Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 234/2007, de 24 de Maio

Partilhar:

Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, no sentido de permitir que solos integrados na Reserva Agrícola Nacional à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada"

Texto do documento

Acórdão 234/2007

Processo 270/05

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Por Acórdão de 13 de Janeiro de 2005, o Tribunal da Relação do Porto decidiu negar provimento ao recurso interposto por Estradas de Portugal, E. P. E. (ex-I. E. P. - Instituto das Estradas de Portugal, por sua vez, ex-ICOR - Instituto Público para a Construção Rodoviária), da decisão do 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão que, no âmbito do processo de expropriação instaurado por aquele Instituto contra Armindo Borges da Costa e mulher, Maria Fernanda Guimarães Ferreira da Costa, com vista à expropriação de uma parcela de terreno com a área de 400 m2 destinada à construção da obra da variante nascente de Famalicão, julgou parcialmente procedente o recurso da decisão arbitral interposto pelos expropriados e improcedente o interposto pelo expropriante, fixando a indemnização devida pela expropriação da parcela em causa em Euro 32 550,72. Consequentemente, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão recorrida. Pode ler-se nesse aresto:

"b) O recurso de apelação.

É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado.

Vejamos, pois, do seu mérito.

1 - Relativamente à enunciação dos princípios gerais que devem observar-se na atribuição da justa indemnização em processo de expropriação a sentença encontra-se bem fundamentada no tocante à doutrina e jurisprudência em que se apoiou e que são uniformes.

Precisemos, no entanto, mais alguns aspectos:

O artigo 23.º do CE/99 (aplicável aos presentes autos) "1 - A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data", tem merecido a seguinte análise:

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem realçado que (Acórdão 422/2004 - processo 462/2003, in Diário da República, 2.ª série, de 4 de Novembro de 2004, a p. 16 259) "a justeza de um montante indemnizatório por expropriação dependerá, em termos gerais, da circunstância de esse valor 'traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial', o que implica um mínimo de correspondência a referenciais de mercado na determinação do quantum indemnizatório. É que, se é no mercado onde os actores económicos, através da oferta e da procura, fixam o valor dos bens transaccionados, não poderá ter-se por adequado um valor completamente desfasado daquilo que corresponderia, nesse mesmo mercado, ao valor de transacção do bem expropriado.

Quando se fala em um mínimo de correspondência a referenciais do mercado, quer-se sublinhar que 'valor do mercado normativamente entendido' corresponde 'a um valor de mercado normal ou habitual em que não entram em linha de conta os factores especulativos ou anómalos' (cf. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pp. 540 e 55".

2 - Dito isto e porque a apreciação da apelação se vai debruçar sobre a questão da justeza da indemnização por forma a não violar o princípio constitucional da igualdade, dispensamo-nos de, por agora, tecer outras considerações gerais acerca do que deve considerar-se em concreto a justa indemnização em processo de expropriação e tanto mais que estes autos têm a particularidade de versar sobre uma parcela que estava integrada em RAN, sendo desafectada ao abrigo do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, para a construção da variante nascente de Famalicão.

3 - Relativamente às questões de direito em causa, vamos agora analisá-las à luz das conclusões formuladas concretamente na apelação.

O expropriante desenvolveu as suas questões centrando a sua atenção na classificação do prédio donde foi destacada a parcela expropriada, para daí concluir que "destinando-se a desanexação da Reserva Agrícola exclusivamente à construção de uma via de comunicação - e não à transformação de prédio até então legalmente 'rústico' em 'urbano' - a parcela de terreno expropriado não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo a especial afectação de parcela à construção de tal via pública de comunicação absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa do terreno expropriado. Como tal conclui o recorrente que o solo da parcela em causa deve ser classificada como solo para outros fins e avaliada nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 27.º do CE/99".

Efectivamente no caso dos autos (facto n.º 6 da matéria assente) o prédio dos expropriados está classificado na planta de ordenamento do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão como Reserva Agrícola Nacional (RAN).

A questão que agora se coloca é a de saber se (tal como foi entendido na sentença e seguindo-se laudo dos peritos maioritários) nas circunstâncias dos autos é possível sustentar que a inclusão de um terreno na RAN (ou REN) acarreta ou não necessariamente a extinção da sua capacidade edificativa para efeitos de atribuição de indemnização em expropriação quando se destina à construção de uma infra-estrutura rodoviária, como é a variante nascente de Famalicão.

Trata-se de uma problemática que foi objecto de múltiplas decisões no regime do Código de Expropriações de 1991, sendo também já conhecidas algumas decisões no domínio do Código vigente de 1999, quer ao nível da jurisprudência dos tribunais comuns quer do Tribunal Constitucional, como as que iremos identificar.

4 - Na vigência do CE de 1991 (aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro) foi proferido o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/97, de 19 de Março, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 465, p. 236, e Diário da República, 2.ª série, de 21 de Maio de 1997, onde se veio a declarar inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, a norma do n.º 5 do artigo 24.º desse CE/91, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de "solo apto para construção" os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola.

Posteriormente, porém, o Tribunal Constitucional não manteve essa jurisprudência e já nos Acórdãos n.os 20/2000, Diário da República, 2.ª série, de 28 de Abril de 2000, e 172/2002, de 17 de Abril, decidiu "não julgar inconstitucional a norma do mesmo n.º 5 do artigo 24.º do CE/91, por forma a excluir da classificação como 'solo apto para construção' solos integrados na RAN expropriados para implementação de vias de comunicação".

Esta jurisprudência do Tribunal Constitucional continuou a ser confirmada, entre outros, nos Acórdãos n.os 247/2000, 346/2003, 347/2003 e 425/2003 (disponíveis na página do Tribunal Constitucional na Internet no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt.jurisprudência.htm) e nos Acórdãos n.os 219/2001, 243/2001, 172/2002, 121/2002, 155/2002, 417/2002, 419/2002, 333/2003 e 557/2003 (publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 6 e 4 de Julho de 2001, 3 de Junho de 2002, 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, 17 de Outubro de 2003 e 23 de Janeiro de 2004).

Entretanto veio a ser publicado o novo CE, que se encontra em vigor (Decreto-Lei 168/99, de 18 de Setembro) onde já não se encontra reproduzido no artigo 25.º o n.º 5 do anterior artigo 24.º do CE/91, onde se declarava expressamente que "para efeitos de aplicação do presente código é equiparado a solo para outros fins o que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção".

No entanto o novo CE em vigor não apontou caminho de resolução para o caso dos terrenos que, embora disponham de infra-estruturas a que se reporta a alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º, estão contudo integrados na RAN ou REN.

5 - Numa primeira análise poder-se-ia argumentar (cf. Acórdão da RC de 22 de Junho de 2004, Colectânea de Jurisprudência, t. II, pp. 30 e segs.) que o legislador de 1999 conhecia a polémica que estava gerada à volta da interpretação no CE/91 da classificação dos terrenos integrados em RAN e das divergentes posições assumidas pelo Tribunal Constitucional sobre esta matéria.

Por isso ao não reproduzir a mesma norma do n.º 5 do anterior artigo 24.º no actual artigo 25.º terá deixado caminho aberto para não limitar a atribuição da indemnização na classificação do solo a terrenos que não obstante integrados em RAN ou REN disponham contudo das infra-estruturas a que se alude na citada alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º

Porém esta argumentação, com respeito por opinião contrária, não é suficientemente válida para se poder reconhecer que o legislador quis colocar fim às interpretações divergentes que surgiram na jurisprudência dos tribunais comuns e do Tribunal Constitucional.

Por um lado há que ter presente que da jurisprudência do Tribunal Constitucional decorre que a norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991 só foi julgada inconstitucional num único caso em que a administração classificou uma parcela de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública agrícola e integrou-a, por isso, na RAN, para, posteriormente e uma vez desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por ela um valor correspondente ao de solo não apto para construção. Em todos os restantes casos citados em que estavam em causa quer a construção de vias de comunicação, quer de diferentes edifícios, o Tribunal pronunciou-se, sempre, no sentido da não inconstitucionalidade. Ou seja, em todos os outros casos, mesmo naqueles em que a expropriação se não destinou a implantação de vias de comunicação mas sim de edifícios públicos - por exemplo escolas -, o Tribunal Constitucional, não tendo dado conta de "qualquer actuação pré-ordenada da administração, traduzida em 'manipulação das regras urbanísticas', com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público", não julgou a norma inconstitucional.

Por outro importa também reconhecer que o novo CE/91 continuou a não estabelecer um critério para proceder à fixação de uma indemnização de terrenos que dispondo das infra-estruturas a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º estão contudo integrados na RAN ou REN.

E neste aspecto há que desde já referir que, como já resulta do disposto nos artigos 9.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei 196/89 e 4.º, n.º 2, alíneas b) e d), do Decreto-Lei 93/90, as restrições à edificação nos solos integrados na RAN e na REN continuam a comportar desvios na medida em que a lei prevê que estes solos possam ser desafectados para a construção de vias de comunicação, seus acessos e outros empreendimentos de interesse público.

Acresce ainda que no que se refere a terrenos integrados na RAN (ou na REN), o Tribunal Constitucional (tal como referido no Acórdão 275/2004 que vimos acompanhando, também citado pelo recorrente nas suas alegações) tem entendido que para efeitos da "justa indemnização" o que releva não é o facto do terreno deixar de ter aptidão agrícola, ainda que expropriados para que neles se edifiquem construções urbanas (nesse sentido, cf. os Acórdãos n.os 333/2003 e 557/2003 já citados), uma vez que continua a existir a proibição de construir nos solos integrados na RAN ou na REN.

Esta proibição é, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, uma consequência da "vinculação situacional" da propriedade que incide sobre os solos com tais características (cf. o Acórdão 347/2003, onde se refere que "de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis 274/92, de 12 de Dezembro e 278/95, de 25 de Outubro), REN (Decreto-Lei 93/90, de 19 de Março) ou áreas non aedificandi previstas nos planos directores municipais, planos de urbanização ou planos de pormenor (Decreto-Lei 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua 'vinculação situacional', nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica".

Essa impossibilidade de construção, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio ecológico e a protecção de ecossistemas fundamentais), encontra justificação constitucional, respectivamente, no artigo 93.º da Constituição, que consagra como objectivos da política agrícola o aumento da "produção e a produtividade da agricultura" e a garantia de um "uso e gestão racionais dos solos", e no artigo 66.º também da Constituição, que prevê a criação de reservas para "garantir a conservação da natureza".

A proibição de construir (refere o Acórdão 275/2004 citado) em terreno integrado na RAN, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim, do que "uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo" (cf. também o Acórdão 329/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 20 de Julho de 1999). Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na RAN, não há que considerar, em princípio, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação (cf. neste mesmo sentido os Acórdãos desta Relação: processo 0435161JTRP00037324 - Acórdão de 4 de Novembro de 2004; processo 0430098JTRP00036845 - Acórdão de 26 de Fevereiro de 2004, e Processo 0336000-JTRP00036205 - Acórdão de 5 de Fevereiro de 2004).

6 - Mas o facto de decorrer deste entendimento que a integração de um terreno na RAN ou na REN determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária, não significa que forçosamente o valor do solo tenha de ser calculado inevitavelmente em função do que se dispõe para "solo para outros fins", nos termos previstos no artigo 27.º do CE/99.

Há que ter em conta a situação particular de cada parcela expropriada e das suas envolventes para aferir se existe ou não violação do princípio constitucional da igualdade na atribuição da justa indemnização, em comparação com os restantes proprietários que se situam na área da parcela expropriada e destacada da RAN ou REN.

7 - Repare-se que no caso dos autos, esta parcela expropriada foi destacada do prédio dos expropriados para aí ser construído um equipamento rodoviário, ocorrendo esse destacamento ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho.

Dispõe o n.º 12 do artigo 26.º do CE/99 que "Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente, cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada".

Ora passando a parcela expropriada a ficar numa situação idêntica à das que ali se encontram previstas (por desafectação da RAN foi expropriada para infra-estrutura pública rodoviária), nada impede que se faça aplicação extensiva ou analógica desse artigo 26.º, n.º 12, por força do disposto no artigo 10.º do Código Civil (cf. o Acórdão da RC de 22 de Junho de 2004, Colectânea de Jurisprudência, ano 2004, t. III, p. 34, e Acórdão da RP de 28 de Novembro de 2003, processo 231 da 3.ª secção - www.dgsi.pt).

Conforme refere Alves Correia, Código das Expropriações e outra Legislação, p. 23, referindo-se então ao n.º 2 do artigo 26.º do CE/91 (norma equivalente ao actual n.º 12 do artigo 26.º do CE/99) "Aplaude-se o aparecimento desta disposição já que ao prescrever um método de determinação do valor dos solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano urbanístico corta quaisquer tentativas de manipulação das regras urbanísticas por parte da administração que poderiam traduzir-se na classificação dolosa por parte de um município num plano urbanístico por si aprovado de um terreno com zona verde desvalorizando-o para mais tarde o adquirir por expropriação pagando por ele um valor correspondente ao do solo não apto para construção."

8 - Se atentarmos que está provado que "o prédio donde foi destacada a parcela expropriada confronta a norte com EN 2061-Avenida do Brasil, a nascente com o restaurante Moutados de Baixo-António Alves Ribeiro, a sul com linha de água e a poente com o rio Pelhe e que a parcela expropriada confronta a norte com EN 2061-Avenida do Brasil, a nascente com o restaurante Moutados de Baixo-António Alves Ribeiro, a sul com linha de água e a poente com o rio Pelhe e ainda que o prédio donde foi destacada a parcela expropriada está inserido no núcleo urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão, sendo dotado de um nível médio de equipamentos, serviços e comércio, dispondo, do lado norte da EN 206-Avenida do Brasil, de via pavimentada em tapete asfáltico, com a largura média de 10 m, devidamente infra-estruturada, não pode deixar de concluir-se que aqui se justifica plenamente a aplicação extensiva ou analógica do n.º 12 do artigo 26.º do CE/99 no tocante ao cálculo do valor deste solo da parcela expropriada".

Seria incompreensível que esta parcela não pudesse ser avaliada por critérios semelhantes aos de solo apto para construção (como foi efectivamente realizado pelos peritos maioritários) sobretudo quando está provado (facto n.º 8 da matéria assente) que esta parcela com as infra-estruturas referidas (não obstante o prédio de que foi destacado estar classificado na planta de ordenamento do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão, como RAN) se situa em local onde as parcelas de terreno da área envolvente estão classificadas na planta de ordenamento do PDM como: RAN, REN, espaços de aglomerado - tipo 4 - dois pisos, espaços de aglomerado - tipo 3 - dois pisos, espaços de expansão de aglomerado - tipo 1 - seis pisos, espaço verde urbano e, maioritariamente, como espaços de aglomerado - tipo 2 - quatro pisos.

E se se atentar ainda na foto a fl. 45 que nos evidencia a construção urbana com que confronta a nascente, mais difícil seria não acolher aqui a possibilidade de avaliar esta parcela por critérios próximos dos estabelecidos para os terrenos aptos para construção.

Segundo Alves Correia, no seu Código de Expropriações e Outra Legislação, p. 23, "a inovadora disposição do n.º 2 do artigo 26.º permite por esta via da expropriação de terrenos que estejam em situações idênticas àqueles que eram contemplados nessa norma (hoje n.º 12 do artigo 26.º) que se atenda no cálculo do valor dos respectivos solos a factores próximos para os terrenos aptos para a construção".

9 - Foi esse o critério adoptado pelos peritos maioritários e acolhido na sentença. E nestas circunstâncias entendemos que essa avaliação está correcta já que, por analogia, o cálculo do seu valor foi efectuado com os parâmetros de solo apto para construção nos termos do referido artigo 26.º, n.º 12, não sendo de seguir o laudo proposto pelo perito do expropriante que não atendeu à realidade fáctica da parcela, decidindo avaliá-la tão-só em função da sua produção agrícola e propondo para os 400 m2 desta parcela e com tal situação os singelos 4124.

Bastaria atentar no laudo da decisão arbitral onde estão identificadas as infra-estruturas (acesso rodoviário "faceia com a EN 206", rede de abastecimento de água, rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, rede de drenagem de águas pluviais e rede telefónica) a que acresce a menção da pormenorização do local, que é aí identificado como situando-se a cerca de 1 km do centro de Vila Nova de Famalicão e ainda em toda a classificação dos terrenos da área envolvente, para se poder concluir que, neste caso, o princípio constitucional da igualdade só seria cumprido se a parcela tivesse uma avaliação como a que foi adoptada pelos peritos maioritários, propondo uma indemnização no valor de Euro 32 550,72.

10 - Atente-se ainda que (cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/2004) em respeito pelo princípio da igualdade perante os encargos públicos, que o princípio da "justa indemnização" postula, não ocorre aqui qualquer violação dos dois níveis de comparação, no âmbito relação interna e no domínio da relação externa.

No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação.

Neste aspecto os critérios de cálculo do laudo maioritário são os legais e uniformes nestas situações.

No domínio da relação externa, comparando-se os expropriados com os não expropriados, a indemnização por expropriação fixada na forma em que o foi pelos peritos maioritários não leva a que se possa considerar existir qualquer tratamento desigual entre estes dois grupos, porquanto as parcelas de terreno envolventes não estão todas classificadas como RAN, mas bem pelo contrário, como resulta dos factos assentes.

Penalizar os expropriados nestas circunstâncias quando o seu prédio foi sujeito a classificação de RAN, depois desafectado dela nesta parcela por força do interesse público, nos termos das limitações resultantes do artigo 9.º do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, e continuar a considerá-lo como solo agrícola integrado na RAN para efeitos de atribuição de indemnização por expropriação, quando a respectiva parcela expropriada tem na sua envolvente solos classificados como os que constam no n.º 12 do artigo 26.º do CE (solos para infra-estruturas), seria, no caso, desrespeitar o princípio constitucional da igualdade que a justa indemnização postula.

Aqui não se trata de o proprietário, pela integração do terreno na RAN, não ter expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, mas sim ver destacada uma parcela do seu terreno dotada de várias infra-estruturas e que é destacada para uma infra-estrutura rodoviária que se situa em local que tem nas suas envolventes terrenos com potencialidade edificativa, como o demonstra a própria confrontação da parcela e os factos constantes do n.º 8 da matéria assente acima referida.

Portanto, neste caso, não se configura uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, impondo-se, sim, a aplicação da analogia com a norma do citado n.º 12 do artigo 26.º do CE/99.

O artigo 26.º, n.os 1 e 12, conjugado com o artigo 23.º, n.os 1 e 5, levam-nos a concluir que foi correcta a avaliação efectuada pelos peritos maioritários e que foi acolhida na sentença, merecendo esta, assim, o nosso acolhimento neste aspecto.

11 - No tocante às questões suscitadas relativamente à forma de cálculo do valor do solo em concreto, entendemos também estar correcta a avaliação efectuada pelos peritos maioritários quanto à aplicação do critério do custo de construção e respectivos valores adoptados e justificados à data de declaração de utilidade pública da parcela expropriada, bem como a utilização da percentagem de 24% sobre os valores de venda.

Há que realçar aqui que os peritos maioritários justificam que os valores das transacções que estavam a ser realizados na envolvente próxima têm sido na referida percentagem sobre os valores da venda e não sobre os valores da construção como indicia o n.º 4 do artigo 26.º do CE/99, tendo considerado não haver lugar à aplicação de qualquer factor correctivo, pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva.

Portanto esta argumentação técnica satisfaz a justificação do critério adoptado e para este caso dos autos (parcela de 400 m2, onde se equaciona a possibilidade de construção de um e dois pisos respectivamente abaixo e acima da cota soleira) não se coloca o alegado risco da actividade de construção nos termos invocados pelo expropriante, como seriam os custos de organização, marketing, impostos, promoção imobiliária, emolumentos, etc.

12 - Finalmente e relativamente às questões de servidões, tal como é referido na sentença, os peritos maioritários não referiram que tal pudesse influir na determinação da área onde era possível realizar a construção nos termos definidos.

Da mesma forma nestes autos não existe qualquer referência a classificações de espaço canal (conclusão 15.ª), como é referido agora nas alegações do recorrente.

Concluiu-se, pois, que não houve na sentença violação dos artigos 13.º e 62.º da CRP, bem como os artigos 1.º e 23.º a 25.º, 26.º e 27.º do CE/99, confirmando-se, por isso, a mesma."

Notificado do teor desse acórdão, o recorrente/expropriante requereu a sua reforma, por entender que nesse aresto não se acolheu o pressuposto de que o terreno expropriado se encontrava integrado na RAN (Reserva Agrícola Nacional).

Responderam os expropriados defendendo a improcedência do pedido de reforma, pugnando pela manutenção do Acórdão proferido em 13 de Janeiro de 2005.

Por Acórdão tirado em conferência em 24 de Fevereiro de 2005, o Tribunal da Relação do Porto indeferiu o referido pedido de esclarecimento e reforma, pelos seguintes fundamentos:

"Com respeito por opinião contrária, pensamos que o acórdão é claro no sentido de não permitir a conclusão de que se entendeu a parcela como desanexada (em sentido técnico), em termos de ter deixado de se considerar como tendo sido integrada num prédio classificado de RAN.

Do acórdão ressalta esse pressuposto e o trecho reproduzido no requerimento de reforma terá de ser analisado e integrado no desenvolvimento da lógica argumentativa quanto aos princípios gerais sobre a questão da RAN para depois se vir a efectuar a caracterização da situação particular da parcela dos autos.

Consta como assente que o prédio dos expropriados donde foi destacada a parcela expropriada está classificado na planta de ordenamento do Plano Director Municipal de Vila Nova de Famalicão, como "Reserva Agrícola Nacional". Mas o que aconteceu foi que este Tribunal, tal como resulta dos factos provados relevou a situação da parcela em face das parcelas de terreno situadas na área envolvente, cujo perímetro exterior se situa a 300 m (ou menos) do limite da parcela expropriada e que estão classificadas na planta de ordenamento do PDM como: RAN, REN, espaços de aglomerado - tipo 4 - dois pisos, espaços de aglomerado - tipo 3 - dois pisos, espaços de expansão de aglomerado - tipo 1 - seis pisos, espaço verde urbano e, maioritariamente, como, espaços de aglomerado - tipo 2 - quatro pisos.

Desse modo relevou-se o facto de ter ocorrido uma desafectação do terreno (sem ter o sentido técnico que o reclamante lhe pretende conferir, embora como reconhece também tenha utilizado no seu recurso a expressão de "desanexação") correspondente à parcela em causa, ao abrigo da faculdade prevista no artigo 9.º do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, conceito este que assim foi referido no laudo arbitral (fl. 16), sendo que a aquisição foi efectuada para construção da variante nascente de Famalicão.

Acontece que esse equipamento rodoviário ao qual se destinou a parcela assim utilizada da RAN se situa em local que tem nas suas envolventes terrenos com potencialidades construtivas. E daí que pela aplicação do princípio da analogia e do cumprimento do princípio constitucional da igualdade que a justa indemnização postula se tenha feito a aplicação, para efeitos de cálculo da mesma, do disposto no artigo 26.º, n.º 12, do CE.

Portanto, a jurisprudência invocada não é pertinente para o caso, tal como analisado.

Não se verificou, pois, falta de análise do pressuposto de classificação do terreno como RAN, mas, nas suas circunstâncias concretas, aceitou-se como correcta a forma de cálculo do seu valor nos termos do artigo 26.º, n.º 12, do CE, tal como de resto foi efectuada pelos Srs. Peritos Maioritários, princípios que aliás também haviam sido observados no laudo arbitral.

Foi essa a razão pela qual no final do acórdão, que deve ser entendido nesse contexto, que argumentámos que "Aqui não se trata de o proprietário, pela integração do terreno na RAN, não ter expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, mas sim ver destacada uma parcela do seu terreno dotada de várias infra-estruturas e que é destacada para uma infra-estrutura rodoviária que se situa em local que tem nas suas envolventes terrenos com potencialidade edificativa, como o demonstra a própria confrontação da parcela e os factos constantes do n.º 8 da matéria assente acima referida.

Portanto, neste caso, não se configura uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, impondo-se, sim, a aplicação de analogia com a norma do citado n.º 12 do artigo 26.º do CE/99."

2 - O recorrente veio então interpor o presente recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), dizendo no requerimento de recurso:

"1 - O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de Novembro) - cf., também, a alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa.

2 - No acórdão recorrido, reconhecendo-se como válida a jurisprudência deste Tribunal Constitucional no que respeita à avaliação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional e na Reserva Ecológica Nacional, afirmou-se (fl. 9 v.º, § 1.º):

"[A] integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária".

3 - Simplesmente, considerou-se que esse entendimento "não significa que forçosamente o valor do solo tenha de ser calculado inevitavelmente em função do que se dispõe para 'solo para outros fins', nos termos previstos no artigo 27.º do CE/99".

4 - Em função dessa perspectiva, depois de transcrever a norma do n.º 12 do artigo 26.º do CE, decidiu-se:

"Ora passando a parcela expropriada a ficar numa situação idêntica à das que ali se encontram previstas (por desafectação da RAN foi expropriada para infra-estrutura pública rodoviária), nada impede que se faça aplicação extensiva ou analógica desse artigo 26.º, n.º 12, por força do disposto no artigo 10.º do CC."

5 - Assim, na óptica do acórdão sob recurso, é idêntica a situação dos solos classificados como "zona verde, de lazer ou para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território" (ou pelo menos destes últimos, atento o sublinhado), daqueles solos que se encontram integrados na RAN ou REN.

6 - Em apoio da tese da "aplicação extensiva ou analógica" do n.º 12 do artigo 26.º do CE ao caso dos autos, invocou-se:

"Aqui não se trata de o proprietário, pela integração do terreno na RAN, não ter expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, mas sim ver destacada uma parcela do seu terreno dotada de várias infra-estruturas e que é destacada para uma infra-estrutura rodoviária que se situa em local que tem nas suas envolventes terrenos com capacidade edificativa, como o demonstra a própria confrontação da parcela e os factos constantes do n.º 8 da matéria acima referida."

7 - Mais se considerou que a aplicação da norma do n.º 12 do artigo 26.º ao caso dos autos não determinaria a violação do princípio da justa indemnização, nem no âmbito da relação interna nem no âmbito da relação externa, esta última porque:

"No domínio da relação externa, comparando-se os expropriados com os não expropriados, a indemnização por expropriação fixada na forma em que o foi pelos peritos maioritários não leva a que se possa considerar existir qualquer tratamento desigual entre estes dois grupos, porquanto as parcelas de terreno envolventes não estão todas classificadas como RAN, mas bem pelo contrário, como resulta dos factos assentes."

8 - Ao decidir dessa forma, o douto aresto (mesmo que venha a considerar-se que o fez de forma indirecta) interpretou as normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do CE, no sentido de incluir na classificação de "solo apto para a construção" e, consequentemente, de como tal indemnizar, solo integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de comunicação.

9 - A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de tais normas, nessa interpretação, quer no requerimento do recurso da decisão arbitral quer nas alegações de apelação, onde deixou escrito:

"O Tribunal Constitucional, por Acórdão proferido em 20 de Abril de 2004, teve ocasião de pronunciar-se (crê-se que pela primeira vez à luz do actual Código das Expropriações) sobre a questão da classificação de solos integrados em Reserva Agrícola Nacional - Acórdão 275/2004, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Junho de 2004, cuja cópia se junta (documento n.º 1).

Nele se decidiu 'julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, as normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999), quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de solo apto para a construção, e consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação'.

Na verdade, ao contrário do que na douta sentença foi entendido, para que determinado solo seja classificado como apto para construção não basta a verificação de alguma das circunstâncias enumeradas nas quatro alíneas que integram o n.º 2 do artigo 25.º do CE.

Isto mesmo se decidiu no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Julho de 2003, proferido no processo 1424/03-3, em que era parte o aqui apelado, e de que foi relator o ilustre juiz desembargador Manuel Ramalho.

A questão a decidir pode reconduzir-se à seguinte pergunta: como devem classificar-se os solos cujo destino efectivo ou possível - numa utilização económica normal e tendo em conta as suas circunstâncias e condições de facto - não pode ser a construção, de acordo com as leis e regulamentos em vigor?

O legislador, ao distinguir o solo apto para construção do solo para outros fins, não adoptou 'um critério abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído ou integrado em prédios rústicos, é passível de edificação -, mas antes um critério concreto de potencial idade edificativa' - cf. Alves Correia, in Introdução ao Código das Expropriações e outra Legislação Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Aequitas, Editorial Notícias, 1992.

A interpretação integrada das regras de classificação e avaliação dos solos impostas pelo Código das Expropriações obriga a que sejam classificados e avaliados como solos para outros fins aqueles cujo destino efectivo ou possível - numa utilização económica normal e tendo em conta as suas circunstâncias e condições de facto - não possa ser a construção, de acordo com as leis e regulamentos em vigor.

E assim será mesmo que, relativamente a tais solos, se verifique alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 25.º do CE.

Na verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CE/99, a justa indemnização visa 'ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data' - itálico nosso.

Assim, as regras de classificação dos solos vertidas no artigo 25.º o CE/99 têm de ser conjugadas com o princípio geral do n.º 1 do artigo 23.º citado.

A aplicação, que diríamos 'cega', das regras constantes do artigo 25.º do CE/99, nos casos em que a construção não é possível face às leis e regulamentos em vigor (ou nos casos em que, sendo a construção possível, não constitua o aproveitamento económico normal), conduziria à violação desse princípio geral, determinando que a indemnização não correspondesse ao valor real e corrente do bem, 'de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal'.

Aliás, mesmo o n.º 1 do artigo 26.º do CE/99, impõe que:

'O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor [itálico nosso].'

A própria redacção da aínea a) do n.º 2 do artigo 25.º reforça a interpretação que se vem sustentando, ao exigir que o acesso rodoviário e demais infra-estruturas nela referidas tenham 'as características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir'.

Não basta, assim, para a classificação de um determinado solo como apto para construção a simples verificação de alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 25.º do CE.

Necessário se torna que, na prática, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, seja possível a construção nesse solo e que esta constitua o seu aproveitamento económico normal.

É o que resulta da regra geral imposta pelo n.º 1 do artigo 23.º do CE/99, conjugada e confirmada pela redacção dada ao n.º 1 do artigo 26.º desse código."

10 - Nas conclusões da apelação, aliás, a recorrente incluiu as seguintes conclusões:

"5.ª A eliminação da norma constante do n.º 5 do artigo 24.º do CE/91, com a entrada em vigor do novo Código, não implicou nenhuma alteração no entendimento segundo o qual os solos integrados em RAN devem ser avaliados como solos para outros fins, que continua válido à luz da regra geral imposta pelo n.º 1 do artigo 23.º do CE/99, conjugada e confirmada pela redacção dada ao n.º 1 do artigo 21.º desse Código.

6.ª Sempre seriam inconstitucionais, por violação do princípio da justa indemnização por expropriação, as normas do n.º 1 do artigo 23.º e do n.º 1 do artigo 26.º do CE/99, quando interpretadas por forma a incluir na classificação de 'solo apto para a construção', solos em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração em RAN) não é permitida a construção ou esta não constitua o seu aproveitamento económico normal, quando expropriadas para a construção de vias de comunicação."

11 - Tal interpretação viola frontalmente o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no artigo 62.º, n.º 2, da CRP, bem como o princípio da igualdade plasmado no seu artigo 13.º

12 - Por outro lado, a classificação e avaliação da parcela como "solo apto para a construção" foi efectuada no douto acórdão por "aplicação extensiva ou analógica" do n.º 12 do artigo 26.º do CE - pela primeira vez, já que na douta sentença se havia considerado ser essa norma directamente aplicável.

13 - Em todo o caso, a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da aplicação da norma do n.º 12 do artigo 26.º do CE ao caso dos autos (em que a parcela expropriada se encontra integrada na RAN) nas alegações de apelação, onde deixou escrito:

"Defende-se na douta sentença em crise, secundando a opinião maioritária dos peritos, que tem aplicação ao caso dos autos a regra avaliatória contida no n.º 12 do artigo 26.º do CE/99, que dispõe:

'Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.'

Salvo o devido respeito, não pode ser assim, pelas razões que a seguir se sintetizam. Desde logo, porque a norma em causa pressupõe que o terreno não esteja sujeito a outras condicionantes, para lá da classificação do PDM como 'espaço-canal', o que não sucede no caso em apreço, como vimos.

Aliás, refira-se que nem sequer resulta dos autos que o terreno da parcela estivesse, no PDM, em 'espaço-canal'.

O âmbito de aplicação da regra avaliatória constante do n.º 12 do artigo 26.º do CE/99 restringe-se aos casos em que os terrenos tinham, abstractamente, aptidão construtiva, e deixaram de tê-la em consequência da prossecução do interesse público - o interesse subjacente à sua classificação como zona verde, de lazer ou 'espaço-canal' para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos.

Independentemente da classificação como 'espaço-canal', a parcela já não possuía capacidade construtiva, em virtude da sua integração em RAN e das outras restrições a que se aludiu.

Dito de outra forma, a parcela nunca perderia a sua aptidão construtiva em consequência da sua classificação por plano municipal como 'espaço-canal' - integrando-se em RAN e sujeita a outras servidões, a sua classificação como 'espaço-canal' não implicaria quaisquer restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo (preexistentes e juridicamente consolidadas) que determinassem uma limitação significativa na sua utilização.

A aplicação do n.º 12 do artigo 26.º do CE/99 a terrenos sem aptidão construtiva, além de absurda, redundaria numa clara violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

Na verdade, colocados na mesma situação dois proprietários de terrenos integrados em RAN, aquele que fosse expropriado seria claramente beneficiado relativamente ao não expropriado.

De facto, o primeiro veria o seu terreno ser avaliado 'em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada'; enquanto que o segundo, não expropriado, continuaria a ser dono de um terreno cujo valor, em condições normais de mercado, nunca poderia reflectir qualquer aptidão edificativa.

Não foi isto, naturalmente, que o legislador pretendeu quando estabeleceu a regra constante do n.º 12 do artigo 26.º do CE/99.

Embora a norma não o diga expressamente (seria preciso dizê-lo?) o seu âmbito de aplicação está limitado àquelas situações em que os terrenos possuíam potencialidade edificativa antes da sua classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos."

14 - Ao considerar aplicável ao caso dos autos a regra avaliatória constante do n.º 12 do artigo 26.º do CE, o douto aresto em crise violou, igualmente, o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no artigo 62.º, n.º 2, da CRP, bem como o princípio da igualdade plasmado no seu artigo 13.º

15 - Pretende-se, assim, que o Tribunal Constitucional aprecie:

a) A inconstitucionalidade das normas contidas nos n.os 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do actual Código das Expropriações, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de "solo apto para a construção" e, consequentemente, de como tal indemnizar, solo integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de comunicação;

b) A inconstitucionalidade da norma contida no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de permitir que solos integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada"."

Admitidos os autos no Tribunal Constitucional foram as partes notificadas para alegar, tendo a recorrente concluído pela seguinte forma as suas:

"1.ª Constitui consolidada jurisprudência deste Tribunal Constitucional que os terrenos integrados na RAN não têm aptidão construtiva, de acordo com o respectivo ordenamento jurídico (Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis 274/92, de 12 de Dezembro e 278/95, de 25 de Outubro).

2.ª Trata-se de uma restrição que se mostra necessária e funcionalmente adequada para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, restrição constitucionalmente legítima e que não viola nem o princípio da justa indemnização, dada a sua "vinculação situacional", nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e interessados que estão, concreta e ou abstractamente, dentro da mesma situação jurídica.

3.ª A integração de um terreno na RAN determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária.

4.ª Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão), encontra justificação constitucional no artigo 93.º da Constituição.

5.ª Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe nem nasce com a expropriação.

6.ª O âmbito de aplicação da regra avaliatória constante do n.º 12 do artigo 26.º do CE/99 restringe-se aos casos em que os terrenos tinham, abstractamente, aptidão construtiva, antes da sua classificação como zona verde, de lazer ou "espaço-canal" para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos e deixaram de tê-la em consequência da prossecução do interesse público - o interesse subjacente àquelas classificações.

7.ª O critério de cálculo do valor de indemnização constante dessa norma assenta na consideração dos terrenos referidos neste preceito como terrenos aptos para construção enquanto directa, incindível e inelutavelmente ligados à obrigação de realização das infra-estruturas que o planeamento urbanístico impõe e cuja satisfação visa directamente cumprir.

8.ª Os terrenos integrados na RAN nunca perdem a sua aptidão construtiva em consequência da sua classificação por plano municipal como "espaço-canal", pela simples razão de que a não possuíam antes - essa sua classificação não implica quaisquer restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo (preexistentes e juridicamente consolidadas) que determinem uma limitação significativa na sua utilização.

9.ª A inclusão no critério de cálculo do valor do solo previsto no n.º 12 do artigo 26.º do CE/99 de parcelas de terreno integradas na RAN, expropriadas para a implantação de vias de comunicação, conduz a colocar os expropriados de tais parcelas numa situação de desigualdade perante os demais proprietários de parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriados, conduzindo a um "ocasional locupletamento injustificado" dos primeiros em relação aos segundos.

10.ª Enquanto que os expropriados seriam indemnizados com base em tal critério específico de cálculo do valor de solo apto para construção, necessariamente superior ao valor de mercado, os proprietários não expropriados que pretendessem alienar os seus terrenos nunca alcançariam, no mercado, um tal valor por virtude da limitação edificativa legalmente estabelecida para os solos integrados na RAN e da falta de previsão, em relação a eles, do critério de equivalência estabelecido no artigo 26.º, n.º 12, do CE.

11.ª A inclusão do terreno na RAN sujeita o terreno a um único estatuto jurídico sob o ponto de vista da sua ineptidão construtiva, em função do qual o legislador conformou o critério que concretiza o valor da justa indemnização exigida constitucionalmente como contrapartida da expropriação.

12.ª Assim, a aplicação (mesmo que extensiva ou analógica) do n.º 12 do artigo 26.º do CE/99 a terrenos integrados na RAN, só porque se verificam as circunstâncias que, para terrenos situados fora da RAN, o artigo 25.º, n.º 2, do CE/99 releva como elementos qualificantes de terrenos para construção, redundaria numa clara violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

13.ª Dar-se tratamento jurídico-económico diferente sob o ponto de vista do critério de aferição do valor da indemnização devida em caso de expropriação a terrenos que, embora estejam todos incluídos na RAN (e que, por via disso, não podem ser destinados (ou aptos para) a construção - equivaleria a introduzir um elemento simplesmente formal ou materialmente irrelevante (do ponto de vista da aptidão para a construção) para fundar uma destrinça no aspecto indemnizatório.

14.ª Desde que os terrenos estejam incluídos na RAN, a sua aptidão efectiva ou conjectural para a construção é exactamente a mesma, concorram ou não concorram outras circunstâncias que a lei releve para considerar como terrenos para construção terrenos que estão situados fora da RAN e como tal sujeitos a outro estatuto jurídico.

15.ª Ao admitir-se que os terrenos incluídos na RAN possam ser indemnizados como se fossem terrenos aptos para construção, dentro do regime próprio estabelecido no n.º 12 do artigo 26.º do CE de 1999, só pelo simples facto de serem expropriados, está a violar-se frontalmente o princípio da igualdade, na sua vertente externa.

16.ª Em caso de transmissão onerosa, num mercado em que não entrem factores anómalos e especulativos, jamais será possível ao proprietário não expropriado aspirar a uma valoração correspondente à conseguida através da sua expropriação e inclusão dentro do critério de cálculo do valor de indemnização constante do n.º 12 do artigo 26.º do CE de 1999.

17.ª São inconstitucionais as normas contidas nos n.os 1 do artigo 23.º e 1 do artigo 26.º do CE, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de "solo apto para a construção" e, consequentemente, de como tal indemnizar, solo integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de comunicação.

18.ª É inconstitucional a norma contida no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de permitir que solos integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada".

Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso, devendo o acórdão recorrido ser reformado em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade:

a) Das normas contidas nos n.os 1 do artigo 23.º e n.º 1 do artigo 26.º do actual Código das Expropriações, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de "solo apto para a construção" e, consequentemente, de como tal indemnizar solo integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de comunicação;

b) Da norma contida no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de permitir que solos integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada"."

Por sua vez, concluem os recorridos:

"1 - O n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações consagra o princípio da igualdade de tratamento da mesma realidade.

2 - E visou apenas evitar que por actos de gestão territorial pudessem ser adulteradas as realidades físicas, económicas e de real desenvolvimento e profunda expectativa.

3 - Consagrou os princípios da igualdade e da justa indemnização, pelo que

4 - Terá de se concluir pela sua conformidade constitucional, porquanto

5 - Descendo ao caso concreto que temos em mãos, temos de comparar aquilo que pode ser comparável, nomeadamente

6 - A parcela expropriada dotada de várias infra-estruturas no núcleo urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão e que foi destacada para a construção de uma infra-estrutura rodoviária situa-se em local que tem na sua envolvente terrenos, na sua maioria, com potencialidades edificativas, como o comprovam a própria confrontação da parcela e os factos assentes nos autos, com especial relevo para o facto n.º 8 da matéria dada por provada.

7 - A única solução admissível, para comparar expropriados e não expropriados, é restringir tal comparação àquilo que, pela sua natureza, é compatível, não podendo misturar situações distintas entre as regras que ditam os valores da expropriação e as regras porque se regem os agentes económicos num mercado aberto, que se resume à "lei da oferta e da procura" que poderá conduzir a preços não equivalentes de terrenos com a mesma aptidão e características.

8 - A proximidade até 300 m de terrenos com capacidade edificativa pode gerar, como gera, fundadas expectativas de valorização fundiária, a curto, médio ou longo prazos.

9 - Por último, a suposta afirmação do direito de terceiros não parte na relação expropriada (os proprietários de parcelas não expropriadas) não pode servir para a entidade expropriante lograr obter a diminuição do valor ao expropriado, não obstante o sacrifício que lhe impõe.

Nestes termos e nos melhores de direito deve a decisão recorrida ser mantida e lavrado acórdão que julgue improcedente por não provado o presente recurso, como é de direito e justiça!"

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos

3 - Resulta dos autos que o tribunal a quo assentou a sua decisão no artigo 26.º, n.os 1 e 12, do Código das Expropriações (aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro), conjugado com o artigo 23.º, n.os 1 e 5, do mesmo Código: indemnizou, avaliando "com os parâmetros de solo apto para construção nos termos do referido artigo 26.º, n.º 12" (com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada), terreno integrado na RAN. Diz-se, com efeito, no acórdão recorrido, que o "artigo 26.º, n.os 1 e 12, conjugado com o artigo 23.º, n.os 1 e 5, levam-nos a concluir que foi correcta a avaliação efectuada pelos peritos maioritários e que foi acolhida na sentença, merecendo esta, assim, o nosso acolhimento neste aspecto". Para chegar a tal conclusão, o tribunal a quo aplicou analogicamente a norma do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, que tem o seguinte teor:

"Artigo 26.º

Cálculo do valor do solo apto para a construção

...

12 - Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada."

Por sua vez, no requerimento de recurso, o recorrente indica como objecto do presente recurso a apreciação da inconstitucionalidade de duas dimensões normativas: "das normas contidas nos n.os 1 do artigo 23.º e n.º 1 do artigo 26.º do actual Código das Expropriações, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de "solo apto para a construção" e, consequentemente, de como tal indemnizar solo integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de comunicação"; e "da norma contida no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de permitir que solos integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada"" (itálicos aditados).

Pelo Acórdão 275/2004 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), este Tribunal julgou inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição, as normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de "solo apto para a construção" e, consequentemente, de como tal indemnizar o solo, integrado na RAN, expropriado para implantação de vias de comunicação. Todavia, não pode, no presente recurso, conhecer-se da constitucionalidade da dimensão normativa correspondente. Com efeito, a primeira dimensão normativa identificada no requerimento de recurso não foi aplicada pelo tribunal a quo, já que neste se não classificou o solo a expropriar como "solo apto para a construção", antes aplicou analogicamente o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações ao prédio em causa e avaliou-o de acordo com os critérios nele previstos.

Só se tomará, pois, conhecimento do recurso quanto à interpretação do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, no sentido de permitir que solos integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada".

4 - No Acórdão 114/2005 (também disponível em www.tribunalconstitucional.pt), este Tribunal apreciou a conformidade aos princípios da igualdade e da justa indemnização, este último consagrado no artigo 62.º da Constituição, da norma do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como "solo apto para construção" terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código, e concluiu pela não inconstitucionalidade. Pode ler-se na respectiva fundamentação:

"9 - Importa, então, saber se a norma segundo a qual "é de determinar segundo a regra do artigo 26.º, n.º 12, do CE 1999 o solo incluído na RAN quando saiam satisfeitos em relação a ele os critérios enquadráveis na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º de proximidade da malha urbana (distância de cerca de 150 m), de envolvência (inserção numa área envolvente onde se situam vivendas familiares) e de acesso por via públicas, expropriado para fins de implantação de vias de comunicação" ofende o princípio constitucional da justa indemnização por desrespeito de alguma norma ou princípio constitucional, nomeadamente o da igualdade, considerada a sua vertente externa.

O n.º 12 do artigo 26.º do CE 1999 estabelece o critério específico de cálculo do valor do solo para os casos em que "seja necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor", determinando que em tais casos "o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada".

Será tal norma efectivamente violadora dos princípios da igualdade e da justa indemnização?

A ofensa ao princípio da igualdade invocada parece, porém, fundar-se num juízo sobre uma hipotética não indemnização nos mesmos termos de proprietários em idênticas condições a expropriar futuramente. No entanto, o próprio princípio da igualdade somente impõe a comparação de realidades existentes, extrapolando da sua racionalidade uma violação com fundamento na circunstância de outros proprietários na mesma situação poderem não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos termos.

Coisa diferente seria a invocação do princípio da igualdade por quem, nas mesmas circunstâncias, não viesse efectivamente a beneficiar de uma indemnização idêntica - v. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 194/97, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 27 de Janeiro de 1999, em que se diz:

"Ora, num Estado de direito, tem de haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta pela expropriação tem de compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (cf. o citado Acórdão 52/90 e o Acórdão 381/89, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula.

O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe que se dê tratamento jurídico desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns expropriados se imponha uma 'onerosidade forçada e acrescida' sem que exista justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado Acórdão 131/88); recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo, que, 'em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e que nas situações particulares dos n.os 1 e 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e corrente' (cf. o Acórdão 109/88, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 1 de Setembro de 1988)."

Mas não é esse o caso de que agora se trata. A invocação pela administração da violação da igualdade fundamenta-se apenas em que não será possível realizar no solo expropriado uma construção semelhante às existentes e possíveis de edificar na zona envolvente e assim na previsão de que outros expropriados não serão tratados equitativamente, eventualmente pela interpretação subjacente à solução aplicada ser incorrecta. Contra esta consideração, milita desde logo a circunstância de o terreno objecto de expropriação no caso concreto satisfazer as condições do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações de 1999.

Mas, a consideração de que, de acordo com o critério normativo sob análise, não será exigível a possibilidade de realizar no solo expropriado construção semelhante às existentes pressupõe que a Constituição concebe a justa indemnização confinada a limites mínimos e que não admite que o legislador possa utilizar critérios de valoração do solo diversos, mas com semelhante expressão no valor da indemnização.

Por outro lado, o raciocínio hipotético segundo o qual esta solução viola a igualdade porque outros expropriandos não beneficiarão dela não pode ser pertinente, não podendo a igualdade aferir-se pelo confronto com situações hipotéticas. Aliás, a ponderação realizada no caso para alcançar o valor da indemnização, dada a respectiva especificidade, impede uma comparação automática com hipotéticas situações de proprietários, eventualmente expropriáveis, de parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriadas, quer considerando a indemnização por uma eventual futura expropriação quer o valor de mercado que os proprietários obterão se porventura decidirem vender os prédios.

Finalmente, a Constituição, em particular o artigo 62.º, não configura deste modo restritivo o dever de indemnizar, em que está em causa acautelar a compensação do expropriado pela ablação do seu direito em nome do interesse público. Só perante uma manifesta desproporção entre o valor fixado e o valor do bem, o que não está em questão nos presentes autos ou que pelo menos o Tribunal Constitucional não pode avaliar, por neste caso concreto só poder surgir com uma dimensão de aplicação de critérios, é que se poderá colocar um problema de eventual ultrapassagem da justa indemnização por excesso."

Já o Acórdão 145/2005 (disponível também em www.tribunalconstitucional.pt) julgou inconstitucional a norma do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, interpretada no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código. Disse-se nesse aresto, quanto à questão de saber "se a interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido, para além de não satisfazer o apontado objectivo de evitar a manipulação das regras urbanísticas, conduz à atribuição de uma indemnização excessiva ao expropriado, desproporcionada em relação ao real sacrifício representado pela expropriação e conducente a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados na área classificada como "espaço canal" que não tenham sido contemplados com a expropriação", que "a resposta a esta questão fundamental deve ser afirmativa", fundamentando-se:

"Salientou-se, a este propósito, no Acórdão 275/2004, de 20 de Abril (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 134, de 8 de Junho de 2004, a pp. 8866 e segs.), em que também não estava em causa uma actuação pré-ordenada da administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas:

"9 - A situação que ora se nos oferece representa como que o espelho da situação anterior, sem que igualmente se questione 'qualquer actuação pré-ordenada da administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas' a que atrás se fez referência. Isto é, quando anteriormente se considerava inconstitucional a norma contida no n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações (1991), interpretada com o sentido de excluir da classificação de 'solo apto para a construção' o solo, integrado na RAN, expropriado, nomeadamente, para implantação de vias de comunicação, entende-se, agora, interpretar as normas do n.º 1 do artigo 23.º e do n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999) por forma a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' e, consequentemente, a indemnizar como tal o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado, precisamente, para implantação de vias de comunicação.

[...]

A questão de constitucionalidade que vem submetida à consideração deste Tribunal pode, assim, formular-se do seguinte modo: é inconstitucional a interpretação das normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' e, consequentemente, a indemnizar como tal o solo, integrado na RAN, expropriado para implantação de vias de comunicação?

[...]

Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa, afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os encargos públicos, que o princípio da 'justa indemnização' postula. Ora, neste contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a saber: no âmbito da relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.

Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos integrados na RAN são expropriados exclusivamente para construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo, considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu 'justo valor' - para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado -, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação.

[...]

Pelo exposto, há que considerar que a interpretação das normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999), que conduz a incluir na classificação de 'solo apto para a construção' e, consequentemente, a indemnizar como tal o solo, integrado na RAN, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição."

No presente recurso, não estando embora em causa um solo integrado na Reserva Agrícola Nacional, ocorreu, tal como no recurso de que emergiu o acórdão acabado de transcrever, a expropriação de um solo onde, por força de uma classificação constante de um plano municipal de ordenamento do território, não era possível construir. E, tal como sucedeu nesse recurso, também no caso presente não resultou minimamente demonstrada a manipulação das regras urbanísticas. Com efeito, em ambos os processos o tribunal recorrido prescindiu da averiguação da aptidão objectiva para a edificabilidade do solo a que a parcela expropriada diz respeito. Mais precisamente, no caso destes autos, o tribunal recorrido decidiu que, para efeitos da aplicação do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código.

Assim sendo, são para aqui plenamente transponíveis, sem necessidade de mais desenvolvimentos acerca da eventual violação de outros preceitos constitucionais, as considerações tecidas nesse acórdão a propósito da violação do princípio da igualdade, no domínio da relação externa, para elas se remetendo.

Na verdade, considerar-se como terreno apto para construção (como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas) um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração em área afectada à "implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos", sem averiguação da aptidão objectiva para a edificabilidade do terreno expropriado - isto é, sem que na averiguação da aptidão edificativa do terreno expropriado se tenham em conta os elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações -, conduz a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados em tais zonas que não tenham sido sujeitos a expropriação.

Procedem, assim, as conclusões das alegações de recurso que, assentes no pressuposto da adopção de um critério de valorização da parcela expropriada pelo tribunal recorrido, censuram a violação do princípio constitucional da igualdade por parte da interpretação normativa ora em apreciação (nomeadamente, as conclusões I, VI, VII, XI, XII, XIV e XV, supra, n.º 7)."

Entende-se, porém, como se diz na declaração de voto aposta (pelo conselheiro Rui Manuel Moura Ramos) a este Acórdão 145/2005 (e na sequência, aliás, já do entendimento expresso, para um caso próximo, no citado Acórdão 114/2005), que a norma referida substancialmente paralela à que ora está em causa, em que a aptidão edificativa da parcela expropriada também não foi fundamentada com os elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações, antes se procedendo a aplicação extensiva ou analógica do n.º 12 do artigo 26.º desse Código para cálculo do valor deste solo da parcela expropriada - não viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, nem a garantia de justa indemnização, prevista no artigo 62.º, n.º 2, do mesmo diploma básico. Antes, "tratando-se de determinar a conformidade constitucional de uma disposição do CE com as características da norma sub judicio, a comparação entre o expropriado e os não expropriados - a análise da indemnização na perspectiva da chamada relação externa da expropriação - não deve realizar-se na base de conjecturas quanto ao valor de mercado (o mercado é uma realidade social e não normativa) dos terrenos dos restantes proprietários não expropriados, ficcionando uma hipotética venda dos terrenos destes".

Importa, com efeito, atender aos fundamentos adiantados, na declaração de voto referida, para fundamentar a posição no sentido da inexistência de inconstitucionalidade:

"1.2 - Preliminarmente, porém, há que ter presente a circunstância de, recentemente, no Acórdão 114/2005, da 2.ª Secção, este Tribunal ter apreciado a constitucionalidade da norma aqui em causa - face aos princípios da igualdade e da justa indemnização -, concluindo, então, pela conformidade constitucional da referida norma.

Não obstante entender que este anterior pronunciamento do Tribunal (no sentido da não inconstitucionalidade) deveria ter sido o adoptado igualmente na presente situação, cumpre sublinhar a existência de uma importante dissemelhança entre ambos os casos, em termos tais que a questão de constitucionalidade configurada não pode ser considerada a mesma nas duas situações.

Com efeito, estando em causa aplicações da mesma norma, assentou cada uma delas em interpretações distintas. É que, no presente caso, o artigo 26.º, n.º 12, do CE, enquanto norma objecto do recurso, é apreciado quando interpretado no sentido de prescindir da determinação concomitante da aptidão edificativa da parcela expropriada, através dos critérios do artigo 25.º, n.º 2, do CE. Diversamente, na situação apreciada pelo Acórdão 114/2005, a aptidão edificativa (sempre determinada nos termos desse artigo 25.º, n.º 2) era encarada como pressuposto do cálculo do valor do terreno com base no critério estabelecido no n.º 12 do artigo 26.º do CE.

Estando, embora, em causa interpretações diversas da mesma norma ou, por outras palavras, aplicações dessa norma baseadas em interpretações distintas, não creio, porém, salvo melhor entendimento, que o resultado em termos de conformidade constitucional deva ser, na presente situação, não obstante as especificidades interpretativas dos dois casos, contrário ao alcançado no citado Acórdão 114/2005.

2 - A primeira divergência refere-se, como anteriormente disse, ao sentido que o Tribunal atribui ao princípio da igualdade relativamente à relação externa da expropriação. Ou seja, saber se a aplicação do critério de cálculo constante do n.º 12 do artigo 26.º do CE, "conduz à atribuição de uma indemnização excessiva ao expropriado, desproporcionada em relação ao real sacrifício representado pela expropriação e conducente a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados na área classificada [...] que não tenham sido contemplados com a expropriação" (n.º 11 do acórdão).

Para responder afirmativamente a esta questão (existe desigualdade relativamente aos não expropriados) o Tribunal acaba por ponderar - implicitamente, pelo menos o valor que obteriam estes (os "que não tenham sido contemplados com a expropriação") se procedessem à venda das respectivas parcelas, concluindo que esse valor, não se verificando os elementos do artigo 25.º, n.º 2, do CE, nunca seria o de um "solo apto para a construção" (o "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada", como diz o n.º 12 do artigo 26.º do CE). Esta conclusão, porém, não se nos afigura evidente, por assentar na comparação entre realidades intrinsecamente distintas: as regras, normativas, de cálculo da indemnização no caso de expropriação e as regras de comportamento dos agentes actuando no mercado.

Este - o mercado - "é a interacção do conjunto dos vendedores e compradores, actuais ou potenciais, que se interessam pela transacção de determinado produto" (Fernando Araújo, Introdução à Economia, vol. I, 2.ª ed., Coimbra, 2004, p. 232) e funciona com base numa lógica insusceptível de assimilação a uma realidade que se expressa através de conteúdos normativos. Significa isto que não sendo irrelevantes, na formação dos preços de um terreno no mercado concorrencial, constrangimentos administrativos à construção, estes não excluem que, em função de múltiplos factores (desde logo das possíveis expectativas de ulterior alteração desses constrangimentos, decorrentes, por exemplo, da evolução previsível do statu quo traduzido numa proximidade de 300 m de terrenos aptos para construção), no mercado, a interacção entre a oferta e a procura produza preços equivalentes aos valores que, sem a verificação dos elementos elencados no n.º 2 do artigo 25.º do CE, seriam alcançados com base no n.º 12 do artigo 26.º do CE.

É certo que este Tribunal, em sede de controlo da relação externa da expropriação, afasta habitualmente possíveis objecções deste tipo, falando em "valor de mercado do bem [expropriado] normativamente entendido", o que expressaria "a quantia que teria sido paga pelo bem [...] se este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda descontados os factores especulativos" (Fernando Alves Correia, caracterizando a jurisprudência do Tribunal Constitucional, no estudo: "Propriedade de bens culturais - Restrições de utilidade pública, expropriações e servidões administrativas", in Direito do Património Cultural, Lisboa, 1996, p. 407). Porém, descontados esses factores, ou quaisquer outros actuantes no mercado, e pressupondo (o que não é certo) que esse desconto seja possível, o que fica já não é o valor de mercado e, consequentemente, a comparação entre quem é expropriado que queira ou não o é - e quem hipoteticamente vendesse, já não tem qualquer sentido, pois já não expressa a realidade, mas uma mera ficção desta.

A solução não é, obviamente, prescindir de toda a comparação entre expropriados e não expropriados, mas restringir tal comparação ao que, pela sua natureza, é susceptível de uma comparação efectiva. Foi o que sucedeu no Acórdão 422/2004 (poderíamos citar igualmente os Acórdãos n.os 314/95 e 86/2003), no qual o Tribunal procedeu ao controlo da relação externa da expropriação, comparando expropriados com não expropriados no que diz respeito à sujeição daqueles e destes a encargos públicos. É que a contribuição autárquica ou o imposto municipal sobre imóveis (em causa no Acórdão 422/2004) pagavam-no, efectivamente, tanto o proprietário expropriado como aquele que o não era, podendo-se quantificar - e por isso comparar - os encargos reais de um e de outro. Aqui, diversamente, o que se compara é o que existe (a expropriação daquele concreto bem num determinado momento) com o que só hipoteticamente existiria e, mesmo assim, produziria efeitos - e são estes efeitos que o Tribunal pretende comparar - com base em modelos que, por não expressarem realidades normativas, actuam de forma e com resultados substancialmente distintos.

Daí que, citando as palavras do mencionado Acórdão 114/2005, da 2.ª Secção, entendamos, também na situação sub judicio, que "o [...] princípio da igualdade somente impõe a comparação de realidades existentes, extrapolando da sua racionalidade uma violação com fundamento na circunstância de outros proprietários poderem não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos termos".

3 - A isto acresce - e abordamos agora a outra divergência relativamente à posição da maioria - que a caracterização da norma em termos de pretender obstar às chamadas "classificações dolosas" (classificação de certa área como zona verde, expropriando-a como terreno não apto para construção, destinando-a posteriormente a fim diverso que conduziria, não fora a classificação, a uma mais elevada indemnização; v. Fernando Alves Correia, Código das Expropriações, Lisboa, 1992, p. 23; cf. José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, Lisboa, 1996, p. 195), tal caracterização, dizíamos, não esgota o sentido possível da norma e não justifica, por isso, a "redução teleológica" que o Tribunal efectua, assente na interpretação de Fernando Alves Correia;

("A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código de Expropriações de 1999", in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 133.º, pp. 53-54) e que se expressa na seguinte passagem do Acórdão:

"Tendo o tribunal recorrido prescindido da averiguação da aptidão ou vocação objectiva para a edificabilidade do solo a que respeitava a parcela expropriada - ou, dizendo de outro modo, tendo o tribunal recorrido decidido que a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do CE -, conclui-se que a norma do n.º 12 do artigo 26.º do mesmo Código foi aplicada num sentido que, seguindo o raciocínio de Fernando Alves Correia, não satisfez, em boa verdade, o objectivo de 'evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais'."

Suscita-nos esta interpretação algumas dúvidas. Nada exclui que uma norma com as características da do n.º 12 do artigo 26.º do CE possa fundar-se igualmente numa ratio distinta, a saber: a proximidade até 300 m de áreas de construção, ou onde seja possível construir, pode implicar expectativas de valorização fundiária, a curto, médio ou longo prazos (mesmo sem as características indicadas no n.º 2 do artigo 25.º do CE) - expectativas estas que são definitivamente cortadas ao expropriado com a ablação do direito de propriedade, contrariamente ao não expropriado que mantém intactas essas expectativas - que, traduzindo um elemento não irrelevante na relação do proprietário com o bem, devem ser tidas em conta, na avaliação do sacrifício imposto ao expropriado, no momento da cessação coactiva dessas expectativas. Atente-se em que na formação dos preços, as expectativas relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos agentes e constituem um elemento imprescindível na análise dos mercados (v. Joseph Stiglitz, John Driffill, Economics, Nova Iorque, 2000, p. 104), o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto fundiário, através da projecção de futuras transferências de solo rural para solo urbano (v. Robert Ekelund, Robert Tollison, Economics, 4.ª ed., Nova Iorque, pp. 370-373).

Nada nos permite excluir este sentido como um dos possíveis relativamente à norma apreciada. Bem vistas as coisas ao atender-se na procura de um valor justo para a compensação do sacrifício decorrente da expropriação à extinção de expectativas (que, note-se, persistem incólumes relativamente ao não expropriado), estar-se-á ainda a realizar a justiça entre expropriados e não expropriados.

4 - Como nota final, e sem prejuízo de uma indagação mais aprofundada agora quanto ao sentido do princípio da justa indemnização, plasmado no artigo 62.º, n.º 2, da CRP (norma que se refere ao direito de propriedade privada), temos também sérias reservas quanto à possibilidade de ao abrigo deste preceito constitucional serem inviabilizadas normas que garantam uma indemnização que, não sendo inferior ao valor do bem, possa ser considerada (ao abrigo de algum critério) como mais ampla que um valor "aceitável" desse bem.

Perturba-nos, enfim, e não temos por seguro que o artigo 62.º, n.º 2, da CRP o autorize, que a suposta afirmação dos direitos de terceiros não parte na relação expropriativa (os outros proprietários não expropriados) possa servir ao expropriante para lograr a diminuição do valor a satisfazer ao expropriado pelo sacrifício que lhe impõe.

A prossecução da igualdade entre expropriados e não expropriados deve assim, salvo melhor entendimento, assentar em bases distintas daquelas que conduziram ao presente juízo de inconstitucionalidade."

5 - As considerações que antecedem, constantes da declaração de voto referida, são procedentes, e conduzem, no presente caso, a uma solução de não inconstitucionalidade, quer em face do princípio da igualdade (artigo 13.º) quer quanto à garantia de justa indemnização em caso de expropriação (artigo 62.º, n.º 2, também da Constituição).

Com efeito, a indemnização por expropriação por utilidade pública visa compensar os expropriados do prejuízo que sofrem, e nada na Constituição da República Portuguesa proíbe que na determinação da aptidão edificativa da parcela expropriada para a construção de vias de comunicação, integrada na RAN seja tomado em consideração o valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.

Essa proibição não resulta, por um lado, do princípio da igualdade, desde logo porque, mesmo aceitando a comparação com hipotéticos expropriados na mesma situação, se não sabe se idêntica interpretação e procedimento não serão também seguidos quanto a eles. Aliás, não está no presente recurso em questão uma comparação entre proprietários de terrenos integrados na área classificada, "porquanto as parcelas de terreno envolventes não estão todas classificadas como RAN, mas bem pelo contrário, como resulta dos factos assentes", e se pode ler na decisão do tribunal a quo.

Mas também não resulta, por outro lado, da garantia consagrada no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, de justa indemnização. Pode, desde logo, duvidar-se de que esta garantia proíba (embora não seja isso que está decisivamente em causa na presente dimensão normativa) que - considerando o sacrifício imperativamente sofrido pelo expropriado - o Estado entenda valorizar a parcela expropriada mesmo em montante considerado superior ao que lhe poderia vir a ser atribuído pelo jogo do mercado. Mas, de todo o modo, o que é certo é que essa garantia não imporá certamente uma limitação da indemnização em nome da "suposta afirmação dos direitos de terceiros não parte na relação expropriativa (os outros proprietários não expropriados)", e da igualdade com eles, assim possibilitando ao expropriante "lograr a diminuição do valor a satisfazer ao expropriado pelo sacrifício que lhe impõe". Não se verifica, pois, qualquer inconstitucionalidade por violação do artigo 62.º, 2, da Constituição da República Portuguesa, como pretende a recorrente.

Falham, assim, ambos os fundamentos invocados pela recorrente. E não se divisando outras, que possam justificar um juízo de inconstitucionalidade da norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, interpretada no sentido de permitir que solos integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada", há que negar provimento ao presente recurso.

III - Decisão

Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, no sentido de permitir que solos integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada";

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita.

Lisboa, 30 de Março de 2007. - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Maria Fernanda Palma - Benjamim Rodrigues (vencido pelas razões constantes da declaração de voto aposta ao Acórdão 114/2005) - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1568241.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1988-06-29 - Acórdão 131/88 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do n.º 1 do artigo 30.º do Código das Expropriações (Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro) por violação do n.º 2 do artigo 62.º e do n.º 1 do artigo 13.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.

  • Tem documento Em vigor 1989-06-14 - Decreto-Lei 196/89 - Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação

    Estabelece o novo regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN).

  • Tem documento Em vigor 1990-03-02 - Decreto-Lei 69/90 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Disciplina o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território.

  • Tem documento Em vigor 1990-03-19 - Decreto-Lei 93/90 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Revê o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN), estabelecido pelo Decreto-Lei nº 321/83 de 5 de Julho.

  • Tem documento Em vigor 1990-03-30 - Acórdão 52/90 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações (Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), por violação do n.º 2 do artigo 62.º e do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (Processo n.º 173/89 - 7 de Março de 1990).

  • Tem documento Em vigor 1991-11-09 - Decreto-Lei 438/91 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Aprova o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 1992-12-12 - Decreto-Lei 274/92 - Ministério da Agricultura

    Altera o Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, que define o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional.

  • Tem documento Em vigor 1995-10-25 - Decreto-Lei 278/95 - Ministério da Agricultura

    Procede a diversas adequações dos regimes jurídicos nos domínios cinegético, agrícola, vinícola e florestal.

  • Tem documento Em vigor 1999-05-18 - Decreto-Lei 168/99 - Ministério da Economia

    Revê o regime aplicável à actividade de produção de energia eléctrica, no âmbito do Sistema Eléctrico Independente, que se baseie na utilização de recursos renováveis ou resíduos industriais, agrícolas ou urbanos. Republicado na íntegra o Decreto-Lei 189/88 de 27 de Maio, com as alterações ora introduzidas

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 168/99 - Assembleia da República

    Aprova, e publica em anexo, o Código das Expropriações.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda