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Acórdão 187/2000/T, de 27 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 187/2000/T. Const. - Processo 481/99. - I - 1 - Carlos Alberto da Silva Rego e mulher, Ana da Silva e Sousa, intentaram pelo Tribunal de Círculo de Santo Tirso e contra Manuel Artur Nogueira de Sousa Lopes acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando, por entre o mais, a condenação do réu a reconhecer que os autores tinham preferência na compra de um prédio rústico com a área aproximada de 3850 m2, denominado "Campo de Travassos ou Leira de Agra e Bateis", sito no lugar de Ausende, freguesia de Louro, concelho de Vila Nova de Famalicão, e confinante com um outro prédio rústico denominado "Campo da Porta", com a área de cerca de 10 000 m2, este pertença dos autores.

Segundo os autores, o Campo de Travassos ou Leira de Agra e Bateis foi vendido pelos seus proprietários, Lauro Garcia da Costa Gomes e mulher, ao réu através de escritura pública celebrada em 5 de Maio de 1992, não lhes tendo sido dado qualquer conhecimento da venda.

Por sentença de 9 de Setembro de 1998, proferida pelo juiz do Tribunal de Círculo de Matosinhos, foi a acção julgada improcedente e, consequentemente, absolvido o réu do pedido, o que motivou os autores do assim decidido apelarem para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 28 de Janeiro de 1999, negou provimento à apelação.

De novo inconformados, pediram revista os autores.

Na alegação que produziram, disseram, inter alia e para o que ora releva:

"[...]

20 - O que implica esclarecer qual é a unidade de cultura para esta zona: se 2 ha (como afirmam os AA.), se 4 ha (como reivindica o réu);

21 - Neste caso sob invocação do artigo 13.º do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, vamos esclarecer:

a) Este diploma foi publicado sob invocação expressa de competência do Governo, ao abrigo da alínea a) do artigo 201.º da Constituição, legislando sobre a Reserva Agrícola Nacional;

b) À semelhança do que se passou quando o Governo legislou sobre a Reserva Ecológica Nacional (Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março) + (antes Decreto-Lei 321/83, de 5 de Junho).

Porém, qualquer destes diplomas está reconhecido pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 8 de Maio de 1991 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 407, p. 77): efectivamente,

I) Integra-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República a matéria respeitante às bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural [artigo 168.º, n.º 1, alínea g), da Constituição], cabendo-lhe as opções político-legislativas fundamentais respeitantes a essa matéria e a definição das grandes linhas que virão inspirar a regulamentação legal desse sistema de protecção;

II) O Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, emitido pelo Governo sem qualquer credencial parlamentar, invocando poderes próprios, que não tem, ao instituir a Reserva Agrícola Nacional, e ao determinar a sua constituição e o seu regime, introduzindo todo um sistema inovador, criando uma disciplina de protecção às áreas ali compreendidas, em suma, ao invadir a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, violou o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea g), da Constituição.

Manifesto, pois, que todo o diploma referido padece de inconstitucionalidade orgânica, pelo que resulta espúria e inútil a tentativa de invocar quaisquer das suas isoladas disposições;

22 - O que implica que se defina que a área da unidade de cultura, na área do prédio referido, é a de 2 ha.

[...]

39 - Ao contrário do afirmado pelo réu, a unidade de cultura é a resultante da aplicação do disposto no artigo 1376.º do Código Civil e do artigo 1.º da Portaria 202/70, de 21 de Abril, ou seja, 2 ha (20 000 m2); na medida em que, como demonstrámos, o artigo 13.º do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho (Reserva Agrícola Nacional) padece de inconstitucionalidade orgânica.

[...]

50 - Em suma, em resumo, o douto acórdão em apreço, para além dos vícios já apontados, padece de três outros não ultrapassáveis:

a) Por um lado, pretende aplicar uma lei sujeita a regulamentação posterior, o que nunca aconteceu (artigos 18.º e 24.º do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro);

b) Por outro lado, porque este decreto-lei padece de ostensiva inconstitucionalidade orgânica [alíneas g) e n) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição Política];

[...]

[...]

55 - Por outro lado, constitui competência exclusiva da Assembleia da República (salvo autorização ao Governo) as matérias referentes a:

[...]

g) Bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural;

n) Bases da política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola privada.

56 - Como parece evidente, a estrutura fundiária, no que se refere a definição dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola, constitui uma das bases de qualquer política agrícola. De facto, reconhece-se que unidades agrícolas de pequena área são economicamente pouco rentáveis: daí que os legisladores, ao longo dos tempos, tenham previsto o mecanismo do direito de preferência dos proprietários de terreno confinantes, como forma de as fazer desaparecer.

57 - Como parece evidente, foi intenção expressa do Governo, ao legislar sobre a matéria do Decreto-Lei 384/88, adoptar todo um largo conjunto de medidas, com aquele objectivo de promover o emparcelamento, nomeadamente pelo reconhecimento do direito de preferência referido.

Estamos, pois no âmago de uma qualquer política agrícola, como consta daquela base 'n', nomeadamente na sua segunda parte. Estamos, pois, no domínio de competência privada da Assembleia da República.

58 - Pelo que, não tendo havido autorização legislativa (n.os 1 e 2, do artigo 168.º da CP), a mesma disposição legal padece de inconstitucionalidade orgânica.

[...]

Perante estas considerações lapidares, daí resultam consequências evidentes:

a) Tendo o prédio do réu a área de 36 000 m2:

Sendo óbvio a inconstitucionalidade do Decreto-Lei 196/84, de 14 de Junho (e o seu artigo 13.º, invocado pelo réu na contestação), assim como do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro (e seu artigo 18.º, invocado no douto acórdão em apreço);

É igualmente óbvio que aquele prédio tem área superior à unidade de cultura (2 ha - Portaria 202/70, de 21 de Abril);

Pelo que o réu nem sequer está dentro dos pressupostos do n.º 1 do artigo 1380.º: apesar de confinante, o seu rédio não tem área inferior à unidade de cultura;

[...]

Conclusões

A) A 'unidade de cultura' no local é de 2 ha.

B) Já que o disposto no artigo 13.º do Decreto-Lei 196/89 de 14 de Junho (RAN) (4 ha) padece de inconstitucionalidade orgânica.

[...]

Q) No mesmo acórdão também se procedeu à aplicação do disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro, que é um diploma com vigência suspensa.

[...]

S) Para além do mesmo diploma abordam matéria da competência exclusiva da Assembleia da República, não objecto de delegação legislativa para o Governo, pelo que padece de inconstitucionalidade; de facto

T) A definição das bases de política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e mínimos das unidades de exploração agrícola privadas, é da competência da Assembleia da República [alínea n) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição Política].

U) Foram violadas as disposições dos artigos 168.º, n.º 1, alínea g), da Constituição (sendo inconstitucional o Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março), assim como foram violadas, as disposições das alíneas g) e n) do n.º 1 do mesmo artigo 168.º, sendo inconstitucional igualmente o Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro, para além da sua vigência estar suspensa por não regulamentação e ainda foram violados os artigos 1380.º, 204.º, n.º 2, 1381.º, 1377.º do Código Civil, 659.º, 660.º e 668.º do Código de Processo Civil, e mais disposições legais aplicáveis.

[...]"

O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 8 de Junho de 1999, negou a revista.

Pode ler-se nesse aresto, no que agora interessa:

"[...]

Questões que nos cumpre apreciar e decidir:

Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia;

Inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro;

Inaplicabilidade do citado decreto-lei por se encontrar suspenso:

A preferência na alienação de prédios confinantes só é admissível se ambos tiverem áreas inferiores à da unidade de cultura.

[...]

A segunda questão respeita à inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro. Segundo os recorrentes, a matéria deste diploma está abrangida pela competência exclusiva da Assembleia da República - artigo 168.º, n.º 1, alíneas g) e n), da Constituição. E não tendo havido autorização legislativa, o decreto-lei padece da referida inconstitucionalidade.

Também aqui os recorrentes laboram em erro, pois o diploma refere expressamente que foi concedida ao Governo autorização legislativa pelos artigos 1.º e 2.º da Lei 79/88, de 7 de Julho.

[...]

A questão de fundo (preferência por confinância) foi objecto de decisão pelas instâncias por forma que não merece qualquer censura. Aí se entendeu que, no caso de venda de terreno, de área inferior à unidade de cultura, ser feita a proprietário de terreno confinante, já nenhum outro proprietário confinante, em qualquer circunstância, terá então direito de preferência.

Esta conclusão afasta a aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 1380.º do Código Civil, conforme resulta, aliás, do acórdão recorrido, no seguimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal, que acatamos - cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Julho de 1994, in Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, t. III, pp. 52 e segs.

[...]"

É do acórdão de que parte se encontra transcrita que Carlos Alberto da Silva Rego e mulher vieram interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

Na sequência de convite que, já neste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, lhes foi dirigido, vieram os mesmos indicar que por intermédio do vertente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, pretendiam que este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa apreciasse a desconformidade com a lei fundamental dos Decretos-Leis 93/90, de 19 de Março e 384/88, de 25 de Outubro, "por violação do artigo 165.º, n.º 1, alíneas g) e n), da Constituição", tendo suscitado tal questão na alegação do recurso de revista.

2 - Por despacho de 7 de Outubro de 1999 (cf. fls. 464 a 470), foi, ao abrigo do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso limitado à apreciação da norma contida no artigo 18.º do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro, determinando-se a notificação das "partes" para a produção de alegações com essa advertência.

Na verdade, disse-se nesse despacho, no que ora releva:

"[...]

2 - O acórdão intentado impugnar fundou fáctico-juridicamente o decidido nos seguintes pontos:

O prédio vendido ao réu tinha a área de 3850 m2, destinava-se a cultura e confinava com um outro prédio, pertença do mesmo réu, com a área de 36 000 m2;

O n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil não concede preferência a outros confinantes quando o adquirente do prédio com área inferior à unidade de cultura é também proprietário confinante;

O artigo 18.º do Decreto-Lei 384/88 veio prescrever que o direito de preferência a que alude aquele n.º 1 do artigo 1380.º é concedido ainda que a área do terreno confinante seja superior à unidade de cultura.

Em consequência, aos autores, ora recorrentes, não assistia o direito de preferência que pretenderam ver reconhecido por intermédio da acção em causa.

2.1 - Como se viu, a acção foi proposta pelos autores, agora recorrentes, fundada no artigo 1380.º do Código Civil, o que, como é claro, pressupunha que o prédio vendido ao réu, ora recorrido, denominado Campo de Travassos ou Leira de Agra e Bateis, apresentava uma área inferior à da unidade de cultura.

Na verdade, o direito de preferência consignado naquela disposição legal reporta-se às situações de venda, dação ou aforamento de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura a quem não seja proprietário confinante.

E, igualmente, o direito de preferência prescrito no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro (diploma que veio a estabelecer o novo regime de emparcelamento rural), editado ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei 79/88, de 7 de Julho (que concedeu a autorização com a duração de 90 dias contados a partir do dia 8 de Julho de 1988 - cf. seus artigos 2.º e 3.º), e que foi aprovado em Conselho de Ministros de 1 de Setembro de 1988, porque se reporta ao já citado artigo 1380.º do Código Civil, pressupõe a alienação de terreno com área inferior à da unidade mínima de cultura.

2.1.1 - Perante este circunstancionalismo, a questão que se levanta é a de saber se, tendo em conta que os recursos de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa têm um carácter instrumental, a vertente impugnação, no que tange ao Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, apresenta qualquer utilidade ou se, verdadeiramente, houve, por banda do acórdão impugnado, aplicação de qualquer norma ínsita em tal diploma.

A resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.

Efectivamente, ainda que este Tribunal viesse a concluir que o mencionado Decreto-Lei 196/89 (estatuidor do novo regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional), e, mais concretamente o seu artigo 18.º (que veio a dispor que nas áreas da Reserva Agrícola Nacional a unidade de cultura corresponde ao dobro da área fixada pela lei geral para os respectivos terrenos e regiões), padecia de inconstitucionalidade e, na sequência de um tal hipotético juízo, o alto Tribunal a quo, na reformulação do acórdão sub iudicio, houvesse de não tomar em linha de conta na presente acção aquela disposição, então isso acarretaria o mesmo lançasse mão do que se encontra prescrito na Portaria 202/70, de 21 de Abril, de harmonia com a qual a unidade mínima de cultura para a região em causa era a correspondente a 2 ha para os terrenos de regadio arvenses, 0,50 ha para terrenos de regadio hortículas e 2 ha para terrenos de sequeiro (cf. quadro do artigo 1.º da citada portaria).

Ora, ponderando a área do terreno alienado ao ora recorrido - 3850 m2 - torna-se por demais evidente que, quer à luz do artigo 1.º da portaria, quer à luz do artigo 18.º do Decreto-Lei 196/89, sempre essa área se haveria de considerar como sendo inferior à da unidade de cultura.

E será justamente por isso que o acórdão tirado em 8 de Junho de 1999 no Supremo Tribunal de Justiça, ao dar como assente que o prédio rústico alienado apresentava uma área inferior à da unidade mínima de cultura, nem sequer fez apelo, na mensuração desta última, ao Decreto-Lei 196/88, pelo que se concluirá que nenhuma norma deste diploma foi aplicada no aresto impugnado.

3 - O recurso em causa deve, assim, limitar-se à apreciação da conformidade (ou não conformidade) da norma ínsita no artigo 18.º do Decreto-Lei 384/88, o que se consigna para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil."

3 - Na sequência, os recorrentes apresentaram a sua alegação, que remataram com as seguintes "conclusões":

"A) O Decreto-lei 384/88, de 25 de Outubro é globalmente inconstitucional.

B) Acarretando a inconstitucionalidade do seu artigo 18.º

C) Porque o Governo ultrapassou o prazo consignado na Lei 79/88, de 7 de Julho (90 dias).

D) Porque o Decreto-lei 384/88, por força do seu artigo 24.º, nunca foi mais do que um decreto-lei de bases.

E) Que nunca foi regulamentado.

F) O mesmo diploma, ao dispor como no artigo 24.º admitiu que havia um conjunto indeterminado de questões a 'regulamentar'.

G) Que não especificou.

H) Não sendo a nós legítimo 'adivinhar' quais as questões que carecem ou não carecem de regulamentação.

I) Sob pena de o mesmo artigo 24.º se traduzir numa disposição inútil".

De seu lado, o recorrido terminou a sua alegação concluindo:

"1 - É jurisprudência pacífica deste alto tribunal a quo, que para que 'se considere respeitado o prazo de autorização legislativa, basta que ocorra dentro desse prazo a aprovação pelo Conselho de Ministros do decreto-lei emitido no uso dessa autorização' v. g. Acórdãos n.os 156/92, 386/93, 206/94, 672/95, 269/97, in Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 28 de Julho, 2 de Outubro, 13 de Julho, 30 de Março e 22 de Maio.

2 - No caso sub judice, a aprovação do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro, ocorreu no dia 1 de Setembro de 1988 e, portanto, perfeitamente dentro do prazo de 90 dias concedido pela autorização referenciada (contada a partir do dia 8 de Julho de 1988 - v. artigos 2.º e 3.º da Lei 79/88, de 7 de Julho).

3 - O que está em causa no artigo 25.º do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro, é apenas e tão-só a competência regulamentar do Governo.

4 - Ademais, o sobredito diploma, sendo um decreto-lei autorizado não faz depender a sua entrada em vigor da regulamentação referida no seu artigo 24.º

5 - Mesmo que seja entendido como um 'decreto-lei de bases', estes, tal como as próprias 'leis de bases' (por maioria de razão), não ficam suspensos da respectiva legislação de desenvolvimento.

6 - A este propósito, é incontroverso que 'a lei de bases é de aplicação imediata, ainda que a sua exequibilidade, pelo menos em parte, dependa ou possa depender de decreto-lei ou de decreto legislativo de desenvolvimento' - v. v. g. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. V, Lisboa, 1998, pp. 375 e 376.

7 - Quando muito - e sem conceder - poderá é existir uma previsão de 'excesso de forma', o que nunca configurará qualquer espécie de inconstitucionalidade

8 - Que, em todo o caso, só poderia ser circunscrita ao artigo 24.º do diploma em causa.

9 - Em nada atingindo - em hipótese alguma - o conteúdo material do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro, na sua globalidade e, por conseguinte, o mencionado artigo 18.º aí inserto".

Cumpre decidir.

II - 1 - A questão a equacionar nos presentes autos reconduz-se, pois, a duas vertentes, quais sejam, por um lado, saber se o Decreto-Lei 384/88, editado que foi ao abrigo da autorização parlamentar conferida pela Lei 79/88, de 7 de Julho, o foi dentro do prazo de noventa dias concedido como duração de tal autorização (cf. artigo 2.º daquela lei); por outro, saber se da circunstância de não ter sido emitido diploma regulamentador da matéria constante daquele decreto-lei, não obstante o disposto no seu artigo 24.º - que estatuiu que a respectiva matéria deveria ser regulamentada pelo Governo, através de decreto-lei, no prazo de 60 dias - isso invalida uma norma como a ora em apreço (o seu artigo 18.º, que prescreve, no seu n.º 1, que os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura), invalidade, aliás, que não é sequer explicitamente subsumida pelos recorrentes a qualquer vício de natureza constitucional.

Vejamos a primeira vertente.

2 - O diploma onde se insere a norma em crise, que veio a ser publicado em 25 de Outubro de 1988, foi aprovado em Conselho de Ministros em 1 de Setembro desse ano, ou seja, dentro do prazo de 90 dias contados a partir 8 de Julho de 1998 (data da entrada em vigor da Lei 79/88 - cf. seu artigo 3.º), tendo sofrido promulgação no sequente dia 10 de Outubro.

Significará este condicionalismo que tal diploma se pode considerar como emitido já para além do prazo da autorização constante da Lei 79/88?

Adianta-se, desde já, que não.

De harmonia com a jurisprudência que tem sido seguida por este Tribunal (cf., por entre muitos outros e, por isso, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos n.os 400/89, in Diário da República, 2.ª série, de 14 de Setembro de 1989, 150/92, idem, idem, de 28 de Julho de 1992, 121/93, idem, idem, de 8 de Abril de 1993, 265/93, idem, idem, de 10 de Agosto de 1993, 651/93, idem, idem, de 31 de Março de 1994, 703/93, idem, idem, de 31 de Março de 1994, e 672/95, idem, idem, de 20 de Março de 1996), para que se considere respeitado o prazo de autorização legislativa, basta que ocorra dentro desse prazo a aprovação pelo Conselho de Ministros do decreto-lei emitido no uso dessa autorização.

Citam-se, a propósito, alguns passos do já citado Acórdão 121/93.

Assim, pode ler-se no mesmo:

"[...]

[...] no domínio da versão originária da Constituição de 1976, o artigo 122.º, n.º 4, da lei fundamental determinava que a falta de publicidade dos actos legislativos implicava a respectiva inexistência jurídica. A partir da primeira revisão constitucional, o n.º 2 do artigo 122.º passou a estabelecer que a falta de publicidade dos actos de conteúdo genérico dos órgãos de soberania previstos no artigo anterior - entre os quais, se contam as leis e os decretos-leis - implica a sua ineficácia jurídica.

Ora, esta alteração tem especial importância nesta matéria e, por isso, a doutrina que considerava, face ao texto de 1976, atendível o momento da publicação passou a admitir que não seria exigível que a publicação do diploma autorizado ocorresse durante a vigência da lei de autorização (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.ª ed. 1978, p. 336, e 2.ª ed., vol. 2.º da mesma obra, p. 205).

[...]

O Tribunal Constitucional, por seu turno, teve ocasião de acentuar, no Acórdão 400/89, que não considerava relevante o momento da publicação de um diploma autorizado para aferir da sua constitucionalidade, quando nesse momento já houvesse caducado a respectiva autorização legislativa:

"Seja qual for a resposta que deva dar-se à questão de saber qual o momento relevante para se poder concluir que a autorização legislativa foi atempadamente utilizada - se o da aprovação em Conselho de Ministros do diploma autorizado, se antes o do seu envio para promulgação pelo Presidente da República, se o da data em que a promulgação teve lugar, se, ainda, o da referenda - a verdade é que a publicação não é, seguramente, elemento constitutivo do acto legislativo [...]

O entendimento de que a publicação não é elemento constitutivo do acto legislativo pode hoje considerar-se pacífico, uma vez que o artigo 122.º, n.º 2, da Constituição revista prescreve que a falta de publicidade dos actos normativos apenas 'implica a sua ineficácia jurídica' (não a sua inexistência)" (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 387, p. 220; também publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 212, de 14 de Setembro de 1989).

[...]

Na doutrina constitucionalista, os autores dividem-se sobre o momento relevante para se saber se o diploma autorizado foi elaborado durante a vigência da lei de autorização.

A favor da relevância do momento da aprovação em Conselho de Ministros, costuma acentuar-se que, tal como a lei parlamentar se considera aprovada depois de tal aprovação ter ocorrido na Assembleia da República, também os decretos-leis devem ter-se por perfeitos no momento da sua aprovação pelo Governo.

A favor da relevância dos momentos da promulgação e da referenda, invoca-se que, só a partir de ambas, podem os diplomas ser publicados no Diário da República.

Quanto ao momento da referenda, em especial, há quem faça notar que se trata de um acto que representa o exercício de poderes partilhados entre o Presidente da República e o Governo, co-responsabilizando estes dois órgãos de soberania, assumindo, no que toca à promulgação de diplomas legislativos ou regulamentares ou à assinatura de decretos do Governo, uma 'função certificatória da assinatura do Presidente da República e uma função notarial-formal do processo legislativo adoptado' (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª ed., Coimbra, 1991, p. 739).

Por último, a favor dos momentos do envio ou da recepção para promulgação, pelo Presidente da República, momentos em regra coincidentes no tempo, tem-se dito que se trata de momentos que se revestem de 'maior objectividade', impedindo a prática abusiva de antedatar o momento de aprovação do diploma, isto na medida em que o Governo envia o diploma aprovado para o Presidente da República, assim pondo termo aos actos dele dependentes relativos ao iter legislativo. A solução tem, porém, o inconveniente de não constar tal data do texto do diploma legislativo, exigindo-se uma actividade instrutória do órgão jurisdicional com competência em matéria de constitucionalidade (sobre os diferentes momentos e sua relevância, v. Jorge Miranda, "Autorizações legislativas", in Revista de Direito Público, ano I, n.º 2, 1986, p. 18, nota 46; do mesmo autor, Funções, Órgãos e Actos do Estado, policop., Lisboa, 1990, pp. 476-477, nota 4; Gomes Canotilho, Direito Constitucional, citado, p. 865; Isaltino Morais, J. M. Ferreira de Almeida e Ricardo L. Leite Pinto, Constituição da República Portuguesa Anotada, Lisboa, 1983, p. 331; António Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas, Constituição da República Portuguesa - Texto e Comentários à Lei 1/82, Lisboa, 1982, p. 196; António Vitorino, As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, policop., Lisboa, pp. 252 e segs.).

Recentemente, teve ocasião a 2.ª Secção deste Tribunal de abordar a questão de saber se a aprovação pelo Governo do diploma autorizado devia ocorrer dentro do prazo de vigência da lei de autorização legislativa. Pode ler-se nesse acórdão, em que se manifesta concordância com a posição assumida por António Vitorino na sua dissertação acima citada:

"Pôr um lado, não constituindo a promulgação um acto de competência do Governo, não é de exigir que ela ocorra dentro do prazo concedido ao Governo para legislar em determinada matéria.

Por outro lado, e quanto à possibilidade de o Governo antedatar os diplomas, sempre se poderia estabelecer a presunção de que a sua aprovação ocorreu na data que deles consta (com admissão da prova em contrário).

Finalmente, deve entender-se que o decreto-lei aprovado dentro do prazo de autorização legislativa existe para o efeito de se considerar respeitado esse prazo, como 'existe' qualquer decreto do Governo enviado ao Presidente da República para promulgação e que este resolve enviar ao Tribunal Constitucional para efeito de apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas."

Perfilha-se, por inteiro, a solução acolhida neste Acórdão 150/92 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 172, de 28 de Julho de 1992).

[...]"

Em face de tal jurisprudência, também no vertente caso se há-de concluir que o Decreto-Lei 384/88 foi respeitado validamente o prazo de autorização legislativa concedido pela Lei 79/88, pelo que não padecerá o mesmo de inconstitucionalidade orgânica.

3 - Resta, assim, apreciar a segunda vertente da questão, qual seja a de, como já acima se disse, saber se, tendo em conta o disposto no artigo 24.º desse diploma, e ponderando a circunstância de não ter sido emitido diploma regulamentador da matéria constante do mesmo, isso invalida a norma vertida no seu artigo 18.º, cujo conteúdo já se transcreveu, sem embargo de, concernentemente a este ponto, se repetir aqui o que acima já foi dito no ponto II, n.º 1.

Mas, ainda admitindo que, ao falarem em invalidade, os recorrentes visam referir um vício de inconstitucionalidade, e que uma tal questão assim pudesse ser qualificada, também aqui dá este Tribunal resposta negativa.

De facto, desde logo, não se lobriga no Decreto-Lei 384/88 a existência de qualquer norma de onde decorra que a produção dos respectivos efeitos quanto à globalidade normativa ali vertida fica dependente da edição do diploma regulamentador a que se faz alusão no seu artigo 24.º

Por outro lado, suposto que aquele diploma se perspectiva verdadeiramente como uma "lei de bases", e como assinala Jorge Miranda (in Manual de Direito Constitucional, t. V, 1997, p. 376), ao estabelecer o quadro comparativo entre uma lei de enquadramento e uma lei de bases, é apenas de considerar esta última como uma lei substantiva de aplicação imediata, "ainda que a sua exequibilidade, pelo menos em parte, dependa ou possa depender de decreto-lei ou decreto legislativo de desenvolvimento" (sublinhado nosso), revogando "lei anterior contrária (seja ou não outra lei de bases)".

Significa isso que nada impede que numa "lei de bases", de uma banda, se estabeleçam normas que, pelo seu conteúdo perceptivo, são imediatamente aplicáveis e, por isso, sem que haja necessidade de ulterior regulamentação e, de outra, normas que desta careçam, sendo que, quanto às primeiras, podem elas vir a prescrever de modo diverso do anteriormente normativizado no ordenamento jurídico ou a introduzir modificações no mesmo, assim se assistindo a uma alteração ou a uma modificação desse ordenamento imediatamente eficaz (ou seja, sem carência de subsequente regulamentação; cf., a propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 671, onde se pode ler que "nada parece impedir que a AR se abstenha de uma regulamentação exaustiva, remetendo para regulamento do Governo os pormenores executivos".

3.1 - Ora, tendo em atenção o que se veio a estatuir no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei 384/88, torna-se por demais claro que essa norma, ao estabelecer que os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de prédios a quem não seja proprietário confinante, ainda que a área dos primeiros não seja inferior à unidade de cultura, veio porventura introduzir uma modificação a um regime concessivo do direito de preferência que se surpreende do n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil (que concedia tal direito aos proprietários de terrenos confinantes com área inferior à unidade de cultura). E diz-se porventura, por isso que se não desconhece jurisprudência de harmonia com a qual o regime que hoje se extrai do artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-Lei 384/88 era já de aplicar, pese embora o teor meramente literal do n.º 1 daquele artigo 1380.º, no domínio deste (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 1994, na Colectânea de Jurisprudência, ano 2, 1994, pp. 52 e segs.).

E igualmente se torna claro, mesmo na óptica segundo a qual o mencionado n.º 1 do artigo 18.º veio, efectivamente, a efectuar uma alteração do regime do direito de preferência que se extrai do n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil, que ela não necessita de qualquer regulamentação ou pormenor executivo para se tornar exequível.

Por isso nem sequer se descortina qualquer ineficácia ou inexequibilidade da norma em questão que pudesse, como vem alegado, conduzir à sua invalidade.

III - Em face do que se deixa exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando em 15 unidades de conta a taxa de justiça.

Lisboa, 28 de Março de 2000. - Bravo Serra - Maria Fernanda Palma - Guilherme da Fonseca - Paulo Mota Pinto - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1832579.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1970-04-21 - Portaria 202/70 - Ministério da Economia - Secretaria de Estado da Agricultura - Junta de Colonização Interna

    Aprova o regulamento que fixa a unidade de cultura para Portugal Continental.

  • Tem documento Em vigor 1982-01-14 - Lei 1/82 - Assembleia da República

    Suspensão de mandato de deputados.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1983-07-05 - Decreto-Lei 321/83 - Ministério da Qualidade de Vida

    Cria a Reserva Ecológica Nacional.

  • Tem documento Em vigor 1984-06-11 - Decreto-Lei 196/84 - Ministérios das Finanças e do Plano, do Comércio e Turismo e do Mar

    Altera as taxas do capítulo 3 da Pauta dos Direitos de Importação, bem como as notas às posições pautais do referido capítulo.

  • Tem documento Em vigor 1988-05-31 - Decreto-Lei 196/88 - Presidência do Conselho de Ministros

    Impõe medidas correctivas às entidades que efectuem explorações mineiras, com o objectivo de melhorar o respectivo impacte ambiental.

  • Tem documento Em vigor 1988-07-07 - Lei 79/88 - Assembleia da República

    Autorização ao Governo para aprovar as bases gerais do emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas.

  • Tem documento Em vigor 1988-10-25 - Decreto-Lei 384/88 - Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação

    Estabelece o novo regime de emparcelamento rural.

  • Tem documento Em vigor 1989-06-14 - Decreto-Lei 196/89 - Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação

    Estabelece o novo regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN).

  • Tem documento Em vigor 1990-03-19 - Decreto-Lei 93/90 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Revê o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN), estabelecido pelo Decreto-Lei nº 321/83 de 5 de Julho.

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