de 4 de Outubro
No momento em que, nos últimos cinquenta anos, pela primeira vez em liberdade institucionalizada pelo sufrágio popular se comemora a data da implantação da I República, constitui elementar acto de colectivo reconhecimento e de justiça a exaltação da memória dos mortos e do patriotismo dos vivos que, corajosamente, devotaram a vida, e por vezes a deram, à defesa da liberdade e da justiça, ou seja, aos ideais da República.Em matéria de gratidão, é arriscado confiar de mais na memória dos povos. Mesmo a mais sincera devoção carece, para perdurar, do adjutório de suportes objectivos.
À colecção, guarda e exposição dos traços deixados pelos pontos altos da aventura humana se destinam os museus. E sem dúvida que é vasta e rica a gama das marcas deixadas pelo espírito revolucionário dos obreiros da I República e dos pertinazes reivindicadores da II. Delapidado por meio século de hostilidade oficial, esse espólio encontra-se, não só disperso, como em risco de perecimento. Um museu, pois, que seja o repositório histórico-evolutivo das pegadas da liberdade, para que os vindouros não esqueçam que se não conquista sem luta nem se preserva sem vigilância, eis a mais significativa homenagem que neste momento pode ser prestada aos que por ela lutaram.
Da «República e da Resistência» se há-de chamar esse museu.
E, para que ganhe pleno sentido a acusação aos opressores que também convém que seja, nenhum lugar mais adequado e simbólico para instalá-lo do que o presídio de Peniche, que foi prisão de patriotas, e cujas paredes, no seu mutismo, falarão a quem o visitar da coragem e do exemplo de alguns dos melhores portugueses.
Nestes termos:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º É criado, na dependência da Presidência do Conselho de Ministros, o Museu da República e da Resistência.
Art. 2.º - 1. O Museu terá sede em Lisboa e instalar-se-á no ex-presídio de Peniche.
2. Para o efeito do disposto no número anterior, as instalações do ex-presídio de Peniche são afectadas ao património tutelado pela Presidência do Conselho de Ministros.
Art. 3.º Incumbe, essencialmente, ao Museu:
a) Inventariar, recolher, classificar, beneficiar, conservar e expor quaisquer escritos e outros objectos com interesse para o conhecimento e a perduração da memória da luta dos precursores e da acção governativa dos Governos da I República, da luta antifascista contra as subsequentes ditaduras e do movimento revolucionário de 25 de Abril de 1974;
b) Promover a investigação histórica de todos os movimentos da história da luta do povo português pela liberdade e da sua resistência contra todas as formas de opressão e a divulgação pedagógica dos resultados dessa pesquisa;
c) Manter contratos estreitos com organismos internacionais congéneres com vista ao estudo comparado e à prossecução de conclusões unitárias, histórica e cientificamente válidas, sobre a luta do homem pela liberdade e contra a opressão;
d) Exercer actividades pedagógicas junto dos seus visitantes, no sentido do esclarecimento e da interpretação dos movimentos e realizações humanas, nomeadamente as portuguesas, em direcção à justiça social e à liberdade;
e) Promover a organização de exposições, fixas ou itinerantes, conferências, congressos, seminários e colóquios sobre a história da luta do homem contra todas as formas de opressão, pela conquista de um tábua de direitos fundamentais e de formas cada vez mais evoluídas de justiça social;
f) Colaborar na preparação das cerimónias comemorativas das datas com significado no âmbito da sua acção, nomeadamente as de 5 de Outubro de 1910 e 25 de Abril de 1974;
g) As demais funções que lhe venham a ser cometidas por despacho do Primeiro-Ministro.
Art. 4.º - 1. Para a prossecução das suas finalidades poderá o Museu utilizar, entre outros, os seguintes meios:
a) Colecções de objectos relacionados com as funções referidas no artigo 3.º;
b) Modelos, miniaturas, quadros. maquetas e mecanismos destinados a evidenciar os pontos altos da luta dos Portugueses pela liberdade e contra a opressão;
e) Livros, documentos, cartazes, filmes, gravações sonoras e outros materiais de informação e divulgação.
2. O Museu promoverá ainda:
a) Visitas guiadas, sob a orientação de pessoal especializado;
b) A publicação de um roteiro, com as necessárias indicações para o público;
c) A elaboração de publicações não periódicas, notas informativas para a imprensa, rádio e televisão.
Art. 5.º São órgãos do Museu:
a) O director;
b) O conselho consultivo;
c) O conselho administrativo.
Art. 6.º O director é nomeado pelo Primeiro-Ministro, de entre individualidades de reconhecido mérito.
Art. 7.º Ao director do Museu compete:
a) Dar execução às disposições legais e às determinações superiores relativas à organização e funcionamento do Museu;
b) Convocar as reuniões do conselho consultivo e presidir a elas, com voto de qualidade;
c) Superintender em todos os serviços e actividades do Museu;
d) Convocar as reuniões do conselho administrativo e presidir a elas, com voto de qualidade;
e) Propor, ouvido o conselho consultivo, a nomeação e exoneração do pessoal;
f) Elaborar anualmente um relatório sobre a vida do Museu, as actividades prosseguidas e a prosseguir e as necessidades existentes e previsionais.
Art. 8.º O conselho consultivo é composto pelo director e por cinco a dez vogais, nomeados pelo Primeiro-Ministro, de entre individualidades de reconhecido mérito.
Art. 9.º - 1. Ao conselho consultivo compete:
a) Colaborar com o director na orientação geral do Museu;
b) Formular sugestões no sentido do melhoramento dos serviços e da mais eficiente realização dos objectivos do Museu.
2. O exercício das funções de membro do conselho consultivo é em princípio gratuito, mas os respectivos membros terão direito a um abono para despesas, quando tenham de deslocar-se a Peniche em missão de serviço, fixado por despacho do Primeiro-Ministro.
Art. 10.º O conselho administrativo é composto pelo director, que preside, com voto de qualidade, por um vogal do conselho consultivo. nomeado pelo Primeiro-Ministro, e pelo secretário do Museu.
Art. 11.º Compete ao conselho administrativo:
a) Requisitar à repartição competente a importância das dotações inscritas no orçamento geral do Estado a favor do Museu;
b) Verificar a legalidade das despesas efectuadas e autorizar o respectivo pagamento;
c) Dar entrada nos cofres do Estado das receitas cobradas pelo Museu;
d) Organizar os projectos dos orçamentos;
e) Elaborar e remeter ao Tribunal de Contas, dentro do prazo legal, a conta de gerência do Museu;
f) Promover a organização e permanente actualização do cadastro dos imóveis e do inventário dos móveis pertencentes ao Museu ou na sua posse.
Art. 12.º - 1. Constituem receitas do Museu:
a) As verbas para ele inscritas no Orçamento Geral do Estado;
b) O produto da venda das publicações do Museu e eventuais taxas cobradas aos visitantes;
c) Os subsídios, donativos ou legados de entidades públicas ou privadas;
d) Quaisquer outras receitas autorizadas pelo Primeiro-Ministro.
2. Para o ano em curso, fica o Ministério das Finanças autorizado a assegurar a satisfação dos encargos decorrentes da criação e funcionamento do Museu.
Art. 13.º - 1. Darão entrada no Museu as peças adquiridas com as respectivas dotações orçamentais e, bem assim, os bens pertencentes ao Estado que venham a ser-lhes cedidos, por incorporação, nos termos gerais.
2. Poderá o director aceitar em regime de depósito, feito por quaisquer entidades oficiais ou particulares, peças que se revistam de interesse para a realização das finalidades do Museu.
Art. 14.º O quadro do pessoal do Museu será o constante de portaria a aprovar nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei 59/76, de 23 de Janeiro.
Art. 15.º O regulamento interno do Museu será aprovado por portaria do Primeiro-Ministro.
Art. 16.º O Primeiro-Ministro poderá delegar a competência que lhe é conferida pelo presente diploma.
Art. 17.º O presente decreto-lei entra em vigor do dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Mário Soares.
Promulgado em 4 de Outubro de 1976.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.