Acórdão 8/2004-Junho-8-1.ª Secção/PL - Processo 113/2002. - Recurso ordinário n.º 35/03-SRM.
A Câmara Municipal de Machico interpôs recurso da decisão n.º 24/FP/2003, proferida no processo 113/2003 pela Secção Regional da Madeira deste Tribunal, em que foi recusado o visto ao contrato adicional da empreitada de alargamento do caminho da Fajã dos Rolos-Santo António da Serra, que a Câmara Municipal de Machico celebrou com a empresa Avelino Farinha e Agrela, Lda., pelo montante de Euro 84 125.
A referida decisão fundamentou a recusa de visto da forma que resumidamente se descreve:
a) Os trabalhos de terraplanagem e pavimentação a que se refere o contrato adicional "não estavam abrangidos pela empreitada correspondente ao contrato principal, tal como foi divulgada e adjudicada";
b) Tais trabalhos, "consubstanciados no alargamento da faixa rodoviária para além do que estava contratualmente acordado", visaram corresponder a necessidades que não haviam sido tomadas em conta por ocasião do lançamento da empreitada, não sendo sequer "sustentável que os trabalhos em causa se destinarem a realizar a mesma empreitada";
c) Ainda que possa admitir-se "a oportunidade dos trabalhos para a perfeição do acabamento da obra adjudicada, ou a sua importância para permitir potenciar a adequação dessa obra às necessidades públicas que visa satisfazer, ou até a conveniência em que tivessem sido executados pelo particular contratante, esta linha de raciocínio não contempla a resposta à exigência, legalmente imposta [...] de a necessidade de execução dos trabalhos a mais resultar de qualquer circunstância que, imprevistamente, tenha surgido durante a empreitada";
d) "Por conseguinte, a não inclusão, no contrato inicial, dos trabalhos [...] agora inseridos neste seu primeiro adicional, deve-se apenas a um deficiente planeamento e à falta de ponderação desses trabalhos, quando da elaboração e aprovação do projecto [...] pelo que a correlativa adjudicação não podia processar-se por mero ajuste directo sem consulta, com suporte legal no artigo 26.º, n.º 1, do Decreto-Lei 59/99";
e) "Neste contexto, e face ao valor da despesa envolvida (Euro 84 125), a adjudicação do contrato em apreço deveria ter sido precedida de concurso limitado sem publicação de anúncio, por força dos artigos 48.º, n.º 2, alínea b), e 129.º, ambos do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, na redacção dada pelo artigo único da Lei 163/99, de 14 de Setembro";
f) Considerou-se finalmente no acórdão recorrido que "a não realização de procedimento mais solene, quando legalmente exigido, consubstancia a preterição de uma formalidade essencial do procedimento administrativo, motivo pelo qual representa uma nulidade impeditiva da concessão, ao contrato, do visto do Tribunal de Contas, nos termos do artigo 44.º, n.º 3, alínea a), da Lei 98/97, de 26 de Agosto (cf. ainda os artigos 133.º, n.º 1, e 185.º, n.º 1, ambos do Código do Procedimento Administrativo)";
g) Face ao exposto foi decidida a recusa de visto, "com o parecer contrário do Digníssimo Magistrado do Ministério Público".
Por seu turno, a Câmara Municipal de Machico invocou, no recurso ora sub judice, as razões que podem sumariar-se transcrevendo as respectivas conclusões:
"1 - Os trabalhos a mais contemplados no adicional são efectivamente trabalhos a mais, enquadráveis no artigo 26.º do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, pelo que não são 'trabalhos a que foi, ilegalmente, atribuída a qualificação de trabalhos a mais'.
2 - Os trabalhos a mais não extravasam o objecto da empreitada inicial já que se trata de trabalhos que são a consequência de uma opção do dono da obra sobre a melhor forma de satisfazer o interesse público que com o produto da obra se pretende realizar; estes trabalhos têm o mesmo objecto que inicialmente foi traçado, simplesmente não estavam previstos no projecto inicial, e foram tidos necessários com a execução deste.
3 - Os trabalhos a mais previstos no adicional não ultrapassam o previsto no artigo 45.º do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, já que o seu valor fica-se por 24,6% do valor do contrato inicial (Euro 84 125 corresponde a 24,6% de Euro 341 069, valor do contrato de empreitada inicial).
4 - Como não se ultrapassou aquele limite não há fundamento para que se lhes submeta ao prescrito no n.º 4 do artigo 45.º, nomeadamente a concurso público. O ajuste directo dos trabalhos a mais além de ter cobertura legal é o procedimento legal mais correcto na escolha do contraente, pois é a melhor forma de zelar pelo interesse público.
5 - Nestes termos e nos mais de direito deve considerar-se procedente o presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida."
Admitido o recurso na Secção Regional, o mesmo foi remetido ao Exmo. Procurador-Geral-Adjunto para os efeitos do artigo 99.º, n.º 1, da Lei 98/97, de 26 de Agosto.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais cumpre decidir.
Recordemos primeiramente as circunstâncias que motivaram a Câmara Municipal de Machico a celebrar o presente contrato, cujo valor representa 24,6% do valor do contrato inicial.
O presente contrato integra trabalhos de terraplanagem e pavimentação que, embora de espécies já previstas no contrato inicial, não estavam incluídos neste.
A necessidade de tais trabalhos resultou da decisão de proceder ao alargamento da faixa rodoviária, para além do que estava contratualmente acordado, tendo em vista "viabilizar o normal fluxo de trânsito nos cruzamentos entre autocarros de transportes públicos e camiões que circulam neste caminho", pelo que foram também excedidas as áreas para as camadas do pavimento.
A propósito das questões que os "trabalhos a mais" suscitam, há já uma abundante jurisprudência do Tribunal de Contas, o que, por si só, dá a noção da dificuldade que a Administração Pública experimenta ao lidar com a respectiva regulamentação jurídica. Sem pretender traçar exaustivamente a evolução legislativa no que à matéria importa, tentaremos seguir os seus passos mais recentes.
Dir-se-á então que a matéria dos "trabalhos a mais" (na peugada da regulamentação da lei civil, mas sem esquecer a especialidade própria dos contratos administrativos) só era encarada, do ponto de vista da Administração, em termos de esta poder (ou não) obrigar o empreiteiro a realizar tais trabalhos (cf. artigos 1215.º e 1216.º do Código Civil no que respeita a "alterações" e "obras novas"; cf. ainda o artigo 22.º do Decreto-Lei 48 871, de 19 de Fevereiro de 1969, e o artigo 27.º do Decreto-Lei 235/86, de 18 de Agosto - "O empreiteiro é obrigado a executar trabalhos a mais ...").
De acordo com o regime então vigente, não só não havia qualquer limite ao valor dos "trabalhos a mais" como também podia observar-se que a problemática dos "trabalhos a mais" apenas relevava no plano de uma eventual "resistência" do empreiteiro em executá-los.
É apenas por força do direito comunitário - embora fosse possível, por vezes, encontrar obras em que os trabalhos adicionais importavam em várias vezes o total do preço inicialmente acordado ... - que pela primeira vez se estabelece um limite quantitativo, o que foi feito com a alteração do Decreto-Lei 235/86, aditando-lhe um artigo 27.º-A, com a epígrafe "Execução de obras complementares", que reproduz o que estava estabelecido na alínea d) do n.º 3 do artigo 5.º da Directiva n.º 71/305/CEE (cf. o Decreto-Lei 320/90, de 15 de Outubro).
O limite era de 50% do valor inicial da obra e apenas aplicável acima do limiar comunitário.
Mas estas "obras complementares" (que estavam condicionadas por alguns pressupostos que mais tarde passaram para o artigo 26.º do Decreto-Lei 405/93 e se mantêm no Decreto-Lei 59/99) passaram a existir ao lado dos "trabalhos a mais" que, assim, continuaram sem quaisquer condicionamentos (salvas as eventuais divergências entre donos de obras e empreiteiros).
Só no Decreto-Lei 405/93 é que o legislador dá verdadeira execução ao preceituado na directiva, fazendo incidir sobre os "trabalhos a mais" as restrições impostas pela directiva comunitária e fazendo desaparecer a distinção - sem qualquer sentido - entre tais trabalhos e as "obras complementares" das directivas comunitárias.
A maior parte dos requisitos que o n.º 1 do artigo 26.º do Decreto-Lei 59/99 estabelece para definir aquilo que pode incluir-se nos "trabalhos a mais" tem a ver com a preservação da unidade e da identidade da obra, sob vários pontos de vista.
Por um lado, os trabalhos devem destinar-se à realização da "mesma empreitada", sendo que essa identidade tem de ser conexionada com a "unidade" estabelecida de acordo com as alíneas a) e b) - respectivamente inconveniência da separação técnica ou económica ou estrita necessidade para a perfeição da obra.
É preciso, por outro lado, que os "trabalhos a mais" não façam parte da obra, tal como ela consta do contrato.
Há aqui como que uma contradição que deve ser esclarecida.
Por um lado, diz-se que os trabalhos não estão previstos no contrato inicial mas, por outro, diz-se que devem ser feitos para a execução da mesma empreitada.
Ora isto significa que a empreitada, idealmente, devia ter contemplado aqueles trabalhos mas, na verdade, não os contemplou.
Há portanto, desde logo, uma desconformidade entre aquilo que foi projectado e aquilo que se tornou necessário fazer para que a obra se complete.
Mas, para que possam legalmente realizar-se, não basta que os "trabalhos a mais" possam considerar-se como fazendo parte da obra em sentido económico, técnico ou funcional.
É preciso, também, que satisfaçam um requisito que não é exigido intrinsecamente pela unidade ou identidade da empreitada, mas apenas pela lei: é preciso que a necessidade de tais trabalhos decorra de uma "circunstância imprevista".
Portanto, se cumpridos estes requisitos, temos "trabalhos a mais" para efeitos de - além de outros - poderem ser adjudicados, por ajuste directo, ao empreiteiro que está em obra.
Desde que - e a ressalva não é de somenos - o valor desses trabalhos, adicionados ao das outras despesas previstas nos n.os 1 e 5 do artigo 45.º do mesmo diploma, não excedam 25% do valor contratual.
Isto é, mesmo que todos os requisitos estejam presentes, se o valor dos trabalhos exceder o limite acima mencionado, desaparece o salvo-conduto que permitia ao dono da obra adjudicar os trabalhos sem o procedimento que ao caso coubesse.
Do que antecede ressalta a importância fulcral de saber o que é "circunstância imprevista".
Circunstância imprevista não pode ser, pura e simplesmente, circunstância "não prevista", acepção que a simples etimologia ainda poderia consentir mas que a semântica de todo não recomenda.
E, mais do que a semântica, o regime de realização das despesas públicas também não pode acolher uma interpretação que viesse permitir alterações na obra por simples opção adoptada no decurso da realização da empreitada.
Os trabalhos a mais são um "remédio" para algo que o legislador manifestamente não vê com bons olhos mas que tolera dentro de apertados limites, de resto progressivamente mais severos.
Se o legislador quisesse permitir todos os trabalhos por simples opção do dono da obra teria, por certo, encontrado outras formas de se exprimir, o mesmo sucedendo, de resto, com o legislador comunitário.
Circunstância "imprevista" é a circunstância inesperada, inopinada, vindo a propósito referir que a lei, aqui, não faz qualquer referência a acontecimentos imprevisíveis, como ocorre, por exemplo, na alínea c) do n.º 1 do artigo 136.º do mesmo diploma (cf. também no texto francês do artigo 7.º da Directiva n.º 93/37/CEE - "événements imprévisibles" vs. "circonstance imprévue").
Essa circunstância imprevista é verdadeiramente nuclear para a "legalização" dos "trabalhos a mais".
Não obstante tudo o que possa invocar-se em favor das "adjudicações" segundo o regime dos trabalhos a mais, a verdade é que tal regime representa uma grave distorção às regras da concorrência.
Por um lado porque os próprios trabalhos são, por vezes, de montante muito elevado (o que não sucede no presente processo) e são adjudicados, por ajuste directo, ao empreiteiro que está em obra, assim ficando subtraídos à concorrência.
E, por outro lado, porque, em si mesma, a obra fica muito diferente daquela que foi submetida a concurso.
E estes inconvenientes são, por vezes, de molde a suplantar as vantagens que tradicionalmente se atribuem ao referido regime: celeridade, economia e dificuldades no apuramento de responsabilidades quando coexistem dois empreiteiros em obra.
Assim, o que o regime dos trabalhos a mais implica é que as entidades públicas ponham a concurso obras com projectos rigorosos, adequados às necessidades a que visam acorrer e com um ajustado cálculo do montante que irá ser gasto.
Não pode fazer-se dos "trabalhos a mais" um instrumento de utilização sistemática e sem outro condicionamento que não o simples limite quantitativo - limite que, de resto, em muitos casos, se considera já como assumido e de utilização obrigatória.
E, muito menos, como por vezes ocorre, um método errático de execução das obras, ao sabor de improvisos ou de um caudal ininterrupto de sugestões de última hora.
Ora, das próprias alegações da recorrente se extrai que não houve qualquer circunstância inesperada que tenha causado a necessidade dos trabalhos a mais.
Na verdade, como já se referiu, a necessidade de "viabilizar o normal fluxo de trânsito nos cruzamentos entre autocarros de transportes públicos e camiões" não surgiu de forma imprevista e, assim, podia e devia ter sido levada em conta no contrato inicial.
E, como se sabe, não basta a simples conveniência ou a extrema utilidade dos trabalhos para que eles se achem justificados.
Se não estiver verificada a "circunstância imprevista", desaparece a permissão concedida pelo artigo 26.º para que os trabalhos possam ser adjudicados, por ajuste directo, ao empreiteiro que está em obra.
Não tendo ocorrido um dos requisitos de que a lei faz depender o regime, verdadeiramente excepcional, do artigo 26.º, n.º 1, a adjudicação deveria ter sido feita através de um outro procedimento ("mais solene", como se diz na decisão recorrida).
Esse outro procedimento, atento o disposto no artigo 48.º, n.º 2, alíneas a) e b), do mesmo Decreto-Lei 59/99, seria, pelo menos, o do concurso limitado sem publicação de anúncios, como se afirma na mesma decisão.
Sem dúvida que assim é e que a consequência da substituição de um procedimento por outro menos exigente é de molde a ferir de invalidade a adjudicação e, com ela, o contrato (artigo 185.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).
Porém, para efeitos de exercício da competência deste Tribunal em sede de fiscalização prévia, é necessário avançar na qualificação da invalidade, já que nem toda a invalidade pode fundamentar a recusa de visto (artigo 44.º, n.º 3, da Lei 98/97, de 26 de Agosto).
Há aí um elenco de "desconformidades" dos contratos "com as leis em vigor" das quais a da alínea a) se reporta à nulidade (deixando agora de lado as restantes alíneas, que se não afiguram de interesse para o caso).
Isto é, o Tribunal de Contas está obrigado a recusar o visto sempre que, no exercício da sua competência em matéria de fiscalização prévia, se deparar com desconformidade do contrato com as leis em vigor que implique nulidade.
Ou seja, o Tribunal de Contas, colocado perante a "desconformidade", tem de avaliar se esta é susceptível de ter como consequência a nulidade ou a simples anulabilidade, mas só em caso de nulidade poderá recusar o visto.
Como é sabido, a nulidade é a regra, nos termos do artigo 294.º do Código Civil, salvo quando outra solução resulte da lei.
Mas, no direito administrativo, vigora precisamente a regra inversa, ou seja, a invalidade origina apenas a anulabilidade salvo quando a lei determine de outro modo (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo).
Como refere J. M. Sérvulo Correia (Noções de Direito Administrativo, p. 356) a opção pela anulabilidade como regra geral representa um importante privilégio para a Administração Pública, que complementa o da executoriedade e da presunção de legalidade dos seus actos.
E, mais adiante: "Não seria concebível que, num sistema administrativo [...] baseado na executoriedade dos actos administrativos, o regime geral de invalidade não fosse o da anulabilidade."
Porém, refere o mesmo autor (p. 357) que repugnaria à consciência jurídica que o privilégio da sanabilidade dos actos ilegais da Administração (próprio da anulabilidade) possa ser levado "ao extremo de cobrir ilegalidades que devam ser valoradas como gravíssimas".
O artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo, para além de confirmar a regra da anulabilidade, procede à enumeração de um conjunto de ilegalidades que ali são qualificadas como nulidades.
Para lá das naturais dificuldades, que sempre se colocam ao intérprete, de saber quais as situações da actividade administrativa integráveis nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 133.º, há, no n.º 1 do mesmo artigo, como que uma "cláusula geral" que se refere à falta de "elementos essenciais" do acto administrativo.
Esta cláusula geral - a da primeira parte do n.º 1 do artigo 133.º - suscita dificuldades um tanto ou quanto semelhantes às que resultavam do sistema anteriormente em vigor, onde a doutrina e a jurisprudência tentavam fixar um elenco de nulidades perante uma muito escassa regulamentação da matéria.
A propósito da situação anterior ao Código do Procedimento Administrativo, Mário Esteves de Oliveira (Direito Administrativo, vol. I, p. 547) advertia que seria "atitude errónea e perigosa a de procurar ligar causal e necessariamente a questão da invalidade absoluta do AA a determinada categoria de vícios".
E são ainda do mesmo autor as seguintes considerações:
"De facto, a razão da consagração do regime da invalidade absoluta está no facto de se reconhecer que certos interesses públicos ou particulares têm uma tal dignidade e relevância que seria aberrante aplicar-lhes o regime benévolo da invalidade relativa [...]
Não podemos, portanto, na determinação dos casos de invalidade absoluta buscar apoio exclusivo em razões dogmáticas, mas procurar avaliar sempre qual a dignidade que o interesse postergado tinha para o legislador, e, se reconhecemos que se tratava para este de um interesse fundamental, então a ilegalidade deverá gerar a nulidade."
Mutatis mutandis, estas observações metodológicas deverão guiar-nos na pesquisa do que sejam os elementos essenciais e, até, dos vários vícios que estão detalhados nas alíneas do n.º 2 do artigo 133.º
Já vimos que, com toda a razão, a decisão recorrida deu por omitido o procedimento adequado que seria, no caso, o de concurso limitado sem publicação de anúncios.
Ainda no entender da mesma decisão, tal omissão "consubstancia a preterição de uma formalidade essencial do procedimento administrativo, motivo pelo qual representa uma nulidade", assim se fundamentando a recusa de visto.
Não constando do elenco das nulidades, de forma explícita, as "formalidades essenciais", algo terá de avançar-se para integrar a omitida "formalidade essencial" em qualquer dos vícios a que a lei atribuiria esse efeito.
O que são "formalidades essenciais"?
O conceito de formalidades essenciais surgiu na doutrina para as separar das que seriam não essenciais, nomeadamente para efeitos de determinar a invalidade do acto, sendo que só aquelas originariam tal invalidade (cf. J. M. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, pp. 383 e segs.).
Mas, como é sabido, a omissão de formalidades essenciais não origina invalidade absoluta - isto é, nulidade - mas apenas anulabilidade, como genericamente entendem a doutrina e a jurisprudência administrativa.
Desta forma, dizer que a omissão de certo procedimento é a omissão de formalidade essencial não basta para fundamentar a existência de nulidade.
Basta atentar, por exemplo, na audiência dos interessados que (excluído obviamente o caso da audiência do arguido em processos sancionatórios) gera apenas a anulabilidade.
Entendemos, porém, que a falta de procedimento é algo diferente da falta de "formalidades", ainda mesmo que se trate das essenciais.
Como ensinava Rogério E. Soares (Direito Administrativo, 1978, pp. 277 e segs.), o acto administrativo é marcado "pelo modo da sua criação e crescimento": e "quando a lei estabelece um procedimento necessário, isso há-de ter o sentido de que o acto principal só aparece irrepreensível se se verificarem todos os trâmites pedidos e se se cumprirem sem distorções".
O mesmo autor (loc. cit.) advertia contra a denominação de "formalidades" associada ao procedimento "uma vez que o conceito de formalidades é demasiado amplo e abrange seguramente situações que nada têm a ver com o tema do procedimento".
Mas isto não significa que devamos rejeitar, liminarmente, a possibilidade de dar por ferido de nulidade o acto administrativo que não tenha sido precedido do procedimento legalmente previsto.
Ponto é que - parece-nos - o procedimento assuma uma relevância tão decisiva que essa consequência haja de ter-se como imperiosa e, claro, tenha adequado suporte legal.
Para o efeito devemos convocar aqui as várias modalidades procedimentais começando pelo concurso público.
O que é o concurso público?
O concurso público que, no dizer de Margarida O. Cabral (O Concurso Público nos Contratos Administrativos, p. 17), é "o procedimento por excelência" para a escolha do contratante particular no âmbito do direito comparado, é, na definição sugerida pela mesma autora, "um procedimento administrativo formal e transparente de escolha do co-contratante e de escolha de uma proposta de contrato, mediante o qual a Administração torna públicas a sua intenção de contratar e as condições em que o pretende fazer, autovinculando-se àquilo que anunciou, dispondo-se a aceitar, num regime de concorrência, a proposta do concorrente que considere mais vantajosa, no respeito da igualdade entre todos os proponentes".
Como é óbvio, o que é essencial num concurso é a concorrência: "recorrer a um concurso para a celebração de um contrato significa assim, antes de mais, apelar à concorrência: permitir que os interessados se digam interessados em contratar, em vez de tomar a iniciativa de escolher um deles" (ob. cit., p. 19). O primeiro princípio em matéria de concursos públicos é o da "livre concorrência ou competição aberta: é essa a própria essência deste procedimento" (ibidem).
O concurso público é o procedimento "que viabiliza a concorrência na sua maior amplitude possível, assim possibilitando, com mais elevado grau, a celebração dos contratos nas melhores condições técnicas e económicas possíveis" (refere J. Andrade da Silva em Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, 8.ª ed., p. 146).
Para exercitar a concorrência - que é "máxima" nos concursos públicos, para utilizar a expressão de M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira em Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, p. 101 - "o concurso constitui por excelência um procedimento público: por um lado será tornada pública a intenção de contratar, admitindo-se que uma pluralidade de pessoas se candidatem, pretendendo contratar; por outro lado, será dado conhecimento prévio a esses possíveis candidatos das formas e finalidades a seguir no procedimento, assim como ao longo de todo esse procedimento serão necessariamente transparentes as diferentes decisões tomadas" (M. Olazabal Cabral, ob. cit., p. 19).
Como nota a mesma autora "o concurso público significa [...] uma acrescida redução da discricionariedade administrativa pela vinculação da Administração, não apenas a regras mais formalizadas previstas na lei, mas igualmente pela sua autovinculação a regras de procedimento e critérios de escolha previamente adoptados e anunciados e que consubstanciam uma especial sujeição aos princípios da igualdade, livre concorrência e publicidade" (Olazabal, p. 21).
Na verdade, os princípios da igualdade e da publicidade são verdadeiramente cruciais na realização da concorrência.
E, assim, o concurso público distingue-se das outras formas procedimentais não tanto do ponto de vista "quantitativo" - isto é, por ser mais "carregado" de formalidades - mas principalmente do ponto de vista qualitativo - pela especial incidência que nele ocorre dos sobreditos princípios.
A autora que vimos referindo enumera, em outro ponto (pp. 111 e segs.), o que são as funções do concurso público (cf. também J. A. Melo Alexandrino, O Procedimento Pré-Contratual nos Contratos de Empreitada de Obras Públicas, 1997, p. 65).
A primeira será "o encontro, nas melhores condições, entre os interesses dos particulares e os da Administração".
Outra delas será a de racionalizar as decisões defendendo "os particulares de práticas de favoritismos por parte de entidades administrativas" e defendendo igualmente a Administração de eventuais "interferências ilegítimas dos privados".
Acresce que, para além dos resultados que permite alcançar, o concurso público tem "um valor em si mesmo enquanto procedimento legitimador da escolha".
Finalmente, o concurso público desempenha ainda um importante papel como factor dinamizador do mercado, nomeadamente por permitir o acesso de novas empresas à contratação.
A autora que vimos citando aborda ainda - entre muitas outras uma questão da maior importância: a obrigatoriedade do concurso público é uma mera opção do legislador ordinário "ou constitui uma exigência de princípios gerais plasmados na Constituição" (ob. cit., pp. 225 e segs.)?
Referindo os princípios aqui consagrados nos artigos 266.º, n.os 1 e 2, conclui que a prossecução do interesse público por parte da Administração e a subordinação desta aos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade (e da boa fé, acrescentaríamos agora por força da revisão operada pela Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro) exige do legislador a tomada de medidas para que tudo isto se faça da forma mais eficaz.
Por outro lado, temos no artigo 267.º, n.º 1, da Constituição a exigência de que a Administração seja estruturada de modo a evitar a burocratização, o que, na lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 927) significa, além do mais, a exigência de "transparência nos procedimentos de actuação e decisão dos serviços administrativos".
Segundo a referida autora, a consagração constitucional destes princípios implica que não seja indiferente para a Constituição "o modo como o legislador estrutura os procedimentos de contratação administrativa e de escolha do co-contratante".
Assim, a opção legislativa pelo concurso público em desfavor do ajuste directo protege melhor a Administração e os seus agentes em termos de imparcialidade.
Por outro lado, tal opção garante a igualdade no acesso à contratação pública: "seria de facto impossível à Administração senão por um sistema de público apelo à concorrência, trazer ao procedimento todos aqueles que pudessem estar interessados em contratar, até porque nem sequer os conheceria".
Também os princípios da prossecução do interesse público (que implica, além do mais, racionalidade da gestão pública) e da transparência implicam um procedimento a que todos os interessados possam aceder e em que todos possam fazer ouvir a sua voz.
E são ainda estes mesmos princípios que hão-de justificar, por um lado, que o procedimento de concurso público só seja obrigatório quando a relevância do que está em jogo o justificar e, por outro, que a regulamentação do procedimento o torne eficaz para o fim em vista e não apenas uma aparência de concurso.
De resto, o concurso público está hoje assinalado como procedimento obrigatório não só para as empreitadas de obras públicas, mas também nos fornecimentos de bens e serviços (cf. artigo 80.º do Decreto-Lei 197/99, de 8 de Junho) e também nas directivas (cf. quanto às empreitadas a Directiva n.º 93/37/CEE).
E, ademais, no direito português vigora actualmente, como princípio geral, o do artigo 183.º do Código do Procedimento Administrativo que estabelece, em termos gerais, a obrigatoriedade do concurso público, salvo quando outra coisa estiver definida na lei.
Temos então por demonstrada a grande relevância do concurso público na contratação pública.
Mas, em relação aos restantes procedimentos pré-contratuais, podemos ter por adquirida idêntica ou semelhante relevância?
Se confrontarmos o concurso público com outras figuras procedimentais verificamos que aquilo que lhe é verdadeiramente essencial é a concorrência, em estreita relação com a publicidade e o livre acesso à contratação.
Como diz M. Rebelo de Sousa (O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, p. 67) o princípio da concorrência "é indissociável do da publicidade, pois qualquer pré-determinação de destinatários ou concorrentes limita logo a concorrência no sentido mais amplo".
A proposta contratual e o convite a contratar "são dirigidos ao público em geral, ou seja, a um elenco indeterminável de destinatários" (ob. cit. p. 49); "quer a publicidade quer a concorrência são, por assim dizer, corolários do princípio da igualdade" (ob. cit., loc. cit.).
Também para J. M. Sérvulo Correia o procedimento representa "o modo mais eficaz de assegurar a igualdade de tratamento, através dos requisitos de publicidade e concorrência a que dê satisfação" (Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, p. 572).
Mas basta fixarmo-nos em outros procedimentos adjudicatórios para vermos como estes aspectos assumem um papel menos relevante.
Isto não quer significar que não estejam também submetidas aos princípios que disciplinam a actividade administrativa e, desde logo, o princípio da prossecução do interesse público.
De resto, em algum desses procedimentos, até um mitigado princípio da concorrência está presente como resulta, por exemplo, da obrigatoriedade de um número mínimo de convites ou de consultas.
Como observa Margarida O. Cabral "qualquer que seja o procedimento adoptado pela Administração na escolha do contratante haverá sempre vinculação quer a regras de procedimento estabelecidas na lei (ainda que estas sejam mínimas) quer na escolha final (desde logo vinculação aos princípios fundamentais da actividade administrativa)" (ob. cit., p. 21).
Observando os vários procedimentos que a lei - e concretamente o Decreto-Lei 59/99 - prevê, em ordem a preceder a adjudicação, temos então claramente, de um lado, o concurso público e, do outro, os procedimentos previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 48.º, n.º 2, em que a acentuação daqueles princípios está ausente ou, pelo menos, esbatida.
Dizer, a propósito das duas situações, que, no caso de serem omitidas, se verifica em ambos os casos o mesmo vício de falta de procedimento, não se afigura adequado.
E isto porque o legislador não "visa" cada um dos procedimentos da mesma forma.
E, por via disso, não se afigura aceitável que a ordem jurídica reaja da mesma maneira quando se omite o concurso público ou quando falta o ajuste directo com consultas, embora em ambos os casos haja, como é óbvio, invalidade.
Assim sendo, julgamos adequado dizer que, nos casos em que a lei estabelece o concurso público como procedimento pré-adjudicatório, estamos perante um elemento essencial da própria adjudicação.
Assim o impõem os relevantes interesses que a lei e a Constituição põem a cargo desse procedimento.
Mas poderá compreender-se o concurso público entre os "elementos essenciais" da adjudicação, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo?
Antes da publicação do Código do Procedimento Administrativo a generalidade dos autores ligava a carência de "elementos essenciais" à inexistência do acto administrativo.
Assim, Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, vol. I, p. 518), Rogério E. Soares (Direito Administrativo cit., p. 237), J. M. Sérvulo Correia (Noções de Direito Administrativo cit., pp. 350 e segs. e 358, n.), etc.
Mas a verdade é que, estando referida a expressão "elementos essenciais" no n.º 1 do sobredito artigo como cláusula geral causadora de nulidade, então parece ser de concluir que o legislador quis referir-se a algo que não o que tradicionalmente estava associado à inexistência.
É este, de resto, o pensamento de M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim (Código do Procedimento Administrativo Anotado, p. 642).
Os referidos autores rejeitam que os "elementos essenciais" a que se refere o sobredito artigo possam ser os do artigo 120.º, como alguns sustentam, ou, sequer, os elementos ou referências mencionados no n.º 2 do artigo 123.º do mesmo diploma.
A ideia de procedimento como "elemento essencial" de alguns actos administrativos foi defendida por Dimas de Lacerda ("Notas ao Código do Procedimento Administrativo", in Revista de Direito Público, ano VI, n.º 12, 001.01.04, n. 16).
E, mais recentemente, em acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 1084/03, de 11 de Novembro (v. em www.dgsi.pt), fazia acentuar-se o elemento essencial na publicidade omitida num caso em que se suprimiu o procedimento por negociação com publicação prévia de anúncios e se optou pelo de concurso limitado sem apresentação de candidaturas (no âmbito do Decreto-Lei 55/95).
Outros preferirão, porventura, a nulidade enquadrável na alínea f) do n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo ("carência em absoluto de forma legal") como parece sugerido por M. Esteves de Oliveira et alteri em Código do Procedimento Administrativo cit., p. 648. Esta solução não será, por certo, aceitável para aqueles que, como Rogério E. Soares, reservam a "forma" só (ou quase só para aquilo que se reporta à exteriorização do acto (ob. cit., pp. 303 e segs.).
Mas poderia sê-lo para todos aqueles que consideram que a forma abrange "todo o processo formativo da vontade" por tal modo que "o acto e o processo formativo formam como que um todo unitário" (cf. "O acto administrativo", de J. Pires Machado in O Contencioso Administrativo, 1987, p. 91) - embora devamos convir que a construção também se adequa a considerar o referido "processo formativo" como "elemento essencial" do acto.
Do que não parece possível duvidar é de que a falta do procedimento de concurso público, pela sua gravidade e pela relevância dos interesses que são atingidos, deve ser fundamento de nulidade do acto adjudicatório.
Como salientava M. Esteves de Oliveira (Direito Administrativo cit., pp. 570 e 571), ao fazer o paralelismo entre a nomeação de funcionários sem concurso (um dos poucos casos expressamente fulminado com a nulidade nos termos do Código Administrativo - cf. artigo 363.º, n.º 6) e as adjudicações sem concurso, "não se vê porque é que a nomeação de um funcionário sem concurso se deve considerar nula e não se sujeita ao mesmo regime a adjudicação de um contrato de empreitada de obra pública ou de fornecimento de bens ou serviços à Administração, sem o concurso prévio que a lei exija".
E continuava, expondo sumária mas pertinentemente as razões da comparação: "Em ambos os casos os interesses em conflito são da mesma natureza e valor e as razões que levaram a lei a prescrever a invalidade absoluta num caso - evitar os conluios e subornos que levem a pôr interesses pessoais acima dos interesses do serviço e colocar os órgãos administrativos ao abrigo de suspeições sobre os motivos por que se nomeia esta ou aquela pessoa - valem igualmente para o outro".
Mas tão drástica solução não deve ser aplicável, por quanto se disse, aos outros procedimentos adjudicatórios, pese embora em todos eles, de acordo com a proporcionalidade que o legislador entendeu adequada, se manifestarem, com diferente grau de intensidade, os princípios que presidem a esses procedimentos.
Isto será assim salvo no que respeita a um outro procedimento que, logo na alínea a) do n.º 2 do artigo 48.º do Decreto-Lei 59/99, aparece a ombrear com o concurso público.
Trata-se do concurso limitado com publicação de anúncio que, tal como o concurso público, aparece delimitado no seu campo de aplicação pelo valor da adjudicação, embora também o possa ser pelo condicionalismo a que se refere o artigo 122.º do mesmo diploma. Pela circunstância de o limiar de valor ser semelhante, pela salvaguarda da publicidade e, bem assim, pela tramitação, a protecção jurídica a conceder a este procedimento deve ser a mesma que a ordem jurídica concede ao concurso público.
Na peugada de Margarida O. Cabral (O Concurso Público ... cit, p. 120), entendemos que a "clivagem" entre os procedimentos não deverá estabelecer-se entre concurso público e concurso limitado mas antes entre concurso público e concurso limitado com publicação de anúncio, de um lado, e concurso limitado sem publicação de anúncio, do outro.
Na verdade, "fácil será concluir que, na essência, o concurso público e a primeira modalidade referida de concurso limitado se regem pelos mesmos princípios, tutelam os mesmos valores, exercem semelhante função" (ibidem).
É altura de voltarmos ao procedimento omitido no presente processo.
De acordo com a decisão recorrida o procedimento em falta era o de concurso limitado sem publicação de anúncio, uma vez que o valor contratual era de Euro 84 125, portanto inferior aos Euro 124 699,47 que exigem um dos procedimentos da já citada alínea a) do n.º 2 do artigo 48.º
Este procedimento (cf. artigo 130.º do Decreto-Lei 59/99) inicia-se com o convite para apresentação de proposta a empresas seleccionadas "de acordo com o conhecimento e experiência que delas tenha".
Como se vê, a publicidade e o livre acesso à contratação ficam bastante limitados sobretudo em comparação com os outros procedimentos que analisámos.
É claro que os princípios que regem a contratação pública continuam presentes; mas naqueles aspectos que analisámos anteriormente a preocupação do legislador é mais frouxa, pelo que a omissão deste procedimento não se afigura com a mesma gravidade da omissão do concurso público.
Omitiu-se, sem dúvida, o procedimento adequado e, nessa medida, a adjudicação padece de ilegalidade que, nos termos legais (artigo 185.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo), é susceptível de se transmitir ao contrato ora em análise.
Entendemos, no entanto, que essa invalidade não é susceptível de gerar a nulidade mas sim, e apenas, a anulabilidade (artigo 135.º do mesmo Código), pelo que, por esta banda, não se dá como ocorrida a "desconformidade" a que alude a alínea a) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei 98/97.
Mas será que a falta do aludido procedimento não poderá ser encarada de um outro ponto de vista, isto é, sob a perspectiva de um outro fundamento de recusa de visto?
Cremos que sim.
Segundo a alínea c) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei 98/97, também constitui fundamento de recusa de visto "a desconformidade dos actos e contratos [...] com as leis em vigor que implique [...] ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro".
Não obstante a deficientíssima redacção do texto legal - "desconformidade" é já uma "ilegalidade" - o que se afigura poder afirmar-se é que, se a "desconformidade" (qualquer "desconformidade") provocar ou for susceptível de provocar alteração do resultado financeiro do contrato, então temos por adquirido um fundamento de recusa de visto.
Ora, no caso em análise, omitiu-se um procedimento que, embora de forma algo mitigada, visa ainda realizar a concorrência, sobretudo se tivermos em conta que o número de entidades a convidar se situaria, obrigatoriamente, entre 5 e 20 (artigo 121.º, n.º 2, do Decreto-Lei 59/99).
É assim de prever com alguma razoabilidade - descontando embora as dificuldades de trazer à obra um outro empreiteiro - que o preço do presente contrato pudesse diminuir em função da referida concorrência.
A ausência total de sujeição à concorrência, quando a lei exigia alguma, configura assim uma ilegalidade susceptível de alterar, em desfavor da Administração, o resultado financeiro do contrato e integrando, dessa forma, aquele fundamento de recusa de visto.
No entanto, dadas as circunstâncias do caso, acha-se adequado de acordo com o n.º 4 do artigo 44.º da já referida Lei 98/97 - conceder o visto com a recomendação, que ora se formula à Câmara Municipal do Machico, de que, na realização de obras públicas, deve observar o rigoroso cumprimento do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março.
São devidos emolumentos pelo visto.
Diligências necessárias.
Lisboa, 8 de Junho de 2004. - Os Relatores: Lídio de Magalhães - Adelina Sá Carvalho - Ribeiro Gonçalves - Pinto Almeida. - O Procurador-Geral-Adjunto, A. Cluny.