Acórdão 4/2000
Processo 84331 - 1.ª Secção:
Autos de recurso para o tribunal pleno.
Recorrente: Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Recorridos: Domingos Pimenta Barbosa e outra.
Acordam em plenário das secções cíveis no Supremo Tribunal de Justiça:
O Centro de Caridade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro requereu a expropriação por utilidade pública do direito ao arrendamento:
Do 1.º andar, traseiras, destinado à habitação, sendo expropriados Domingos Pimenta Barbosa e mulher, Maria de Lurdes Nunes;
Do 1.º andar, frente, destinado a salão de cabeleireiro, sendo expropriada Maria Alzira Correia Pinto;
Do seu prédio sito na Rua de Costa Cabral, 138, na freguesia de Paranhos, da cidade do Porto.
Em consequência de recursos interpostos por expropriante e expropriados, foram fixadas por sentença as seguintes indemnizações:
A Domingos e mulher, 300 contos, sendo 150 pelas despesas com a sua transferência para outro local e 150 pela construção de um pombal;
A Maria Alzira, 390 contos pela paralisação temporária da sua actividade e 150 contos pelas despesas com a sua transferência.
Da sentença recorreram para a Relação os expropriados a título principal e a expropriante subordinadamente.
E a Relação, por Acórdão de 14 de Julho de 1992, certificado a fls. 6 e segs., no tocante ao recurso dos expropriados, considerou:
Que o laudo pericial estava insuficientemente fundamentado;
Que (por não ser aplicável ao caso o disposto no artigo 1099.º, n.º 1, do Código Civil) não foi nele considerada a impossibilidade notória de os expropriados conseguirem nova habitação por renda idêntica à anterior, o que lhes dá o direito a (empregando já a expressão do novo Código das Expropriações) que seja considerada «a relação entre as rendas pagas e as praticadas no mercado».
Quanto ao recurso da expropriante, ficava por isso prejudicado o seu conhecimento.
Em consequência, anulou o acto dos peritos e os termos subsequentes, determinando a sua repetição para os indicados fins, tendo ainda em conta que os valores indicados datavam de há dois anos e que a justa indemnização devia atender a valores actuais, pois era agora que os expropriados os iam receber.
Desse acórdão interpôs a expropriante recurso para o tribunal pleno deste Supremo Tribunal e já aqui foi convidada pelo ilustre relator - que já não faz parte deste Tribunal - a escolher um dos vários acórdãos mencionados em oposição ao recorrido, sob pena de se não conhecer do recurso.
Veio então a expropriante esclarecer o seu requerimento de interposição do recurso, dizendo:
Que, quanto à questão que consiste em saber se as rendas relativas a novo arrendamento são ou não atendíveis na indemnização aos arrendatários para comércio e indústria cujos contratos de arrendamento caducaram por expropriação por utilidade pública, apontava o Acórdão da Relação do Porto de 15 de Outubro de 1987, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XII, t. IV, p. 238;
Para a questão de saber se à indemnização prevista para o inquilino habitacional, em caso de expropriação por utilidade pública do prédio locado, é ou não aplicável o disposto no artigo 1099.º, n.º 1, do Código Civil, por força do preceituado no artigo 36.º, n.º 2, do Código das Expropriações constante do Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, já indicara apenas o Acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Maio de 1979, sumariado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 293, p. 420;
Para saber se a determinação do montante da indemnização se reporta à data da expropriação ou, mais precisamente, à da arbitragem ou à data do acto dos peritos, também já só mencionara em oposição o Acórdão da Relação de Évora de 29 de Março de 1979, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano IV, t. II, p. 385.
Foram juntas certidões desses três acórdãos indicados em oposição.
A expropriante apresentou alegações sem que os expropriados respondessem.
E por acórdão da Secção, a fls. 80 e segs., foi decidido não haver oposição relativamente à primeira das questões, considerando a ordem aqui utilizada, prosseguindo os autos quanto às duas restantes.
Alegou a expropriante e concluiu que deviam ser emitidos assentos com o teor que segue:
Na vigência do Código das Expropriações - Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro -, à indemnização do inquilino habitacional, em caso de expropriação por utilidade pública, era aplicável o artigo 1099.º, n.º 1, do Código Civil, por força do artigo 36.º, n.º 2, daquele Código, e, depois, o artigo 72.º, n.º 1, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro, para o qual passou o preceituado no artigo 1099.º, n.º 1, do Código Civil e para o qual tem de entender-se feita a remissão do citado artigo 36.º, n.º 2;
A indemnização, em caso de expropriação por utilidade pública, deve determinar-se com referência à altura da arbitragem e da adjudicação da coisa expropriada à expropriante no processo de expropriação.
Apenas respondeu a expropriada Maria Alzira, para quem o momento do cálculo da indemnização devida por expropriação por utilidade pública se deve reportar à data da avaliação, na ausência de elementos atendíveis supervenientes a esta.
E o Exmo. Magistrado do Ministério Público, no parecer de fls. 99 e segs., defendeu, no que respeita à oposição entre o acórdão recorrido e o da Relação de Évora de 29 de Março de 1979, que não haviam sido proferidos no domínio da mesma legislação. E para decidir a oposição entre o acórdão recorrido e o da Relação de Lisboa de 29 de Maio de 1979, propôs a emissão do seguinte assento:
Na vigência do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, o inquilino habitacional obrigado a desocupar o fogo em consequência de caducidade do arrendamento resultante de expropriação, não podendo ou não querendo optar por uma habitação que o expropriante ponha à sua disposição, nos termos da lei, tem direito a receber uma indemnização, a fixar nos termos do n.º 1 do artigo 1099.º do Código Civil.
Redistribuído o processo por jubilação do primitivo relator e corridos os vistos legais, passa-se à decisão.
Posteriormente à interposição do recurso para o tribunal pleno - 22 de Março de 1993 -, foi publicado o Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, que no seu artigo 3.º revogou, além de outros, os artigos 763.º a 770.º, que no Código de Processo Civil regulavam a tramitação do referido recurso, revogação que o artigo 17.º, n.º 1, do mencionado decreto-lei tornou imediatamente aplicável. E, atento o estabelecido no n.º 3 desse artigo 17.º, o objecto do presente recurso circunscreve-se à resolução em concreto do conflito e à uniformização de jurisprudência.
E porque o Exmo. Magistrado do Ministério Público levantou o problema de inexistência de oposição entre o acórdão recorrido e o invocado acórdão fundamento de 29 de Março de 1979 da Relação de Évora, por não terem sido proferidos no domínio da mesma legislação, cumpre reexaminar tal questão, como, de resto, se previa expressamente no n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil.
O acórdão fundamento de 29 de Março de 1979 da Relação de Évora foi proferido em processo de expropriação por utilidade pública, iniciado pelo Gabinete da Área de Sines em Março de 1976, ao abrigo do disposto na sua lei orgânica, constante do Decreto-Lei 270/71, de 19 de Junho, tendo o processo seguido a tramitação prevista no Decreto-Lei 71/76, de 27 de Janeiro, então em vigor.
Estavam em causa duas parcelas de terreno sitas na freguesia de Sines. E no referido acórdão fundamento escreveu-se expressamente (v. fl. 71 v.º): «Deverá também esclarecer-se desde já [...] que a determinação do montante da indemnização se reporta à data da expropriação (o preâmbulo do Decreto-Lei 71/76 referia, antes, a data da declaração da utilidade pública da expropriação) ou, mais concretamente, como esta Relação tem vindo a julgar, à data da arbitragem.»
Por sua vez, no acórdão recorrido, embora reportando-se ao Código das Expropriações constante do Decreto-Lei 845/76, já citado, decidiu-se que «no laudo dos peritos deve, por outro lado, atender-se a que os valores que foram indicados anteriormente datam de há dois anos e que a 'justa indemnização' deve atender a valores actuais, pois é agora que os expropriados os vão receber».
Ou seja, no acórdão recorrido reporta-se a determinação do montante da indemnização pelo menos à data da avaliação.
A oposição entre os dois acórdãos é nesse aspecto patente. E é também certo que no dito acórdão fundamento se fez aplicação das regras do Código das Expropriações publicado pelo Decreto-Lei 845/76.
Para efeito de oposição de soluções é irrelevante tratar-se de códigos que se sucederam no tempo, desde que as regras legais em concreto aplicáveis não tenham, no caso, sofrido alteração - artigo 763.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
O acórdão de fls. 80 e segs., ao decidir esta questão preliminar, considerou logo existente a oposição, sem analisar em pormenor o facto de terem sido aplicados nos acórdãos em confronto diferentes diplomas legais.
Ora, no n.º 2, segundo período, última parte do preâmbulo do Decreto-Lei 71/76 vinha expressamente referido que «o montante da indemnização se reporta à data da declaração da utilidade pública da expropriação». Com esta base e na sua interpretação decidiu o acórdão fundamento.
Porém, o Decreto-Lei 71/76 teve curta vigência, pois foi expressamente revogado pelo artigo 128.º, n.º 1, do Decreto-Lei 845/76, dispondo o artigo 132.º, n.º 1, deste último diploma que os seus título IV e capítulo I do título VI só eram aplicáveis às expropriações cuja utilidade pública tivesse resultado de acto praticado e publicado depois da sua entrada em vigor. Ora, o título IV ocupa-se precisamente da indemnização e o capítulo I do título VI do pagamento das indemnizações.
Ainda na vigência do Decreto-Lei 71/76 foi publicado o Decreto-Lei 794/76, de 5 de Novembro, que aprovou a política dos solos e que, no dizer do preâmbulo do Decreto-Lei 845/76, «tornou caducas e revogou tacitamente diversas disposições do Decreto-Lei 71/76».
Acresce que o Decreto-Lei 845/76 não dispõe sobre a data à qual se deve reportar a determinação do montante da indemnização. E do seu preâmbulo também nada consta sobre isso, ao contrário do que sucedia no Decreto-Lei 71/76.
De notar que o actual Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro, que revogou o Decreto-Lei 845/76, determina no artigo 23.º, n.º 1, que o montante da indemnização se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
E como escreve o Dr. Luís Perestrelo de Oliveira, em anotação a esse artigo 23.º, no Código das Expropriações, Almedina, 1992, a p. 86, nota 1, «antes da vigência do presente Código das Expropriações, a lei portuguesa não referia o momento relevante para o cálculo da indemnização, manifestando-se a doutrina e a jurisprudência mais recentes no sentido de que esse momento devia ser o que ficasse mais próximo do pagamento da indemnização, isto é, o momento da avaliação do bem, e não, como anteriormente se entendia, o da declaração de utilidade pública».
Assim, tendo a solução dada à questão no acórdão fundamento atendido ao constante no preâmbulo do Decreto-Lei 71/76 e a dada no acórdão recorrido ao Código das Expropriações publicado pelo Decreto-Lei 845/76, referindo aquele, no seu preâmbulo, o momento a que se reportava o montante da indemnização, o que o último omitiu, levando a que a jurisprudência reportasse esse momento ora à data da arbitragem - Acórdão da Relação do Porto de 18 de Fevereiro de 1986, na Colectânea de Jurisprudência, ano IX, t. I, p. 187 - outras vezes à data da avaliação - Acórdão da Relação do Porto de 22 de Maio de 1986, na Colectânea de Jurisprudência, ano XI, t. III, p. 189 - e, ainda, à data da decisão - Acórdão da Relação do Porto de 1 de Abril de 1986, na Colectânea de Jurisprudência, ano XI, t. II, p. 184 -, de modo algum se pode entender que os acórdãos fundamento e recorrido, nessa parte em que assentam sobre soluções opostas, foram proferidos no domínio da mesma legislação.
Pelo que é de concluir que entre o acórdão e o acórdão fundamento de 29 de Março de 1979, proferido pela Relação de Évora, não existe oposição relevante para efeitos de recurso para o tribunal pleno, considerando-se quanto a essa questão findo o recurso - artigo 767.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
No que respeita à oposição entre o acórdão recorrido e o invocado acórdão fundamento proferido pela Relação de Lisboa em 29 de Maio de 1979, certificado a fls. 25 e segs., é evidente a sua existência.
Com efeito, neste último decidiu-se que a indemnização correspondente à rescisão do arrendamento, declarada de utilidade pública, era a estabelecida no artigo 1099.º, n.º 1, do Código Civil, por força do preceituado no artigo 36.º, n.º 2, do Código das Expropriações.
E no acórdão recorrido entendeu-se que o dito artigo 1099.º, n.º 1, não era aplicável, por ser norma com campo de aplicação específico, referente à denúncia pelo senhorio do contrato de arrendamento para sua habitação; e que, embora no caso concreto fosse o senhorio a provocar a extinção do contrato, não o fazia por necessitar do prédio para sua habitação e era para esse único caso que existia a citada norma do artigo 1099.º, n.º 1, hoje substituída pelo artigo 72.º, n.º 1, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro.
E acrescentou-se, ainda, no acórdão recorrido que se tinha o artigo 29.º do Código das Expropriações agora vigente como interpretativo do direito anterior, confirmativo do princípio geral de que o expropriado tem direito à justa indemnização.
Analisando a decisão do acórdão recorrido, verifica-se que o Código das Expropriações constante do Decreto-Lei 845/76, no n.º 2 do artigo 27.º, dispunha que a indemnização seria fixada com base no valor real dos bens expropriados e calculado em relação à propriedade perfeita, saindo deste valor o que devia corresponder a quaisquer ónus ou encargos, salvo no que se referia à caducidade do arrendamento, nos termos do artigo 36.º E este último artigo, depois de dizer no n.º 1 que o arrendamento para habitação, além de outros, era considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante, estipulava, no seu n.º 2, que o inquilino habitacional obrigado a desocupar o fogo, em consequência de caducidade do arrendamento resultante de expropriação, podia optar entre uma habitação que o expropriante ponha à sua disposição, nos termos da lei, e receber uma indemnização, a fixar nos termos do n.º 1 do artigo 1099.º do Código Civil.
Face à remissão para esta norma, é devida ao expropriado uma indemnização correspondente a dois anos e meio de renda à data da desocupação do prédio. Montante de indemnização que foi mantido, como se vê das disposições conjugadas dos artigos 67.º e 72.º, n.º 1, do Regime do Arrendamento Urbano, sendo certo que tendo o artigo 1099.º do Código Civil sido revogado pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 321-B/90, o artigo 4.º deste diploma estabeleceu que as remissões feitas para os preceitos revogados consideram-se efectuadas para as correspondentes normas do Regime do Arrendamento Urbano.
Daí que o disposto no artigo 1099.º, n.º 1, do Código Civil, depois no artigo 72.º, n.º 1, do Regime do Arrendamento Urbano, seja aplicável à determinação da indemnização devida ao locatário habitacional cujo contrato de arrendamento caducou em consequência de expropriação por utilidade pública.
Haverá, no entanto, que ter em conta um outro aspecto da questão.
Conforme o artigo 207.º da Constituição da República Portuguesa, nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados.
Nas conclusões da sua alegação no recurso interposto para a Relação, os expropriados Domingos e mulher apontaram para a inconstitucionalidade da norma do artigo 36.º, n.º 2, do Código das Expropriações ao remeter para o n.º 1 do artigo 1099.º do Código Civil, «na medida em que viola os princípios da igualdade e da justa indemnização, bem como os artigos 27.º, 28.º e 36.º, n.º 1, definem princípios e critérios a acolher quanto à justa indemnização que não é a do artigo 1099.º do Código Civil».
E o acórdão recorrido faz a isso alusão quando refere o artigo 29.º do vigente Código das Expropriações como interpretativo do direito anterior ao mencionar os elementos a atender para se alcançar justa indemnização.
Efectivamente, o artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa estabelece, além do mais, que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
Por indemnização justa deve entender-se a que corresponde a uma indemnização integral do dano sofrido e pelos expropriados, no caso que os compense dos prejuízos sofridos com a caducidade do contrato de arrendamento.
Ora, algumas das normas do título IV do Código das Expropriações constante do Decreto-Lei 845/76, que se ocupava da indemnização, foram pelo Tribunal Constitucional declaradas inconstitucionais, em alguns casos até com força obrigatória geral. Assim:
Quanto ao artigo 30.º, n.º 1 - Acórdão 131/88, de 8 de Junho, no Diário da República, 1.ª série, de 29 de Junho de 1988;
Quanto ao artigo 30.º, n.º 2 - Acórdão 52/90, de 7 de Março, no Diário da República, 1.ª série, de 30 de Março de 1990;
Em relação ao artigo 33.º, n.º 1 - Acórdão 210/93, de 16 de Março, no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Maio de 1993, e Acórdão 264/93, de 30 de Março, no Diário da República, 2.ª série, de 5 de Maio de 1993.
Ainda foram declaradas inconstitucionais, enquanto estabeleciam limites à fixação da indemnização, as seguintes normas:
Artigo 10.º, n.º 2, da Lei 2030, de 22 de Junho de 1948 - Acórdão 37/91, de 14 de Fevereiro, no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Junho de 1991;
Artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 576/70, de 24 de Novembro - Acórdão 184/92, de 22 de Maio, no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Setembro de 1992.
E deve servir de critério para determinação da justa indemnização devida ao inquilino habitacional o que se dispõe no artigo 29.º, n.º 3, do vigente Código das Expropriações, que manda atender ao valor do fogo, ao valor das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e à relação entre as rendas pagas por este e as praticadas no mercado.
De resto, o próprio artigo 36.º do anterior Código das Expropriações já continha uma disposição que deixava antever que o seu n.º 2 podia não satisfazer integralmente os danos suportados pelo expropriado, pois no n.º 5 mandava aplicar o estabelecido no n.º 2 do artigo 28.º e, segundo este, quando os expropriados fiquem, em consequência da expropriação, comprovadamente impossibilitados de obter meios de subsistência e equivalentes aos que lhes proporcionavam os bens expropriados, terão direito a uma prestação periódica da natureza assistência, nos termos que vierem a ser regulamentados.
Assim, a indemnização a atribuir ao locatário habitacional, prevista então no artigo 1099.º, n.º 1, do Código Civil e posteriormente no artigo 72.º, n.º 1, do Regime do Arrendamento Urbano, em caso de expropriação por utilidade pública, pode vir a revelar-se insuficiente, não se integrando no conceito de justa indemnização referido no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, sendo desse modo aquela disposição legal, enquanto estabelece limite à indemnização, materialmente inconstitucional.
E aparenta-se ser isso o que se verifica no caso dos expropriados Domingos e mulher, pois consta do acórdão recorrido que a importância correspondente a 30 vezes a renda mensal é de 70410$00 - v. fl. 8 v.º -, tudo indicando que, devido à caducidade do arrendamento, sofreram prejuízos que ultrapassam esta quantia.
Consigna-se que o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão 306/94, de 24 de Março, no Diário da República, 2.ª série, de 29 de Agosto de 1994, declarou inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 24.º da Lei 76/77, de 29 de Agosto, na parte em que, por remissão para o artigo 26.º da mesma lei, fixa a indemnização devida ao arrendatário rural, no caso de caducidade do arrendamento por expropriação por utilidade pública, em montante nunca superior ao equivalente a um ano de renda.
Termos em que se decide:
Julgar findo o recurso por inexistência de oposição no domínio da mesma legislação relativamente à mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento da Relação de Évora de 29 de Março de 1979; e
Alterar o acórdão recorrido no sentido de que a indemnização aos expropriados Domingos e mulher se rege pelas disposições conjugadas do disposto nos artigos 36.º, n.º 2, do Código das Expropriações constante do Decreto-Lei 845/76 e 1099.º, n.º 1, do Código Civil, então aplicável, que, no entanto, se julgam materialmente inconstitucionais enquanto estabelecem limite à indemnização.
E uniformizar-se a jurisprudência nos seguintes termos:
Na vigência do Código das Expropriações constante do Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, à indemnização devida ao locatário habitacional cujo contrato caducou em consequência de expropriação por utilidade pública é aplicável o disposto nas normas conjugadas dos artigos 36.º, n.º 2, daquele Código e 1099.º, n.º 1, do Código Civil - posteriormente artigo 72.º, n.º 1, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro -, excepto na parte em que limitam a indemnização em montante nunca inferior ao equivalente a dois anos e meio de renda à data da desocupação por se considerarem materialmente inconstitucionais.
Sem custas por isenção da recorrente.
4 de Dezembro de 1996. - César Marques - Roger Lopes - Ramiro Vidigal - Martins da Costa - Pais de Sousa - Mário Cancela - Sampaio da Nóvoa - Costa Marques - Sousa Inês - Costa Soares - Herculano Lima - Metello de Nápoles - Aragão Seia - Joaquim de Matos - Miranda Gusmão - Nascimento Costa - Pereira da Graça - Almeida e Silva - Torres Paulo - Fernando Fabião - Tomé de Carvalho - Ribeiro Coelho - Silva Paixão - Lopes Pinto - Fernandes Magalhães - Cardona Ferreira.
Voto de vencido
1 - Aceitando a remissão para o disposto no artigo 1099.º, n.º 1, do Código Civil, não o temos por violador do conceito e princípio da «justa indemnização» no segmento que se reporta ao elemento temporal nele inserto (a indemnização devida é relativa à cessação forçada do arrendamento e não pela perda da titularidade do direito de propriedade, que o não tem).
Outro tanto não sucede no relativo ao montante da renda, afigurando-se dever ser integrada a lacuna (Código Civil, artigo 10.º, n.º 1) pela referência à corrente no mercado à data da desocupação.
2 - Uniformizando a jurisprudência no sentido supra, alteraria o acórdão recorrido, ficando a expropriante condenada a pagar aos expropriados Domingos Barbosa e mulher a indemnização equivalente a 30 meses de renda correspondente à corrente no mercado à data da desocupação (resultante de avaliação a ter lugar na própria expropriação). - Lopes Pinto.