Decreto-Lei 488/70
de 21 de Outubro
1. A prevenção, a detecção e o combate a incêndios florestais revestem-se de extrema complexidade, dadas as suas múltiplas incidências. Esta a razão por que se reconhece, pelo menos em relação à propriedade florestal privada, a necessidade de uma acção concertada de diversas entidades, entre as quais os serviços florestais têm de desempenhar papel de capital importância.
Tal posição será fàcilmente compreendida ao analisarem-se as causas que, na actualidade, são determinantes da gravidade dos incêndios florestais e as medidas que se julgam de adoptar para atenuar a incidência do seu risco e os prejuízos deles resultantes.
2. Paralelamente ao aumento da área arborizada, à elevação do nível de vida das populações e à maior facilidade de transporte, tem-se verificado um maior afluxo às matas das populações urbanas em busca de ambiente repousante. Mas acontece que nem sempre existe por parte daquelas populações conhecimento dos cuidados a observar e, em muitos casos, sensibilidade quanto às obrigações correspondentes ao direito de fruição de determinadas regalias.
Por outro lado, as condições de clima, com períodos prolongados de seca bem marcada, contribuem decisivamente para o aumento do número de incêndios e, bem assim, para que os mesmos possam tomar grandes proporções.
Acresce ainda que dificuldades de obtenção de mão-de-obra originam a impossibilidade de se efectuarem determinados trabalhos ou praticarem técnicas culturais susceptíveis de atenuar o risco de incêndio, embaraçando também o recurso a trabalho especializado em quantidade suficiente para ser empregado eficazmente no combate em incêndios florestais.
Entretanto, não pode esquecer-se que a estrutura da propriedade florestal privada contribui de forma decisiva para aumentar a acuidade do problema. E, embora se possa entender que a defesa da floresta privada compete principalmente aos proprietários, não oferece dúvida que toda a floresta representa uma riqueza nacional, que importa salvaguardar no seu conjunto, evitando também outras consequências que muitas vezes resultam dos incêndios florestais.
Todas estas circunstâncias impõem, pois, a promulgação de medidas legislativas que se coadunem com as realidades presentes, devendo reconhecer-se, tal como sucede em muitos outros países, que os incêndios florestais, nomeadamente na sua fase de extinção, constituem problema de ordem pública, exigindo, portanto, a intervenção das autoridades administrativas, secundadas, embora, por todas as entidades susceptíveis de neles terem interferência, começando necessàriamente pelos serviços florestais, aos quais deverá competir a respectiva orientação técnica.
3. Entre as medidas agora publicadas, avultam as relativas à acção básica a empreender - v. g., proceder-se-á a estudos destinados à adopção de medidas com o objectivo de detectar ou eliminar as causas dos incêndios florestais, determinar-se-ão as "épocas de perigo», efectuar-se-ão campanhas educativas sobre os meios que podem evitar ou eliminar os fogos nas florestas -, a criação de conselhos distritais de prevenção, detecção e combate dos incêndios florestais, com extensa competência regional, e as acções a empreender por ocasião de fogos nas florestas.
4. Não obstante se julgar que as medidas adoptadas ou a adoptar só resultarão totalmente eficazes se se efectuarem concomitantemente campanhas de divulgação dos meios de prevenção, de detecção e de combate aos incêndios florestais - daí a acção a levar a cabo nesse domínio e que já foi referida -, não devem ser excluídas adequadas sanções para todos aqueles que não acatem o que legalmente lhes for exigido na defesa do património florestal do País e das vidas e bens de populações que se podem ver envolvidas nas consequências dos sinistros. Em conformidade, estabelecem-se penas para a infracção do que agora é ordenado ou proibido.
5. Particular atenção mereceu a situação dos sinistrados, em virtude dos incêndios florestais. Assim, estabeleceu-se, relativamente àqueles que não estejam compreendidos no âmbito da legislação sobre acidentes de trabalho no que respeita aos sinistros derivados da sua intervenção em incêndios florestais, que beneficiarão de direitos relativamente a assistência clínica, medicamentos, indemnizações ou pensões, nos termos da Lei 1942, de 27 de Julho de 1936, ou do Decreto-Lei 38253, de 23 de Novembro de 1951, consoante as circunstâncias.
Atento o interesse das medidas, estabelecem-se ainda providências destinadas à rearborização florestal das áreas atingidas.
6. Por último, importa assinalar que o presente diploma se insere no âmbito do Ano Europeu da Conservação da Natureza. A defesa do património florestal é, com efeito, um dos meios daquela protecção.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:,
CAPÍTULO I
Medidas de prevenção, detecção e extinção dos incêndios florestais
Artigo 1.º Com vista à prevenção, detecção e extinção dos incêndios florestais, a Secretaria de Estado da Agricultura tomará as medidas adequadas e, designadamente:
a) Procederá aos estudos básicos necessários para a adopção de medidas indispensáveis para a detecção e eliminação das causas dos incêndios florestais;
b) Determinará, com base em factores climáticos, as épocas de perigo, em que devem intensificar-se as medidas de prevenção, detecção e combate dos incêndios florestais;
c) Efectuará campanhas educativas sobre a prevenção, detecção e combate a incêndios florestais, utilizando os meios de informação adequados e a colaboração de entidades nacionais e regionais;
d) Determinará as normas de segurança a estabelecer nas explorações florestais, nas instalações industriais e nos depósitos de produtos inflamáveis ou combustíveis, quando se localizem nas matas ou nas suas imediações.
Art. 2.º A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas coordenará e orientará, com a assistência técnica do Batalhão de Sapadores Bombeiros de Lisboa, todas as medidas tomadas em execução do presente diploma.
Art. 3.º - 1. São criados nos distritos do continente e das ilhas adjacentes conselhos distritais de prevenção, detecção e combate a incêndios florestais.
2. Os conselhos a que se refere o número anterior serão constituídos pelas seguintes entidades:
a) Um representante da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, que presidirá com voto de qualidade;
b) Um representante do comando da região militar;
c) Dois representantes dos corpos dos bombeiros existentes no distrito, representando um os batalhões de sapadores bombeiros ou, na sua falta, os corpos de bombeiros municipais, e o outro as associações de bombeiros voluntários;
d) Um representante do batalhão da Guarda Nacional Republicana;
e) Um representante do comando distrital da Polícia de Segurança Pública;
f) Um representante da organização Defesa Civil do Território.
3. Os representantes referidos na alínea c) do número precedente serão escolhidos pelo governador civil do respectivo distrito.
Art. 4.º - 1. Constituem atribuições dos conselhos distritais:
a) O estudo das medidas destinadas a prevenir, detectar e combater incêndios florestais;
b) A declaração das zonas de perigo, bem como a definição dos trabalhos de carácter preventivo que nelas deverão ser realizados;
c) A determinação dos locais e épocas em que poderá ser proibida ou condicionada a utilização de lume ou fogo, o acesso à floresta ou a outros locais, o emprego de máquinas susceptíveis de provocar a deflagração de incêndios e o lançamento de balões, fogo de artifício, pontas de cigarros ou qualquer outra coisa susceptível de provocar incêndio;
d) Aprovar a organização concelhia de prevenção, detecção e combate a incêndios florestais;
e) Estabelecer perímetros de detecção que definirão as zonas de observação de cada posto de vigia ou de um conjunto de postos de vigia;
f) Delimitar zonas de combate, a fim de definir as áreas especialmente confiadas a determinadas entidades para o combate a incêndios florestais;
g) Determinar a localização dos centros de combate, nos quais se concentrarão meios humanos e materiais para o combate a incêndios florestais na zona da respectiva cobertura;
h) Mandar elaborar, aprovar e divulgar um mapa do distrito no qual estejam assinaladas as zonas de perigo, os perímetros de detecção, as zonas de combate, os centros de combate, as vias de comunicações e os locais de abastecimento de água;
i) Propor a aquisição dos terrenos necessários para a instalação dos postos de vigia que se integrem na rede de vigilância a estabelecer ou completar;
j) Propor a delimitação de zonas de protecção de aglomerados populacionais;
k) Dar parecer sobre os assuntos que lhe sejam presentes em matéria das suas atribuições.
2. Os conselhos poderão obter parecer e cooperação da Secretaria de Estado da Informação e Turismo, dos presidentes das câmaras municipais do distrito, da Defesa Civil do Território, da organização corporativa da lavoura, das direcções de estradas e dos Correios e Telecomunicações de Portugal.
Art. 5.º - 1. O conselho terá uma reunião ordinária em cada trimestre e as extraordinárias que o seu presidente determinar.
2. Os membros do conselho terão direito a senhas de presença e, quando não residam na sede do distrito, ao pagamento das despesas de transporte e a ajudas de custo que, quanto aos membros que a elas não tenham direito por outra disposição legal, serão as correspondentes à categoria F do mapa anexo ao Decreto-Lei 49410, de 24 de Novembro de 1969.
Art. 6.º A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas poderá proceder à pesquisa, captação e armazenamento de águas, sem prejuízo da legítima utilização das mesmas águas por entidades públicas ou particulares.
Art. 7.º - 1. Qualquer pessoa que detecte um incêndio florestal é obrigada a tentar a sua extinção com a maior urgência ou, se as circunstâncias o não permitirem, a comunicar a ocorrência às autoridades administrativas e policiais, corpos de bombeiros, centros de combate, postos de vigia ou aos departamentos da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas mais próximos.
2. A obrigação de comunicar a existência de incêndios florestais incumbe igualmente aos encarregados e assinantes de postos telefónicos das localidades mais próximas.
3. As comunicações referidas nos números anteriores preferem a quaisquer outras que por lei não gozem deste privilégio.
Art. 8.º - 1. As entidades referidas no n.º 1 do artigo anterior, ao tomarem conhecimento de um incêndio florestal, deverão imediatamente adoptar as medidas adequadas à sua extinção, através da mobilização dos meios normais e permanentes de que disponham, sem prejuízo de comunicarem a ocorrência ao governador civil do distrito ou, na sua falta ou impedimento, ao respectivo substituto legal e ao presidente do conselho distrital.
2. Caso os meios normais disponíveis não se revelem suficientes para a extinção do incêndio, os governadores civis ou os seus substitutos poderão requisitar os serviços de quaisquer homens válidos e as viaturas existentes nas localidades mais próximas indispensáveis para socorro de vidas e bens.
3. Na falta ou impedimento do governador civil e do seu substituto, a requisição referida no número anterior poderá ser determinada pelo presidente do conselho distrital ou, na sua falta, por qualquer autoridade policial.
4. Poderão ainda os governadores civis, os seus substitutos e, bem assim, os presidentes dos conselhos distritais solicitar a colaboração das forças armadas, que actuarão sob a direcção e responsabilidade dos seus comandantes e em coordenação com as entidades directamente responsáveis pelas operações de combate a incêndios.
CAPÍTULO II
Fiscalização
Art. 9.º - 1. A fiscalização do estabelecido neste diploma e seus regulamentos compete à polícia florestal, à Guarda Nacional Republicana, à Polícia de Segurança Pública, à Guarda Fiscal e às autoridades administrativas.
2. Para efeitos de fiscalização do presente diploma é reconhecido aos funcionários florestais o direito estabelecido no artigo 12.º do Regulamento da Polícia Florestal, aprovado pelo Decreto-Lei 39931, de 24 de Novembro de 1954.
Art. 10.º Poderá formar-se um corpo especial de vigilantes de incêndios, a quem, sob a orientação de um funcionário dos serviços florestais ou da direcção de estradas do distrito, sejam confiadas certas zonas da floresta ou determinadas vias de comunicações, com o objectivo de nelas fiscalizarem o disposto neste diploma.
Art. 11.º As autoridades e agentes da autoridade com competência para a fiscalização do disposto neste diploma e seus regulamentos deverão levantar autos de notícia de todas as infracções que presenciem ou lhe sejam comunicadas.
CAPÍTULO III
Penalidades
Art. 12.º As pessoas que não executarem os trabalhos preventivos referidos na segunda parte da alínea b) do artigo 4.º serão punidas, como contraventoras, com a pena de multa de 100$00 a 1000$00.
Art. 13.º As infracções das regras estabelecidas por força do disposto na alínea c) do artigo 4.º constituem contravenções, que serão puníveis da seguinte forma:
a) Com a pena de um a dois meses de prisão e a multa de 1000$00 a 10000$00, a utilização do lume ou fogo ou o emprego de máquinas susceptíveis de provocar a deflagração de incêndios e o lançamento de balões ou fogo de artifício;
b) Com a pena de multa de 500$00 a 2500$00, o lançamento de pontas de cigarro ou de qualquer outra coisa susceptível de provocar incêndio;
c) Com a pena de multa de 100$00 a 500$00, o acesso à floresta ou a outros locais proibidos.
Art. 14.º A infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 7.º constitui crime de desobediência.
Art. 15.º Constitui crime de desobediência qualificada a infracção ao n.º 2 do artigo 7.º e, bem assim, a recusa do cumprimento da requisição prevista no n.º 2 do artigo 8.º
Art. 16.º Sobre as multas aplicadas nos termos deste diploma não incidirão quaisquer adicionais.
CAPÍTULO IV
Disposições diversas
Art. 17.º - 1. Os sinistrados de incêndios florestais que não beneficiem do disposto da legislação sobre acidentes de trabalho no que respeita às consequências da sua intervenção no respectivo combate terão direito a assistência clínica, a medicamentos e a indemnizações ou pensões, nos termos da Lei 1942, de 27 de Julho de 1936.
2. Aplica-se, porém, o disposto no Decreto-Lei 38523, de 23 de Novembro de 1951, tratando-se de sinistrados abrangidos por esse diploma quando vítimas de acidentes em serviço.
Art. 18.º - 1. Aos proprietários florestais será concedido um subsídio para rearborização das áreas atingidas por incêndios nos seus prédios rústicos.
2. Os proprietários a quem forem concedidos os subsídios a que se refere o número anterior terão de efectuar a arborização no período mínimo de dois anos, a partir da sua entrega, sob pena de terem de o restituir, na parte respeitante à área não arborizada, acrescido de 20 por cento da importância a repor.
3. Não terão direito ao subsídio para rearborização os proprietários que não contribuam com a importância referida na alínea a) do artigo 21.º ou sejam os causadores de incêndios.
Art. 19.º À Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas compete tomar todas as disposições tendentes à reconstituição dos povoamentos florestais atingidos por incêndios.
Art. 20.º - 1. São encargos do Fundo de Fomento Florestal e Aquícola:
a) O custo dos equipamentos de detecção e combate a incêndios florestais a utilizar pelos postos de vigia e centros de combate;
b) As despesas com a extinção de incêndios florestais, incluindo as resultantes das comunicações referidas no n.º 3 do artigo 7.º;
c) As indemnizações por danos provenientes das requisições a que se refere o n.º 2 do artigo 8.º;
d) Os subsídios a que se refere o n.º 1 do artigo 18.º;
e) As despesas com assistência clínica e medicamentos, pensões ou indemnizações a que tenham direito os sinistrados dos incêndios florestais em consequência da sua intervenção no respectivo combate;
f) Os outros encargos resultantes da execução deste diploma.
2. O Fundo tem direito de regresso contra os causadores dos incêndios florestais pelo quantitativo total dos encargos que satisfaça em sua consequência.
Art. 21.º - 1. Às receitas do Fundo de Fomento Florestal e Aquícola acrescerão as seguintes:
a) Uma importância a cobrar, por hectare de mata ou fracção, aos proprietários que desejem beneficiar do subsídio previsto no n.º 1 do artigo 18.º;
b) A parte que lhe venha a ser atribuída do produto das multas aplicadas, nos termos deste diploma;
c) O produto da venda dos instrumentos das infracções aos preceitos contidos neste diploma.
2. Constarão de decreto, a publicar pelos Ministérios das Finanças e Economia, a fixação da importância referida nas alíneas a) e b) do número anterior, a forma da sua arrecadação e demais regras aplicáveis.
Art. 22.º O Secretário de Estado da Agricultura aprovará, por portaria, os regulamentos necessários à execução deste diploma.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Marcello Caetano - João Augusto Dias Rosas.
Promulgado em 14 de Outubro de 1970.
Publique-se.
O Presidente da República, AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ.