Acórdão 376/2001/T. Const. - Processo 171/92. - Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - O Procurador-Geral da República, no uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 281.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea e), da Constituição, veio requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 14.º do Decreto-Lei 72-A/91, de 8 de Fevereiro, e do artigo 13.º do Decreto-Lei 62/92, de 21 de Abril, com fundamento na respectiva inconstitucionalidade formal, por preterição, no processo legislativo que conduziu à sua elaboração, do direito de participação reconhecido às associações sindicais pelo artigo 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.
Na motivação do pedido, o requerente alega, em síntese, o seguinte:
a) O artigo 25.º do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, regulou o novo sistema de fixação dos quadros de pessoal dos serviços e organismos públicos;
b) O artigo 40.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, estabeleceu que esse novo sistema de fixação de quadros de pessoal tivesse início com a execução do Orçamento do Estado para 1991;
c) Ambos estes diplomas, como resulta dos respectivos preâmbulos, foram antecedidos de negociação com as organizações sindicais da função pública;
d) Um dos objectivos do novo sistema de fixação de quadros de pessoal consistia na concretização das legítimas expectativas dos funcionários de progressão na carreira;
e) Todavia, pelo artigo 14.º do mencionado Decreto-Lei 72-A/91 (decreto de execução orçamental para 1991), o Governo veio determinar que "o sistema de fixação de quadros de pessoal previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, fica suspenso até concretização da respectiva regulamentação";
f) Tal normativo foi integralmente reproduzido no igualmente questionado artigo 13.º do Decreto-Lei 62/92 (decreto de execução orçamental para 1992);
g) O sistema de fixação de quadros de pessoal, por ter incidência directa nas expectativas de promoção e progressão na carreira dos funcionários e agentes da Administração, deve ser qualificado como legislação do trabalho;
h) No plano da efectiva tutela e validação prática das legítimas expectativas dos funcionários abrangidos pelo novo sistema, tem de se considerar como dado fundamental a determinação do momento da sua entrada em vigor;
i) Consequentemente, as normas impugnadas não podiam ter sido emitidas sem prévia autorização das organizações sindicais representativas dos trabalhadores;
j) Como tal não sucedeu, tem de se concluir pela respectiva inconstitucionalidade formal.
2 - Na sua resposta, o Primeiro-Ministro apresentou as seguintes conclusões:
"1.º O Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, tem a natureza de uma lei de bases gerais, dependente, na sua aplicabilidade ou exequibilidade prática, de uma regulamentação ou desenvolvimento legislativo a cargo do Governo;
2.º O artigo 40.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro, não alterou, nem poderia alterar, as condições de exequibilidade do artigo 25.º do Decreto-Lei 184/89, tal como elas decorrem do seu conteúdo e do seu perfil constitucional;
3.º As normas sobre as quais incide o presente pedido de declaração de inconstitucionalidade não têm carácter inovador, não sofrendo, por isso, do vício de inconstitucionalidade formal que lhes é imputado;
4.º A não se entender assim, deverão os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ser restringidos, por imperativas razões de equidade e de segurança jurídica, de modo a não prejudicarem as situações constituídas no passado."
Cumpre decidir.
II - Fundamentação. - 3 - O Decreto-Lei 184/89 estabeleceu efectivamente, no seu artigo 25.º, um novo sistema de fixação de quadros de pessoal dos serviços e organismos por ele abrangido. E o artigo 40.º do Decreto-Lei 353-A/89 determinou expressamente, no seu n.º 1, que esse mesmo sistema de fixação de quadros de pessoal teria início "com a execução do Orçamento do Estado para 1991".
Só que, como refere o requerente, o decreto de execução orçamental para 1991 - o Decreto-Lei 72-A/91 - veio dispor, no seu artigo 14.º, o seguinte:
"O sistema de fixação de quadros de pessoal previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, fica suspenso até concretização da respectiva regulamentação."
E idêntico normativo viria a constar do artigo 13.º do decreto de execução orçamental para 1992 - o Decreto-Lei 62/92.
Ora, a inclusão neste último diploma de uma norma de conteúdo idêntico à que consta do transcrito artigo 14.º do Decreto-Lei 72-A/91 significa indubitavelmente que a norma constante deste primeiro diploma já se não encontrava em vigor à data da formulação do pedido. Isto, quer porque se entenda que o seu período de vigência - por se encontrar vertida no diploma de execução orçamental - se restringia ao período de vigência do Orçamento para 1991, quer porque se entenda que foi implicitamente revogada pelo artigo 13.º do Decreto-Lei 62/92.
Nesta conformidade, já nenhum sentido faria vir agora declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma vertida no artigo 14.º do Decreto-Lei 72-A/91, na medida em que uma tal declaração de inconstitucionalidade careceria de qualquer interesse jurídico relevante, até porque, a ocorrer uma tal eventualidade, sempre o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, por razões de segurança jurídica e de interesse público de excepcional relevo, limitaria os seus efeitos, de modo a não atingir os actos jurídicos decorrentes das fixações de quadros de pessoal efectuadas em conformidade com a legislação anterior ao Decreto-Lei 184/89.
Não se deve, pois, quanto à questionada norma do Decreto-Lei 72-A/91, tomar conhecimento do pedido, por inutilidade, como este Tribunal vem uniformemente decidindo em situações semelhantes (cf., por exemplo, o Acórdão 31/99, inédito).
4 - O mesmo acontece, porém, com a norma constante do artigo 13.º do Decreto-Lei 62/92.
Com efeito, normas de idêntico teor vieram a ser vertidas em todos os diplomas de execução orçamental posteriores, até 1999 - Decreto-Lei 83/93, de 18 de Março (artigo 16.º), Decreto-Lei 77/94, de 9 de Março (artigo 17.º), Decreto-Lei 45/95, de 2 de Março (artigo 19.º), Decreto-Lei 50/96, de 16 de Maio (artigo 31.º), Decreto-Lei 66/97, de 1 de Abril (artigo 34.º), Decreto-Lei 107/98, de 24 de Abril (artigo 34.º) e Decreto-Lei 161/99, de 12 de Maio (artigo 36.º).
Ainda em 1999, pelo despacho conjunto 571/99, de 1 de Julho, subscrito pelo Secretário de Estado do Orçamento e pelo Secretário de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Julho de 1999), o Governo reconheceu que a "aplicação genérica" do "novo modelo de fixação dos quadros de pessoal" tinha "deparado com dificuldades de diversa ordem" que tinham conduzido ao seu sucessivo adiamento, mas que, "atentas as virtualidades que o projectado sistema contém, o Governo assumiu, no âmbito do acordo salarial para 1996, o compromisso de lhe dar execução". Assim sendo, e apesar de ainda se não "encontrarem reunidas as condições para a aplicação imediata e generalizada a todos os serviços e organismos da Administração Pública", optou-se pela sua aplicação experimental, a partir de 1 de Janeiro de 2000, em dois serviços - o Instituto Nacional de Administração (INA) e a Direcção-Geral de Protecção Social a Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE) - e estabeleceu-se o procedimento a adoptar em tal aplicação experimental.
Nos decretos de execução orçamental para 2000 e para 2001, voltaram a ser integradas normas de teor idêntico às normas impugnadas - Decreto-Lei 70-A/2000, de 5 de Maio (artigo 44.º, n.º 1), e Decreto-Lei 77/2001, de 23 de Julho (artigo 45.º, n.º 1). Acrescentaram-se, porém, normas a autorizar a aplicação experimental do novo sistema, em qualquer serviço ou organismo, e a salvaguardar os efeitos legais decorrentes dos actos praticados ao abrigo do citado despacho conjunto 571/99.
Quer isto dizer que também a norma constante do artigo 13.º do Decreto-Lei 62/92 se deve considerar como tendo caducado ou como tendo sido revogada, verificando-se, quanto a ela, as razões para o não conhecimento do pedido que foram apontadas quanto à norma do artigo 14.º do Decreto-Lei 72-A/91. Neste caso, porém, por inutilidade superveniente.
5 - Por outro lado, como se afirmou no Acórdão 531/2000 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Janeiro de 2001), "por força do 'princípio do pedido', expresso no artigo 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, e de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, não pode operar-se a 'convolação' do objecto do processo [...] nas normas do diploma revogante que tenham um eventual conteúdo preceptivo correspondente ou semelhante ao das normas que constituem o objecto do pedido [...]".
É que, como salientou no já mencionado Acórdão 31/99, "as normas constantes [dos novos diplomas] que revogaram as disposições [do diploma questionado], ainda que [...] tenham teor literal semelhante, são normas diferentes daquelas que constituem objecto do pedido de fiscalização abstracta nestes autos". Escreveu-se então:
"São diferentes formalmente, pois têm um suporte legal distinto.
Podem também ser diferentes daquelas que constituem objecto do pedido, quando consideradas do ponto de vista substancial ou funcional. A conclusão sobre esse ponto dependeria, porém, da apreciação do conjunto do diploma em que tais normas se inserem.
Com efeito, deve sempre admitir-se que disposições legais com o mesmo teor literal possam ter um sentido material diferente, isto é, possam constituir normas diferentes. O autêntico sentido de uma norma só se alcança quando se considera o conjunto a que as normas pertencem, dada a interconexão entre os preceitos contidos num mesmo diploma. Aliás, a simples modificação de inserção sistemática de uma disposição pode implicar alteração do seu sentido normativo.
Tanto basta para concluir que a apreciação das novas normas pelo Tribunal Constitucional ultrapassaria os limites da conformação do pedido inicial."
De resto, como já se disse, o problema nem se coloca no presente caso, porque desde o ano 2000 que as normas têm conteúdo diferente.
III - Decisão. - 6 - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do pedido.
19 de Setembro de 2001. - José de Sousa e Brito (relator) - Guilherme da Fonseca - Maria Fernanda Palma - Maria Helena Brito - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Alberto Tavares da Costa - Bravo Serra - Luís Nunes de Almeida - Artur Maurício - Paulo Mota Pinto - José Manuel Cardoso da Costa.