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Acórdão 139/2003/T, de 3 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 139/2003/T. Const. - Processo 511/2002. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Luís de Sommer Martha foi condenado pelo Tribunal de Círculo de Portalegre como autor de um crime de fraude na obtenção de subsídio, na forma agravada, previsto e punido pelo artigo 36.º, n.os 1, alínea a), 2 e 5, alínea d), do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, em concurso efectivo com um crime de falsificação de documentos previsto e punido pelo artigo 228.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Código Penal (1982) - actual artigo 256.º, n.os 1, alínea a), e 3 - na pena de 8 meses de prisão. Efectuado o cúmulo jurídico das referidas penas, foi condenado na pena única de 2 anos e 5 meses de prisão.

O Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA) constituiu-se assistente no processo e oportunamente deduziu pedido de indemnização cível para a condenação do arguido no pagamento das quantias indevidamente recebidas e respectivos juros (cf. de fl. 299 a fl. 309 dos autos).

Em consequência, além da condenação penal, foi ainda o arguido condenado a devolver ao INGA (assistente) a quantia recebida, a título de subsídio, de 3 449 359$, acrescida de juros à taxa de 15%, desde 31 de Dezembro de 1991 relativamente à quantia de 2 867 682$, e desde 30 de Junho de 1992 relativamente à quantia de 581 677$, e a partir de 1 de Outubro de 1995 com juros à taxa de 10% relativamente à quantia de 3 449 359$, e desde 23 de Fevereiro de 1999 com juros à taxa de 7% (cf. de fl. 402 a fl. 414).

A pena de prisão foi declarada suspensa pelo período de dois anos mediante a obrigação de o arguido pagar o capital concedido pela assistente no prazo de seis meses.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora pedindo a revogação da decisão condenatória por insuficiência da prova e a consequente absolvição do arguido dos crimes e do pedido cível.

Por Acórdão de 17 de Abril de 2001, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso, mantendo na íntegra a decisão condenatória recorrida (cf. de fl. 542 a fl. 562).

De novo inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído nos termos seguintes:

"III) Conclusões:

a) O Tribunal de 1.ª instância reconheceu, no ponto 9.2, a fls. 412 e 413 da sua sentença, que a condenação do pedido de indemnização cível se fundamenta no disposto no artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, sendo certo que vários autores consideram, nesse caso, estarmos perante uma sanção de natureza cível (cf. o parecer técnico da autoria do Prof. Miguel Pedrosa Machado que se protesta juntar e ainda José Gil de Jesus Roque (ilustre magistrado), in Infracções contra a Economia e contra a Saúde Pública, comentado e anotado, Lisboa, Rei dos Livros, 1985, p. 104);

b) Perante a natureza cível da restituição prevista no artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, e tendo em conta que 'A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil quantitativamente e nos seus pressupostos', Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 1995, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, t. 1, p. 181, o tribunal de 1.ª instância só poderia ter condenado o recorrente se o mesmo se tivesse locupletado indevidamente à custa do INGA (artigos 483.º, 562.º e 473.º, n.º 2, do Código Civil);

c) O recorrente não causou qualquer dano ao INGA, porquanto o subsídio foi recebido em função das ovelhas efectivamente existentes; não deixou o INGA de obter qualquer benefício em consequência da lesão; nem tão-pouco prejudicou os interesses da economia nacional (preâmbulo do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro), uma vez que as ovelhas subsidiadas existentes resultaram da sua própria actividade produtiva;

d) Assim, perante a necessidade da existência de um dano, mesmo quando a ele se pretende incutir um certo sentido repressivo (cf. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª ed., Coimbra, 1991, p. 476), no caso sub judice não poderia haver lugar à restituição do indevido uma vez que o que fora entregue o foi devidamente. Dão-se, assim, como violados os artigos 483.º, 473.º, n.º 2, e 562.º do Código Civil;

e) Os artigos 36.º e 39.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, encontram-se feridos de inconstitucionalidade em virtude dos termos vagos e imprecisos quer da própria lei de autorização legislativa que serviu de base àquele diploma quer porque, em matéria de pedido de indemnização cível, a aplicação da norma penal que está na origem da condenação, no caso sub judice, resultar de uma aplicação conjunta e relacionada entre aqueles artigos e os n.os 8.º e 9.º da Portaria 1170-D/90, de 30 de Novembro, e do Regulamento (CEE) n.º 1260/90, de 11 de Maio (cf. o parecer técnico do Prof. Miguel Pedrosa Machado que se protesta juntar)."

O recurso não foi admitido por despacho do relator, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (cf. fl. 592), despacho de que o ora recorrente reclamou, tendo a reclamação sido deferida por despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 2001.

O INGA apresentou as suas contra-alegações, tendo dito a concluir:

"1 - Nos termos da legislação aplicável, nomeadamente os artigos 36.º, n.º 3, e 39.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Junho, o Regulamento (CEE) n.º 1260/90, de 11 de Maio, e a Portaria 1179-D/90, de 30 de Novembro, para a fraude na obtenção de subsídio ou subvenção estão previstas duas sanções de natureza distinta: uma sanção penal, correspondente à pena prevista no artigo 36.º do Decreto-Lei 28/84, e uma sanção da carácter civil, decorrente da aplicação conjugada do artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84 com o disposto nos supra-referidos diplomas comunitários.

2 - De acordo com estes preceitos, a sanção civil consubstancia-se essencialmente na restituição do montante recebido indevidamente de acordo com o preceituado no artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, que deverá ser recuperado, aumentado de um juro a determinar pelo Estado membro, segundo o disposto no artigo 5.º do Regulamento (CEE) 1260, de 11 de Maio de 1990, sendo certo que na falta de fixação da taxa de juro específica para esta obrigação será aplicada a taxa de juro legal.

3 - O recorrente, ao receber indevidamente um subsídio no valor de 3 449 359$, lesou o património do Estado, através do INGA, instituto competente para a atribuição de tal prémio monetário, na exacta quantia de 3 449 359$, quantia essa que não teria sido despendida na atribuição de tal subsídio se o recorrente não tivesse prestado declarações fraudulentas de modo a conseguir tal atribuição. O dano causado pelo recorrente ao recorrido é então facilmente determinável, pois que se trata do empobrecimento do recorrente.

4 - Pelo exposto no n.º 3, concluímos pela existência de um dano causado pelo recorrente no património do recorrido, não colhendo, por isso, a tese da inadmissibilidade da aplicação de uma sanção de natureza civil ao recorrente por inexistência de dano, quando é óbvio que tal dano existiu e subsiste até à presente data, uma vez que o recorrido nunca recuperou o montante do subsídio indevidamente recebido.

5 - Sendo clara a existência de dano, nos moldes acima expostos, estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade extra contratual previstos no artigo 483.º do Código Civil, não restando então dúvidas de que a condenação do tribunal de 1.ª instância, 'na restituição do ilicitamente recebido', doutamente confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, deve manter-se.

6 - Quanto à questão da inconstitucionalidade dos artigos 36.º e 39.º do Decreto-Lei 28/84, por introduzirem incerteza e imprecisão na incriminação, mais uma vez deve ser acolhida a tese do recorrente, pois, tendo em conta que existem duas sanções distintas, uma de natureza criminal e outra de natureza civil, sendo que a incriminação é a constante do artigo 36.º do referido diploma, norma essa onde estão contidos todos os elementos essenciais do tipo de crime, não existindo qualquer indeterminabilidade no conceito de crime susceptível de violar qualquer norma constitucional.

7 - Relativamente à sanção de carácter civil, prevista no artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, a sua conjugação com os vários diplomas comunitários aplicáveis não fere nenhum princípio constitucional, uma vez que se trata de matéria civil à qual se aplica logicamente as regras e princípios do Direito Civil."

Por Acórdão de 10 de Abril de 2002, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido (cf. de fl. 684 a fl. 697).

O ora recorrente pediu a aclaração de "duas obscuridades", aclaração que foi indeferida por Acórdão de 5 de Junho de 2002.

Veio, então, o arguido recorrer para o Tribunal Constitucional, dizendo no requerimento de interposição de recurso:

"1 - A condenação do recorrente no pagamento de uma indemnização cível por parte do tribunal de 1.ª instância e ratificada pelo Tribunal da Relação de Évora e pelo Supremo Tribunal de Justiça teve como fundamento legal o disposto no artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, que refere o seguinte: 'Além das penas previstas nos artigos 36.º e 37.º, o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas'.

2 - Sucede que no caso sub judice não existem quaisquer 'quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas', dado que o subsídio que acabou por ser entregue pelo INGA ao recorrente o foi em função das ovelhas efectivamente existentes, não tendo, por isso, aquele Instituto deixado de obter qualquer benefício em consequência da entrega desse mesmo benefício ao recorrente.

3 - O artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84 acabou assim por ser aplicado em conjugação com o disposto no artigo 36.º, n.os 1, alínea a), e 8, alínea a), e nos n.os 8.º e 9.º da Portaria 1179-D/90, de 30 de Novembro, e no Regulamento (CEE) n.º 1260/90, de 11 de Maio, resultando, na prática, numa aplicação com fins penais violadora de dois requisitos fundamentais caracterizadores da norma penal, a saber:

A natureza da pena resultante dessa norma não é de índole criminal, mas civil (cf. José Gil de Jesus Roque (ilustre magistrado), in Infracções contra a Economia e contra a Saúde Pública, comentado e anotado, Lisboa, Rei dos Livros, 1985);

O âmbito da sua aplicação emergente da conjugação simultânea de outros preceitos normativos implica uma menor certeza e definição dos seus vários elementos integradores.

4 - A decisão que condenou o recorrente no pedido de indemnização cível por se basear na norma do artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, resulta de uma interpretação claramente inconstitucional porque violadora do disposto nos artigos 29.º, 30.º, n.º 4, e 62.º da Constituição da República Portuguesa.

5 - Acresce que o próprio Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, enferma do vício de inconstitucionalidade em consequência dos termos vagos e imprecisos da própria autorização legislativa com base na qual aquele diploma veio a assumir a forma de lei (cf. o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição).

6 - Encontram-se, assim, observados os pressupostos exigidos pelo n.º 2 do artigo 75.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, pois, na alínea e) das conclusões das alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente veio a suscitar a eventual inconstitucionalidade da interpretação dada ao disposto no artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, aplicada conjuntamente com o artigo 36.º, n.os 1, alínea a), e 8, alínea a), nos n.os 8.º e 9.º da Portaria 1179-D/90, de 30 de Novembro, e no Regulamento (CEE) n.º 1260/90, de 11 de Maio.

7 - Inconstitucionalidade essa que veio a ser suscitada na pendência do processo, na alínea e) das conclusões das alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não só ao nível da inconstitucionalidade material mas inclusivamente orgânica, tal como se terá oportunidade de desenvolver nas alegações a produzir junto do douto Tribunal Constitucional.

8 - Assim, e em face de todo o supra-exposto, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a constitucionalidade orgânica e material do disposto no artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, aplicado conjuntamente com o artigo 36.º, n.os 1, alínea a), e 8, alínea a), nos n.os 8.º e 9.º da Portaria 1179-D/90, de 30 de Novembro, e no Regulamento (CEE) n.º 1260/90, de 11 de Maio, na interpretação e com a aplicação que lhes foi dada pelo tribunal a quo."

Notificado para alegar, veio o recorrente concluir a sua alegação como segue:

"1.º Ao abrigo do seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado (artigo 32.º, n.º 1, da lei fundamental), o recorrente vem pedir que seja revogada a aplicação, contra si feita nos autos, de um diploma formal, porque consequentemente inconstitucional, o Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, por oposição entre a respectiva lei de autorização, a Lei 12/83, de 24 de Agosto, e o artigo 165.º, n.os 1, alínea c), e 2, da Constituição.

2.º De qualquer modo, a interpretação e aplicação feita nos autos do artigo 39.º desse Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, está viciada de inconstitucionalidade material, por violação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, só podendo a esse concreto preceito da lei ordinária ser atribuído o significado de sanção de indemnização cível, a implicar a necessidade de correcção da decisão tomada no sentido da valoração do dano apurado.

3.º Contêm os autos, além de tudo isso, a pretensão de aplicar uma norma penal incriminadora e penalizadora, resultante da relação entre o citado decreto-lei e uma portaria e um regulamento comunitário, norma no seu conjunto de conteúdo não suficientemente determinado, e, por isso, materialmente inconstitucional por violação do artigo 29.º, n.os 1 e 3, da lei fundamental; evitando-o ou impedindo-o, pede-se ao Tribunal Constitucional que ordene a revogação das decisões tomadas nessa base."

O procurador-geral-adjunto em exercício neste Tribunal contra-alegou, tendo concluído:

"1 - A Lei 12/83, de 24 de Agosto, cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 165.º, n.º 2, da Constituição.

2 - A norma do artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, que serviu de suporte legal à condenação do recorrente na restituição da quantia ilicitamente obtida, não viola o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.

3 - Não resulta de decisão recorrida qualquer aplicação de normas, não suficientemente determinadas, que entrem em colisão com o preceituado no artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição.

4 - Termos em que deve negar-se provimento ao recurso."

Cumpre apreciar e decidir.

2 - Entende o recorrente que a interpretação da norma constante do artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, no sentido de que o tribunal condena sempre, além das penas previstas nos artigos 36.º e 37.º daquele diploma, na total restituição das quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas, é orgânica e materialmente inconstitucional, derivando a inconstitucionalidade orgânica do desrespeito da lei de autorização legislativa (Lei 12/83) pelo disposto no artigo 165.º, n.os 1, alínea c), e 2, da Constituição da República Portuguesa (o que implicaria a inconstitucionalidade orgânica da norma em causa), e a inconstitucionalidade material da violação do princípio da determinabilidade das normas incriminadoras (artigo 29.º, n.os 1 e 3) e do n.º 4 do artigo 30.º da lei fundamental.

Ora, importa salientar que não é líquido que a condenação do recorrente na restituição das quantias ilicitamente obtidas se tenha suportado, como razão de decidir, na norma contida no artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, não obstante as extensas considerações que o acórdão recorrido faz sobre a qualificação dogmática daquela restituição.

Com efeito, na sentença de 1.ª instância - que nunca foi alterada pelas instâncias de recurso -, a condenação do recorrente na restituição das quantias ilicitamente obtidas está expressamente autonomizada da condenação penal em trecho epigrafado "Parte cível".

E isto porque o recorrido INGA deduzira autonomamente pedido cível contra o arguido "nos termos dos artigos 71.º e seguintes do Código de Processo Penal" - que não se fundamenta em parte alguma da respectiva petição no artigo 39.º do Decreto-Lei 24/84, mas "nos termos do n.º 5 do artigo 6.º, com a redacção que lhe é dada pelo n.º 4 do artigo 1.º do Regulamento (CEE) n.º 1260/90, da Comissão, de 11 de Maio, que alterou o Regulamento (CEE) n.º 3007/84 -, e foi esse pedido que a sentença de 1.ª instância decidiu, agora com invocação do disposto nos n.os 8.º e 9.º da Portaria 1170-D/90, de 30 de Novembro, e no n.º 5 do Regulamento (CEE) n.º 1260/90 e assente na "quebra de compromisso" prevista na parte final do citado n.º 8.º daquela portaria.

Faltaria, assim, um dos pressupostos do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.

A verdade, porém, é que a mesma sentença acaba também por dar "fundamento legal" ao pedido do "demandante cível", apelando ao disposto naquele artigo 39.º, embora depois de invocados ao preceitos da Portaria 1170-D/90 e do Regulamento (CEE) n.º 1260/90, e nos seguintes termos:

"Aliás, nos termos do artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, 'além das penas previstas nos artigos 36.º [...], o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas [...]"

É esta - e só esta - a razão por que se entende dever conhecer do objecto do recurso, mas nos termos que a seguir se expõem.

Não pode, com efeito, conhecer-se do objecto do recurso na parte em que sustenta a inconstitucionalidade daquela norma por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.

É que em parte alguma das alegações que produziu perante o tribunal recorrido o recorrente suscita esta questão de constitucionalidade (só o fez no requerimento de interposição do presente recurso), razão até por que o Supremo Tribunal de Justiça se não pronuncia sobre ela - em sede de inconstitucionalidade material, o recorrente limita-se a suscitar a aludida questão da determinabilidade da norma, questão que nada tem a ver com a primeira.

Dir-se-á, em contrário, que, em termos de ónus de suscitação da questão, este deve ter-se por cumprido com a alegação de inconstitucionalidade da norma, ainda que com outro fundamento, e isto até pelo poder que o artigo da Lei do Tribunal Constitucional confere ao Tribunal Constitucional - o de julgar inconstitucional a norma por fundamentos diferentes dos que vêm alegados.

Mas a objecção não colhe.

Com efeito, tal construção anularia por completo o fim que se visa com o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida - o de permitir que este Tribunal se aperceba da questão de constitucionalidade e a aprecie e resolva -, devendo ainda ter-se em conta o rigor com que a lei define aquele ónus no artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional (suscitação "de modo processualmente adequado").

Por outro lado, o aludido poder do Tribunal Constitucional previsto no artigo 79.º-C da Lei do Tribunal Constitucional apenas deve ser exercido - e aqui oficiosamente - quando o Tribunal entender que se verifica inconstitucionalidade, embora por outro fundamento, não tendo de hipotizar (ele próprio ou por "sugestão" do recorrente) todas as possíveis questões de inconstitucionalidade da norma em causa, para lhe dar resposta negativa.

Em suma, pois, o Tribunal conhecerá da questão de inconstitucionalidade orgânica e da questão de inconstitucionalidade material por violação do princípio da determinabilidade das normas punitivas.

3 - A questão de inconstitucionalidade orgânica foi já por diversas vezes apreciada por este Tribunal com solução pacífica - o não julgamento de inconstitucionalidade da Lei 12/83, tendo especialmente em conta o disposto nos seus artigos 1.º, alínea a), e 4.º, alínea a), que definem com suficiente clareza o objecto, o sentido e a extensão da autorização (cf. os Acórdãos n.os 213/95, 214/95, 302/95, 707/95, 53/98 e 635/98, publicados, o primeiro e o terceiro, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., pp. 985 e segs., e 31.º vol., pp. 437 e segs., respectivamente, e os restantes não publicados).

Destaca-se a seguinte passagem do Acórdão 302/95, de 8 de Junho:

"[...] para decidir a questão de constitucionalidade, há, no entanto, e primeiro que tudo, que não esquecer que, na época, era prática parlamentar as leis de autorização legislativa ficarem-se por uma definição mínima, como se pode ver das outras cinco autorizações constantes das Leis n.os 12/83, 8/83, de 11 de Agosto (autorização em matéria de tráfico de diamantes), 27/83, de 8 de Setembro (autorização para definir em geral ilícitos criminais), 28/83, de 8 de Setembro (autorização sobre suspensão temporária do contrato de trabalho), 29/83, de 8 de Setembro (autorização para rever a orgânica dos tribunais administrativos e fiscais), 30/83, de 8 de Setembro (autorização para alterar os estatutos das empresas públicas), e, em data anterior (anterior mesmo à revisão constitucional de 1982 - num tempo, portanto, em que as autorizações legislativas não tinham de indicar o sentido) -, 24/82, de 23 de Agosto (autorização para aprovação de um novo Código Penal e para a adopção de disposições adequadas de direito criminal, de processo criminal e de organização judiciária).

Depois, há também que ter presente que, tratando-se - na autorização legislativa aqui sub iudicio - não, propriamente, de conferir poderes ao Governo para produzir, ex novo, todo um corpo normativo, sim de o autorizar a 'alterar o regime em vigor', actualizando-o e criando novos tipos de ilícitos (crimes e contravenções), para o que, no tocante às penas, devia tomar 'como ponto de referência' 'a dosimetria do Código Penal', o que a Assembleia fez foi fornecer-lhe um primeiro modelo de referência para as infracções que não representassem a criação de novos tipos de ilícito - modelo de referência que era (para além do Código Penal) o Decreto-Lei 41 204, de 24 de Julho de 1957 (alterado, entretanto, entre outros, pelos Decretos-Leis 43 860, de 16 de Agosto de 1961, 308/71, de 16 de Julho, 340/73, de 6 de Julho, 476/74, de 24 de Setembro e 341/76, de 12 de Maio), que continha o regime das infracções contra a saúde pública e contra a economia.

[...]

Sendo isto assim, a Lei 12/83, de 24 de Agosto - recte, o seu artigo 1.º e respectiva alínea a) e a alínea a) do seu artigo 4.º -, não sendo, propriamente, um modelo de perfeição ou completude, no que respeita à definição do sentido e da extensão da autorização para legislar 'em matéria de infracções antieconómicas e contra a saúde pública', contém ainda um conteúdo mínimo: sabe-se qual a matéria sobre que o Governo ficou autorizado a legislar, e este ficou a saber que se tratava de rever o regime em vigor (actualizando-o e criando novos tipos de crimes e contravenções), com vista a cumprir o objectivo de obter 'maior celeridade e eficácia na prevenção e repressão' deste tipo de criminalidade e de criar novas penas e modificar as actuais, mas sempre tomando como modelo de referência a dosimetria do Código Penal - e tudo, em termos de os tribunais poderem verificar se o sentido da autorização foi ou não respeitado (cf. os Acórdãos n.os 107/88, 473/89, 70/92 e 194/92, in Diário da República, 1.ª série, de 21 de Abril de 1988, e 2.ª série, de 26 de Setembro de 1989, de 18 de Agosto de 1992 e de 25 de Agosto de 1992).

[...]

Que a lei de autorização legislativa aqui sob exame cumpre o mínimo constitucionalmente exigido em matéria de definição do sentido e da extensão (não se tratando, assim, de um cheque em branco), foi coisa que, após debate parlamentar, a própria Assembleia teve por adquirido.

[...]

A Lei 12/83, de 24 de Agosto [recte, o seu artigo 1.º e respectiva alínea a) e alínea a) do artigo 4.º], não viola, pois, o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição (versão de 1982)."

Não se descortinam razões para alterar esta jurisprudência sendo certo que o recorrente é no mínimo parcimonioso na substanciação deste vício de inconstitucionalidade, como se reconheceu no acórdão recorrido no trecho que se transcreve:

"Afirma o recorrente que 'é o próprio Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro, que enferma do vício de inconstitucionalidade em consequência dos termos vagos e imprecisos da própria autorização legislativa sobre a qual aquele diploma veio a assumir a forma de lei'.

Mas o recorrente não concretiza quais os 'termos vagos e imprecisos da própria autorização legislativa', pelo que este Supremo Tribunal não pode perscrutar qual o pensamento do arguido ao sustentar a inconstitucionalidade dos artigos 36.º e 39.º do Decreto-Lei 28/84."

Improcede, assim, este fundamento do recurso.

4 - O artigo 29.º da Constituição estabelece o regime constitucional da lei criminal.

Dos seus n.os 1 e 3 resulta que a) só a lei pode definir crimes e os pressupostos das medidas de segurança, b) ninguém pode ser sentenciado criminalmente ou sofrer medida de segurança senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão e fixe os pressupostos daquela medida, c) as penas e medidas de segurança aplicadas têm de estar expressamente cominadas em lei anterior.

Do princípio da tipicidade consagrado nestes dispositivos constitucionais decorre a proibição de normas que criam tipos legais de crimes e ou estabelecem penas ou medidas de segurança formuladas em termos vagos (princípio da determinabilidade).

Ora, no caso, é desde logo questionável que se esteja perante uma norma criminal punitiva no sentido de norma que estabeleça uma pena ou uma sanção criminal - ela prevê a restituição de quantias ilicitamente recebidas por quem é condenado pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio.

Esta restituição é inerente ao ilícito cometido e é um efeito necessário do crime (cf. Maria da Conceição Martins, "A interpretação do artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84", in Boletim do Ministério da Justiça, 454, p. 106) com a medida correspondente à quantia que não teria sido atribuída se a entidade que concedeu o subsídio tivesse tido conhecimento da fraude.

Admitindo, ainda assim, que o princípio da determinabilidade expresso no artigo 29.º da Constituição se imponha neste tipo de normas, certo é que a norma ínsita no artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84 o não infringe.

Dispõe o preceito, com a epígrafe "Restituição de quantias": "Além das penas previstas nos artigos 36.º e 37.º, o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas."

Ora, é manifesto que a norma não enferma de qualquer vaguidade; ela é precisa na sua previsão e na sua estatuição, não dando lugar, nestes aspectos, a qualquer dificuldade interpretativa: provados os crimes punidos nos artigos 36.º e 37.º do diploma, o arguido é necessariamente condenado também na restituição das quantias que ilicitamente (porque se provou o ilícito) recebeu.

A referência que o recorrente faz às disposições da Portaria 1170-D/90, de 30 de Novembro, e do Regulamento CEE n.º 1260/90, de 11 de Maio, em suposta "relação normativa" com o artigo 39.º do Decreto-Lei 28/84, não infirma o que se deixa dito, desde logo por este preceito ser muito anterior àqueles portaria e regulamento e aplicável independentemente do que eles dispõem - não é necessária a sua conjugação para que seja obrigatória a condenação do arguido na restituição das quantias ilicitamente recebidas, nem elas tornam mais claro o que já resulta inequívoco da norma em causa.

Improcede, pois, também, este fundamento do recurso.

5 - Decisão. - Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.

Lisboa, 18 de Março de 2003. - Artur Maurício (relator) - Maria Helena Brito - Pamplona de Oliveira - Luís Nunes de Almeida (com declaração de voto junta) - José Manuel Cardoso da Costa (acompanhando a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, Luís Nunes de Almeida).

Declaração de voto

Entendi que o Tribunal deveria ter apreciado o fundamento de inconstitucionalidade consistente na eventual violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.

Com efeito, das disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional apenas resulta o ónus de suscitação, perante o tribunal a quo, e de modo processualmente adequado, da questão de inconstitucionalidade da norma que se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Mas já não resulta que, perante o Tribunal Constitucional, não possam ser invocados outros fundamentos de inconstitucionalidade - antes, pelo contrário, essa faculdade constitui uma decorrência dos poderes de cognição do Tribunal, o qual pode julgar a norma inconstitucional com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada, como expressamente se preceitua no artigo 79.º-C da mesma Lei do Tribunal Constitucional.

E não se diga que tal construção anularia por completo o fim que se visa com o ónus de suscitação antecipada - o de permitir que o tribunal a quo se aperceba da questão de constitucionalidade e a aprecie e resolva. É que, por um lado, o que o tribunal a quo tem de saber é que existe uma questão de inconstitucionalidade a resolver e decidir, sendo secundário o fundamento invocado, já que, também ele a pode decidir com fundamento diverso, por força do disposto no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio jura novit curia; e, por outro lado, se acaso se pretendesse que o tribunal a quo se pronunciasse sempre previamente sobre o concreto fundamento de inconstitucionalidade a apreciar pelo Tribunal Constitucional, também se não permitiria que este viesse a decidir oficiosamente com fundamento diverso.

Finalmente, assinale-se a inversão lógica que subjaz à ideia de que o poder consignado no artigo 79.º-C da Lei do Tribunal Constitucional apenas deve ser exercido quando o Tribunal concluir pela existência de inconstitucionalidade, ainda quando o fundamento tenha sido adiantado pelo recorrente nas suas alegações: é que, então, o conhecimento desse fundamento fica, afinal, dependente do julgamento sobre o seu fundo, o que significa que o Tribunal acaba sempre por proceder à sua apreciação, embora de forma implícita. - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2151631.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1957-07-24 - Decreto-Lei 41204 - Ministérios do Interior, da Justiça, da Economia e das Corporações e Previdência Social

    Insere disposições relativas às infracções contra a saúde pública e contra a economia nacional.

  • Tem documento Em vigor 1961-08-16 - Decreto-Lei 43860 - Ministérios da Justiça, da Economia e das Corporações e Previdência Social - Gabinetes dos Ministros

    Altera o Decreto-Lei n.º 41204, de 24 de Julho de 1957, relativo às infracções contra a saúde pública e contra a economia nacional.

  • Tem documento Em vigor 1971-07-16 - Decreto-Lei 308/71 - Ministérios da Justiça e da Economia

    Introduz alterações ao Decreto Lei 41204 de 24 de Julho de 1957, que insere disposições relativas às infracções contra a saúde pública e contra a economia nacional.

  • Tem documento Em vigor 1973-07-06 - Decreto-Lei 340/73 - Ministérios da Justiça e da Economia

    Introduz alterações ao Decreto Lei 41204 de 24 de Julho de 1957, relativo a infracções contra a saúde pública e contra a economia nacional.

  • Tem documento Em vigor 1974-09-24 - Decreto-Lei 476/74 - Ministério da Economia

    Introduz alterações na redacção dos Decretos-Leis n.os 41204, de 24 de Julho de 1957, 42979, de 16 de Maio de 1960, e 490/71, de 10 de Novembro, relativos a infracções de natureza económica ou contra a saúde pública.

  • Tem documento Em vigor 1976-05-12 - Decreto-Lei 341/76 - Ministérios da Justiça e do Comércio Interno

    Altera o Decreto-Lei n.º 41204, de 24 de Julho de 1957 (insere disposições relativas às infracções contra a saúde pública e contra a economia nacional) no referente ao crime de açambarcamento.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1983-08-24 - Lei 12/83 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a legislar em matéria penal e processual penal.

  • Tem documento Em vigor 1984-01-16 - Decreto-Lei 24/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna

    Aprova o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.

  • Tem documento Em vigor 1984-01-20 - Decreto-Lei 28/84 - Ministérios da Justiça, da Saúde, da Agricultura, Florestas e Alimentação, do Comércio e Turismo e da Qualidade de Vida

    Altera o regime em vigor em matéria de infracções antieconómicas e contra a saúde pública.

  • Tem documento Em vigor 1990-11-30 - Portaria 1170-D/90 - Ministérios das Finanças e da Agricultura, Pescas e Alimentação

    REGULAMENTA A ATRIBUIÇÃO DE PRÉMIO AOS PRODUTORES DE CARNE DE OVINO E CAPRINO. REVOGA A PORTARIA NUMERO 724/86 DE 29 DE NOVEMBRO. ESTA PORTARIA PRODUZ EFEITOS A PARTIR DE 1 DE DEZEMBRO DE 1990.

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