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Desvalorização da Moeda

Assento 6/83, de 14 de Novembro

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Sumário

Fixa a seguinte jurisprudência: o artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 667/76, de 5 de Agosto, empregou a palavra «multa» em sentido amplo, de modo a abranger as de natureza contravencional e não somente as de carácter fiscal.

Texto do documento

Assento 6/83
Cópia do douto Acórdão proferido de fl. 51 a fl. 61 dos autos de tribunal pleno n.º 36581, em que são recorrente o Ministério Público e recorrido Manuel Fernando dos Santos Almeida.

Acordam em plenário do Supremo Tribunal de Justiça:
O Sr. Procurador da República junto da Relação do Porto recorreu extraordinariamente do Acórdão de 9 de Dezembro de 1981, dizendo-o em oposição com o que ela havia proferido em 23 de Novembro desse ano.

Mandou a Secção Criminal seguir os autos, por considerar verificados os pressupostos.

É mesmo assim.
Os arestos foram proferidos em processos diferentes; aquele de que se recorre transitou em julgado, coisa que aliás se presume, e ambos trataram, à luz de iguais preceitos, da mesma questão de direito, mas deram-lhe soluções opostas.

Com efeito, foram um e outro chamados a interpretar o artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 667/76, de 5 de Agosto, já depois de publicado o artigo único do Decreto-Lei 296/77, de 20 de Julho, no intuito de se saber se apenas se referiam a multas fiscais ou abarcavam as de qualquer natureza. O recorrido aderiu à primeira tese, decidindo que a multa de 100$00 cominada pelo Decreto-Lei 42850, de 16 de Fevereiro de 1960 (falta de boletim de sanidade), não tinha de ser actualizada; o anterior havia abraçado a segunda, aplicando o devido coeficiente à multa prevista pelo Decreto-Lei 409/71, de 27 de Setembro (inobservância do horário de trabalho), fixando-a em 20000$00.

A diversidade das transgressões não influi na oposição, já que nenhuma delas é fiscal; estão, digamos, ambas da outra banda.

Mas sucede que as duas multas, aplicadas em processo de transgressão, são inferiores a 40000$00; pergunta-se então se não teria sido por motivo de alçada que, na altura, se não pôde recorrer para o Supremo.

É que o artigo 764.º do Código de Processo Civil só admite o acesso ao plenário no caso de o acórdão da relação ser irrecorrível por razão estranha à dita alçada.

A primeira observação que se faz é a de que a pergunta acima formulada não tem aqui qualquer cabimento, isto pura e simplesmente por o dito preceito não ser aplicável em processo penal.

E não o é, porque este possui uma norma privativa que é o artigo 669.º do respectivo Código, na qual, até com anterioridade ao Código de Processo Civil (o supracitado artigo 764.º só neste foi introduzido em 1961), se apontam os pressupostos do recurso para o pleno.

Legem habemus. Daí a ilegalidade de se invocar um direito que é meramente subsidiário (§ único do artigo 1.º do Código de Processo Penal).

Ora, entre aqueles pressupostos, não aparece o da inadmissibilidade do recurso por motivo estranho à alçada, apenas formulado, dezenas de anos depois, para a área cível. O artigo 669.º não põe qualquer restrição; basta-lhe que "do acórdão se não possa interpor recurso ordinário».

E, se assim era até 1961, se assim foi durante 30 anos, por que se haveria de introduzir a restrição cível no recurso penal?

Não, de certeza, por paridade de razão, pois os interesses quase sempre patrimoniais que se defrontam no processo civil não se comparam com os valores quase sempre pessoais que se jogam no criminal. Até nas transgressões se arrisca, muitas vezes, a liberdade do infractor.

Não, igualmente, por se poder chamar "alçada» ao montante da multa, além do qual o recurso é admissível (artigo 646.º, n.º 6, do Código de Processo Penal). Primeiro, porque esse montante nunca foi aferido pelas alçadas cíveis: os quantitativos foram sempre muito diferentes e, quando o destas subia, aquela mantinha-se, e vice-versa, mas sobretudo porque - e isto é preciso ficar bem claro - seria abusivo equiparar a "alçada» à importância referida no primeiro período do n.º 6 do artigo 646.º (redacção da época do recurso), quando a Lei Orgânica dos Tribunais - artigo 20.º n.º 2 - é expressa em afirmar que "em matéria criminal não há alçada».

Isto, afinal, significa, se não nos quisermos sobrepor à norma, que os motivos pelos quais, em tal matéria, os recursos não são admissíveis, se situam todos eles fora do campo da alçada, instituto puramente cível.

Por quanto fica dito se vê que o § único do artigo 669.º, ao remeter para o artigo 668.º e seu § único, e este para as regras do processo civil, quis tão-somente adoptar os termos que ele próprio não regulava. Repare-se que apela para tais regras, mas apenas "na parte aplicável». Aliás, como poderia um legislador de 1929 pensar numa restrição que só veio a aparecer em 1961?

Para remate desta questão prévia, ponhamos em destaque o absurdo a que levava ter por questão de alçada situar-se a multa abaixo dos 40000$00 (hoje 200000$00) e ter por motivo a ela estranho a absolvição do transgressor (doutrina dos Acórdãos deste Tribunal de 28 de Julho de 1981, no Boletim do Ministério da Justiça, 309-316, e de 21 de Junho de 1983, no processo 52).

Sucederia então poder recorrer-se para o pleno de acórdão da relação que absolvesse o réu e não ser possível levar lá acórdão que o tivesse condenado até às ditas importâncias!

Não existindo, portanto, obstáculos formais à resolução do conflito de jurisprudência, encaremo-la agora de frente.

Durante algum tempo, discutiu-se se o Decreto-Lei 667/76 não seria organicamente inconstitucional por ser o Governo a tratar nele de matérias da exclusiva competência da Assembleia da República, como a de definição de penas, criação de impostos e sistema fiscal [alíneas e) e o) do artigo 167.º da Constituição de 1976].

Os que iam pela afirmativa diziam que ele já havia sido publicado depois de aquele órgão legislativo por excelência ter entrado em funcionamento - 14 de Julho de 1976, data da posse do Presidente da República, conforme o estatuído no artigo 294.º - e que a publicação era acto fundamental na criação das leis, como se via do artigo 122.º, n.º 4.

Acabou, todavia, por prevalecer a opinião contrária (Pareceres da Comissão Constitucional, de 1 de Julho de 1980, vol. 13.º, p. 98), com base na doutrina que põe o acento tónico na aprovação e promulgação dos diplomas, actos que, no caso, tiveram lugar antes daquela data.

A publicidade é indispensável para se tornarem obrigatórios, mas é na fase anterior que o seu conteúdo se define e aí é que podem ser postos em jogo interesses fundamentais que só aos representantes directos do povo é lícito abordar.

E foi essa a opinião que o Conselho da Revolução seguiu na Resolução 266/80, publicada no Diário da República, de 25 de Julho de 1980.

Não há razão para mudar.
Dispunha o artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 667/76, entretanto substituído pelo Decreto-Lei 131/82, de 23 de Abril, que se deviam actualizar, segundo coeficientes que apontava, "as importâncias de licenças, taxas, multas e seus limites, bem como as pagas no acto da apresentação de denúncias em serviços públicos, fixadas em quantitativos específicos e que constituíssem, no todo ou em parte, receita do Estado».

Sob o ponto de vista literal, o texto é francamente favorável ao entendimento de abarcar quaisquer multas, assim como quaisquer licenças ou taxas, contanto que umas e outras sejam de "quantitativo específico» e constituam "receita do Estado».

E todos sabemos da relevância que tem na interpretação o elemento lexicológico. É de presumir - diz o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil - que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

De entre os vários sentidos legais, recomendava Manuel Andrade que se desse preferência ao que brota natural, desafogada e perfeitamente do texto, em prejuízo do que só constrangida, desairosa e inapropriadamente dele se poderia extrair (Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XLVIII, p. 274).

Se o autor do Decreto-Lei 667/76 tivesse querido actualizar somente as licenças, taxas e multas de natureza fiscal, introduziria essa restrição no artigo 18.º, como introduziu aqueloutros. É que ele não podia ignorar a existência de licenças, taxas e multas de ordem diferente. São até o maior número.

Outro argumento de força se tira do relatório do mencionado diploma, fonte privilegiada de interpretação. É de abraçar a orientação que dele decorra, salvo se as próprias disposições legais a desmentirem (Oliveira Ascensão, Boletim do Ministério da Justiça, 229, p. 17).

Resumindo as matérias tratadas, disse o legislador que "ágio» agora especialmente no domínio dos impostos directos e que "fora deles, apenas introduzia correcções tendentes a compensar a desvalorização da moeda».

Sucintamente: alterações fiscais de um lado e não fiscais do outro; aquelas objecto dos artigos 1.º a 17.º e 19.º, e estas do artigo 18.º Pode, portanto, concluir-se daí que tal preceito desgarrado do sistema fiscal ("fora dos impostos») visa principalmente as licenças, taxas e multas estranhas ao direito fiscal.

O rigor desta conclusão ressalta à evidência da Lei 40/81, de 31 de Dezembro, cujo artigo 57.º, n.º 1, transcreve o artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 667/76 (salvo os coeficientes) e é transcrito pelo artigo 1.º, n.º 1, do já mencionado Decreto-Lei 131/82.

Esse artigo 57.º, cópia do preceito que estamos a interpretar, foi metido no capítulo VI sob a rubrica "Medidas diversas», ao passo que as disposições atinentes a impostos e correspondentes aos artigos 1.º a 17.º do Decreto-Lei 667/76 haviam precedentemente sido arrumadas no capítulo VI sob a designação de "Sistema fiscal».

Assim, é nítido para esta lei, inspirada naquele diploma de 1976, que as licenças, taxas e multas que actualiza no artigo 57.º, n.º 1, não são apenas as de natureza fiscal. Se o fossem, trataria delas no capítulo IV, como matéria pertencente ao sistema fiscal.

Não se desculpem os arautos da interpretação restritiva com um possível erro técnico do legislador. É que ele não se esqueceu de aí meter o artigo 49.º, precisamente aquele que dava autorização ao Governo para rever as disposições relativas às "infracções tributárias» e "sua punição». Quer dizer: se o legislador tivesse querido actualizar só as multas fiscais, fá-lo-ia nesse artigo 49.º ou logo a seguir, mas dentro do mesmo capítulo.

Vemos, por isso, agora com maior clareza, o que é que o preâmbulo do Decreto-Lei 667/76 pretendeu significar com as expressões "no domínio dos impostos directos» e "fora deles». E, na verdade, aqui só se introduziram correcções tendentes a compensar a desvalorização da moeda.

Mal irá, todavia, ao intérprete que se desprenda da razão de ser da lei - "a valoração de interesses que lhe está subjacente, a finalidade que a inspirou» (Manuel Andrade, rev. cit., p. 275).

É regra de ouro no direito inglês - noticia o mestre - que se tenha em grande apreço a política geral da lei interpretanda e o mal ou defeito que com ela se pretende sanar.

Então pergunta-se o que quis o legislador com o Decreto-Lei 667/76?
Ele próprio responde no relatório: "a intensificação dos gastos públicos impõe a adopção imediata de medidas de sobrecarga da pressão fiscal».

Objectivo puramente financeiro: aumento da receita do Estado, para minorar a "grave situação da economia e finanças públicas».

Daí, desde logo, uma primeira conclusão - a de o diploma caber na específica competência do Ministério das Finanças e, aprovado em Conselho de Ministros, bastar, portanto, a assinatura dos 2 titulares (cf. os artigos 8.º, n.º 3, da Lei 3/74, de 14 de Maio, e 5.º, n.º 3, da Lei 5/74, de 12 de Julho, e o n.º 1.º da Portaria 672/74, de 17 de Outubro, então em vigor). Deste modo, não tem cabimento partir desse pormenor para um conceito restrito de multa.

Mas a conclusão principal será a de que, para efeitos orçamentais, interessa tanto a actualização das licenças, taxas e multas fiscais, como a das restantes.

Dizemos mesmo que, sendo as primeiras uma minoria, são as segundas que avultam no erário público.

Consequentemente, ao contrário do que diz a doutrina adversa, é o cariz orçamental do Decreto-Lei 667/76 que aponta para o amplo conceito de multa. Maus cálculos faria o técnico que quisesse minorar uma angústia financeira só à custa da actualização das multas fiscais.

Mas, a favor de uma aplicação restrita do diploma, ainda se objecta com a especial natureza das multas contravencionais e criminais. Tratando-se de penas, a sua determinação e, inclusive, a sua actualização devem efectuar-se não por critérios orçamentais, mas tendo em conta os fins preventivo e repressivo.

A isto responderemos, desde logo, que o argumento prova de mais: porque as multas fiscais também visam efeitos preventivos e repressivos, elas mesmas deviam ser excluídas do artigo 18.º do Decreto-Lei 667/76!

Mas diremos, sobretudo, que uma actualização genérica do tipo da agora em causa está na linha da nossa tradição jurídica (entre outras, cf. artigo 8.º da Lei 1001, de 29 de Julho de 1920) e não entra em conflito com os específicos fins das penas. Pelo contrário, quando se degrada o montante de uma multa por virtude da inflação, perdem concomitantemente o erário e a eficácia da pena. O que não custa a pagar não é sofrimento nem inibição.

Aliás, vários são os diplomas que põem em relevo esse duplo e simultâneo prejuízo: que, ao lado das preocupações repressivas das multas, colocam a sua função angariadora de fundos (cf. relatórios do Decreto Regulamentar 40/77, de 16 de Junho, e dos Decretos-Leis n.os 371/77, 186/82 e 187/82, respectivamente de 5 de Setembro e 15 de Maio).

De resto, uma actualização genérica por razões essencialmente financeiras não é, de modo nenhum, incompatível com as alterações que posteriormente se venham a introduzir nos quantitativos de certas e determinadas multas, por motivos específicos. Sucederá apenas que o novo montante, porque actual, deixará de estar sujeito às percentagens antes estabelecidas.

E isto já responde à objecção que se pretendeu pôr à aplicação do Decreto-Lei 667/76 a todas as multas a partir daquele Decreto Regulamentar 40/77. Raciocinam os objectores deste jeito: se aquele diploma tivesse actualizado, em Agosto de 1976, entre outras, as multas previstas no Código da Estrada, não se justificaria que o segundo as viesse alterar, passados 10 meses; sobretudo, no preâmbulo deste, não se diria que tais multas se mantenham praticamente inalteradas desde 1954.

A objecção não colhe.
Primeiro - repete-se - uma coisa é a actualização genérica por motivos essencialmente orçamentais e outra a alteração específica por razões particulares do sector (v. g. a frequência das transgressões e o perigo que elas envolvem para a vida, a integridade física e o património dos cidadãos).

Segundo, numa época de tão acentuada inflação, não é preciso muito tempo para envidecerem os custos. Exactamente no domínio rodoviário, o já citado Decreto-Lei 187/82 - artigo 3.º - altera multas que tinham sido aumentadas, 4 meses antes, pelo Decreto Regulamentar 4/82.

Finalmente, a mencionada passagem do relatório do Decreto Regulamentar 40/77 não desmente a aplicação do Decreto-Lei 667/76 às multas do Código da Estrada. Basta, para o efeito, considerar que a actualização por meio de percentagem fixa (como no caso da Lei 100 acima citado) ou variável (caso do diploma em interpretação) pressupõe precisamente a existência de uma base, de um quantitativo predeterminado que, como tal, se mantém. O Decreto-Lei 667/76 não criou novas multas que, para futuro, sirvam, por sua vez, de ponto de referência para aplicação de novas percentagens. Deixou-as como estavam, limitando-se a acrescentar-lhe um adicional, transitório por natureza (o do artigo 57.º da Lei 40/81; o do Decreto-Lei 131/82 já é diferente).

O próprio artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 667/76 se encarrega de focalizar a referida ideia de inalterabilidade do quantitativo primitivamente fixado, quando faz variar o coeficiente, "conforme o ano em que foi estabelecida a respectiva importância».

Em termos práticos: a multa de 100$00 cominada pelo Decreto-Lei 42850 continuará a ser de 100$00, enquanto uma lei específica a não alterar: sucedeu apenas que o Decreto-Lei 667/76 fazia pagar ao réu um acréscimo de outro tanto; depois do Decreto-Lei 131/82 o coeficiente é outro, mas a base continua a mesma.

O diploma intermédio não a alterou.
Ante tantos e tão fortes argumentos a favor de um amplo conceito de multa, mal se compreende que a dúvida se haja instalado em alguns espíritos.

Mas a verdade é que tal sucedeu: consultada a Procuradoria-Geral da República, veio ela a emitir, em 10 de Março de 1977, embora só por maioria, o parecer de que o artigo 18.º do Decreto-Lei 667/76 não incluía as multas de natureza criminal, designadamente as previstas no Código da Estrada.

Em que se apoiaram os vencedores para fazerem essa interpretação restritiva para chegarem à conclusão de que o legislador disse mais do que aquilo que queria?

Em razões por nós já atrás rejeitadas e que, aliás, eles próprios confessam não ser decisivas (cf. Boletim do Ministério da Justiça, 275, p. 67): emanar o diploma do Ministério das Finanças; tratar principalmente de matéria de impostos directos e, "fora deles», dos indirectos; dever o quantitativo das multas criminais sujeitar-se a critérios retributivos e preventivos, que não financeiros.

Ao que saibamos, só a homologação pelo Sr. Secretário de Estado da Justiça veio a lume no Diário da República, 2.ª série, de 5 de Maio de 1977. Consequentemente só para os respectivos serviços valeria o parecer como interpretação oficial e, mesmo assim, apenas no caso de ele haver sido solicitado por aquele membro do Governo (artigo 212.º do Estatuto Judicial), e não o foi.

Assim se explica que, decorridos 4 meses, precisamente em 20 de Julho, fosse publicado o Decreto-Lei 296/77, com o objectivo confesso de "interpretar por via legal» o n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei 667/76 e, desse modo, "alcançar o efeito visado com a sua aprovação» (palavras do relatório).

A qual dos dois conceitos - amplo ou restrito - aderiu ele?
Obviamente ao primeiro. "As importâncias referidas no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei 667/76 - reza o artigo único do Decreto-Lei 296/77 - são todas as que constituam, no todo ou em parte, e qualquer que seja a sua natureza, receita do Estado, abrangendo este todos os seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, com inclusão dos fundos autómonos».

São bem explícitas as palavras: as importâncias a actualizar não são apenas estas ou aquelas mas "todas» (repare-se na globalidade do termo), contanto que se destinem aos cofres do Estado; "todas» as licenças, "todas» as taxas, "todas» as multas. Não contente com o emprego do pronome indefinido (expressivo de uma totalidade de pessoas ou coisas), o legislador reforçou a ideia com a expressão "de qualquer natureza»: licenças, taxas e multas, sejam de que espécie forem.

E em conformidade com a amplíssima compreensão do texto estão aquelas palavras do relatório: só ela permitirá "alcançar o efeito visado com a aprovação do Decreto-Lei 667/76»; se apenas se referisse este a licenças, taxas e multas fiscais, seria ridículo o acréscimo de receitas.

Diz-se, ex adverso, que outra foi a dúvida que o Decreto-Lei 296/77 quis esclarecer com o emprego das expressões "todas as importâncias» e "qualquer que seja a sua natureza» - tornar claro que também eram actualizáveis as multas de quantitativo variável e não somente as fixas.

A isto responder-se-á primeiramente não ser muito natural que o legislador se preocupasse com problema de tão pequeno alcance orçamental e, para mais, sem razão de existir, já que o artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 667/76 expressamente se referia às multas e "seus limites», os quantitativos das variáveis também são "específicos» e, se a inflação faz envelhecer uma multa fixa, envelhece igualmente o mínimo e o máximo da que for variável.

Responder-se-á, depois, que nenhum legislador sensato trataria de resolver uma dúvida de somenos, olvidando a principal, a de notório interesse financeiro, ao fim e ao cabo aquela que o Governo tinha, há pouco, proposto à consideração da Procuradoria-Geral.

Responder-se-á ainda que, tendo o legislador naturalmente diante de si o parecer deste organismo, não iria, no decreto, utilizar o termo "natureza» da multa com sentido diverso. Portanto, multas "de qualquer natureza» (Decreto-Lei 296/77) não são só as fixas e variáveis, como também as criminais ou não (o dito parecer, in fine, tanto fala em "natureza variável», como em "natureza criminal»).

E não admira que o mencionado diploma de 20 de Julho de 1977 tivesse aderido à tese do sentido amplo, pois era ela a seguida pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. Mesmo depois de emitido o dito parecer, exactamente em 4 de Abril daquele ano, recomendava ao Comando da PSP e ordenava este aos seus agentes (Ordem de Serviço, n.º 76, de 20 de Abril de 1977) que tivessem por incluídas no artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 667/76, as multas aplicadas nos termos dos regulamentos policiais dos distritos, posturas municipais e legislação sobre canídeos, se destinadas ao Estado e seus serviços, incluídos os autónomos e os fundos autónomos.

Mas então, depois de publicado o Decreto-Lei 296/77, ninguém hesitou mais.
Logo em 2 de Agosto, a Direcção-Geral de Transportes Terrestres preconizava àquele mesmo Comando o agravamento das multas por infracção às leis de transportes rodoviários, por "não restarem dúvidas [dizia] sobre a aplicabilidade a elas do disposto no artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 667/76» (cf. Ordem de Serviço, n.º 128, de 19 de Agosto de 1977).

Em 20 de Abril de 1978, a referida Direcção repetia o conselho à PSP a respeito das multas previstas pelo artigo 215.º do Regulamento dos Transportes Automóveis (Ordem de Serviço, n.º 44, de 28 de Abril de 1978).

E ainda em 19 de Maio de 1982, já na vigência do Decreto-Lei 131/82, oficiava o governador civil do Porto ao comando policial a dizer que tinha o diploma como aplicável às multas do regulamento distrital.

Nos termos expostos, se lavra o assento seguinte:
O artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 667/76, de 5 de Agosto, empregou a palavra "multa» em sentido amplo, de modo a abranger as de natureza contravencional e não somente as de carácter fiscal.

Não é devido imposto de justiça.
Lisboa, 11 de Outubro de 1983. - Manuel Alves Peixoto - Rui de Matos Corte Real - Amílcar Moreira da Silva - João Augusto Pacheco e Melo Franco - João Solano Viana - José Fernando Quesada Pastor - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho José Luís Pereira - Manuel Amaral Aguiar - Manuel dos Santos Carvalho - José dos Santos Silveira - Manuel Batista Dias da Fonseca - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Antero Pereira Leitão - Licurgo Augusto dos Santos - Manuel Flamino dos Santos Martins - António Júdice de Magalhães Barros Baião - Raúl José Dias Leite Campos - Abel Vieira Campos Carvalho Júnior - António Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Júnior - Aníbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro - António Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Octávio Dias Garcia - Américo Fernando de Campos Costa - Silvino Alberto Villa-Nova.

Está conforme.
Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Outubro de 1983. - A Escriturária, (Assinatura ilegível.)

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/187663.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1913-12-30 - Lei 100 - Ministério de Instrução Pública

    Dispensa do serviço oficial por espaço de dois meses, durante o último período da gravidez e em seguida ao parto, as professoras de instrução secundária e superior.

  • Tem documento Em vigor 1960-02-16 - Decreto-Lei 42850 - Ministério da Saúde e Assistência

    Fixa as penalidades a aplicar pela falta ou não validade do boletim de sanidade necessário às pessoas que trabalham em determinadas actividades ligadas ao fabrico, preparação e venda de substâncias alimentares e géneros alimentícios.

  • Tem documento Em vigor 1971-09-27 - Decreto-Lei 409/71 - Ministério das Corporações e Previdência Social

    Estabelece o novo regime jurídico da duração do trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1974-05-14 - Lei 3/74 - Junta de Salvação Nacional

    Define a estrutura constitucional transitória que regerá a organização política do País até à entrada em vigor da nova Constituição Política da República Portuguesa.

  • Tem documento Em vigor 1974-07-12 - Lei 5/74 - Presidência da República

    Altera algumas disposições da Lei nº 3/74 (estrutura Constitucional Transitória), na parte relativa à formação, funcionamento e responsabilidade do Governo Provisório.

  • Tem documento Em vigor 1974-10-17 - Portaria 672/74 - Presidência do Conselho de Ministros

    Aprova as fórmulas dos diplomas emanados do Presidente da República, do Governo, do Conselho de Estado e da Junta de Salvação Nacional. Dispõe ainda sobre fórmulas de requerimentos, exposições e ofícios dirigidos, nomeadamente, a Membros do Governo e sobre fórmulas de toda a correspondência oficial.

  • Tem documento Em vigor 1976-08-05 - Decreto-Lei 667/76 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Orçamento - Direcção-Geral das Contribuições e Impostos

    Introduz alterações aos Códigos do Imposto Profissional, da Contribuição Industrial, do Imposto de Capitais, do Imposto Complementar e da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações e a Tabela do Imposto do Selo.

  • Tem documento Em vigor 1977-06-16 - Decreto Regulamentar 40/77 - Ministério dos Transportes e Comunicações - Secretaria de Estado dos Transportes e Comunicações

    Altera o montante e o sistema de multas por infracções à legislação rodoviária.

  • Tem documento Em vigor 1977-07-20 - Decreto-Lei 296/77 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Orçamento - Direcção-Geral das Contribuições e Impostos

    Interpreta o n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 667/76, de 5 de Agosto, que altera os Códigos do Imposto Profissional, da Contribuição Industrial, do Imposto de Capitais, do Imposto Complementar e da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações e a Tabela Geral do Imposto do Selo.

  • Tem documento Em vigor 1980-07-25 - Resolução 266/80 - Conselho da Revolução

    Não se pronuncia pela inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 667/76, de 5 de Agosto, excepto as normas já anteriormente declaradas inconstitucionais.

  • Tem documento Em vigor 1981-12-31 - Lei 40/81 - Assembleia da República

    Aprova o Orçamento Geral do Estado pera 1982.

  • Tem documento Em vigor 1982-01-15 - Decreto Regulamentar 4/82 - Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes - Secretaria de Estado dos Transportes Interiores - Direcção-Geral de Viação

    Dá nova redacção a vários artigos do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39672, de 20 de Maio de 1954.

  • Tem documento Em vigor 1982-04-23 - Decreto-Lei 131/82 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado do Orçamento

    Actualiza as importâncias de licenças, taxa e multas, cuja última actualização havia sido feita pelo Decreto-Lei n.º 667/76, de 5 de Agosto.

  • Tem documento Em vigor 1982-05-15 - Decreto-Lei 187/82 - Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes - Secretaria de Estado dos Transportes Interiores - Direcção-Geral de Viação

    Eleva os quantitativos das multas previstas no Código da Estrada.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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