de tal modo que ele deve ser funcionalizado à defesa dos direitos subjectivos fundamentais que com o seu reconhecimento se visa acautelar.

Só em função da tutela daqueles direitos subjectivos fundamentais poderá ser reconhecido o direito de audição, sob pena de, como diria Luhmann, a democracia, exagerando a sua dimensão participativista, conduzir a uma sobrecarga de complexidade paralisante, como se se pretendesse que a democracia deva equivaler a que em cada momento cada cidadão ou grupo de interesses tome conta e se pronuncie sobre tudo.

IV - Decisão:

Nestes termos decide-se não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes do Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 6 de Fevereiro de 1987.

Lisboa, 10 de Outubro de 1990. - Maria da Assunção Esteves - Antero Alves Monteiro Dinis - Bravo Serra - Vítor Nunes de Almeida - Armindo Ribeiro Mendes (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - António Vitorino (vencido, no essencial, pelas razões constantes da declaração de voto do primitivo relator, conselheiro Ribeiro Mendes) - José de Sousa e Brito (vencido, por concordar, no essencial, com as razões da declaração de voto do conselheiro Ribeiro Mendes, primitivo relator) - Luís Nunes de Almeida (vencido, pelo essencial das razões constantes da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ribeiro Mendes) - Mário de Brito (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Alberto Tavares da Costa (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - José Manuel Cardoso da Costa - Tem voto de conformidade o Sr. Conselheiro Messias Bento, que não assina por não estar presente.

Declaração de voto

1 - A solução para que a maioria do Tribunal se inclinou não mereceu a minha concordância, tendo ficado vencido como primitivo relator. O projecto de acórdão por mim apresentado concluía no sentido da inconstitucionalidade das normas do Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro, por não ter havido audiência das organizações de trabalhadores sobre o mesmo, qualificando tal diploma como legislação do trabalho, nos termos e para os efeitos dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, na versão resultante da 1.ª revisão constitucional.

Passarei a indicar os fundamentos da minha discordância relativamente à tese vencedora.

2 - O Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro, visou suprimir a formalidade de aprovação prévia por parte da Administração dos mapas de horário de trabalho sempre que a entrada e a saída dos trabalhadores não coincidissem com o início e o termo do período de funcionamento do estabelecimento onde prestassem serviço ou quando não fosse comum a todos o intervalo de descanso. Tal formalidade de aprovação prévia, estabelecida no artigo 47.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro (regime geral da duração do trabalho), condicionava a validade dos próprios mapas de horário de trabalho.

O Governo, ao determinar a eliminação desta formalidade, estava a regular, indubitavelmente, uma relação jurídico-administrativa entre a administração laboral (a Inspecção-Geral do Trabalho) e as entidades patronais. Mas o facto de se tratar da alteração dos pressupostos de uma relação de direito administrativo não impede que tal diploma legal afecte a situação jurídica dos trabalhadores por conta de outrem e que deva ser considerado como sendo legislação do trabalho.

É indubitável que boa parte, pelo menos, das normas contidas no diploma sobre o regime geral da duração de trabalho constitui legislação do trabalho, nomeadamente porque nele se regula a questão da duração e horário de trabalho [cf. artigo 59.º, n.º 2, alínea b), da Constituição]. Como se escreveu no parecer 26/X da Câmara Corporativa do anterior regime político - parecer que incidiu sobre o projecto de diploma legal que veio a ser transformado no Decreto-Lei 409/71 -, «[a] duração do trabalho interessa ao trabalhador, pode-se dizer, por princípio. É algo que lhe toca de perto, como a ninguém, que se lhe inseriu na vida e a condiciona mais intimamente talvez do que qualquer outra circunstância» (in Pareceres, X Legislatura, 1971, I, p. 145). E, mais à frente, expressivamente, deixou bem vincado o referido parecer da Câmara Corporativa a importância do horário de trabalho para o trabalhador, enquanto parte de uma relação contratual com o empregador:

A conciliação dos interesses em presença passa, no estádio inicial, por um ponto em que eles se ajustam exemplarmente: o princípio da duração certa.

Este princípio informa a obrigação legal de elaborar o chamado «horário de trabalho».

Imaginem-se, sem dificuldade, os abusos e desarrumos de toda a espécie que em determinadas épocas da história ocasionou, e ainda hoje provocaria, se fosse concebível a carência do mínimo de certeza quanto à duração do trabalho.

Em termos actuais, o direito a horário de trabalho, contra o que as aparências porventura denunciem, é direito conferido a ambas as partes para definição temporal exacta e afirmação inequívoca da prestação de trabalho contratualmente devida. [Ob. cit., p. 151.] Impõe-se, porém, averiguar se também se deverá considerar legislação de trabalho, para efeitos de aplicação dos indicados preceitos constitucionais, a matéria, de natureza mais processual e administrativa, dos mapas de horário de trabalho.

3 - A preocupação com o modo de publicidade dos horários de trabalho dos diferentes trabalhadores de uma empresa remonta ao final do século passado e a obrigatoriedade de tal publicidade veio a ser consagrada na Convenção n.º 1 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adoptada em Washington em 1919, relativa à duração do trabalho na indústria (aprovada, para ratificação, por Portugal pelo Decreto 15361, de 3 de Abril de 1928). No artigo 8 º desta Convenção impõe-se a cada entidade patronal que dê conhecimento, «por meio de avisos afixados de forma visível no seu próprio estabelecimento ou em qualquer outro local conveniente, ou ainda por qualquer maneira que o Governo aprovar, das horas a que começa e acaba o trabalho ou, se este é executado por grupos de operários, das horas a que principia e termina cada turno. As horas serão fixadas de modo que não excedam os limites previstos pela presente Convenção, e, uma vez notificadas, não se poderão modificar senão de harmonia com o modo e forma de aviso aprovado pelo Governo.» [Alínea a).] Paralelamente a tal obrigação de notificação do horário de trabalho, previu esta Convenção igualmente o registo de horas suplementares prestadas por cada trabalhador.

Como se reconheceu no parecer 26/X da Câmara Corporativa, já atrás citado, a par de tais obrigações de afixação e notificação dos mapas de horário de trabalho e de elaboração de registo de trabalho suplementar, «[a] inspecção do trabalho constitui um 'aspecto distinto, mas essencial, da regulamentação do trabalho em geral' e com esse âmbito genérico deu oportunidade à Convenção n.º 81, adoptada em 1947, que 17 anos depois havia sido ratificada por 58 Estados, entre os quais Portugal» (ob. cit., p. 161).

Quer dizer, os mecanismos administrativos e processuais em matéria de trabalho subordinado revestem-se de uma importância fundamental na garantia dos direitos dos trabalhadores, razão por que estes últimos não são indiferentes às respectivas modificações.

A Câmara Corporativa, quando apreciou o projecto de diploma sobre o regime de duração do trabalho, manifestou a sua concordância com o sistema de aprovação prévia pelo organismo inspectivo da administração do trabalho dos mapas de horário de trabalho nos dois casos que estiveram, depois, consagrados entre 1971 e 1987. Pode ler--se no referido parecer 26/X:

«[o]s mapas que não indicam a mesma hora de entrada e saída para todo o pessoal carecem de ser aprovados pelo INTP. São óbvios os motivos da exigência. Pois, por identidade de razão, devem ficar sujeitos àquela formalidade os mapas donde conste que, embora entrando e saindo simultaneamente, os trabalhadores não descansam todos à mesma hora.» (Ob. cit., p. 296.) E, logo de seguida, o mesmo parecer aborda a questão de pertinência com que se põe o problema da dilação dos despachos de aprovação pelo organismo antecessor da Inspecção-Geral do Trabalho:

Compreende-se que a especial natureza e o melindre das questões tornem aqui impraticável o sistema já ensaiado noutros sectores da Administração e que consiste em tomar como aprovação tácita a falta de comunicação dentro de determinado prazo.

A Câmara espera, contudo, que na execução do presente diploma se providenciará para evitar aos requerentes a incerteza e as perturbações ocasionadas pelo atraso dos Serviços. [Ob. cit., p. 297.] Será sustentável, face à evolução descrita, que o diploma que elimina tal regime de aprovação administrativa (exigência considerada «por motivos óbvios» impor-se em 1971) não seja considerado como legislação do trabalho? Afigura-se insustentável a posição da maioria nesta matéria. Vejamos porquê.

4 - Preliminarmente, há que acentuar que a resposta a tal questão é independente da formulação de qualquer juízo sobre a bondade de inovação legislativa do disposto no Decreto-Lei 65/87, seja de natureza política, moral ou outra.

Se se considerar legislação de trabalho, o diploma em causa não deixará de contar normas inconstitucionais, do ponto de vista formal, ainda que as medidas constantes de tais normas possam fazer supor uma concordância hipotética ou presumida das comissões de trabalhadores ou das associações sindicais quanto a tais medidas. Há-de haver uma intervenção formal dessas organizações no processo legislativo, sob pena de inconstitucionalidade.

5 - A lei ordinária estabeleceu, já se viu, uma enumeração exemplificativa ou meramente enunciativa, isto é, não taxativa, das matérias que constituem legislação do trabalho, para efeitos de organização do processo de consulta ou audição das organizações dos trabalhadores na elaboração dessa legislação, para dar cumprimento aos preceitos constitucionais na matéria.

Trata-se da Lei 16/79, de 26 de Maio.

O artigo 2.º dessa lei estabelece o que se entende por legislação do trabalho:

1 - Entende-se por legislação do trabalho a que vise regular as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores, enquanto tais e suas organizações, designadamente:

a) Contrato individual de trabalho;

b) Relações colectivas de trabalho;

c) Comissões de trabalhadores, respectivas comissões coordenadoras e seus direitos;

d) Associações sindicais e direitos sindicais;

e) Exercício do direito à greve;

f) Salário mínimo nacional e horário nacional de trabalho;

g) Formação profissional;

h) Acidentes de trabalho e doenças profissionais.

2 - Considera-se igualmente matéria de legislação de trabalho, para efeitos da presente lei, o processo de aprovação para ratificação das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A doutrina e a jurisprudência constitucional aceitam que tal enumeração é meramente enunciativa, como decorre, aliás, da utilização pelo legislador ordinário do advérbio «designadamente». Da mera leitura do preceito resulta que são considerados exemplos de legislação do trabalho os diplomas respeitantes à regulamentação não só das relações individuais de trabalho, como também das relações colectivas de trabalho, das organizações de trabalhadores, das associações e direitos sindicais, da formação profissional e doenças profissionais. E haverá de notar-se, em qualquer caso, que a enumeração enunciativa contida no artigo 2.º da Lei 16/79 não pode ser, por si só, determinante para a qualificação de certas normas como legislação de trabalho na aplicação dos referidos preceitos constitucionais (cf. votos de vencido no Acórdão 117/86 deste Tribunal, em especial o do conselheiro Cardoso da Costa).

O disposto no citado artigo 2.º da Lei 16/79 deve considerar-se, em todo o caso, um importante elemento de natureza interpretativa a ter em conta na determinação da extensão do conceito de legislação laboral no texto constitucional, embora sem ter carácter de exclusividade.

A par disso, deve ter-se em consideração igualmente a delimitação da noção de direito do trabalho que é avançada pela doutrina. Nesse plano, tem-se sustentado que o direito do trabalho é um ramo de direito que disciplina a prestação de trabalho subordinado, sendo certo que tal prestação de trabalho subordinado está na origem de relações jurídicas de diferente natureza, nomeadamente a relação individual de trabalho (que vincula o trabalhador e a entidade patronal, tendo por base o contrato celebrado entre ambos), a relação entre o empregador e o Estado e, por último, as relações colectivas de trabalho. No que toca à relação entre o empregador e o Estado, surge-nos o chamado direito público do trabalho, ou direito administrativo do trabalho, ou direito de protecção do trabalho. Monteiro Fernandes, por exemplo, considera que fazem ainda parte do direito substantivo do trabalho as normas que criam os deveres que os empregadores têm de observar, no desenvolvimento da relação individual, inspirados «na tutela dos interesses gerais que relevam do trabalho e cujo cumprimento é fiscalizado pela administração estadual do trabalho e sancionado por meios de natureza pública» (Direito do Trabalho, I, 6.ª ed., p. 1987, p. 44). E também Menezes Cordeiro acentua o carácter «policêntrico» do fenómeno do juslaborismo, considerando que o direito do trabalho abrange nas sociedades contemporâneas o direito individual do trabalho, o direito colectivo do trabalho e ainda o «direito das condições de trabalho», «âmbito regulativo que assenta em situações jurídicas laborais diferentes das acima consideradas ou, se se preferir, em níveis não individuais das situações jurídicas laborais». Nesse direito das condições do trabalho entram as regras jurídicas que têm por base aspectos de segurança, de higiene e saúde pública, de cultura ou de política económica que levam a uma intervenção estadual, com regras destinadas à sua regulação. Sendo duvidoso que tal âmbito regulativo «apresente um objecto suficientemente preciso ou um teor minimamente característico», a verdade é que a estrutura desses comandos é «bem marcada»: «jogando a autoridade do Estado contra meras esferas privadas, o direito das condições de trabalho é direito público, pelo menos tendencialmente» (Direito do Trabalho, 1.º vol., 2.ª ed., Lisboa, 1988, pp.

28-29). Admitindo este autor que todo o direito das condições do trabalho «corra o risco» de ser, materialmente, direito administrativo, a distinção há-de operar, em sua opinião, «com recurso à relação geral-especial: o direito administrativo trata a generalidade da problemática administrativa, enquanto o direito do trabalho se ocupa, em especial, da questão laboral» (ob. cit., p. 34).

Face a estas considerações, crê-se que o diploma em apreciação deve ser considerado como legislação do trabalho, não obstante a matéria de natureza restritiva que regula.

Tal conclusão parece decorrer do entendimento perfilhado na doutrina portuguesa por autores como Gomes Canotilho, Vital Moreira, Barros Moura, Monteiro Fernandes e Menezes Cordeiro, ainda que nem todos eles estabeleçam os mesmos limites para a noção de direito do trabalho.

E tal conclusão crê-se decorrer ainda de uma concepção mais restritiva, como a que foi perfilhada pela Procuradoria-Geral da República, antes da publicação da Lei 16/79, de que o conceito constitucional de legislação do trabalho «parece não dever, em qualquer caso, ser mais extensivo do que resulta dos princípios enunciados nas referidas disposições [artigos 51.º a 54.º, 56.º, 57.º, 59.º e 60.º da versão originária da Constituição]». Para o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, «[l]egislação do trabalho será, v. g., a que respeita à higiene e segurança no trabalho, à fixação do salário nacional, ao direito à greve, à especial protecção do trabalho de mulheres e menores. Já não a que regule matérias de que são destinatários os cidadãos em geral, ainda que, expressa ou implicitamente, autonomize na sua vocação normativa determinados grupos ou entidades ou tenha por objecto assuntos que também a estes interessem.» (Parecer 219/78, de 16 de Novembro de 1978, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 286, pp. 177 e segs.) Para esta linha de pensamento, afigura-se que constitui legislação do trabalho aquela que tem a ver com o regime de estabelecimento e tutela das «condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito», nomeadamente «a fixação a nível nacional dos limites da duração do trabalho» [artigo 59.º, n.º 2, alínea h), da Constituição]. Nesta ordem de ideias, a expressão contida na Lei 16/79 («horário nacional de trabalho») não funcionaria como um limite à noção constitucional de «legislação de trabalho», sendo certo que a enumeração constante do seu artigo 2.º não é taxativa.

6 - Não se pode dizer - como se afirma na posição que fez vencimento - que as normas que traduzem a supressão da aprovação administrativa de certos mapas de horário de trabalho «não assumem aquela directa repercussão na situação jurídica dos trabalhadores que justifica a participação das suas organizações representativas no processo de elaboração respectivo» (formulação, aliás, recebida do Acórdão 203/90 da 1.ª Secção deste Tribunal).

Por outro lado, é manifesto que a circunstância de «apenas» se tratar da eliminação de uma aprovação administrativa não impede que possa ser afectada a garantia dos direitos dos trabalhadores. Sustentaria, acaso, a tese vencedora que a eliminação da aprovação administrativa no caso dos despedimentos colectivos não seria legislação de trabalho e não afectaria a garantia do direito ao trabalho dos trabalhadores afectados? Por outro lado, a interpretação restritiva da noção de legislação de trabalho que é perfilhada pela tese vencedora não é defensável em matéria de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e suas organizações, não se compatibilizando com o disposto no artigo 18.º da Constituição.

Nesta linha de pensamento, não se pode dizer que a supressão de aprovação de certos mapas de horário de trabalho só atinja de forma reflexa, mediata e parcial a efectivação de direitos fundamentais dos trabalhadores, situando-se no domínio das relações entre os empregadores e a Administração Pública.

Sendo certo que a eliminação de tal formalidade de aprovação se situa no domínio do chamado direito administrativo do trabalho, não é menos verdade que se relaciona com a garantia do cumprimento dos limites da duração do trabalho, tendo a ver com as condições de trabalho, remuneração e repouso a que os trabalhadores têm constitucionalmente direito. Pode, assim, dizer-se que, não obstante o seu objecto restrito, essas normas repercutem-se directamente na situação jurídica dos trabalhadores, repercussão que fundamenta o dever de audição e o correspondente direito de participação das organizações dos trabalhadores. Tal repercussão é de grau superior em relação a situação que decorre da criação de sanções para tutela dos deveres das entidades patronais imposto pela legislação sobre condições de trabalho, situação que esteve na origem dos Acórdãos da 1.ª Secção n.os 201/90 e 203/90, ainda inéditos, acórdãos, aliás, em que o signatário formulou declarações de voto de vencido.

Nessa medida, o intérprete está a preencher a noção constitucional de «legislação do trabalho», na sua aplicação ao caso concreto, em obediência ao princípio da «máxima efectividade» do texto constitucional [«a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª ed., Coimbra, 1986, p. 162)].

7 - Daí impor-se a conclusão de que o Decreto-Lei 65/87 estava afectado de inconstitucionalidade formal, por violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, na versão resultante da revisão constitucional em vigor à data da promulgação daquele. - Armindo Ribeiro Mendes.

Declaração de voto

O Provedor de Justiça veio requerer a declaração de inconstitucionalidade (formal), com força obrigatória geral, das normas constantes do Decreto-Lei 65/87, de 6 de Fevereiro, diploma este que, segundo o sumário oficial, «elimina a obrigatoriedade de aprovação prévia pela administração do trabalho dos mapas de horário de trabalho».

Está em causa, fundamentalmente, o artigo 1.º desse decreto-lei, que dá nova redacção ao n.º 1 do artigo 46.º e ao artigo 47.º do Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro, que contém o regime jurídico da duração do trabalho.

Dispunha o n.º 1 do artigo 46.º:

Os mapas de horário de trabalho são elaborados em duplicado, sendo uma cópia enviada ao INTP [Instituto Nacional do Trabalho e Previdência].

E, na sequência desse preceito, estabelecia o artigo 47.º:

A validade dos mapas de horário de trabalho depende da sua aprovação pelo INTP quando as horas de começo e termo do período de funcionamento do estabelecimento não coincidam com as de entrada e saída de todos os trabalhadores ou quando não seja comum a todos estes o intervalo de descanso.

As novas redacções são as seguintes:

Art. 46.º - 1 - Uma cópia dos mapas de horário de trabalho será remetida pela entidade patronal à Inspecção-Geral do Trabalho com a antecedência mínima de oito dias relativamente à sua entrada em vigor.

Art. 47.º A validade dos mapas de horário de trabalho depende da sua conformidade com as disposições aplicáveis em matéria de duração de trabalho e do cumprimento das formalidades estabelecidas neste capítulo.

O fundamento da inconstitucionalidade é a violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, já que «o Governo não ouviu previamente sobre a matéria em apreço as comissões de trabalhadores, nem as respectivas comissões coordenadoras, nem as associações sindicais, não lhes dando, assim, a possibilidade de participarem na elaboração do diploma em apreço».

A Constituição, na versão da Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, consigna entre os «direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores» o direito de «participar na elaboração da legislação do trabalho», quer por parte das comissões de trabalhadores [artigo 55.º, alínea d)], quer por parte das associações sindicais [artigo 57.º, n.º 2, alínea a)].

A questão resume-se, pois, a saber se as normas postas em causa integram «legislação do trabalho».

Ora, a meu ver, a resposta afirmativa impõe-se, pelas razões expostas na declaração de voto do conselheiro Ribeiro Mendes.

E daí a inconstitucionalidade dessas normas. - Mário de Brito.

Declaração de voto

Vencido. Subscrevi recentemente o Acórdão 203/90, acima citado, bem como o n.º 201/90, por entender que as normas aí sindicadas não integram o conceito constitucionalmente adequado de legislação de trabalho, pois, como então se ponderou, remetendo-se para outro acórdão, o n.º 107/88, não versam sobre relações individuais ou colectivas de trabalho, nem sobre os direitos dos trabalhadores enquanto tais, nem tão-pouco sobre as suas organizações, nem ainda sobre os direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição.

No caso vertente, porém, há uma diferença de grau que me induz a não perfilhar a tese vencedora: as normas constantes do Decreto-Lei 65/87 não se circunscrevem ao âmbito entidade empregadora-Administração, repercutindo-se também na esfera jurídica dos trabalhadores numa área em que estão em causa os direitos e garantias fundamentais destes - como é a da duração do trabalho -, como tal susceptibilizando o enfraquecimento daquele núcleo garantístico.

Com efeito, e sem objectar quanto à filosofia inspiradora do diploma, que se pretende mais ajustado à realidade sócio-económica, prevenindo excessos intervencionistas e pretendendo desburocratizar, a não sujeição prévia a aprovação dos mapas dos horários de trabalho - bastando-se o sistema com o mero dever de comunicar - possibilita a atenuação do controlo das garantias relacionadas com os limites de duração do trabalho e as condições em que este é desempenhado, a justificar a prévia audição dos trabalhadores, pelos meios constitucionalmente previstos.

Repare-se: a questão não se limita ao controlo da conformidade legal (ou convencional) do regime existente sobre a afixação dos mapas dos horários de trabalho, cuja fiscalização constitui uma das atribuições da Inspecção-Geral do Trabalho, a quem, por conseguinte, compete proceder em conformidade.

Estão também em causa, e de modo significativo, as condições de trabalho (que a Convenção n.º 81 da OIT, aprovada, para ratificação, pelo Decreto-Lei 44148, de 6 de Janeiro de 1962, assegura, mediante o sistema de inspecção do trabalho), conceito cuja «zona estatutária» abarca, além do mais, a duração e o horário do trabalho.

Silva Leal, escrevendo em diferente contexto institucional e tendo por base um ordenamento corporativo que o Estatuto do Trabalho Nacional ilustrava, afirmava já apresentar o regime do horário do trabalho as características de um regime estatutário no qual haveriam de se considerar os interesses dos trabalhadores, dependendo a liberdade de elaboração dos horários de trabalho por parte das empresas e a afixação dos limites horários de trabalho da concertação entre os organismos corporativos que representam as empresas e os trabalhadores (cf. «O regime jurídico do horário de trabalho», in Estudos Sociais e Corporativos, ano I, Julho de 1962, n.º 3, pp. 92 e segs., máxime pp.

100 e 107).

É evidente que os mapas de horário de trabalho não se confundem com o horário de trabalho, mas pressupõem-no, obedecem ao condicionalismo legal para este exigido e publicitam-no. O eventual atropelo das regras que os pautam repercute-se, se a fiscalização a posteriori não for diligente, no respectivo horário, matéria contida nas condições de trabalho (cf. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 1.º vol., 2.ª ed., Lisboa, 1988, p. 28; Jean Rivero e Jean Savatier, Droit du travail, Paris, PUF, 7.ª ed., 1978, pp. 440 e segs. e 460 e segs.; Bernard Teyssié, Droit du travail, Paris, Litec, 1980, pp.

229 e segs.; Nicolas Valticos, Droit international du travail, integrado no Traité du droit du travail, dirig. por G. H. Camerlynck, Paris, Dalloz, 1970, pp. 340 e segs., com o elenco das convenções e recomendações da OIT sobre horários de trabalho).

O que sumariamente se pretende com o exposto é salientar que, diferentemente dos casos contemplados nos Acórdãos n.os 201/90 e 203/90, a matéria em causa integra-se na plataforma garantística dos direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, a justificar a sua participação nos termos constitucionais previstos [artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), na versão de 1982].

Ou seja, sempre que a dimensão organizatória-representativa e a dimensão da garantia do direito de participação (para usar a linguagem do acórdão) se interseccionam, sempre que a repartição do poder empresarial-patronal colida com a consagração da dignidade do trabalho do trabalhador [Mário Pinto, «A função do direito do trabalho e a crise actual», in Revista de Direito e Estudos Sociais, ano I da 2.ª série (1986), n.º 1, pp. 59 e 60], há que ter em conta o reconhecimento e a garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores e das suas organizações.

É o caso. - Alberto Tavares da Costa.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1990/12/20/plain-22629.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/22629.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1962-01-06 - Decreto-Lei 44148 - Ministério dos Negócios Estrangeiros - Direcção-Geral dos Negócios Económicos e Consulares

    Aprova para ratificação a Convenção (n.º 81) relativa à inspecção do trabalho na indústria e no comércio, adoptada pela 30.ª Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, reunida em Genebra, cujo texto em francês e respectiva tradução em português são publicados em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1971-09-27 - Decreto-Lei 409/71 - Ministério das Corporações e Previdência Social

    Estabelece o novo regime jurídico da duração do trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1979-05-26 - Lei 16/79 - Assembleia da República

    Regula a participação das organizações de trabalhadores (comissões de trabalhadores e respectivas comissões coordenadoras, bem como associações sindicais) na elaboração da legislação de trabalho. Aprova e publica em anexo o modelo do impresso destinado ao pronunciamento das referidas organizações sobre os projectos e propostas de legislação, nos prazos e condições estipulados neste diploma.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-04-17 - Acórdão 31/84 - Tribunal Constitucional

    Declara com força obrigatória geral a inconstitucionalidade das normas constitutivas dos Dedretos-Leis nºs 381/82, de 15 de Setembro, 434-A/82, de 29 de Outubro, na parte em que aprovou o Regulamento de Disciplina do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, e 393/82, de 20 de Setembro, por violação do disposto na alínea d) do artigo 56º e alínea a) do nº 2 do artigo 58º da Constituição, na sua versão originária.

  • Tem documento Em vigor 1986-05-19 - Acórdão 117/86 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma contida no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 29/84, de 20 de Janeiro, na parte em que dá nova redacção aos artigos 8.º, n.º 3, e 10.º, n.os 2 e 3 - quanto a este último artigo apenas na medida em que abrange o representante dos trabalhadores -, do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, por violação do artigo 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-06 - Decreto-Lei 65/87 - Ministério do Trabalho e Segurança Social

    Elimina a obrigatoriedade de aprovação prévia pela administração do trabalho dos mapas de horário de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1988-06-21 - Acórdão 107/88 - Tribunal Constitucional

    DECIDE PRONUNCIAR-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DE ALGUMAS NORMAS DO DECRETO NUMERO 81/V, DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, DE 880430, QUE HAVIA SIDO REMETIDO PARA PROMULGAÇÃO COMO LEI, E REPORTADO 'A AUTORIZAÇÃO AO GOVERNO PARA REVER O REGIME JURÍDICO DA CESSACAO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO, DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO E O REGIME PROCESSUAL DA SUSPENSÃO E REDUÇÃO DA PRESTAÇÃO DO TRABALHO'.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1991-04-11 - Acórdão 64/91 - Tribunal Constitucional

    DECIDE PRONUNCIAR-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DE TODAS AS NORMAS DO DECRETO NUMERO 302/V DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA (PUBLICADO NO DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA II SÉRIE, NUMERO 28, DE 23 DE FEVEREIRO DE 1991) POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 54, NUMERO 2, ALÍNEA D), E 56, NUMERO 2, ALÍNEA A) DA CONSTITUICAO.

  • Tem documento Em vigor 2020-01-27 - Acórdão do Tribunal Constitucional 774/2019 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho, celebrado há menos de um ano, de titular que seja designado administrador da sociedade empregadora, por violação do disposto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição, na redação vigente à data em que a norma f (...)

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