de 3 de Julho
Na ordem jurídica portuguesa a protecção do consumidor alcançou uma marcante expressão com a Lei 29/81, de 22 de Agosto; ainda hoje esta é apontada, em direito comparado, como um texto paradigmático. Assegura o artigo 7.º da lei o direito à igualdade e à lealdade na contratação; tal direito desdobra-se em várias frentes, a uma das quais (a das cláusulas contratuais gerais) o Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, veio dar resposta, em termos incontrovertidamente dotados de praticabilidade e rigor técnico.Importa prosseguir com a obrigação de legislar, quer em consequência daquela lei, quer dos princípios acolhidos na Constituição (artigos 109.º e 110.º), quer, ainda, da Directiva do Conselho das Comunidades n.º 85/577/CEE, de 20 de Dezembro de 1985.
A esse objectivo se propõe o presente diploma, no tocante às vendas ao domicílio e por correspondência.
Importa ainda caracterizar as vendas «agressivas», que, pela sua configuração, destroem por completo o equilíbrio e a razoabilidade contratuais;
estes os casos das vendas em cadeia e das vendas forçadas.
Estão, em qualquer dos casos, em causa as vendas realizadas fora dos estabelecimentos comerciais. Não se pretende, por certo, contrariar a dinâmica que estará necessariamente implícita na actividade comercial; o que se visa é promover um adequado clima concorrencial e, obviamente, tutelar a liberdade de escolha e a disponibilidade de reflexão do consumidor, quando faz a sua opção de compra.
Ora, não resta dúvida de que as vendas «em cadeia», «em pirâmide», ou pelo sistema «de bola de neve», e as vendas «forçadas» são contrárias a uma saudável actividade comercial.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Vendas ao domicílio
Artigo 1.º
Noção e âmbito
1 - Para efeitos de aplicação do presente diploma considera-se venda ao domicílio a modalidade de distribuição comercial a retalho em que o contrato, tendo por objecto bens ou serviços, é proposto e concluído no domicílio do consumidor, pelo vendedor ou seus representantes, sem que tenha havido prévio pedido expresso por parte do mesmo consumidor.2 - São equiparadas à venda ao domicílio, nos termos previstos no número anterior:
a) As vendas efectuadas no local de trabalho do consumidor;
b) As vendas efectuadas no domicílio de outro consumidor, designadamente em reuniões, em que a oferta de bens ou serviços é promovida através de demonstração realizada perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio de uma delas a pedido do vendedor;
c) As vendas efectuadas numa deslocação organizada pelo vendedor fora dos seus estabelecimentos comerciais.
3 - Aplica-se, ainda, o disposto no presente capítulo aos contratos relativos a vendas de outros bens ou serviços que não os solicitados pelo consumidor quando este, ao tomar a iniciativa da negociação, não tenha conhecimento prévio que tais bens ou serviços façam parte das actividades comerciais ou profissionais do vendedor, prestador de serviços ou seus representantes.
4 - Os contratos relativos ao fornecimento de bens e sua incorporação nos bens imóveis ou os contratos relativos à reparação de bens imóveis estão igualmente sujeitos ao regime da venda ao domicílio.
5 - O disposto no presente capítulo é igualmente aplicável:
a) Às propostas de contrato efectuadas pelo consumidor em condições semelhantes às descritas nos n.os 1 e 2, ainda que o consumidor não tenha ficado vinculado a essa proposta antes da sua aceitação pela empresa vendedora;
b) Às propostas contratuais feitas pelo consumidor em condições semelhantes às descritas nos n.os 1 e 2, quando o consumidor fica vinculado à sua oferta.
6 - As disposições do presente capítulo não se aplicam:
a) Aos contratos relativos à construção, venda e locação de bens imóveis, bem como aos contratos que tenham por objecto quaisquer outros direitos sobre esses bens;
b) Aos contratos relativos à venda de bens alimentares, bebidas ou outros bens de consumo doméstico corrente fornecidos pelos vendedores com entregas domiciliárias frequentes e regulares;
c) Aos contratos de seguros;
d) Aos contratos relativos a valores mobiliários.
Artigo 2.º
Identificação do vendedor ou seus representantes
1 - As empresas que efectuam vendas ao domicílio deverão possuir relação actualizada das pessoas que em seu nome apresentam as propostas, preparam ou concluem os contratos deslocando-se ao domicílio do consumidor; essa relação deve ser facultada, logo que solicitada, à Direcção-Geral do Comércio Interno ou à Direcção-Geral de Inspecção Económica.
2 - As empresas referidas no número anterior deverão, igualmente, habilitar aquelas pessoas com documentos adequados à sua completa identificação perante o consumidor.
Artigo 3.º
Forma, conteúdo e valor do contrato
1 - Sob pena de nulidade e sem prejuízo da responsabilidade por contra-ordenação do vendedor, os contratos concluídos com os consumidores no exercício da actividade de vendas ao domicílio serão reduzidos a escrito através de documento, do qual deverá constar:a) Nome e domicílio dos contraentes ou dos seus representantes, assim como dos que por qualquer outra forma intervenham no contrato, com expressa indicação da qualidade em que actuam;
b) Elementos identificativos da empresa vendedora;
c) Indicação das características essenciais do bem ou serviço objecto do contrato;
d) Preço total, forma e condições de pagamento, com menção de todas as quantias a pagar pelo consumidor nas diversas fases da transacção, e, no caso do pagamento em prestações, os seus montantes, datas dos respectivos vencimentos e demais elementos exigidos pela legislação que regula a venda a prestações;
e) Forma, lugar e prazos de entrega dos bens ou de início da prestação do serviço;
f) Regime de garantia e de assistência pós-venda, quando a natureza do bem o justifique, com indicação do local onde se poderão efectivar e para o qual o consumidor possa dirigir as suas reclamações;
g) Informação sobre os direitos do consumidor relativamente à possibilidade de resolução do contrato, suas formas e prazos.
2 - Quaisquer outras condições e cláusulas deverão ser expressas em termos claros e inequívocos, não sendo o exigíveis ao consumidor quaisquer outras obrigações para além das que resultam da lei geral.
3 - O consumidor deve datar e assinar o documento a que se refere o n.º 1, conservando em seu poder uma cópia assinada igualmente pelo outro contraente.
4 - O disposto no presente artigo apenas é aplicável aos contratos de valor igual ou superior a 9000$00, bastando para os contratos de valor inferior uma nota de encomenda ou documento equivalente assinado pelo consumidor respeitando os demais requisitos.
5 - O valor fixado no número anterior pode ser actualizado por portaria do Ministro da Indústria e Comércio.
Artigo 4.º
Direito de resolução do contrato e obrigação de informação
1 - O consumidor pode resolver o contrato dentro do prazo de sete dias úteis contados da data da sua assinatura ou desde esta última e até sete dias úteis ulteriores à entrega da mercadoria, se esta for posterior.
2 - O consumidor deve ser informado, por escrito, pelo outro contraente do direito a que se refere o número anterior:
a) No momento da conclusão do contrato, nos casos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 1.º;
b) Até ao momento da conclusão do contrato, nos casos referidos nos n.os 3 e 4 do artigo 1.º;
c) Nos casos previstos no n.º 5 do artigo 1.º, quando a proposta de contrato é feita pelo consumidor.
3 - Os prazos previstos no n.º 1 podem ser alargados por acordo entre as partes.
4 - Têm-se por não escritas as cláusulas que estabeleçam a renúncia aos direitos previstos nos números anteriores, assim como as que estipulem uma indemnização ou penalização de qualquer tipo no caso de o consumidor exercer aqueles direitos.
Artigo 5.º
Forma de resolução do contrato, obrigações e direitos do consumidor
1 - Sem prejuízo de outras formas de notificação, entende-se exercido pelo consumidor o direito a que se refere o artigo anterior através da expedição, nos prazos aí previstos, de carta registada com aviso de recepção, comunicando ao outro contraente ou à pessoa para tal designada no contrato a vontade de o resolver.
2 - Em caso de resolução o consumidor deve conservar as mercadorias, de modo a poder restituí-las em devida forma, em prazo não superior a quinze dias úteis a contar da sua recepção, à entidade fornecedora ou à pessoa para tal designada no contrato.
3 - O consumidor deve ser reembolsado das despesas decorrentes da devolução no prazo de 30 dias úteis a contar da data em que a tenha efectuado.
Artigo 6.º
Pagamento antecipado
1 - Antes da recepção da mercadoria ou da prestação do serviço não pode ser exigido ao consumidor qualquer pagamento.2 - Qualquer quantia entregue pelo consumidor antes de findos os prazos previstos no artigo 4.º será considerada como prova do contrato e ter-se-á como entregue por conta do preço se aquele se concluir.
Artigo 7.º
Conteúdo dos catálogos e outros suportes publicitários
1 - Quando as vendas ao domicílio sejam acompanhadas ou precedidas de catálogos, revistas ou qualquer outro meio gráfico ou áudio-visual, devem os mesmos conter os elementos referidos nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 3.º, salvo quanto à alínea d), em que é apenas obrigatória a indicação do preço total, forma e condições de pagamento.
2 - Não se aplica o disposto no número anterior às mensagens publicitárias genéricas que não envolvam uma proposta concreta para aquisição de um bem ou a prestação de um serviço.
CAPÍTULO II
Vendas por correspondência
Artigo 8.º
Noção e âmbito
1 - Para efeitos do presente diploma considera-se venda por correspondência a modalidade de distribuição comercial a retalho em que se oferece ao consumidor a possibilidade de encomendar pelo correio, telefone ou outro meio de comunicação os bens ou serviços divulgados através de catálogos, revistas, jornais, impressos ou quaisquer outros meios gráficos ou áudio-visuais.2 - O disposto no presente capítulo não se aplica à venda por correspondência de jornais, revistas e outras publicações periódicas, como tal consideradas na legislação respectiva, de natureza cultural, educativa, recreativa ou desportiva.
Artigo 9.º
Conteúdo da oferta
1 - As ofertas nas vendas por correspondência devem ser claras, completas e formuladas em termos que não induzam em erro quanto à natureza, características e preço do bem ou serviço e condições de pagamento.2 - Nos termos previstos no número anterior, da oferta deve constar, designadamente:
a) A descrição dos bens ou serviços, com indicação das características necessárias para a sua completa identificação;
b) O preço do bem ou serviço, forma e condições de pagamento;
c) Quaisquer outras despesas que devam ser suportadas pelo consumidor;
d) O prazo para o envio da mercadoria ou para o início da prestação do serviço, a contar da data da recepção pelo vendedor do pedido do consumidor;
e) O regime de garantia e de assistência pós-venda, quando a natureza do bem o justifique;
f) O nome, domicílio e elementos identificativos da empresa vendedora, assim como indicação do local para onde o consumidor possa dirigir as suas encomendas ou pedidos de informação; não é admitida a indicação exclusiva de um apartado ou qualquer outra forma que não permita a localização imediata do vendedor ou seu representante.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, não são consideradas ofertas de venda as mensagens publicitárias genéricas que não incluam uma proposta concreta para aquisição de bens ou prestação de serviços.
Artigo 10.º
Forma, conteúdo e valor do contrato
1 - Após a recepção da comunicação do consumidor aceitando a oferta o vendedor remeter-lhe-á, em momento anterior ou simultaneamente com o envio dos bens ou com a prestação do serviço, documento, do qual constem os elementos a que se refere o artigo anterior, e que devem corresponder aos termos da oferta inicial.2 - Não é exigido o documento a que se refere o número anterior quando a nota de encomenda faça parte integrante do suporte utilizado na oferta de venda.
3 - Nas vendas por correspondência os contratos de valor igual ou superior a 9000$00 serão sempre reduzidos a escrito.
4 - O valor fixado no número anterior pode ser actualizado por portaria do Ministro da Indústria e Comércio.
Artigo 11.º
Direito de resolução do contrato e obrigação de informação
1 - O consumidor pode resolver o contrato nos sete dias úteis ulteriores à entrega da mercadoria.
2 - O consumidor deve ser informado, por escrito, pelo outro contraente do direito a que se refere o número anterior até ao momento da conclusão do contrato.
3 - Os prazos previstos no n.º 1 podem ser alargados por acordo das partes.
4 - É aplicável às vendas por correspondência o disposto no n.º 4 do artigo 4.º quanto à irrenunciabilidade do direito de desistência e à não penalização do seu exercício, assim como o disposto no artigo 6.º quanto à não exigibilidade e natureza do pagamento antecipado.
Artigo 12.º
Forma de resolução do contrato
Sem prejuízo do acordo das partes quanto à forma e consequências do exercício do direito de desistência, o disposto no artigo 5.º é aplicável às vendas por correspondência, com as necessárias adaptações.
CAPÍTULO III
Vendas em cadeia e vendas forçadas
Artigo 13.º
Noção e proibição das vendas em cadeia
1 - É proibido organizar vendas pelo procedimento denominado de «em cadeia», «em pirâmide» ou «de bola de neve», bem como participar na sua promoção.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se venda em cadeia o procedimento que consiste em oferecer ao público determinados bens ou serviços, fazendo depender o valor de uma prometida redução do seu preço, ou mesmo a sua gratuitidade, do número de clientes ou do volume de vendas que, por sua vez, aquele consiga obter directa ou indirectamente para o vendedor, o organizador ou um terceiro.
Artigo 14.º
Noção e proibição das vendas forçadas
1 - É proibido o emprego, com o fim de promover a distribuição a retalho de bens ou serviços, de práticas comerciais pelas quais da falta de resposta de um consumidor a uma oferta ou proposta que lhe tenha sido dirigida se presuma a sua aceitação.
2 - Pelas práticas referidas no número anterior em caso algum ficará o consumidor vinculado ao cumprimento de qualquer obrigação, mesmo que nas ofertas ou propostas se tenha expressamente indicado que o decurso de um certo prazo sem qualquer reacção implica a sua aceitação.
Artigo 15.º
Produtos não encomendados ou solicitados
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 62.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, o destinatário de um produto recebido sem que por ele tenha sido encomendado ou solicitado, ou que não constitua o cumprimento de qualquer contrato válido, não fica obrigado à sua devolução ou pagamento, podendo conservá-lo a título gratuito.
2 - Se o destinatário efectuar, não obstante o disposto no número anterior, a devolução do produto, tem direito a ser reembolsado das despesas desta decorrentes no prazo de 30 dias a contar da data em que a tenha efectuado.
3 - A proibição de envio de produtos não solicitados ou encomendados não se aplica às amostras gratuitas ou ofertas, bem como às remessas efectuadas com finalidade altruística por instituições de solidariedade social, desde que, neste último caso, se limitem a bens por elas próprias produzidos.
4 - Na hipótese prevista na parte final do número anterior o destinatário não fica, no entanto, obrigado à devolução ou pagamento dos produtos recebidos, podendo conservá-los a título gratuito.
CAPÍTULO IV
Disposições finais
Artigo 16.º
Infracções
1 - Às infracções das regras de publicidade contidas nos artigos 7.º e 9.º é aplicável o disposto no artigo 30.º do Decreto-Lei 303/83, de 28 de Junho.2 - As restantes infracções são puníveis nos termos do artigo 68.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro.
3 - A aplicação das respectivas coimas compete à comissão a que se refere o n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei 28/84.
Artigo 17.º
Fiscalização e instrução dos processos
A fiscalização do que se dispõe no presente diploma e a instrução dos respectivos processos competem especialmente à Direcção-Geral de Inspecção Económica, nos termos do artigo 73.º do Decreto-Lei 28/84.
Artigo 18.º
Aplicação às regiões autónomas
O presente diploma aplica-se às regiões autónomas, com as alterações decorrentes da especificidade da organização político-administrativa de cada região.
Artigo 19.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor 90 dias após a sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 21 de Maio de 1987. - Aníbal António Cavaco Silva - Mário Ferreira Bastos Raposo - Fernando Augusto dos Santos Martins.
Promulgado em 17 de Junho de 1987.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 23 de Junho de 1987.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.