de 24 de Junho
1. É manifesta a desactualização da taxa de juro legal estabelecida no artigo 559.º do Código Civil. A erosão monetária, que, aliás, não ocorre apenas em Portugal, torna sempre contingente a fixação dessa taxa de juro no texto do próprio Código. Daí que, num dos estudos preparatórios do Código, o Prof. Vaz Serra tivesse já proposto que o juro legal fosse fixado em diploma de aplicação do Código Civil e periodicamente revisto (Boletim do Ministério da Justiça, Maio de 1955, p. 304).Assente que deverá ser abandonado o critério de fixar numericamente a taxa de juro legal no próprio Código, duas soluções possíveis se abrem: ou a de o fazer em diploma legal avulso, para o qual o Código Civil reenvie; ou de no texto do Código se remeter a taxa de juro legal para uma taxa de referência, como, por exemplo, a taxa de desconto do banco central (no caso português, o Banco de Portugal). Foi este último sistema o assumido em França pela Lei 75-619, de 11 de Julho de 1975. Aí se liga a taxa de juro legal, para cada ano civil, à taxa de desconto praticada pelo Banco de França em 15 de Dezembro do ano precedente; como princípio, a taxa de juro é igual à taxa de desconto; esta será, porém, bonificada de cinco pontos se o devedor não satisfizer o seu débito no prazo de dois meses desde a data em que a sentença de condenação se tornou exequível.
Opta-se, no entanto, pela primeira solução. Em termos de realidade, ela será mais compreensível e de mais fácil aplicação.
É de sublinhar que a actualização da taxa de juro legal constituirá um relevante elemento dissuasor de uma litigância excessiva. A criação de situações de mora resulta sempre incentivada por taxas de juro legal desactualizadas. E a controvérsia judiciária deixa de ter por objectivo, demasiadas vezes, a sustentação de um interesse legítimo, mas o intuito de não se abrir mão de «dinheiro barato». O que cria, obviamente, inadmissível perturbação no comércio jurídico e no funcionamento dos tribunais. A actualização da taxa de juro legal foi, assim, um dos pontos propostos no Programa do VI Governo Constitucional, na área da justiça.
2. A alteração do artigo 559.º do Código Civil implica, por uma evidente razão de coerência legislativa, a alteração do artigo 1146.º do Código Civil e do artigo 102.º do Código Comercial.
Entende-se ainda, até para harmonizar a nossa lei civil com as directrizes estabelecidas pelo Conselho da Europa - Resolução (78) 3, de 20 de Janeiro de 1978 -, dar nova redacção aos artigos 811.º e 812.º do Código Civil.
Assim se preceitua, por um lado, que o credor não poderá exigir cumulativamente o cumprimento coactivo da prestação devida e o pagamento da cláusula penal ajustada;
terá, pois, de fazer uma opção entre os dois termos da alternativa. Uma excepção é, todavia, figurada: a de a pena convencional haver sido estabelecida para o não cumprimento pontual da obrigação.
Estatui-se, por outro lado, com referência ao artigo 812.º, que a faculdade conferida ao tribunal de reduzir a pena convencionada, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, terá como limite o dano efectivamente causado pelo incumprimento da obrigação.
Já se sugeriu, na doutrina portuguesa, que ao tribunal deveria, de igual modo, ser atribuído o poder de reforçar a cláusula penal, como acontece, designadamente, nos direitos alemão e suíço. Não se envereda, no entanto, por essa perspectiva, atendendo à orientação definida pelo Conselho da Europa. De resto, a solução adoptada é, também, a do Código Civil italiano (artigo 1384.º).
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º Os artigos 559.º, 811.º, 812.º e 1146.º do Código Civil passam a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 559.º
(Taxa de juro)
1 - Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano.2 - A estipulação de juros a taxa superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais.
ARTIGO 811.º
(Funcionamento da cláusula penal)
1 - O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o não cumprimento pontual da obrigação; é nula qualquer estipulação em contrário.2 - O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes.
ARTIGO 812.º
(Redução equitativa da cláusula penal)
1 - A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; a cláusula penal não pode, porém, ser reduzida para além do dano efectivamente causado pelo incumprimento da obrigação; é nula qualquer estipulação em contrário.
2 - ...........................................................................
ARTIGO 1146.º
(Usura)
1 - É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros superiores em 3% ou 5% aos juros legais, conforme exista ou não garantia real.2 - É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do empréstimo, relativamente ao tempo de mora, mais do que o correspondente a 7% ou 9% acima do juro legal, conforme exista ou não garantia real.
3 - ...........................................................................
Art. 2.º O artigo 102.º do Código Comercial passa a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 102.º
(Obrigação de juros)
................................................................................§ 1.º ........................................................................
§ 2.º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559.º e 1146.º do Código Civil.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 16 de Junho de 1980. - Francisco Sá Carneiro.
Promulgado em 24 de Junho de 1980.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.