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Acórdão 31/84, de 17 de Abril

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Sumário

Declara com força obrigatória geral a inconstitucionalidade das normas constitutivas dos Dedretos-Leis nºs 381/82, de 15 de Setembro, 434-A/82, de 29 de Outubro, na parte em que aprovou o Regulamento de Disciplina do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, e 393/82, de 20 de Setembro, por violação do disposto na alínea d) do artigo 56º e alínea a) do nº 2 do artigo 58º da Constituição, na sua versão originária.

Texto do documento

Acórdão 31/84

Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:

I Introdução

1 - O Presidente da Assembleia da República requereu, nos termos e para os efeitos do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, conjugado com o n.º 1 do artigo 51.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas constantes dos Decretos-Leis n.os 381/82, de 15 de Setembro, 434-A/82, de 29 de Outubro, e 393/82, de 20 de Setembro, todos do Conselho da Revolução.

Em abono do seu requerimento produziu as alegações seguintes:

a) O Decreto-Lei 381/82, que aprovou o Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, o Decreto-Lei 434-A/82, na parte em que aprovou o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, e o Decreto-Lei 393/82, que dispõe sobre diversos aspectos de relação jurídica de trabalho do pessoal civil daqueles estabelecimentos, disciplinaram, além do mais, as relações juslaborais dos trabalhadores e, designadamente, a constituição, suspensão e extinção da relação do trabalho, direitos e deveres das partes, regime disciplinar, modo de fixação e actualização das retribuições e condições de prestação de trabalho;

b) Como a competência legislativa do Conselho da Revolução se restringia constitucionalmente, no âmbito interno e exclusivo, à organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas, não sendo os trabalhadores atingidos pelos diplomas próprios dos seus membros e tratando-se apenas das suas relações laborais, foram violados os artigos 142.º e 148.º da Constituição no seu texto originário, pois que aquele Conselho carecia de competência para legislar sobre tais matérias, ficando, assim, os três diplomas a enfermar de inconstitucionalidade orgânica;

c) Os textos legais em referência, versando relações individuais e colectivas de trabalho, inserem-se no conceito constitucional e legal da legislação do trabalho, e, assim, deveriam ter sido elaborados com a participação dos trabalhadores, o que, não tendo acontecido, faz com que se achem violados os artigos 56.º, alínea d), e 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição na sua versão originária, gerando-se sobre todos eles inconstitucionalidade formal;

d) Além disto, verificaram-se várias inconstitucionalidades materiais, a saber:

violação do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição por todas as disposições que representam especialidade e discriminação em relação ao ordenamento jurídico-laboral aplicável ao conjunto dos trabalhadores portugueses; violação do artigo 53.º, da lei básica pela totalidade das normas do Decreto-Lei 393/82;

violação do artigo 20.º, n.os 1 e 2, da Constituição pela conjugação dos artigos 68.º e 73.º do Regulamento Disciplinar e 107.º do Estatuto, da qual resulta denegar-se o acesso à justiça em sede de recursos; violação do artigo 57.º, n.os 1 e 3, do diploma fundamental pelos artigos 113.º e 118.º do Estatuto, que regem sobre a fixação administrativa das remunerações e condições do trabalho.

2 - A materialidade contido na alegação do Presidente da Assembleia da República autoriza a formulação de uma síntese conclusiva, que pode ordenar-se nos seguintes termos:

Primeiro pedido - declaração de inconstitucionalidade dos Decretos-Leis n.os 381/82, 434-A/82, na parte em que aprovou o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, e 393/82, por todas as suas normas haverem violado os artigos 142.º e 148.º da Constituição na sua versão inicial (inconstitucionalidade orgânica);

Segundo pedido - declaração de inconstitucionalidade dos Decretos-Leis n.os 381/82, 434-A/82, na parte em que aprovou o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, e 343/82, porque todas as suas normas violaram os artigos 56.º, alínea d), e 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição na sua versão originária (inconstitucionalidade formal);

Terceiro pedido - declaração de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, de todos os preceitos daqueles diplomas legais, que representam especialidade e discriminação em relação ao ordenamento jurídico-laboral aplicável ao conjunto dos trabalhadores portugueses (inconstitucional idade material);

Quarto pedido - declaração de inconstitucionalidade de todas as normas do Decreto-Lei 393/82, por ofensa ao disposto no artigo 53.º da Constituição no seu texto originário (inconstitucionalidade material);

Quinto pedido - declaração de inconstitucionalidade dos artigos 68.º e 73.º do Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas e do artigo 107.º do Estatuto do mesmo pessoal, por violação do artigo 20.º, n.os 1 e 2, da Constituição (inconstitucionalidade material);

Sexto pedido - declaração de inconstitucionalidade dos artigos 113.º a 118.º do Estatuto já referenciado, por afrontamento do disposto no artigo 57.º, n.os 1 e 3, do diploma fundamental (inconstitucionalidade material).

3 - Cumpre suscitar liminarmente duas questões, cuja decisão envolverá a dimensão e fixação do thema decidendum.

De um lado, importa averiguar se todos os pedidos formulados pelo requerente comportam os pressupostos de admissibilidade exigíveis para o seu acolhimento.

De outro lado, considerando que a Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, suprimiu os artigos 142.º a 149.º da Constituição de 1976, referentes ao Conselho da Revolução, cabe também apurar se a alegada inconstitucionalidade orgânica continua ainda a ser sindicável.

De seguida apreciar-se-ão, de per si, estas duas matérias preliminares.

II - Primeira questão prévia

4 - Por força do disposto no n.º 1 do artigo 51.º da Lei 28/82, o pedido de apreciação da constitucionalidade deve especificar, além das normas cuja avaliação se requer, as normas ou os princípios constitucionais violados.

Do n.º 5 do mesmo preceito decorre que o Tribunal só pode declarar a inconstitucionalidade de normas cuja apreciação tenha sido requerida, podendo, embora, fazê-lo com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada.

Por outro lado, o processo sempre se inicia sob o impulso de uma entidade diversa do Tribunal, pois que, mesmo na hipótese contemplada no n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, a iniciativa processual não cabe ao Tribunal Constitucional, mas sim, como se extrai do artigo 82.º da Lei 28/82, a qualquer dos juízes ou ao Ministério Público.

Pode afirmar-se, do exposto, que na acção de inconstitucionalidade vigora o princípio do pedido, ao menos no sentido de que o processo sempre se desencadeia sob o impulso de uma entidade diversa do órgão judicante, à qual compete formular um pedido radicado em uma causa de pedir.

O pedido consiste na solicitação para que se declare a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de uma ou de várias normas de direito ordinário.

A causa de pedir é representada pelas normas ou princípios constitucionais que o peticionante reputa por violadas e, dessa forma, o seu afrontamento traduz a razão de ser do pedido.

Como corolário daquele princípio, pertence ao autor do pedido o ónus de identificar, especificando-a, a norma de direito ordinário que pretende ver declarada inconstitucional com força obrigatória geral. Na sua avaliação, o ordenamento jurídico contém determinadas normas de conteúdo infraconstitucional, impondo-se a sua depuração com o consequente banimento dessas normas.

Estando os poderes de cognição do Tribunal limitados e condicionados pelo pedido - só pode declarar a inconstitucionalidade de normas cuja apreciação tenha sido requerida - não já pela causa de pedir: a declaração de inconstitucionalidade pode ser feita com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada -, importa que aquele se apresente rigorosamente formulado, com uma individualização concreta e especificada da norma ou normas havidas por violadoras do texto constitucional.

Aliás, quando o pedido de apreciação da constitucionalidade enferma de falta, insuficiência ou manifesta obscuridade das indicações que cabe comportar, deve o seu autor ser notificado para suprir as deficiências, acarretando o não suprimento a sua rejeição (cf. n.º 3 do artigo 51.º e n.º 1 do artigo 52.º, ambos da Lei 28/82).

5 - No âmbito da admissibilidade dos pedidos e correlativa verificação dos seus pressupostos, têm-se por legalmente formulados os que se reportam às invocadas inconstitucionalidades orgânica e formal (primeiro e segundo pedidos) e às duas últimas alegadas inconstitucionalidades materiais (quinto e sexto pedidos).

Os dois primeiros pedidos, apesar da sua natureza global, derivada da remissão ao todo do articulado constitutivo dos diplomas legais em apreço, preenchem o pressuposto atinente à enunciação das normas violadoras, pois que o eventual vício sobre elas impendente advirá, não do seu conteúdo, da especificidade do seu quadro dispositivo, mas antes da identidade do órgão legiferante e do incumprimento de determinadas regras que deveriam ter sido praticadas no decurso do processo de criação do acto normativo.

No peticionamento da declaração de inconstitucionalidade orgânica e formal que o requerente aduziu não importava a especificação concreta e individualizada de qualquer das normas dos diplomas legais postos em crise, pois que estes, na sua universalidade, padecem de um vício que os afecta por inteiro, e não somente a algum ou alguns dos seus preceitos individualmente considerados.

Não existe, assim, qualquer obstáculo ao conhecimento destes dois pedidos, tal-qualmente sucedendo quanto aos formulados em quinto e sexto lugares, que por inteiro obedeceram a todas as prescrições legais sobre a matéria.

6 - Igual conclusão não se pode alcançar no que toca aos dois restantes (terceiro e quarto pedidos).

É manifesto que o requerente, quando peticiona a declaração de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, de todas as disposições dos Decretos-Leis n.os 381/82, 434-A/82 e 393/82, que representam especialidade e discriminação em relação ao ordenamento jurídico-laboral aplicável ao conjunto dos trabalhadores portugueses, não satisfaz minimamente o ónus de identificar e individualizar em concreto as normas de direito ordinário que, segundo o seu entendimento, enfermam de inconstitucionalidade material.

Perante a vagueza e indeterminação do pedido, haveria de ser o Tribunal a escogitar, de entre mais de duzentos preceitos, tantos os que comportam aqueles diplomas legais, quais deles representam especialidade e discriminação. Ao Tribunal, porém, está vedada a integração do pedido, já que aos requerentes, e só a eles, compete circunscrever o tema a decidir (ne eat judex ultra vel extra petita partium).

Face ao exposto, e por carência de um dos pressupostos de admissibilidade, rejeita-se o terceiro pedido, dele não se tomando conhecimento.

O quarto pedido foi formulado de modo global, reportando-se à violação do artigo 53.º da Constituição pela totalidade das normas do Decreto-Lei 393/82.

Este diploma define a natureza e âmbito da contratação do pessoal civil dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas nos termos da legislação do trabalho, prevista no artigo 14.º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei 381/82.

Considerando que este tipo de contratação deverá atender às necessidades actuais dos estabelecimentos fabris, em fase de reorganização, à natureza específica da sua missão, aos direitos adquiridos pelo pessoal existente e aos preceitos gerais estabelecidos no referido Estatuto, disciplina o contrato de trabalho através de normas de conteúdo substantivo e outras de natureza meramente processual.

No domínio da inconstitucionalidade material, ao contrário do que se afirmou em relação aos dois primeiros pedidos, o ónus de identificar concretamente as normas cuja apreciação é requerida apenas em casos muito especiais pode ser satisfeito através da referência global a todo o articulado que integra um determinado texto legal. Só dificilmente se pode conceber que todas as normas contendam com o mesmo preceito ou princípio constitucional (quando, como no caso em presença, a causa petendi é simples), ou com várias normas ou princípios constitucionais simultaneamente, se a causa de pedir for complexa.

Restará sempre, na hipótese sub judice resta seguramente, uma grande margem de indeterminação e insegurança na exacta dimensionação do pedido que, em última análise, envolveria, por parte do Tribunal, quando dele houvesse de tomar conhecimento, uma actividade de definição e demarcação do tema em decisão que a lei não lhe autoriza.

Por outro lado, referindo-se o pedido à violação do artigo 53.º da Constituição na sua versão originária, que afirmava os direitos dos trabalhadores, não se tem por verificado que todas as normas do Decreto-Lei 393/82 respeitem, directa ou indirectamente, àquela matéria, o que, desde logo, consente afirmar existir inadequada especificação das normas violadas e, consequentemente, incumprimento, por parte do requerente, de uma formulação concreta e individualizada do pedido. Nem se afirme que esta verificação traduz já, de algum modo, o conhecimento do pedido, pois que este visa um juízo sobre a constitucionalidade, enquanto agora apenas se considerou que nem todos os preceitos do diploma controvertido se reportavam aos direitos dos trabalhadores.

De tudo o que vem a ser dito, também não se admite o quarto pedido, por manifesta insuficiência e obscuridade nas indicações que integram a sua formulação.

III - Segunda questão prévia

7 - Tocantemente à inconstitucionalidade orgânica aduzida pelo peticionante, podia-se ser tentado a fazer uma transposição quase directa da jurisprudência firmada pela Comissão Constitucional a propósito da fiscalização de inconstitucionalidades orgânicas e formais, face a normas constitucionais anteriores ao texto de 1976: a Comissão Constitucional recusou-se a tomar como referência normas constitucionais revogadas pela Constituição de 1976 (cf. Acórdão 221, de 17 de Junho de 1980, in apêndice ao Diário da República, de 16 de Abril de 1981).

Por seu turno, Jorge Miranda, in A Constituição de 1976. Formação, Estrutura, Princípios Fundamentais, Lisboa, 1978, p. 124, teve ensejo de escrever a este propósito:

Assim, a violação de normas de competência e de forma de uma constituição equivale a pôr em causa o sistema de distribuição de poderes entre os órgãos e a preterir os processos de agir nela previstos. Substituída a Constituição, adoptado outro sistema de órgãos, definidos novos processos, não seria lógico nem talvez sensato racionar como se nada se tivesse passado. Como admitir, sem grave contradição ou perturbação, que os órgãos que fossem realizar a apreciação da constitucionalidade orgânica ou formal pudessem tomar como critérios de referência outros critérios senão os que lhes impõe a Constituição sob a qual vivem? A exigência de certeza do direito aponta para a mesma conclusão. Porque, se se vai indagar da constitucionalidade orgânica e formal das leis ordinárias publicadas, por exemplo, durante a vigência das leis constitucionais posteriores a 25 de Abril de 1974, também é mister indagar da constitucionalidade orgânica e formal das leis publicadas à sombra da Constituição de 1933, da Constituição de 1911 ou - por que não? - da Carta Constitucional. E avaliam-se, sem custo, as consequências que isso poderia comportar para os direitos dos cidadãos e para a segurança das relações sociais e económicas.

Mas valerá esta argumentação, a que, aliás, o aresto atrás citado se ateve, para todas as normas constitucionais revogadas, sem excepção daquelas que integravam a actual Constituição e foram afastadas pela revisão constitucional? Crê-se que a resposta deve ser negativa.

Muito embora a extinção do Conselho da Revolução haja determinado uma profunda alteração da estrutura organizatória do poder político, a Constituição, como expressão superior de uma ideia de direito, permanece inteira, na sua identidade inicial, uma vez que a sua revisão obedeceu aos princípios estatuídos pelo poder constituinte originário e respeitou os limites materiais estabelecidos no texto inicial. A Constituição de 1976 mantém-se, não se tendo verificado, após a sua revisão, uma recriação ou renovação do ordenamento jurídico que ela tutela e sobre o qual se projecta.

Não existe assim qualquer impedimento à apreciação de uma eventual inconstitucionalidade orgânica com referência a normas da Constituição de 1976, já não vigentes.

À luz desta conclusão, nada impede o conhecimento do primeiro pedido formulado no requerimento do Presidente da Assembleia da República.

IV - Inconstitucionalidade orgânica

8 - O Decreto-Lei 33/80, de 13 de Março, dimanado do Conselho da Revolução, aprovou, no seu artigo único, o Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços departamentais das Forças Armadas e o estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas.

No seu preâmbulo desenvolveram-se alguns considerandos justificativos das soluções adoptadas, dos quais, por especialmente significativos, se transcrevem os seguintes:

A organização das Forças Armadas exige, para o cabal desempenho das missões que lhes estão confiadas, a integração na sua estrutura de pessoal civil em apoio e complemento do pessoal militar.

Esta situação resulta, aliás, de uma necessidade já de longa data reconhecida, quer entre nós, quer na generalidade dos países, ainda que exista bastante diversidade nos critérios utilizados para definir o respectivo regime jurídico.

Esta grande diversidade só comprova, afinal, a complexidade do problema e a sua íntima ligação com as circunstâncias concretas que, em cada caso, haja que ter em conta. Isto significa que, sem deixar de ponderar os exemplos estrangeiros, haverá sobretudo que atender às realidades nacionais.

Este pessoal civil, ainda que diferenciado do militar, está naturalmente envolvido no cumprimento das missões específicas das Forças Armadas e delas faz parte integrante, pelo que lhe deverão ser atribuídos direitos e deveres condicionados pela natureza especial da organização militar, nomeadamente pela preservação da sua eficiência operacional, coesão e disciplina.

Em ambos os Estatutos se determinava a obrigatoriedade da sua revisão antes de decorridos 2 anos sobre a data da sua entrada em vigor, havendo o Conselho da Revolução, em obediência àquele comando, aprovado os Decretos-Leis n.os 380/82 e 381/82, de 15 de Setembro, através dos quais se revogou o Decreto-Lei 33/80 e se aprovaram novos Estatutos do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais e do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas.

Por outro lado, o Decreto-Lei 434-A/82, de 29 de Outubro, «considerando necessário reunir num único diploma a legislação prevista no artigo 90.º dos Estatutos do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais e Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas», aprovou os regulamentos disciplinares respeitantes àquelas duas categorias de pessoal.

Finalmente, o Decreto-Lei 393/82, de 20 de Setembro, «considerando necessário definir a natureza e âmbito da contratação do pessoal civil dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas nos termos da legislação geral do trabalho, prevista no artigo 14.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas (EPCEFFA), e considerando ainda que este tipo de contratação deverá atender às necessidades actuais dos estabelecimentos fabris, em fase de reorganização, à natureza específica da sua missão, aos direitos adquiridos pelo pessoal existente e aos preceitos gerais estabelecidos no referido Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei 380/82», veio disciplinar as regras aplicáveis aos contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos fabris das Forças Armadas e o pessoal civil ao seu serviço com a qualificação de empregado.

Sustenta-se na petição (primeiro pedido - declaração de inconstitucionalidade orgânica) que o Conselho da Revolução carecia de competência para legislar sobre as matérias constitutivas daqueles textos legais, pois que, aduz-se, o pessoal civil dos estabelecimentos fabris não se encontra sujeito aos diplomas próprios das Forças Armadas.

A questão não é nova e reconduz-se à dimensão da competência legislativa do Conselho da Revolução e à fixação dos seus limites.

A Comissão Constitucional teve ensejo de apreciar esta matéria nos pareceres n.os 8/79, 17/81 e 36/81, este último ainda inédito e os primeiros publicados, respectivamente, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 7.º, pp. 345 e segs., e vol. 16.º, pp. 3 e segs., seguindo em todos eles uma orientação coincidente e sempre favorável à existência de competência legislativa por parte daquele extinto órgão de soberania.

Aliás, o parecer 17/81 reveste-se de especial importância para a situação agora controvertida, já que foi emitido no processo respeitante ao pedido de declaração de inconstitucionalidade orgânica e formal do Decreto-Lei 33/80, de 13 de Março, a que antecedentemente se aludiu. Tal processo culminou com a Resolução 211/81, do Conselho da Revolução (in Diário da República, 1.ª série, n.º 226, de 1 de Outubro de 1981), que não declarou a inconstitucionalidade orgânica e formal do referido Decreto-Lei 33/80.

9 - De harmonia com a alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º da Constituição, na sua versão originária, competia ao Conselho da Revolução, na qualidade de órgão político e legislativo em matéria militar, fazer leis e regulamentos sobre a organização, o funcionamento e a disciplina das Forças Armadas.

A génese histórica desta competência do Conselho da Revolução deve buscar-se nas Leis Constitucionais n.os 3/74, de 14 de Maio, 4/74, de 1 de Julho, e 5/75, de 14 de Março.

Os artigos 19.º e 21.º da Lei 3/74 dispunham, respectivamente, que a estrutura das Forças Armadas é totalmente independente da estrutura do Governo Provisório e que os chefes dos estados-maiores dos 3 ramos das Forças Armadas desempenharão todas as funções que correspondiam até 25 de Abril de 1974 às dos ministros das pastas militares, com excepção das de natureza civil, que transitarão para o Governo Provisório.

Por seu turno, o artigo 1.º da Lei 4/74 veio preceituar que o exercício de funções legislativas sobre matérias que respeitem à estrutura e organização das Forças Armadas, bem como a assuntos internos das mesmas, ou que tenham como únicos destinatários militares ou civis integrados na organização militar compete exclusivamente ao Conselho dos Chefes dos Estados-Maiores das Forças Armadas.

O artigo 6.º da Lei 5/75 transferiu a competência do Conselho dos Chefes dos Estados-Maiores para o Conselho da Revolução, que, através do n.º 3.14 da II Plataforma de Acordo Constitucional, assinada em 26 de Fevereiro de 1976, obteve consagração no artigo 148.º da Constituição na sua versão originária.

Pode afirmar-se que a Constituição veio a reconhecer o Conselho da Revolução como titular de um poder constitucional próprio, na medida em que aquele órgão de soberania se substituiu à Assembleia da República e ao Governo em matéria militar.

A este respeito, em anotação ao artigo 148.º da Constituição, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 1978, p. 310, escreveram:

As funções do CR como órgão político e legislativo em matéria militar implicam directamente muito mais do que os poderes especialmente referidos neste artigo.

Implicam que o CR funciona como órgão legislativo e como governo e órgão supremo de administração em matéria militar, substituindo-se nessa área à AR e ao Governo (cf. artigo 185.º, n.º 1).

A competência legislativa do Conselho da Revolução em matéria militar não é de fácil delimitação, sobretudo quando confrontada com a competência da Assembleia da República, podendo, porém, afirmar-se que, salvo excepção expressa, está sujeita às restrições que resultam da competência reservada constitucionalmente à Assembleia da República.

Como se escreveu no parecer 8/79, atrás citado, a p. 350:

Isto não significa, decerto, que a Assembleia da República se veja, de todo em todo, despojada da sua competência relativamente a matéria militar, ou mesmo a pessoas que sejam militares mas actuem na veste civil. Mas, de todo o modo, exacto é que ao Conselho da Revolução cabe competência para regular matéria de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos enquanto elementos das Forças Armadas ou nelas integrados.

Sendo assim, e embora se entenda - apesar da natureza em geral discutida, e na realidade discutível, da questão - que os direitos consignados no artigo 53.º (à retribuição, organização e condições de prestação do trabalho, bem como aos descansos e ao limite máximo da jornada) são «direitos fundamentais dos trabalhadores nos termos do artigo 17.º e para os efeitos do artigo 18.º», deve concluir-se pela competência do Conselho da Revolução para, dentro dos limites constitucionais, os regular quando estejam em causa trabalhadores das Forças Armadas.

Mas pergunta-se: esta doutrina, que se tem por inquestionável relativamente ao pessoal das Forças Armadas, a que cabe o estatuto jurídico de militar, valerá também para aquele que, participando embora no complexo organizatório dos meios postos ao serviço das Forças Armadas, mantém, todavia, o seu carácter de pessoal civil? Já se respondeu negativamente a esta interrogativa, invocando-se para tanto, no essencial, os argumentos seguintes:

Antes da Lei 4/74, o pessoal civil das Forças Armadas apenas se sujeitava a regime diferenciado da função pública no tocante à disciplina, apesar de, desde a publicação da Lei 3/74, a estrutura das Forças Armadas ser totalmente independente da estrutura do Governo Provisório. A Lei 4/74 considerou, aliás, indispensável incluir expressamente na competência legislativa do Conselho dos Chefes dos Estados-Maiores os assuntos que tivessem como únicos destinatários civis integrados na organização militar, considerando, assim, que tal matéria não se confundia com as atinentes à estrutura e organização das Forças Armadas, bem como a assuntos internos das mesmas;

Tal referência expressa não constava, porém, da alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º da Constituição de 1976, deixando esta, aliás, na sequência da II Plataforma de Acordo Constitucional, de fazer referência a qualquer independência ou separação do poder militar face ao poder civil, contrariamente ao que acontecia na Lei 3/74 e na I Plataforma de Acordo Constitucional;

Se a matéria a que se reporta o Estatuto do Pessoal Civil não se poderia considerar como própria das Forças Armadas antes da Lei 4/74 (e depois da Lei 3/74), muito menos pode ser havida como tal após a entrada em vigor da Constituição de 1976, sendo, em consequência, vedado ao Conselho da Revolução sobre ela legislar, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do citado artigo 148.º;

Acresce que nem a alínea c) nem a alínea m) do artigo 167.º da Constituição de 1976 (direitos, liberdades e garantias; regime e âmbito da função pública e responsabilidade civil da Administração) exceptuavam a competência do Conselho da Revolução, ao contrário do que acontecia nas alíneas e) e j) do mesmo artigo. O que não pode deixar de significar que, em tais matérias, não dispõe o Conselho da Revolução de competência legislativa;

Por outro lado, a delimitação do conceito de Forças Armadas não pode competir ao Conselho da Revolução, devendo dimanar, antes de tudo, da própria Constituição.

Ora, resultava dos artigos 273.º e seguintes, designadamente do n.º 2 do artigo 275.º, que o texto constitucional apontava para uma delimitação do conceito com base numa caracterização técnica e subjectiva, e não num estatuto funcional e objectivo. A adopção deste conceito parece também resultar do articulado da Lei 17/75, de 26 de Dezembro, que aprovou as bases fundamentais para a reorganização das Forças Armadas e que, por se referir inequivocamente a matéria de organização da defesa nacional e definição dos deveres desta decorrentes, apenas poderia ser alterada pela Assembleia da República;

Finalmente, face ao disposto na alínea l) do artigo 167.º do texto de 1976, poderá dizer-se que a delimitação do conceito de forças armadas, a não resultar com evidência da Constituição, competiria à Assembleia da República, e não ao Conselho da Revolução (cf. declaração de voto do Exmo. Conselheiro Nunes de Almeida no parecer 8/79).

O conjunto de razões que vem de se expor em desabono da competência legislativa do Conselho da Revolução nesta matéria, embora sugestivo, não se afigura procedente.

O Conselho da Revolução, na qualidade de órgão político e legislativo em matéria militar, detinha competência para fazer leis e regulamentos sobre a organização, o funcionamento e a disciplina das Forças Armadas.

Através desta competência atribuída ao Conselho da Revolução pretendeu-se manter, no período transitório previsto até à primeira revisão constitucional, um princípio de autonomia estrutural das Forças Armadas relativamente ao poder político civil, princípio esse que radicava, como se viu já, nas Leis Constitucionais n.os 3/74 e 4/74. Esta autonomia traduziu-se na atribuição a um órgão de soberania que emergiu directamente das Forças Armadas de um poder de direcção próprio, em planos político, legislativo e administrativo, implicando desde logo a faculdade da sua auto-organização e da auto-regulamentação do seu funcionamento.

Este poder organizatório, abrangendo em sentido complexo a regulamentação do funcionamento das Forças Armadas, estende-se a todos os aspectos que em geral se inserem no chamado direito organizatório.

Ora, uma organização, num sentido que diríamos objectivado, enquanto entidade ou função social, pode definir-se como um complexo de funções que, na singularidade de cada uma delas, na sua evolução mútua e na unidade dos meios pessoais e reais que lhe são afectos, é votado pelo ordenamento jurídico ao prosseguimento de determinados interesses gerais da comunidade.

Num sentido amplo, o poder de organização deve incluir: a definição dos órgãos do complexo em causa, da respectiva estrutura interna e das suas mútuas relações; a definição das atribuições da organização e da competência dos respectivos órgãos, bem como das regras de funcionamento destes; a fixação das regras relativas ao elemento pessoal da organização; a atribuição a esta última, e a distribuição interna consequente, dos meios materiais indispensáveis ao prosseguimento dos respectivos fins (cf. parecer 36/81 e Mário Nigro, Studi sulla funzione organizzattrice della pubblica amministrazione, Milano, 1966, pp. 135 e segs.).

Mas as Forças Armadas, enquanto organização, integram-se em outra organização mais ampla, que é o Estado, e da qual são apenas um dos seus elementos constitutivos. Daqui decorre que as matérias organizatórias antes enunciadas só entram na competência legislativa do Conselho da Revolução na medida em que se mantenham dentro dos limites fixados pela Constituição na sua interdependência com os outros órgãos de soberania.

O poder organizatório atribuído pela Constituição ao Conselho da Revolução e o complexo de funções que as Forças Armadas, enquanto organização, devem prosseguir impõem que na delimitação do seu conceito se conceda primazia ao estatuto funcional e objectivo, sobre a caracterização técnica e subjectiva.

Se num plano teórico e abstracto é possível conceber e pensar as Forças Armadas constituídas e integradas apenas por militares, parece seguro que a organização militar não pode prescindir, na sua estrutura global, da integração de pessoal civil, sem o que a organização ficaria privada de alguns dos meios materiais e humanos necessários a prossecução dos fins que lhe estão confiados.

Não podendo a organização militar prescindir dos seus serviços complementares e do pessoal civil neles integrado, tem de admitir-se que dela fazem parte integrante como parcelas de um todo organizacional.

Como corolário lógico desta conclusão, tem de reconhecer-se competência legislativa ao Conselho da Revolução nas matérias relativas ao pessoal civil dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas, na medida em que estes respeitam à organização e funcionamento da organização militar.

10 - Os argumentos que podem ser opostos a esta explanação, e de que foi feita já uma síntese conclusiva, não se têm por procedentes.

É certo que, anteriormente à entrada em vigor da Lei 4/74, o pessoal civil das Forças Armadas apenas se sujeitava a regime diferenciado da função pública no tocante à disciplina (cf. artigos 35.º, 36.º e 128.º do Regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto 16963, de 15 de Junho de 1929, e artigo 81.º, § 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Funcionários Civis de Estado, aprovado pelo Decreto-Lei 32659, de 9 de Fevereiro de 1943).

Todavia, por força do n.º 1 do artigo 1.º da Lei 4/74, «o exercício de funções legislativas sobre matérias que respeitem à estrutura e organização das Forças Armadas, bem como a assuntos internos das mesmas, ou que tenham como únicos destinatários militares ou civis integrados na organização militar, compete exclusivamente ao Conselho dos Chefes dos Estados-Maiores das Forças Armadas».

A concretização do princípio da autonomia legislativa das Forças Armadas envolveu a estrutura, organização e assuntos internos das mesmas e ainda as matérias apenas respeitantes a militares ou civis integrados na organização militar.

O artigo 148.º da Constituição, na sua versão originária, ao reportar-se à organização e funcionamento das Forças Armadas, não podia deixar de contemplar também as matérias apenas respeitantes a militares ou civis integrados na organização militar (na terminologia da Lei 4/74), pois que estes integram a organização militar, como o reconhecia expressamente aquela lei, e não se tem por defensável que as questões respeitantes à estrutura organizativa das Forças Armadas possam ser dissociadas das que integram a organização militar. A ser assim, o Conselho da Revolução não funcionaria verdadeiramente como órgão político e legislativo em matéria militar, como se afirmava no n.º 1 do artigo 148.º da Constituição, mas tão-só em certas questões militares.

Por outro lado, se o texto constitucional não fez qualquer referência a uma separação do poder militar face ao poder civil, existia na Constituição de 1976, como refere Jorge Miranda, ibidem, p. 417, «separação da estrutura do Conselho da Revolução e dos chefes de estado-maior relativamente à do Governo; ou separação entre a Administração Pública, cujo órgão superior é o Governo (artigo 185.º, n.º 1), e a administração correspondente às Forças Armadas, cabendo a conexão entre uma e outra estrutura ao Ministro da Defesa Nacional (na linha dos artigos 19.º e 21.º da Lei 3/74, de 14 de Maio, porventura ainda em vigor, como dissemos atrás)».

Não se tem por exacta a ilação extraída do facto de as alíneas c) e m) do artigo 167.º da Constituição, na sua versão inicial (direitos, liberdades e garantias; regime e âmbito da função pública), não ressalvarem a competência do Conselho da Revolução, contrariamente ao sucedido nas alíneas e) e j) do mesmo artigo, qual seja a de, em tais matérias, não dispor aquele Conselho de competência legislativa.

O princípio da unidade da constituição postula a unidade hierárquico-normativa dos seus preceitos. O texto constitucional deve ser tomado como um todo, captando-se da sua unidade sistemática as recíprocas implicações das suas normas e princípios e atingindo-se, através dessa inter-relacionação, uma síntese globalizante. Como escreveu Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 3.ª ed., 1983, p. 198, «é que, sendo a constituição uma estrutura de tensão e não se podendo exigir a uma lei constitucional que seja um código exaustivo da vida política, o princípio da unidade da constituição é igualmente um princípio de interpretação: exige tarefa de concordância prática entre normas aparentemente em conflito ou em tensão (exemplo: entre princípio democrático e princípio do Estado de direito); exige tarefa de interpretação conforme a constituição das leis que aplicam ou concretizam as normas constitucionais».

O Conselho da Revolução não podia apresentar propostas de lei à Assembleia da República, nem tão-pouco esta lhe podia conceder autorizações legislativas. Uma certa interpretação da reserva da competência legislativa da Assembleia da República podia conduzir, em alguns casos limite, à impossibilidade de exercício das funções daquele Conselho como órgão político e legislativo em matéria militar.

Por isso se considera, numa interpretação harmónica dos artigos 148.º e 167.º da Constituição, na sua versão primitiva, que, se o Conselho da Revolução não podia legislar sobre os direitos fundamentais dos membros da organização militar enquanto cidadãos, já o poderia fazer quando estavam em jogo direitos relativos, não ao seu estatuto civil, mas simplesmente ao seu estatuto funcional. A não ser assim, o Conselho da Revolução não disporia dos instrumentos legais e regulamentares indispensáveis ao seu exercício como governo e órgão supremo da Administração em matéria militar.

Finalmente, a propósito da delimitação do conceito de forças armadas, dir-se-á que os artigos 273.º a 276.º da versão inicial da Constituição tiveram por fonte a Lei 17/75, de 26 de Dezembro, que aprovou as bases fundamentais para a reorganização das Forças Armadas. Esta lei, originariamente constitucional, foi desconstitucionalizada por força do n.º 2 do artigo 292.º do texto originário, passando a vigorar como lei ordinária, não obstante a maior parte das suas normas ter sido consumida por aqueles artigos da Constituição, acabando por ser revogada pela Lei n.º, 29/82, de 11 de Dezembro. A base V da Lei 17/75, ao referir expressamente que as Forças Armadas Portuguesas englobam todos os seus organismos, unidades, estabelecimentos militares e componentes individuais, adoptou um conceito delimitador da organização militar no qual avulta o estatuto funcional e objectivo, e não a caracterização técnica e subjectiva.

Pelo que vem de ser dito, tem-se por constitucionalmente consentido pelo texto de 1976 que o Conselho da Revolução, no exercício da sua competência legislativa própria, houvesse por integrados nas Forças Armadas, não apenas os que técnica e subjectivamente devem ser considerados como militares, mas também os que participam na organização militar e no desempenho de funções inerentes e indispensáveis ao funcionamento da própria organização, entre os quais se deve incluir o pessoal civil dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas.

V - Inconstitucionalidade formal

11 - Sustenta o requerente que todas as normas dos Decretos-Leis n.os 381/82, 434-A/82, na parte em que aprovou o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, e 393/82 padecem de inconstitucionalidade formal, por violação do disposto na alínea d) do artigo 56.º e alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da Constituição, na sua versão originária, já que aqueles diplomas não foram elaborados com a participação dos trabalhadores.

Constitui esta matéria o objecto do segundo pedido, cuja apreciação, de seguida, se vai empreender.

A competência legislativa que se reconheceu ao Conselho da Revolução no domínio da organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas não significa, como antecedentemente se acentuou, que aquele Conselho não tivesse, no exercício da sua competência, de se cingir às regras e limites constitucionais, nomeadamente em matéria de direitos fundamentais dos destinatários das normas editadas.

Os artigos 56.º, alínea d), e 58.º, n.º 2, alínea a), do texto originário da Constituição reconheciam, como reconhecem actualmente os artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), às comissões de trabalhadores e às associações sindicais o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho.

O escopo destes preceitos constitucionais consiste em assegurar aos trabalhadores, através das suas comissões e das suas associações sindicais, uma intervenção efectiva no processo legislativo laboral. Intervenção essa que se destina não só a permitir que o órgão legislativo tome conhecimento das posições assumidas pelos trabalhadores, mas também e fundamentalmente a garantir que estes possam, com inteiro conhecimento de causa, exercer a sua influência sobre determinadas decisões políticas que, em especial, os afectam; de contrário, não se justificaria que aquela participação fosse constitucionalmente concebida e reconhecida como um direito.

Não basta, assim, para que se consume a participação exigida pela lei básica, que o órgão legislativo tome conhecimento das posições adoptadas pelas comissões de trabalhadores e pelas associações sindicais relativamente a determinada matéria que vem a ser objecto de regulamentação legal. O cumprimento do texto constitucional impõe uma intervenção directa no próprio processo legislativo, pressupondo, pelo menos, o conhecimento prévio dos projectos de diplomas a publicar.

Os limites e a dimensão da participação podem e devem ser demarcados na lei, sendo certo, porém, que o seu conteúdo essencial resulta directamente da Constituição, pelo que a ausência da legislação adequada para regulamentar aquele direito não torna inexequíveis as normas constitucionais que o estabelecem.

Não se acompanha assim, neste domínio, o parecer 18/78 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 6.º, pp. 3 e segs., onde se escreveu:

Parece claro que, quando se fala nas disposições aludidas (artigos 56.º e 58.º) em participação, isso não pode corresponder à atribuição de um direito de voto ou de veto das (às) comissões de trabalhadores e associações sindicais.

A participação dessas organizações situa-se numa zona prévia e diversa de decisão legislativa formal, que cabe aos órgãos constitucionalmente competentes.

Trata-se, pois, antes de uma «influência» ou «pressão» sobre o desenvolvimento do processo de produção legislativa.

Tal influência, por sua vez, tanto pode traduzir-se num diálogo como na obtenção de pareceres, de críticas, de contribuições, etc., dos «parceiros sociais».

A participação ou influência no processo legislativo, mesmo quando destinados à legitimação factual ou social das normas legais, pode, aliás, resultar do próprio conhecimento que tenha o legislador dos pontos de vista expandidos pelos portadores dos interesses profissionais dos trabalhadores. Um tal conhecimento conduz também a uma influência, se não pedida, ao menos espontânea, dos interessados.

Será, porém, só isto, ou será, mesmo, menos do que isso o que se quer dizer quando se fala em participação? Eis aí uma questão que, dada a sua indeterminação, só se poderá resolver com segurança depois da intervenção do legislador ordinário.

Disposições constitucionais como as dos referidos artigos 56.º e 58.º são, assim, normas incompletas, contêm um conceito aberto (participação) que só através de uma lei já não constitucional é possível integrar e definir.

O objecto a que visa a participação só pode ser alcançado através de uma pré-definição jurídica dos meios formais para o alcançar.

É que só depois dela se pode determinar a influência, a participação para que tais normas apontam.

Ao contrário do que se afirmou na transcrição antecedente, se é certo que a Constituição não contém uma definição do que seja o direito de participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais na elaboração da legislação do trabalho, não menos certo é que fornece uma determinação suficientemente perceptível do núcleo essencial do direito em causa, de forma a ele poder ser exercido por parte das entidades a que se destina.

Mas, se este ângulo de visão impõe que assim se conclua, outro há que seguramente conduz a idêntico resultado, porventura ainda de forma mais consistente.

12 - A versão originária da Constituição, na sua parte I, subordinada à epígrafe geral «Direitos e deveres fundamentais» tratava nos títulos II e III dos «Direitos, liberdades e garantias» e dos «Direitos e deveres económicos, culturais e sociais», donde, como corolário lógico-formal elementar, se pode concluir que todos os direitos, liberdades e garantias e todos os direitos económicos culturais e sociais são, em termos constitucionais, direitos e deveres fundamentais.

O direito de participação a que se vem aludindo insere-se no âmbito dos direitos económicos e, como tal, comporta a natureza de direito fundamental, nomeadamente para os efeitos da aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias disciplinado nos artigos 17.º e 18.º da Constituição.

Por força desses normativos, o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho, como direito fundamental dos trabalhadores, beneficia do regime dos direitos, liberdades e garantias, sendo, em consequência, directamente aplicável com vinculação das entidades públicas e privadas.

Assim sendo, como é, as normas que contêm este direito não são incompletas, nem comportam um conceito aberto, já que o seu conteúdo essencial - a participação dos trabalhadores através das suas comissões e das associações sindicais - não apenas pode concretizar-se por si só, como é constitucionalmente imperioso que se concretize.

Aliás, esta caracterização do direito de participação na elaboração da legislação do trabalho, como direito fundamental, na Constituição de 1976, recebeu confirmação e reforço na revisão constitucional, inserindo-se actualmente os artigos 55.º e 57.º, que contêm aquele direito, no capítulo III «Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores» do título II «Direitos, liberdades e garantias» da parte I «Direitos e deveres fundamentais» O direito de participarão dos trabalhadores é, assim, incontestavelmente, um dos direitos a que se refere o n.º 1 do artigo 18.º da Constituição.

Aqui chegados, importa retomar a questão que, em concreto, cabe dilucidar.

13 - A dado passo do preâmbulo do Decreto-Lei 381/82, refere-se o seguinte:

Sem prejuízo da sua inserção na estrutura militar, impõe-se reconhecer diferenças qualitativas entre o pessoal civil dos estabelecimentos fabris e dos serviços departamentais. De há muito vêm sendo diferentes os sectores de actividade civil com que um e outro se correlacionam para o efeito de fixação das respectivas condições de trabalho, sendo também claras as marcas de uma evolução tendencialmente distinta.

De facto, enquanto um, o pessoal civil dos estabelecimentos fabris - e não só o das Forças Armadas, como também o do Estado em geral -, revela crescente tendência para se aproximar do regime da legislação do trabalho, o outro tende a identificar-se com o regime da função pública.

Assim é, efectivamente.

A Lei 2020, de 19 de Março de 1947, definiu e delimitou os estabelecimentos ou organizações industriais e comerciais, na dependência do Ministério da Guerra, indispensáveis ao provimento das necessidades da defesa nacional que não possam ser satisfeitas por intermédio de empresas privadas ou que convenha reservar, total ou parcialmente, para mais perfeita eficiência da força armada, no que diz respeito a rapidez de acção e segurança ou manutenção de segredo em assuntos relativos à mesma defesa (cf. base I).

Mais tarde, o Decreto-Lei 41892, de 3 de Outubro de 1958, veio definir as normas orgânicas dos estabelecimentos fabris militares dependentes do Ministério do Exército, determinando, no seu artigo 14.º, que estes estabelecimentos fabris «vivem em regime de industrialização, têm completa autonomia administrativa e financeira e regem-se pelos princípios e normas que regulam a actividade das empresas privadas», mais se impondo que pelos mesmos fossem observados os preceitos da contabilidade industrial e comercial, segundo o sistema digráfico.

Este ordenamento jurídico foi mantido até à actualidade, salvo no que toca à Fábrica Militar de Braço de Prata (FMBP) e à Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras (FNMAL), extintas pelo Decreto-Lei 517-A/80, de 31 de Outubro, havendo sido transferido todo o seu património, direitos e obrigações e elementos do activo e passivo para a empresa pública Indústrias Nacionais de Defesa, E. P. (INDEP), criada pelo Decreto-Lei 518/80, de 31 de Outubro. A constituição da INDEP é, aliás, seguro e claro sinal da verdadeira natureza empresarial dos estabelecimentos fabris e o reconhecimento explícito de que, pelo menos, alguns deles só no âmbito de uma verdadeira empresa pública podem ver alcançados os seus objectivos.

Os estabelecimentos fabris das Forças Armadas não constituem empresas públicas perfeitas, isto é, empresas dotadas de personalidade jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial, tendo por objecto a exploração de actividades de natureza económica (cf. artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril), mas não podem deixar de ser caracterizados como empresas públicas imperfeitas, já que dispõem de ampla autonomia de gestão empresarial e contam com recursos próprios a acrescer aos do Orçamento do Estado (neste sentido, Sousa Franco, in Direito Financeiro e Finanças Públicas, 1982, vol. II, pp. 49 e segs., e Manual de Finanças Públicas e Direito Financeiro, 1974, vol. I, pp. 594 e segs.).

Esta caracterização dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas como empresas pode, aliás, haver-se por sufragada no próprio quadro normativo que aqueles disciplina.

O artigo 55.º do diploma fundamental, na sua versão originária (actual artigo 54.º), consagrava o direito à constituição de comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa.

Ora, enquanto no domínio do pessoal civil dos serviços departamentais das Forças Armadas as comissões de trabalhadores nunca foram reconhecidas nem tiveram existência, outro tanto não sucedeu relativamente ao pessoal civil dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas. Com efeito, quer o Estatuto deste pessoal civil, aprovado pelo Decreto-Lei 33/80, de 13 de Março (cf. artigos 108.º e 109.º), quer o Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei 381/82, de 15 de Setembro (cf.

artigos 110.º e 112.º), reconheceram expressamente as comissões de trabalhadores como órgãos colegiais democraticamente representativos, através dos quais o pessoal civil participa na vida dos estabelecimentos fabris e defende os seus interesses sócio-profissionais, como ainda definiram os seus domínios de participação e as normas do seu funcionamento.

Por outro lado, o despacho conjunto dos chefes de estado-maior de 20 de Novembro de 1979, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 274, de 27 de Novembro de 1979, aprovou e pôs em execução as «normas provisórias da organização e funcionamento das comissões de trabalhadores dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas», convertidas em «normas definitivas» pelo despacho conjunto dos chefes de estado-maior de 3 de Fevereiro de 1982, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 45, de 24 de Fevereiro de 1982.

Este exaustivo e alongado tratamento, concedido pela lei e pelos despachos conjuntos dos chefes de estado-maior à organização e funcionamento das comissões de trabalhadores dos estabelecimentos fabris, quando confrontado com a inexistência de tais organizações no seio do pessoal civil dos serviços departamentais, não pode deixar de ser interpretado como um reconhecimento, ao menos implícito, da verdadeira natureza empresarial daqueles estabelecimentos fabris, como, aliás, se reconheceu no já transcrito preâmbulo do Decreto-Lei 381/82.

Flui, assim, do deixado exposto, face ao preceituado no n.º 1 do artigo 55.º e alínea d) do artigo 56.º da Constituição, na sua versão originária, que os trabalhadores dos estabelecimentos fabris tinham direito a criar comissões de trabalhadores logo após a entrada em vigor da Constituição, sem dependência de qualquer mediação legislativa, e a tais comissões assistia o direito constitucionalmente reconhecido de participar na elaboração da legislação do trabalho.

14 - As considerações anteriores valem, por maioria de razão, para as associações sindicais e para os direitos que a Constituição lhes reconhece, nomeadamente o de participar na elaboração da legislação do trabalho [artigos 56.º e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição - artigos 57.º e 58.º, n.º 2, alínea a), da sua versão originária].

Com efeito, neste domínio, mesmo que os estabelecimentos fabris das Forças Armadas não fossem havidos como empresas, sempre aos seus trabalhadores teria de ser assegurada a liberdade sindical e o direito de participar na elaboração do trabalho.

O pessoal civil dos estabelecimentos fabris não tem um estatuto militar ou militarizado, daí que não possa falar-se, a seu respeito, de qualquer relação especial de poder no âmbito das Forças Armadas.

Aceita-se que valores comunitários tão importantes e constitucionalmente reconhecidos como é o caso da independência nacional e da garantia do Estado democrático, cuja salvaguarda pertence em primeira linha às Forças Armadas, possam conduzir a restrições ou compressões especiais de alguns direitos fundamentais de pessoas individuais. Porém, terão de obedecer tais restrições ou compressões aos requisitos gerais dentro dos quais elas são constitucionalmente consentidas. Admitindo-se que os estabelecimentos fabris das Forças Armadas devam qualificar-se como serviços públicos, e não como empresas públicas (o que, como já se viu, não se concede), e tendo presente que o pessoal civil desses estabelecimentos não tem estatuto militar ou militarizado, em que é que o exercício do direito consagrado na alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da versão inicial da Constituição põe ou pode pôr em causa a eficiência e o correcto funcionamento do serviço público? Parece manifesto que neste domínio não se pode aceitar qualquer limitação ou restrição do direito das associações sindicais.

Não é a lei que determina a esfera de exercício dos direitos dos trabalhadores, mas sim a Constituição. A não ser assim, não se fará uma leitura constitucional da lei, mas, ao contrário, uma leitura legal da Constituição.

Pode concluir-se que aos trabalhadores dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas, através das respectivas associações sindicais, sempre assistia o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho, mesmo quando se admita (o que não se concede) que aqueles estabelecimentos fabris devam considerar-se serviços públicos.

15 - O direito de participação outorgado às comissões de trabalhadores e às associações sindicais na alínea d) do artigo 56.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da versão originária da Constituição está condicionado a que a legislação em causa deva haver-se por legislação do trabalho.

A Constituição não fornece uma definição do que por tal se deva entender.

Gomes Canotilho e Vital Moreira, ibidem, p. 150, opinam que, na ausência de uma definição constitucional, deve considerar-se estar abrangida por tal expressão, pelo menos, a legislação regulamentar dos direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição.

O artigo 2.º da Lei 16/79, de 26 de Maio, relativa à participação das organizações de trabalhadores na elaboração da legislação de trabalho, estabeleceu a noção de legislação de trabalho, caracterizando os seus vectores mais importantes no domínio das relações individuais e colectivas de trabalho e dos direitos dos trabalhadores enquanto tais e integrados nas suas organizações.

Tendo em conta esses critérios orientadores, pode dizer-se que todas as normas constitutivas do Estatuto e do Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, aprovados, respectivamente, pelos Decretos-Leis n.os 381/82 e 434-A/82, bem como as normas do Decreto-Lei 393/82, integram o conceito de legislação do trabalho, pois que todas se reportam aos direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição.

16 - A extinção do Conselho da Revolução, na sequência da entrada em vigor da Lei Constitucional 1/82, impediu a sua audição, como órgão autor das normas postas em crise, nos termos do artigo 54.º da Lei 28/82.

Todavia, tem-se por seguro que aquele Conselho não procedeu à audição dos trabalhadores, como bem resulta da exposição integrada no processo 63/83 deste Tribunal, subscrita por dezenas de trabalhadores dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas e dirigida ao presidente da Assembleia da República.

Aliás, os preâmbulos dos diplomas legais controvertidos não fazem qualquer referência a essa matéria, sendo certo que tal menção não deixaria de existir se se houvesse procedido à audição dos trabalhadores.

Pode assim concluir-se, na sequência do exposto, que todas as normas do Estatuto e do Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, aprovados, respectivamente, pelos Decretos-Leis n.os 381/82 e 434-A/82, bem como as normas do Decreto-Lei 393/82, são inconstitucionais, por violação do disposto na alínea d) do artigo 56.º e alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da Constituição, na sua versão originária.

17 - A conclusão antecedentemente alcançada determinará que o ordenamento jurídico seja expurgado daquelas normas, tornando-se assim inútil a apreciação dos dois últimos pedidos formulados pelo requerente, pois que se reportam a eventuais inconstitucionalidades materiais de preceitos já havidos por violadores do texto constitucional.

Sempre se poderia dizer que uma declaração de inconstitucionalidade fundada em normas ou princípios constitucionais diversos comportaria, ou poderia comportar, consequências mais seguras e eficazes, sendo assim justificável o conhecimento daqueles pedidos.

Como quer que seja, atingido pela procedência do segundo pedido o efeito útil da acção de constitucionalidade, tem-se por desnecessário prosseguir na apreciação dos demais.

VI - Conclusão

Pelos fundamentos expostos, declaram com força obrigatória geral a inconstitucionalidade das normas constitutivas dos Decretos-Leis n.os 381/82, de 15 de Setembro, 434-A/82, de 29 de Outubro, na parte em que aprovou o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, e 393/82, de 20 de Setembro, por violação do disposto na alínea d) do artigo 56.º e alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da Constituição, na sua versão originária.

Lisboa, 27 de Março de 1984. - Antero Alves Monteiro Dinis (relator) - J. Martins da Fonseca (com declaração de voto, que junto) - Vital Moreira (entendendo, porém, verificar-se também inconstitucionalidade orgânica, entre outras, pelas razões aduzidas na declaração de voto do conselheiro Martins da Fonseca) - José Magalhães Godinho (por entender que se verificava igualmente inconstitucionalidade orgânica, junto declaração de voto nesse sentido) - Luís Nunes de Almeida (com a declaração de voto junta) - Mário de Brito [vencido - conforme declaração de voto que junto -, quanto à parte em que se decidiu terem sido violados o artigo 56.º, alínea d), e o artigo 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, na redacção de 1976] - Joaquim Costa Aroso (vencido quanto à inconstitucionalidade formal nos termos do voto junto) - Jorge Campinos (vencido, nos termos da declaração anexa) - José Manuel Cardoso da Costa (vencido, conforme declaração anexa) - Mário Augusto Fernandes Afonso (vencido, conforme declaração de voto que junto) - Raul Mateus (vencido nos termos da declaração anexa) - Armando Manuel Marques Guedes (com declaração de voto junta).

Declaração de voto

O artigo 148.º da Constituição, na versão original, atribuía ao Conselho da Revolução competência para legislar sobre a organização e disciplina das Forças Armadas.

Qual o entendimento que se deve dar a esta expressão? Existe um conceito amplo e um restrito de forças armadas [vide parecer 8/79 da Comissão Constitucional, in Pareceres, vol. 7.º, p. 352, nota (9)].

O problema reconduz-se a uma normal questão de interpretação de leis.

Deverá atender-se ao elemento gramatical, lógico, sistemático e histórico. O sentido normal, que é o que consta de diversas enciclopédias, considera que forças armadas é o conjunto das forças militares de um Estado (Collier's Enciclopedie).

Não há dúvida de que as palavras comportam ou podem comportar diversos pensamentos. Mas nem todos têm a mesma legitimidade. Um deles significará o entendimento natural imediato, espontâneo dos dizeres legais, outro uma significação artificiosa ou arrevesada. Um deles encontrará no teor verbal da lei uma expressão perfeitamente adequada, outro uma notação vaga. Um deles sente-se como que à sua vontade dentro do texto legal, outro lá se aguenta com certo mal-estar. Ora isto há-de ser um motivo de preferência a favor do primeiro pensamento, que deverá reputar-se o verdadeiro sentido da lei, salvo se os demais factores da interpretação muito resolutamente aconselharem ou impuserem outra solução (Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, p.

30).

Ferrara até acrescenta que o sentido das palavras estabelece-se com base no uso linguístico (Interpretação e Aplicação das Leis, p. 139).

Larenz escreve in Metodologia da Ciência do Direito, p. 366:

Toda a interpretação de um texto começará pelo sentido literal. Por tal entendemos, antes de mais, o significado de uma expressão, ou de uma frase, na linguagem vulgar. A ligação da interpretação à linguagem vulgar e ao significado que, segundo o entendimento dos membros da comunidade linguística, é atribuída em regra a uma expressão pressupõe que as leis não são redigidas exclusivamente numa linguagem técnica, mas sim na linguagem comum, que «todos» entendem dentro de um espaço linguístico [...] Por outro lado, a consideração sistemática não vale apenas para se escolher uma das interpretações igualmente justificadas em face do elemento racional, senão que pode levar à primazia de uma interpretação menos razoável, salutar, quando assim se evite uma dissonância grave no sistema legislativo, quer dizer, um contraste chocante com outras disposições legais. Há que ver se as palavras, as locuções, têm na terminologia e no estilo legislativo uma significação particular (Eneccerus, Tratado, 1.º-110.º).

Para tal averiguação é indispensável atender ao conjunto da lei e não apenas isoladamente à prescrição legal a interpretar.

Daí que o artigo 148.º não possa ser interpretado isoladamente.

Deve aproximar-se do título X, consagrado às Forças Armadas, nomeadamente do artigo 273.º Acentuou-se já que o significado usual das forças armadas é o do conjunto das forças militares.

Na Constituição faziam-se as seguintes referências às Forças Armadas: «garantem a independência nacional [...] e a integridade do território» (artigo 273.º, n.º 1);

«constituem uma instituição nacional e a sua organização, bem como a das forças militarizadas, é única no território nacional» (artigo 274.º); «não podem aproveitar-se da sua arma, posto ou função para impor uma determinada via política democrática» (artigo 275.º, n.º 2). Tudo isto está a inculcar nitidamente que as Forças Armadas são constituídas só por militares e forças militarizadas. A confirmar assim o sentido usual já referido.

O artigo 148.º era norma excepcional e transitória, que conferia a um órgão também transitório poderes legislativos.

Daí deve entender-se que na dúvida se justificava uma interpretação restritiva das expressões usadas.

Em tese geral, como primeiro ditame a seguir, compete ao juiz dar a primazia àquela interpretação mediante a qual a lei terá o conteúdo mais razoável (Andrade, ob. cit., p. 68). Ora, será mais razoável que os militares, ao terem poderes legislativos acerca das Forças Armadas, vejam os seus poderes reduzidos aos próprios militares.

Aliás, os civis que colaboraram, ou colaboram, com os militares nunca tiveram os seus direitos e deveres, nunca a eles foram equiparados. À falta de uma noção técnica, que não se vê que exista, o sentido amplo deve ser arredado. Mas argumento que parece de não esquecer é também o histórico. Nem o Código de Justiça Militar nem o Regulamento de Disciplina Militar conferiram regime especial aos civis diverso da generalidade dos funcionários públicos, salvo no tocante a penas disciplinares.

Na Constituição de 1822, consagrava-se um capítulo, o VIII, à força militar, que se destinava a manter a segurança interna e externa.

Ali se dizia que, «além da força militar permanente, haverá corpos de milícia [...]» (artigo 173.º).

A Carta Constitucional referia também a «força militar» para «sustentar a independência e integridade do Reino e defendê-lo do inimigo externo».

A Constituição de 1838 preferiu a designação de «força armada», mas seguramente que é equivalente à «força militar» referida na Constituição de 1822.

A Constituição de 1911 obrigou os Portugueses ao serviço militar para «sustentar a independência e a integridade da Pátria».

Na Constituição de 1933 reservou-se o título XII à defesa nacional. Nele o Estado assegurou a existência e o prestígio das instituições militares de terra, mar e ar exigidas pelas supremas necessidades de defesa e integridade nacional e de manutenção da ordem pública. Afirmou-se a unidade da «organização militar».

Consagrou-se o princípio da «nação armada». Tudo isto terá levado o legislador na Lei 4/74 a atribuir expressamente à competência legislativa do Conselho dos Estados-Maiores também a necessária para legislar sobre assuntos que tivessem como destinatários os civis integrados na organização militar. Mas isso constitui até o reconhecimento de que os civis integrados nas Forças Armadas não fazem parte delas, das Forças Armadas. Excepcionalmente e contra toda uma forte tradição nacional, deu-se competência a um órgão militar para legislar acerca dos civis deles dependentes, mas nem por isso passaram a dever considerar-se como fazendo parte das Forças Armadas. Mas isso justificou-se num período transitório e pré-constitucional. Depois já não.

De qualquer modo, a interpretação gramatical, lógica, sistemática e histórica revela que forças armadas se identificam com «forças militares», com «militares».

Interpretação extensiva não é admissível.

Dir-se-á: mas não se trata de interpretação extensiva, mas sim declarativa lata. É sabida a distinção entre ambas. Mas esta também não é de aceitar. Já se demonstrou que o significado usual, constante até de enciclopédias, faz corresponder «forças armadas» com «militares» e também que, tratando-se da norma excepcional, se justifica, atento o condicionalismo existente, uma interpretação restritiva, e não uma declarativa lata. Também se acentua que nos termos de razoabilidade se impunha tal interpretação.

Acresce que nem a alínea c) nem a alínea m) do artigo 167.º exceptuam a competência do Conselho da Revolução, ao contrário do que acontece nas alíneas e) e j) do mesmo artigo. O que não pode deixar de significar que em tais matérias não dispunha o Conselho da Revolução de competência legislativa.

Por tudo isto entendi que se verificava, no caso, inconstitucionalidade orgânica e, nessa medida, votei vencido.

Lisboa, 27 de Março de 1984. - José Joaquim Martins da Fonseca.

Declaração de voto

Votei o acórdão, seus fundamentos e conclusões, à excepção da parte em que declara não verificar o vício de inconstitucionalidade orgânica das normas em apreço, por se dever considerar caber na competência atribuída pela alínea a) do artigo 148.º da Constituição, no seu texto de 1976 - «fazer leis e regulamentos sobre a organização, o funcionamento e a disciplina das Forças Armadas» -, legislar sobre o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris do Estado e sobre o regime laboral do pessoal civil desses mesmos estabelecimentos fabris, que se contêm nos Decretos-Leis n.os 381/82, 434-A/82 e 393/82.

Com efeito, o pessoal civil não pode considerar-se como fazendo parte das Forças Armadas, mas tão-só como trabalhador civil exercendo as suas funções em estabelecimentos ou departamentos militares, como, aliás, até resulta do n.º 2 do Decreto-Lei 381/82, de 15 de Setembro, quando declara, quanto ao pessoal civil, que ele «abrange», no sentido de «compreende» ou de «é constituído por», «todos os indivíduos não militares nem militarizados que prestem serviço naqueles estabelecimentos sob a direcção e a disciplina dos respectivos órgãos».

Nestas condições, é óbvio que, mesmo trabalhando em departamentos militares, ainda que possa verificar-se a existência de disposições legais que, num ou noutro aspecto, careçam de um tratamento diferente das que regulam as relações juslaborais e a disciplina dos trabalhadores em geral, não podem essas disposições considerar-se compreendidas na competência em matéria militar atribuída ao Conselho da Revolução.

Em boa verdade não são disposições de matéria militar, pois não respeitam à organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas, às quais o pessoal civil não pertence, pois que não é militar nem militarizado, mas civil unicamente, e o Conselho da Revolução, de acordo com o artigo 142.º da Constituição da República, só tinha competência legislativa em matéria militar. De resto, as normas legais em apreço respeitam a relações de trabalho (recrutamento, remuneração, regime, disciplina), inserem-se todas elas no conceito de legislação laboral, sendo, pois, nitidamente diferenciadas de matéria que possa designar-se de militar. Entendi, por isso, que as normas em apreço, para além do vício de inconstitucionalidade formal, que o acórdão lhes aponta, estão também feridas do de inconstitucionalidade orgânica.

José Magalhães Godinho.

Declaração de voto

Concordando com as conclusões do acórdão e com os fundamentos que as sustentam, não o subscrevi, todavia, integralmente, na medida em que continuei a entender que as normas em apreço se encontravam igualmente feridas de inconstitucionalidade orgânica, por o Conselho da Revolução não dispor de competência para legislar sobre a matéria.

As razões deste meu entendimento, expresso na minha declaração de voto anexa ao parecer 8/79 da Comissão Constitucional, encontram-se fielmente reproduzidas no texto do acórdão, e os argumentos nele adiantados para as rebater, embora aliciantes, não me convenceram.

Senão, vejamos:

O poder organizatório que se entende haver sido atribuído, com generosa largueza, ao Conselho da Revolução assenta no pressuposto de que este era um «órgão de soberania que emergiu directamente das Forças Armadas», com um «poder de direcção próprio, em planos político, legislativo e administrativo».

Só que tal pressuposto se não verifica, na verdade.

Efectivamente, a legitimidade do Conselho da Revolução, enquanto órgão de soberania, depois da entrada em vigor da Constituição de 1976, decorria única e inteiramente da própria Constituição e não emergia, nem podia emergir, directamente das Forças Armadas, sob pena de se negar a própria existência de um regime democrático-constitucional.

Quando muito, tal legitimidade, decorrendo directamente da Constituição, emergia indirectamente do Movimento das Forças Armadas, movimento político-militar que com as Forças Armadas enquanto tal se não confundia; mas tal legitimação indirecta encontrava-se directa e expressamente fundada no texto da Constituição, quando no seu artigo 3.º, n.º 2, se preceituava que «o Movimento das Forças Armadas, como garante das conquistas democráticas e do processo revolucionário, participa, em aliança com o povo, no exercício da soberania, nos termos da Constituição».

Mas, por outro lado, também se não pode afirmar, sem demonstração, que o Conselho da Revolução dispunha de um «poder de direcção próprio, em planos político, legislativo e administrativo». E isto porque a Constituição não atribuía ao Conselho da Revolução qualquer poder administrativo, conforme se verifica pela leitura do artigo 148.º daquela lei fundamental, na sua versão originária.

E se, na prática, esse poder foi efectivamente exercido, tal há-de, necessariamente, considerar-se como irrelevante: o exercício inconstitucional de um poder não pode servir de fundamento para considerar constitucional o exercício, também inconstitucional, de um outro poder.

Acresce que, não dispondo o Conselho da Revolução de poder de direcção próprio, no plano administrativo, sobre as Forças Armadas, falece inteiramente o argumento segundo o qual as alíneas c) e m) do artigo 167.º da Constituição, na sua versão originária, haveriam de ser interpretadas harmonicamente com o artigo 148.º E isto porque tal argumento também se baseava no facto de que, «a não ser assim, o Conselho da Revolução não disporia dos instrumentos legais e regulamentares indispensáveis ao seu exercício como governo e órgão supremo da administração em matéria militar» (itálico nosso).

Nestes termos, as razões aduzidas na já citada declaração de voto anexa ao parecer 8/79 da Comissão Constitucional e transcritas no presente acórdão continuam a parecer-me inteiramente procedentes.

Luís N. Almeida.

Declaração de voto

Comecei por me manifestar no sentido de que, respeitando a primeira questão prévia - derivada da não especificação das «normas cuja apreciação se requer» - ao pedido de declaração de inconstitucionalidade material e vindo o conhecimento deste pedido a tornar-se inútil pela procedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade formal, não havia que colocar a referida questão prévia: ela só teria lugar se se devesse conhecer da inconstitucionalidade material.

Entendi, por outro lado, que é permitida a especificação das «normas cuja apreciação se requer» pela referência a «todas» as normas de um diploma:

tratando-se, por exemplo, de um diploma com 5 artigos, a exigência de especificação fica satisfeita, tanto quando se requer a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º desse diploma, ou dos seus artigos 1.º a 5.º, inclusive, como quando se pede que sejam declarados inconstitucionais todos os artigos do mesmo diploma.

Finalmente, votei vencido quanto à questão da inconstitucionalidade orgânica dos diplomas em apreciação por as matérias neles reguladas - Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas (Decreto-Lei 381/82), Regulamento Disciplinar do referido pessoal (Decreto-Lei 434-A/82) e contratação do mesmo pessoal nos termos da legislação geral do trabalho (Decreto-Lei 393/82) - não caberem na «organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas», única matéria em que competia ao Conselho da Revolução fazer leis e regulamentos, nos termos do artigo 148.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, na sua versão originária: as normas sobre competência não podem ser aplicadas a casos nelas não previstos.

Mário Brito.

Voto de vencido

Quanto à inconstitucionalidade formal (falta de participação das organizações representativas dos trabalhadores civis dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas na elaboração dos decretos-leis em causa), mantive-me fiel à orientação que segui no parecer 17/81, de 18 de Junho (cf. Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 16.º, p. 17).

O Conselho da Revolução, órgão legislativo competente em razão da matéria, como bem se demonstra no acórdão, na versão originária dos artigos 56.º, alínea d), e 58.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, não estava obrigado necessariamente, v. g., a ouvir previamente tais organizações sobre a legislação em apreço, que substituiu a legislação sobre a qual incidiu o referido parecer.

À excepção dos trabalhadores civis da empresa pública Indústrias Nacionais de Defesa, criada pelo Decreto-Lei 515/80, de 31 de Outubro, o pessoal civil dos chamados estabelecimentos fabris das Forças Armadas tinha um estatuto laboral de direito público semelhante ao dos demais trabalhadores da Administração Pública, ainda que em muitos outros aspectos tais empresas fossem submetidas a uma disciplina de direito privado.

Eram serviços públicos no primeiro aspecto e empresas ou unidades de produção nos demais, enfim organismos de carácter misto (empresas públicas imperfeitas, tal como no acórdão se qualificam, ou, se se quiser, institutos públicos, embora não perfeitos).

O relatório do decreto-lei que criou a referida empresa pública qualifica mesmo os estabelecimentos fabris como institutos públicos.

Embora se reconheça que as qualificações jurídicas atribuídas por lei não são decisivas ou vinculativas para o intérprete, o certo é que, quanto ao regime laboral do pessoal civil daqueles estabelecimentos, não pode fugir-se ao reconhecimento de que ele era - e continua a ser (fora o pessoal daquela empresa pública) - assimilado ao regime geral da função pública.

E, como se procurou demonstrar naquele parecer da Comissão Constitucional, os direitos atribuídos aos trabalhadores na Constituição não eram - nem serão, mesmo depois da lei de revisão constitucional - aplicáveis de pleno aos trabalhadores da função pública.

Nem por isso se quer dizer que a lei ordinária não possa atribuir a estes trabalhadores aqueles direitos (v. g. os dos artigos 56.º e 58.º, na versão originária da Constituição).

Mas, se e quando ou nos termos em que o fizer, não será por imposição do legislador constituinte, mas tão-só por inspiração do mesmo. Daí que a legislação ordinária, embora com limitações, atribuísse aos trabalhadores dos referidos estabelecimentos direitos desse tipo genérico (v. g. direito de constituir comissões de trabalhadores).

27 de Março de 1984. - Joaquim Costa Aroso.

Declaração de voto

1.1 - A organização militar não pode ver-se como sendo apenas o conjunto dos militares que integram os vários ramos das Forças Armadas, antes devendo reconhecer-se no todo formado por estes e pelo pessoal civil, que colabora na tarefa de «defesa militar da República», a que se refere o artigo 275.º, n.º 1, da Constituição (redacção de 1982). E isto, quer esse pessoal civil desenvolva a sua acção nos serviços departamentais das Forças Armadas, quer nos respectivos estabelecimentos fabris, pois tanto estes como aqueles se pré-ordenam à realização dos fins das Forças Armadas.

1.2 - Tais estabelecimentos fabris são, por isso, empresas de tipo especial, mais próximas de um serviço público do que de uma empresa pública típica. Desde logo, pelo que produzem. Basta, para tanto, ver o caso da INDEP (Indústrias Nacionais de Defesa, E. P.), criada pelo Decreto-Lei 518/80, de 31 de Outubro, resultante da fusão da Fábrica Nacional de Munições e Armas Ligeiras (FNMAL) com a Fábrica Militar de Braço de Prata (FMBP), que, seguramente, não poderá considerar-se como uma entidade de puro carácter económico, em cuja gestão releve, essencialmente, a maximização dos resultados e a minimização dos custos, ou seja, a ideia de lucro. Aí releverá sobremaneira o interesse público da defesa militar da República.

1.3 - Daqui decorre, naturalmente, que o vínculo que liga ao Estado o pessoal civil daqueles estabelecimentos fabris cria aquilo que costuma designar-se por «relação especial de poder» (cf. J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 242 e segs.).

1.4 - O referido pessoal civil há-de ter, pois, um estatuto próximo do dos funcionários e agentes do Estado e, mesmo, mais exigente do que os destes. De facto, os deveres decorrentes das necessidades de defesa militar do Estado são um mais que acresce aos que já se lhes impõem por força da obrigação de se colocarem «exclusivamente ao serviço do interesse público» [v. artigo 269.º, n.º 1, da Constituição (redacção de 1982)]. Há aqui como que uma atracção deste pessoal civil para o âmbito militar. Consequentemente, conquanto gozem dos direitos fundamentais dos trabalhadores, podem eles ver esses direitos ser configurados de modo particular, designadamente em termos mais restritivos do que os dos restantes trabalhadores. E isto dada a necessidade que existe de que esses direitos se harmonizem com a possibilidade de realização de outros valores constitucionais (no caso, as necessidades de defesa). [A este propósito, é costume falar-se no «princípio da concordância prática» (v. J. C. Vieira de Andrade, ob. cit., pp. 221 e segs. e 242 e segs., onde se apontam os requisitos a que tais restrições terão de obedecer).] E mais: essa configuração especial pode ser mais ou menos restritiva, consoante a espécie de direito que estiver em causa. Assim, a liberdade sindical (artigo 56.º) e o direito à greve (artigo 58.º, n.º 1), onde é reconhecível um radical subjectivo (pertencem a todos os trabalhadores enquanto tais), oporão maior resistência à liberdade de conformação do legislador do que, por exemplo, o direito a constituir comissões de trabalhadores - direito constitucional, que se acha especialmente vinculado ao objectivo de assegurar a defesa dos trabalhadores na empresa (v. artigo 54.º, n.º 1) - ou o direito à contratação colectiva, reconhecido não já aos trabalhadores enquanto tais, nem sequer às comissões de trabalhadores, mas antes e só às associações sindicais (artigo 57.º, n.º 1) [v., a este propósito, parecer 18/78 da Comissão Constitucional, in Pareceres, vol. 6.º, pp. 3 e segs.].

1.5 - No que em particular respeita ao direito de constituir comissões de trabalhadores, ele é reconhecido aos trabalhadores das empresas justamente «para defesa dos seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa» (artigo 59.º, n.º 1). Empresa entendida não por forma a abranger todas as organizações económicas, mas apenas as que se apresentem como entidades de puro carácter económico (cf. A. Barbosa de Melo, As Fundações e as Comissões de Trabalhadores, separata da Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXVI, pp. 9 e 28). Fora delas os trabalhadores não gozam dessa garantia constitucional, podendo o legislador prever ou não a sua existência, e, prevendo-a, modelar os respectivos contornos (cf., neste sentido, A. Barbosa de Melo, loc. cit., p. 8, e o voto de vencido do Dr. Cardoso da Costa no parecer 17/81, in Pareceres, vol. 16.º, pp. 21 e segs.).

1.6 - No presente caso - já o dissemos -, não se está em presença de empresas no sentido apontado.

Assim sendo, não decorre da Constituição o direito de os trabalhadores aí constituírem comissões de trabalhadores. E, para além disso, a forma de participação do pessoal dos referidos estabelecimentos na elaboração da legislação do trabalho sempre careceria de ser legislativamente regulamentada, pois a Lei 16/79, de 26 de Maio, editada, embora, numa altura em que o Conselho da Revolução existia como órgão legislativo nesta área, não contém qualquer referência à legislação por ele produzida para o efeito de indicar o como daquela participação dos trabalhadores.

Não se pode, por isso, dizer violado o artigo 56.º, alínea d), da Constituição (1976).

2.1 - Os ditos trabalhadores - como decorre do que já se disse - gozam do direito de se constituir em sindicato. A verdade, porém, é que a assinalada natureza de serviço público (hoc sensu) dos estabelecimentos em que eles prestam serviço e a especial relação de poder, que vai implicada no respectivo vínculo, conferem ao legislador a faculdade de definir de modo particular os contornos dos respectivos direitos sindicais - respeitando, claro está, o conteúdo essencial do direito -, modelar de forma diversa da constante da Lei 16/79, de 26 de Maio, o modo de participação dos respectivos sindicatos na elaboração da legislação de trabalho, que, como se disse, aí não está regulamentada.

Ora, só depois de regulamentar essa forma de audição poderia exercitar-se um tal direito. Até lá, o que poderia é estar-se em presença de uma inconstitucionalidade por omissão.

2.2 - Registe-se a propósito que, tendo o Decreto-Lei 45/84, de 3 de Fevereiro, vindo regulamentar o direito de negociação dos trabalhadores da Administração Pública relativamente à fixação das suas condições de trabalho, designadamente o direito de participação na elaboração da legislação de trabalho [v. artigo 9.º, n.º 1, alínea a)], frisou-se, no respectivo relatório, que a Lei 16/79 não era aplicável em sede de regime da função pública, nem susceptível de o ser.

Assim, pois, não se pode dizer violado o artigo 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição (redacção de 1976).

3 - A finalizar, direi que não subscrevo a afirmação que, a dado passo do acórdão, se faz no sentido de que «a Constituição [é a] expressão suprema de uma ideia de direito», por a considerar ambígua. Nesta matéria, o que penso é que as leis, mesmo a lei fundamental, são simples precipitações histórico-concretas de uma axiologia que as transcende e lhes é anterior e perante a qual têm de justificar-se.

Recuso, assim, qualquer positivismo jurídico, ainda que tão-só corporizado na Constituição. Há valores, há princípios gerais de direito, que são anteriores à Constituição e que esta há-de respeitar.

Lisboa, 27 de Março de 1984. - Messias Bento.

Declaração de voto

Não acompanho o presente acórdão quando pretende que as normas dos Decretos-Leis n.os 381/82, de 15 de Setembro, 434-A/82, de 29 de Outubro, na parte em que aprovou o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, e 393/82, de 20 de Setembro, padecem de inconstitucionalidade formal por violação da alínea d) do artigo 56.º e alínea a) do n.º 2 do artigo 58.º da Constituição (segundo a redacção de 1976).

A posição ora assumida, e que tem em conta alguns dos argumentos expendidos no parecer 18/78, de 27 de Julho, da Comissão Constitucional (cf. Pareceres da Comissão Constitucional, edição da Imprensa Nacional, 1979, vol. 6.º, pp. 3-60), vem sobretudo no prolongamento da linha de pensamento que nos levou a aderir, muito recentemente, quanto à matéria em apreço, ao Acórdão 11/84, de 7 de Fevereiro, deste Tribunal Constitucional (ainda inédito).

É que, com efeito, ontem e agora, a nossa posição decorre da própria natureza jurídica do direito de participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais na elaboração da legislação do trabalho, tal como está prevista na lei fundamental, segundo a redacção de 1976.

Não contestamos, pois, a expressa proclamação constitucional de tal direito de participação e não ignoramos ainda a importância que os referidos preceitos ocupam na hermenêutica constitucional.

Simplesmente, quanto a nós, e diferentemente do acórdão ora aprovado, esses mesmos preceitos, segundo a redacção de 1976, não consagram um «direito fundamental dos trabalhadores», nos termos e para os efeitos do regime estabelecido nos artigos 17.º e 18.º da lei fundamental. Desde logo, aqueles preceitos constitucionais (repetimos, no texto de 1976) não são directamente aplicáveis, nem vinculam imediatamente as entidades públicas e privadas. A esta luz, o seu alcance é assaz próximo daquele que resulta do artigo 231.º, n.º 2, da Constituição, que estabelece o direito de audição dos órgãos de governo regional.

Tanto mais que o direito de participação na elaboração da legislação do trabalho não é um direito individual, isto é, uma prerrogativa reconhecida aos trabalhadores tomados individualmente, é, sim, um direito colectivo, atribuído expressa e directamente às comissões de trabalhadores e às associações sindicais propriamente ditas. Ora este, por definição, salvo disposição constitucional em contrário, não é imediatamente exequível; a sua concretização depende da conjugação de várias vontades, não só para que se realize a criação de uma determinada comissão de trabalhadores ou associação sindical mas também para que estas decidam, pelo menos maioritariamente, participar (ou não) na elaboração da legislação do trabalho.

Nestas circunstâncias, será possível admitir que o direito de participação que a lei fundamental de 1976 atribui expressamente às comissões de trabalhadores e às associações sindicais é um «direito fundamental dos trabalhadores», quando estes são livres de aderir ou não a esses organismos ou de concordar ou não com a decisão de participar (ou de não participar ...) na elaboração da legislação do trabalho? É esta divergência que nos afasta radicalmente do acórdão ora aprovado.

Aliás, no caso sub judice, em virtude da extinção do Conselho da Revolução, autor das normas questionadas, não poderíamos aderir à tese do acórdão sem ter ainda previamente, por irrefutavelmente adquirido:

a) Que no momento da elaboração dos diplomas questionados existiam, no quadro dos estabelecimentos em apreço, comissões de trabalhadores e associações sindicais;

b) Que os referidos organismos, enquanto tais, haviam manifestado vontade de participação na legislação do trabalho;

c) Que o órgão de soberania autor dos preceitos questionados não procedeu efectivamente à audição dos interessados; e d) Que, em consequência, os trabalhadores que, segundo os autos, afirmam não ter havido participação agem em nome dos referidos organismos ou, caso contrário, são, do ponto de vista numérico, assaz representativos da totalidade dos trabalhadores dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas.

Chegados a este ponto, pouco importa, na realidade, averiguar se os estabelecimentos em causa são empresas públicas «imperfeitas», segundo a terminologia e opção do acórdão, ou serviços públicos, isto porque, se optássemos por esta última qualificação (que aliás, no estádio das vossas investigações, nos parece, embora com muitas dúvidas, a mais correcta), a tese acima sustentada, nomeadamente quanto aos direitos do pessoal dos estabelecimentos fabris, achar-se-ia consolidada (v. declaração de voto de vencido do vogal Cardoso da Costa, in Pareceres, ob. cit., vol. 16.º, pp. 21 a 27).

Contudo, e para concluir, apraz notar que radicalmente diferente seria a nossa posição se estivesse em causa a redacção constitucional introduzida, na nossa matéria pela lei de revisão de 1982, isto porque, hoje em dia, o direito de participação na elaboração da legislação do trabalho das comissões de trabalhadores [artigo 55.º, alínea d)] e das associações sindicais [artigo 57.º, n.º 2, alínea a)] é incontestavelmente um «direito fundamental», nomeadamente para efeitos dos artigos 17.º e 18.º da Constituição.

Jorge Campinos.

Declaração de voto

1 - Votei no sentido de que os diplomas em apreço não só não enfermam de inconstitucionalidade orgânica (por entrarem, ao tempo, na competência legislativa do Conselho da Revolução), como também não se encontram feridos de inconstitucionalidade formal, por falta de audição prévia das comissões de trabalhadores e das associações sindicais interessadas. No que respeita a esta segunda conclusão - em que divirjo, por conseguinte, do que foi o entendimento maioritário do Tribunal -, as razões do meu voto são as constantes da declaração que apus ao parecer 17/81 da Comissão Constitucional (Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 16.º, pp. 21 e segs.), que dou aqui como reproduzida, na parte que importa. Efectivamente, foi aí tratada exactamente a mesma questão (com referência ao Decreto-Lei 33/80, de 13 de Março, que o Decreto-Lei 381/82 veio justamente substituir, na parte relativa ao Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris); e esse tratamento mantém actualidade, desde logo porque a legislação em relação à qual o problema agora se põe foi ainda emitida na vigência da versão originária da Constituição. Limitar-me-ei, pois, aqui a sublinhar os pontos fulcrais do entendimento que então expendi, a saber: a qualificação que, com maior rigor, cabe aos estabelecimentos fabris das Forças Armadas é a de «serviços públicos»; assim sendo, o seu pessoal civil integra-se na categoria dos «trabalhadores da função pública», categoria relativamente à qual os direitos reconhecidos pela Constituição aos trabalhadores hão-de ter uma configuração e um âmbito que se compaginem com o interesse público que aí importa considerar (ou, por outras palavras, com a relação especial de poder que aí ocorre): ponto é que o conteúdo essencial mínimo desses direitos seja salvaguardado; ora, por um lado, no âmbito dos serviços públicos não existe sequer um direito constitucional à instituição de comissões de trabalhadores, e, por outro lado, não parece que o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho integre o conteúdo mínimo do direito de liberdade sindical (não se vê que essa seja uma faculdade que, pela natureza das coisas ou por força da tradição legislativa, deva considerar-se necessariamente implícita neste direito).

De resto, e quanto a este último ponto, acresce que no caso (e para já não falar do problema da prova da falta de audiência das estruturas representativas dos trabalhadores, suscitado pela extinção do Conselho da Revolução) é muitíssimo duvidoso, pelo menos, que alguma ou algumas associações sindicais pudessem legitimamente reivindicar a faculdade de exercer o direito do artigo 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição (versão originária), suposto que tal direito não pudesse deixar de ser aí reconhecido.

2 - Ressalvo ainda a minha não inteira concordância quanto ao modo como no acórdão se fundamenta a decisão de não conhecer do pedido nele identificado como o quarto pedido do Presidente da Assembleia da República (violação do artigo 53.º da Constituição pela totalidade das normas do Decreto-Lei 393/82), sem embargo de perfilhar essa decisão: a minha reserva reporta-se mais concretamente à parte final dessa fundamentação. Entretanto, e por outro lado, julgo que a indeterminação e obscuridade do pedido resultam logo de não se poder extrair dele claramente se a norma tida como violada é o artigo 53.º da Constituição na sua versão originária ou na sua versão actual.

José Manuel Cardoso da Costa.

Declaração de voto

Não votei o acórdão pelas razões exaradas na declaração de voto do Exmo.

Conselheiro Messias Bento.

Referentemente ao n.º 1.4 da mesma declaração, sublinharei que o Decreto-Lei 260/76 «aponta para um regime quase público quando se trate de empresas públicas que explorem serviços públicos, assegurem actividades que interessem fundamentalmente à defesa nacional [...]» (Manuel Afonso Vaz, in Direito Económico, p. 206.) Assim, de acordo com o mesmo autor, ibidem, «o estatuto jurídico do pessoal de tais empresas pode ser definido, em certos aspectos, de acordo com o regime de direito administrativo baseado no Estatuto do Funcionalismo Público [...]» Lisboa, 20 de Março de 1984. - Mário Augusto Fernandes Afonso.

Voto de vencido

1 - O Tribunal Constitucional não deveria ter-se pronunciado pela inconstitucionalidade de todas as normas dos seguintes textos legislativos:

Decreto-Lei 381/82, de 15 de Setembro;

Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, aprovado pelo artigo único do Decreto-Lei 434-A/82, de 29 de Outubro, rectificado no Diário da República, 1.ª série, n.º 290, de 17 de Dezembro de 1982; e Decreto-Lei 393/82, de 20 de Setembro, rectificado no Diário da República, 1.ª série, n.º 251, de 29 de Outubro de 1982.

De facto, a prévia auscultação de comissões de trabalhadores e sindicatos não era condição, em perspectiva constitucional, da validade formal daqueles decretos-leis.

2 - Segundo os artigos 56.º, alínea d), e 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, texto primitivo, constituía direito das comissões de trabalhadores e sindicatos participar na elaboração da legislação do trabalho.

No acórdão de que este voto de vencido é parte integrante sustenta-se, e correctamente, que o pessoal civil daqueles estabelecimentos fabris está integrado na organização militar e faz parte, numa visão funcional e objectiva, a que era natural à lei fundamental, texto de 1976, das próprias Forças Armadas, sendo, por isso, o Conselho da Revolução competente, nos termos do artigo 148.º, n.º 1, alínea a), para editar os diplomas em causa. Na verdade, dispunha este preceito da Constituição, forma originária, que, na qualidade de órgão político e legislativo em matéria militar, competia ao Conselho da Revolução fazer leis e regulamentos sobre a organização, o funcionamento e a disciplina das Forças Armadas.

Nesta óptica, e sem embargo de a legislação em questão tratar de matéria laboral, certo é que a vertente dominante é ainda a militar, pelo que o Decreto-Lei 381/82, o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas e o Decreto-Lei 393/82 não são legislação de trabalho no sentido exigido pelos artigos 56.º, alínea d), e 58.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, redacção de 1976.

A ausência no iter legislativo da tramitação prevista naqueles preceitos constitucionais foi assim irrelevante.

3 - De qualquer forma, regista-se que não ficou positivamente provado que o Conselho da Revolução tenha deixado de ouvir comissões de trabalhadores e sindicatos.

Sendo assim, e mesmo nos quadros da análise adversa, não seria, por dúvidas sobre a efectiva existência de um dos elos da cadeia de raciocínio, de chegar à declaração de inconstitucionalidade.

Raul Mateus.

Declaração de voto

Votei no sentido de que não há apenas inconstitucionalidade formal, mas também orgânica. Na organização global das Forças Armadas são diferentes os papéis que cabem ao pessoal militar e ao pessoal civil. Os estatutos de um e de outro não têm, por conseguinte, de coincidir; em não poucos pontos é mesmo necessário que divirjam. Por isso, do facto de, na sua estrutura, as Forças Armadas abrangerem tanto pessoal civil como militar não pode sem mais ser tirada a conclusão de que o Conselho da Revolução, na versão original da Constituição de 1976, era simultaneamente competente para legislar com relação a essas duas categorias de pessoal só porque na alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º lhe era cometido o poder de fazer leis e regulamentos sobre a organização e a disciplina das Forças Armadas.

Tal disposição deve, pelo contrário, ser entendida (na ausência de preceito expresso) como dirigida directamente ao pessoal militar, Ao proceder como procedeu, legislando através dos Decretos-Leis n.os 381/82, 393/82 e 434-A/82 sobre o pessoal civil, o Conselho da Revolução agiu ultra vires, excedendo a esfera da fracção do poder legislativo que lhe competia, voltada para as questões militares, e actuou de modo organicamente inconstitucional. Por força da alínea c) do artigo 167.º da Constituição, na sua primitiva redacção, semelhante competência pertencia à Assembleia da República, visto se tratar (quanto ao pessoal civil) de direitos fundamentais nos termos do artigo 17.º, e por efeito do prescrito no artigo 18.º Armando M. Marques Guedes.

Está conforme o original.

Lisboa, 30 de Março de 1984. - O Escrivão de Direito, (Assinatura ilegível.).

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1984/04/17/plain-20961.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/20961.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1929-06-15 - Decreto 16963 - Ministério da Guerra - Repartição do Gabinete

    Aprova, para ter execução no exército e na armada, o regulamento de disciplina militar.

  • Tem documento Em vigor 1943-02-09 - Decreto-Lei 32659 - Presidência do Conselho

    Aprova o Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, publicado em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1947-03-19 - Lei 2020 - Ministério da Guerra

    Promulga as bases relativas à reorganização dos estabelecimentos fabris dependentes do Ministério da Guerra, através da Administração-Geral do Exército, designadamente: Fábrica Militar de Braço de Prata, Fábrica Nacional de Municções e Armas Ligeiras, Fábrica Militar de Pólvoras e Explosivos, Oficinas Gerais de Equipamentos e Arreios, Oficinas Gerais de Materias de Engenharia, Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, Oficinas Gerais de Fardamento, Manutenção Militar e Laboratório Militar de Produtos Químico (...)

  • Tem documento Em vigor 1958-10-03 - Decreto-Lei 41892 - Ministério do Exército - 2.ª Direcção-Geral - 1.ª Repartição

    Define as normas orgânicas dos estabelecimentos fabris militares dependentes do Ministério.

  • Tem documento Em vigor 1974-05-14 - Lei 3/74 - Junta de Salvação Nacional

    Define a estrutura constitucional transitória que regerá a organização política do País até à entrada em vigor da nova Constituição Política da República Portuguesa.

  • Tem documento Em vigor 1974-07-01 - Lei 4/74 - Presidência da República

    Determina que seja da competência do Conselho dos Estados-Maiores das Forças Armadas o exercício de funções legislativas sobre matérias que respeitem à estrutura e organização das forças armadas, bem como a assuntos internos das mesmas, ou que tenham como únicos destinatários militares ou civis integrados na organização militar.

  • Tem documento Em vigor 1975-03-14 - Lei 5/75 - Presidência da República

    Extingue a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado e institui o Conselho da Revolução.

  • Tem documento Em vigor 1975-12-26 - Lei 17/75 - Conselho da Revolução

    Aprova as bases fundamentais para a reorganização das forças armadas.

  • Tem documento Em vigor 1976-04-08 - Decreto-Lei 260/76 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Planeamento

    Estabelece as bases gerais das empresas públicas.

  • Tem documento Em vigor 1979-05-26 - Lei 16/79 - Assembleia da República

    Regula a participação das organizações de trabalhadores (comissões de trabalhadores e respectivas comissões coordenadoras, bem como associações sindicais) na elaboração da legislação de trabalho. Aprova e publica em anexo o modelo do impresso destinado ao pronunciamento das referidas organizações sobre os projectos e propostas de legislação, nos prazos e condições estipulados neste diploma.

  • Tem documento Em vigor 1980-03-13 - Decreto-Lei 33/80 - Conselho da Revolução

    Aprova o estatuto do pessoal civil dos serviços departamentais das Forças Armadas e o Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas.

  • Tem documento Em vigor 1980-10-31 - Decreto-Lei 517-A/80 - Conselho da Revolução

    Extingue a Fábrica Militar de Braço de Prata e a Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras, tendo em vista, através de um diploma do Governo, a constituição da empresa pública Indústrias Nacionais de Defesa, E. P.

  • Tem documento Em vigor 1980-10-31 - Decreto-Lei 515/80 - Ministério da Defesa Nacional

    Cria a empresa pública Indústrias Nacionais de Defesa, E. P. (INDEP).

  • Tem documento Em vigor 1980-11-05 - Decreto-Lei 518/80 - Conselho da Revolução

    Introduz alterações no texto da II parte do Regulamento Geral do Serviço do Exército (RGSE), aprovado pelo Decreto n.º 49/80, de 2 de Julho, e torna extensiva a sua execução, a título definitivo, a todas as unidades e estabelecimentos militares do Exército a partir de 1 de Janeiro de 1981.

  • Tem documento Em vigor 1981-10-01 - Resolução 211/81 - Conselho da Revolução

    Não declara a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 33/80, de 13 de Março, com os Estatutos que aprovou e dele fazem parte integrante, por caber na competência legislativa que o artigo 148.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa lhe confere; não declara a inconstitucionalidade material da norma contida na 1.ª parte do artigo 3.º do despacho conjunto dos CEMS relativa a actividades sindicais, por violação do artigo 57.º da mesma lei fundamental; não declara também a inconstit (...)

  • Tem documento Em vigor 1982-09-15 - Decreto-Lei 380/82 - Conselho da Revolução

    Aprova e publica em anexo o Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-15 - Decreto-Lei 381/82 - Conselho da Revolução

    Aprova o Estatuto do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, publicado em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-20 - Decreto-Lei 393/82 - Conselho da Revolução

    Define a natureza e âmbito da contratação do pessoal civil dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas nos termos da legislação geral do trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1982-10-29 - Decreto-Lei 434-A/82 - Conselho da Revolução

    Aprova o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas e o Regulamento Disciplinar do Pessoal Civil dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-02-03 - Decreto-Lei 45/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministérios da Administração Interna e das Finanças e do Plano

    Define um conjunto de medidas relativas à atribuição de subsídio de deslocação e incentivos para a fixação na periferia do pessoal da função pública.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1985-05-23 - Acórdão 75/85 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da parte final da alínea a) do n.º 2 do artigo 111.º do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/82, de 15 de Setembro, que estabelece que a apresentação e defesa dos interesses individuais «serão feitas, directamente pelos próprios, perante os respectivos chefes», por violação do disposto n.º 1 do artigo 57.º e no n.º 1 do artigo 52.º da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1987-12-14 - Acórdão 451/87 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 380/82, de 15 de Setembro ( Estatuto do Pessoal Civil das Forças Armadas )

  • Tem documento Em vigor 1988-02-03 - Acórdão 15/88 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, POR VIOLAÇÃO DAS NORMAS DOS ARTIGOS 56, ALÍNEA D), E 58, NUMERO 2, ALÍNEA A), DA CONSTITUICAO, NA SUA VERSÃO ORIGINÁRIA, DAS NORMAS DO ESTATUTO DO PESSOAL CIVIL DOS ESTABELECIMENTOS FABRIS DAS FORÇAS ARMADAS, APROVADO PELO DECRETO LEI NUMERO 33/80, DE 13 DE MARCO, E DO ARTIGO 172, DO REGULAMENTO DE DISCIPLINA MILITAR APROVADO PELO DECRETO LEI NUMERO 142/77, DE 9 DE ABRIL, NA MEDIDA EM QUE ELE ABRANGE O PESSOAL CIVIL DOS ESTABELECIMENTOS FABRIS DA (...)

  • Tem documento Em vigor 1989-08-18 - Decreto-Lei 264/89 - Ministério da Defesa Nacional

    Define o regime jurídico aplicável ao pessoal civil dos serviços departamentais das forças armadas.

  • Tem documento Em vigor 1990-12-20 - Acórdão 262/90 - Tribunal Constitucional

    Não declara a inconstitucionalidade das normas constantes do Decreto-Lei n.º 65/87, de 6 de Fevereiro, que elimina a obrigatoriedade de aprovação prévia pela administração do trabalho dos mapas de horário de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1993-10-07 - Acórdão 429/93 - Tribunal Constitucional

    DECLARA, COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, A INCONSTITUCIONALIDADE CONSEQUENCIAL DAS NORMAS DA ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DAS COMISSOES DE TRABALHADORES DOS ESTABELECIMENTOS FABRIS DAS FORÇAS ARMADAS, APROVADAS PELO DESPACHO CONJUNTO DOS CHEFES DO ESTADO-MAIOR-GENERAL DAS FORÇAS ARMADAS E DOS CHEFES DOS ESTADOS MAIORES DA ARMADA, DO EXÉRCITO E DA FORÇA AEREA, DE 3 DE FEVEREIRO DE 1982, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, NUMERO 45, DE 24 DE FEVEREIRO DE 1982 E DAS NORMAS PROVISÓRIAS DA ORGANIZAÇÃO E FUN (...)

  • Tem documento Em vigor 2004-05-25 - Acórdão 563/2003 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, 26.º, n.os 1 e 3, alínea b), 31.º, n.º 2, 32.º, n.º 2, 34.º, segunda parte, e 36.º do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril (aprova o regime jurídico do ensino da condução) (Proc. 578/98).

  • Tem documento Em vigor 2020-01-27 - Acórdão do Tribunal Constitucional 774/2019 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho, celebrado há menos de um ano, de titular que seja designado administrador da sociedade empregadora, por violação do disposto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição, na redação vigente à data em que a norma f (...)

Aviso

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