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Jurisprudência 4/2002, de 27 de Junho

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Sumário

Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação. (Processo 1508/2001. 1ª Seccção. Revista ampliada, 1508/01-1).

Texto do documento

Jurisprudência 4/2002

Processo 1508/2001 - 1.ª Secção

Revista ampliada n.º 1508/01-1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - João Francisco Horta e Augusto Vilhais Pires e mulher, Maria Fernanda Matos Lérias Pires, todos com os sinais dos autos, os dois últimos por si e em representação de seus filhos menores Daniel de Matos Lérias Pires e Ana Filipa de Matos Lérias Pires, intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, acção declarativa com processo sumário contra a Companhia de Seguros Fidelidade, S. A., pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia global de 19866558$00, sendo 11350000$00 para o autor João Horta, 7396558$00 para o Daniel Pires e 1120000$00 para a Ana Filipa, a que acrescem os juros vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento, para o que alegaram, em síntese, o seguinte:

a) No dia 24 de Março de 1993, pelas 13 horas e 20 minutos, na Rua de Nova Lisboa, em Cabrito, Abrantes, o veículo ligeiro 23-85-BO, conduzido por José Carlos Lopes Silva, propriedade da firma Alpeso Construções, Lda., e seguro na ré, despistou-se e foi embater no velocípede 2-ABT-33-56, conduzido pelo autor João Horta, que circulava pela sua mão, além de atropelar os menores Daniel e Ana Filipa, que caminhavam pela berma;

b) O condutor do BO apresentava uma taxa de alcoolémia de 0,75 gr/l;

c) Em consequência do acidente, tanto o autor João Horta como o menor Daniel sofreram diversos e graves ferimentos, apresentando a menor Ana Filipa um estado de excitação e nervosismo.

A ré contestou, impugnando os danos e os montantes pedidos, tendo chamado à autoria o condutor do veículo seu segurado, que foi citado, abstendo-se, porém, de tomar qualquer posição.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi, em 7 de Janeiro de 2000, proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré seguradora a pagar ao A. João Francisco Horta a importância de 2078100$00 e aos AA. Augusto Vilhais Pires e mulher, Maria Fernanda Matos Lérias Pires, por si e em representação do filho menor Daniel de Matos Lérias Pires, a importância de 2022980$00, acrescidas de juros moratórios de 7% desde a data da sentença até efectivo pagamento. Quanto ao mais foi a acção julgada improcedente e a ré absolvida dos pedidos formulados - cf. de fl. 212 a fl. 217 v.º Inconformados, apelaram os autores, tendo o Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão de 19 de Dezembro de 2000, dado provimento parcial ao recurso, fixando os montantes das indemnizações devidas aos recorrentes João Horta e Daniel de Matos (este representado por seus pais) pelos danos de natureza não patrimonial sofridos, respectivamente, em 3500000$00 e 4000000$00 - valores actualizados à data da sentença proferida em 1.ª instância -, em tudo o mais se confirmando a sentença apelada - de fl. 256 a fl. 263 v.º Continuando inconformados, trazem os autores a presente revista, oferecendo, ao alegar, no essencial, as seguintes conclusões:

«1 - Encontra-se plenamente demonstrado que a incapacidade genérica permanente parcial de que o recorrente João Francisco Horta é portador tem rebate profissional, implicando o desenvolvimento de esforços suplementares no exercício da sua profissão.

2 - Por isso, não fica vedada a sua valoração enquanto dano de natureza patrimonial, pois o mesmo tem consequências patrimoniais futuras.

3 - Às quais não obsta o facto de o ora recorrente se encontrar a receber uma pensão anual e vitalícia no montante de 104084$00, a título de incapacidade para o trabalho.

4 - Porquanto essa pensão anual e vitalícia foi calculada tendo por base uma incapacidade permanente parcial de 15% e não 20%.

5 - O que faz com que a incapacidade residual de 5% que exige esforços suplementares no exercício da sua profissão habitual não esteja a ser compensada.

6 - Daí que o montante peticionado a título de incapacidade genérica permanente e parcial não pretenda indemnizar os danos patrimoniais futuros que o coeficiente de desvalorização de 20% lhe acarretará mas somente os 5% de incapacidade não contemplados na fixação da pensão anual e vitalícia.

7 - Assim sendo, o recurso aos métodos normalmente utilizados, bem como ao juízo equitativo, revelam como justa e adequada a fixação de um montante indemnizatório de 1500000$00, a título de danos patrimoniais futuros.

8 - Visa a lei, nos danos não patrimoniais, proporcionar ao lesado uma compensação para os sofrimentos que a lesão lhe causou, contrabalançando o dano com a satisfação que o dinheiro lhe proporcionará.

9 - Mostra-se adequada a estas orientações a fixação de uma indemnização não inferior a 3250000$00 para um lesado com um quantum doloris elevadíssimo, clinicamente curado apenas um ano após o acidente, com uma convalescença lenta e dolorosa e com um prejuízo estético que não deixa de ser relevante.

10 - O menor Daniel ficou afectado de uma incapacidade genérica permanente parcial de 14%, o que implicará inevitavelmente, no futuro, o desenvolvimento de esforços acrescidos no que quer que venha a ser a sua actividade profissional.

11 - Não podendo a falta de concreta demonstração dessas dificuldades futuras obstar à atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais futuros, pois estamos perante uma criança de 4 anos de idade, que obviamente não desempenhava à data do acidente qualquer actividade nem se poderia prever qual a que iria desempenhar no futuro.

12 - Mas o que é certo e sabido é que, na entrada no mundo laboral, o Daniel iniciá-lo-á numa posição de desvantagem em relação aos seus colegas.

13 - Essa desvantagem não poderá deixar de se reflectir negativamente na sua esfera patrimonial, porquanto implicará perdas patrimoniais até ao final da sua provável vida activa em montante não inferior a 3000000$00, de acordo com os critérios expendidos para o recorrente João Francisco Horta.

14 - Em conformidade com os critérios já enunciados, a que acrescerão a tenra idade do menor e a sua inerente sensibilidade, o que lhe acarretará um maior sofrimento, devem os danos não patrimoniais por si sofridos merecer uma compensação não inferior a 3500000$00.

15 - A menor Ana Filipa, de 9 anos de idade, apercebeu-se do acidente, sentiu o veículo passar junto de si e atropelar duas pessoas, uma das quais seu irmão.

16 - Por isso, sentiu medo e ansiedade, bem como um estado de grande nervosismo, tendo ainda sido transportada ao serviço de urgência do Hospital Distrital de Abrantes, onde foi observada.

17 - Ora, sendo o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil aplicável quer a danos não patrimoniais decorrentes de lesões corporais, quer de outros, desde que objectivamente graves, impõe-se, atendendo às circunstâncias do caso e características do próprio lesado, compensação não inferior a 1000000$00.

18 - Porque os juros moratórios não constituem uma actualização da indemnização, mas sim uma indemnização por forma a castigar o devedor relapso que não pagou no momento devido, os mesmos podem ser contabilizados juntamente com a actualização monetária sobre o mesmo montante indemnizatório.

19 - Desde que a actualização da indemnização e a contabilização de juros de mora não sejam aplicados num mesmo espaço temporal, devendo estes ser contabilizados a partir do momento final daquela.

20 - Daí que sobre o montante global da indemnização deve incidir a sua actualização em função dos valores da inflação no período que vai desde a data do acidente até à data da distribuição da acção.

21 - Contabilizando-se a partir da data da citação e até efectivo e integral pagamento juros moratórios, igualmente sobre o montante global da indemnização fixada.

22 - O douto acórdão recorrido violou os artigos 494.º, 496.º, 562.º, 564.º, 566.º e 805.º, n.º 1, todos do Código Civil.» Contra-alegando, a Companhia de Seguros recorrida pugna pela manutenção do julgado - fl. 284.

Recebido o recurso neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Conselheiro relator anterior, apercebendo-se de que uma das questões jurídicas que constituíam o respectivo objecto ia ser submetida a julgamento ampliado, já agendado, no recurso de revista n.º 1861/00 - 7.ª Secção, sobrestou na decisão - cf. despacho de fl. 290.

Considerando, porém, que o conhecimento ampliado daquele recurso não se chegou a concretizar em virtude de razões de natureza formal, o Exmo.

Conselheiro relator tomou então a iniciativa de, em conformidade com o artigo 732.º-A do Código de Processo Civil (CPC), sugerir, neste processo, a concretização do inviabilizado julgamento alargado, proposta que mereceu o acolhimento de S. Ex.ª o Presidente deste Supremo Tribunal, que, para tanto, ordenou a intervenção do plenário das secções cíveis (cf. despachos de fls.

293 e 296).

Colhidos os vistos legais e cumprido o disposto no artigo 732.º-B, n.º 1, do CPC, mediante a emissão do parecer pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, cumpre decidir.

II - Questão prévia. - Não tendo sido impugnada nem havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se, em conformidade com o disposto pelos artigos 713.º, n.º 6, e 726.º do CPC, para a factualidade dada como assente pela decisão da 1.ª instância - para a qual o acórdão recorrido também remeteu -, a qual aqui se dá por reproduzida - cf. fls. 212 v.º a 214.

Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660.º, n.º 2, também do CPC.

Na presente revista são colocadas as questões relativas à determinação da composição e do valor das indemnizações a atribuir aos recorrentes João Horta e aos menores Daniel e Ana Filipa e ainda a questão da cumulação, ou não, da actualização da expressão monetária da indemnização no período compreendido entre a citação e o encerramento da discussão, por um lado, e o pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, por outro.

Vejamos, pois, começando pela indenmização devida ao autor João Horta.

1 - Para uma melhor compreensão das questões suscitadas, entende-se conveniente reproduzir os pontos mais relevantes da matéria de facto dada como provada, tendo como critério de referência o âmbito objectivo da presente revista, no que ao recorrente em apreço diz respeito. Assim:

O acidente de viação em causa - que ocorreu no dia 24 de Março de 1993, pelas 13 horas e 20 minutos -, foi simultaneamente acidente de trabalho, tendo o respectivo processo corrido neste Tribunal sob o n.º 43/94 - 1.ª Secção, 1.º Juízo [alínea AE) da especificação e n.º 49 da matéria de facto];

Por douta decisão foi fixada ao A. (João Horta) uma IPP de 15% e, em consequência, a Companhia de Seguros Fidelidade foi condenada a pagar a pensão anual e vitalícia de 104084$00 [alínea AF) da especificação e n.º 50 da matéria de facto];

O A. nasceu a 6 de Abril de 1948 [alínea AG) da especificação e n.º 51 da matéria de facto];

O A. foi submetido a tratamentos e intervenção cirúrgica, sendo o processo de convalescença lento, prolongado e doloroso, vendo-se relegado para o leito e inactivo em virtude do acidente [alínea AL) da especificação e n.º 56 da matéria de facto];

Viu-se de um momento para o outro impedido de se deslocar livremente por si só, bem como proceder autonomamente a actos e práticas comuns, como, por exemplo, a higiene pessoal [alínea AM) da especificação e n.º 57 da matéria de facto];

As sequelas de que o A. João Horta é portador são susceptíveis de limitar o A.

nas possibilidades de utilização plena do corpo e afectar a sua capacidade produtiva ou de ganho (resposta ao quesito 25.º e n.º 58 da matéria de facto);

Actualmente o A. apresenta: diminuição da função e da confiança subjectiva e objectiva do membro inferior esquerdo; revela muito ligeira dificuldade em correr; apresenta muito ligeira claudicação na marcha à custa do membro inferior direito e rigidez na rotação e na abdução da anca; assim como atrofia dos glúteos à direita e lesão do nervo ciático poplíteo (resposta ao quesito 26.º e n.º 59 da matéria de facto);

O A. obteve a data da consolidação das suas lesões em 11 de Março de 1994 (resposta ao quesito 26.º-A e n.º 60 da matéria de facto);

As sequelas apresentadas pelo A. conferem-lhe uma incapacidade genérica permanente parcial de 20% (resposta ao quesito 27.º e n.º 61 da matéria de facto);

A alteração estética e dinâmica do membro inferior do A. com o decorrer do tempo provocarão alteração progressiva da mobilidade articular da anca com agravamento da actual disfunção, pelo que, em termos futuros, a IGPP será elevada para 25% (resposta ao quesito 28.º e n.º 62 da matéria de facto);

Esta incapacidade genérica permanente parcial tem rebate profissional, exigindo esforços suplementares no exercício da sua profissão (resposta ao quesito 29.º e n.º 63 da matéria de facto);

Face às sequelas, o A. João Horta apresenta actualmente uma incapacidade parcial de 15%, que afecta o A. na sua capacidade de trabalho e possibilidade de utilizar o corpo (como já foi valorado em processo de acidente de trabalho) - resposta ao quesito 30.º e n.º 64 da matéria de facto;

O A. João Horta sente dificuldades acrescidas nas actividades normais da vida (resposta ao quesito 31.º e n.º 65 da matéria de facto);

Actualmente o A. João Horta encontra-se fisicamente diminuído ligeiramente ao nível dos movimentos da anca e perna (resposta ao quesito 34.º e n.º 66 da matéria de facto);

O quantum doloris do A. é de 5, numa escala de 1 a 7 (resposta ao quesito 35.º e n.º 67 da matéria de facto).

1.1 - Pretende o recorrente João Horta que a incapacidade genérica permanente parcial de 20% deve ser objecto de indemnização autónoma enquanto fonte de danos patrimoniais futuros - e não de danos não patrimoniais -, considerando ajustada a fixação de um montante indemnizatório de 1500000$00. Montante que, a proceder a tese do recorrente, deveria acrescer ao montante de 3250000$00, devido como compensação dos danos não patrimoniais que sofreu, incluindo o prejuízo estético sobrevindo.

Mas não lhe assiste razão, como se verá.

1.2 - O caso dos autos é, relativamente ao autor/recorrente João Horta, um caso em que os danos foram provocados por um acidente que foi, simultaneamente, acidente de viação e acidente de trabalho ou de serviço.

À data do acidente encontrava-se em vigor a Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, que promulgou as bases do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais (ver nota 1).

Na economia da Lei 2127, a base XXXVII previne para a hipótese de o acidente ser causado por companheiro de trabalho ou por terceiros.

O interesse desta base reside no especial regime que estabelece sempre que o sinistrado do trabalho fica, em razão do acidente, titular de dois direitos de reparação: um pelo risco, perante a entidade patronal; outro por facto ilícito culposo, perante terceiro. Os casos, de longe, mais frequentes em que se desencadeia esta confluência de responsabilidades são os dos acidentes de viação de que são vítimas trabalhadores em serviço de entidades patronais, quando tais acidentes são culposamente provocados por «terceiros» (ver nota 2).

No quadro das relações externas, o lesado poderá exigir a reparação dos danos causados pelo acidente, quer da entidade patronal, quer do condutor ou detentor do veículo.

Todavia, só neste aspecto se pode falar de uma responsabilidade solidária da entidade patronal e do detentor do veículo. O outro aspecto do regime de solidariedade, que consiste no facto de a prestação de um dos devedores liberar o(s) outro(s), já não ocorre nestes casos. Na verdade, se a indemnização paga pelo detentor do veículo extingue, de facto, a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não é exacto, na medida em que a indemnização paga por esta não extingue a obrigação a cargo do responsável pelo risco do veículo ou pela culpa do respectivo condutor.

Por outro lado, as duas indemnizações não se podem somar uma à outra.

Quer isto dizer que as indemnizações por acidente, ao mesmo tempo, de trabalho e de viação não são cumuláveis. São, isso sim, complementares, subsistindo a emergente do acidente de trabalho, para além da que foi paga pelos danos causados pelo acidente de viação.

Acresce que, em princípio, a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho compreende apenas as prestações previstas na base IX da Lei 2127, que estabelece o seguinte:

O direito à reparação compreende as seguintes prestações:

a) Em espécie: prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida activa;

b) Em dinheiro: indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho; indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho; em caso de incapacidade permanente: pensões aos familiares da vítima e despesas de funeral, no caso de morte.

Não constando da previsão do normativo acabado de reproduzir qualquer referência aos danos não patrimoniais, significa isto que a inacumulabilidade das indemnizações por acidente, simultaneamente de trabalho e de viação, apenas faz sentido em relação aos danos patrimoniais.

1.3 - Nos autos por acidente de trabalho que correram termos no Tribunal da Comarca de Abrantes (processo 43/94, do 1.º Juízo, 1.ª Secção), foi, em 24 de Novembro de 1994, proferida sentença que, no que agora releva, condenou a ora recorrida Companhia de Seguros Fidelidade - para a qual a entidade patronal do recorrente (Fundições Rossio Abrantes, S. A.), transferira a sua responsabilidade por acidentes de trabalho - a pagar ao sinistrado João Francisco Horta a pensão anual e vitalícia de 104084$00, acrescida de juros à taxa legal desde 12 de Março de 1994.

A alta clínica ocorrera em 11 de Março de 1994, «data a partir da qual o sinistrado se encontra afectado de uma IPP de 0,15». Por outro lado, «o sinistrado encontra-se pago de todas as indemnizações devidas até à data de alta» - cf. fl. 62.

Entretanto, em audiência de julgamento realizada em 9 de Novembro de 1999, o autor João Horta optou «por continuar a receber o ressarcimento dos seus danos patrimoniais futuros decorrentes da IPP por via da pensão vitalícia já fixada, pelo que limita o seu pedido de indemnização nos presentes autos a todas as componentes indemnizáveis que não são ressarcidas pelo acidente de trabalho» - fls. 205 e 206.

Não obstante, o recorrente reivindica, como se disse, o montante de 1500000$00 a título de indemnização genérica permanente parcial (IGPP) de 20% de que ficou afectado e que, comprovadamente, poderá, no futuro, atingir 25% e que aqueles danos revestem natureza patrimonial.

Na sentença da 1.ª instância, confirmada pela Relação de Évora, nada lhe foi atribuído a este propósito por se ter entendido não se mostrarem verificados «elementos integradores de prejuízo resultante da IGPP que devam ser ressarcidos para além do que já se mostra abrangido pela IPP e do que será considerado em sede de danos não patrimoniais» - fl. 215.

1.4 - Impõe-se concluir que as instâncias têm razão.

Não se duvida que as sequelas apresentadas pelo recorrente, que lhe conferem a dita IGPP - diminuição da função e da confiança subjectiva e objectiva do membro inferior esquerdo, muito ligeira dificuldade em correr, muito ligeira claudicação na marcha, rigidez na rotação e na abdução da anca;

assim como atrofia dos glúteos à direita e lesão do nervo ciático poplíteo, bem como dificuldades acrescidas nas actividades normais da vida e diminuição física ligeira ao nível dos movimentos da anca e da perna -, são susceptíveis de limitar as suas possibilidades de utilização plena do corpo, podendo, nessa medida, afectar a sua capacidade de trabalho e de ganho, assumindo, por isso, reflexos patrimoniais potenciais.

O certo, porém, é que, como resulta da resposta ao quesito 30.º, «face às sequelas, o A. João Horta apresenta actualmente uma incapacidade parcial de 15% que afecta o A. na sua capacidade de trabalho e possibilidade de utilizar o corpo (como já foi valorado em processo de acidente de trabalho)» - cf. o n.º 64 da matéria de facto.

Ora, o certo é que o autor já foi ressarcido nessa sede com a atribuição da pensão anual vitalícia de 104084$00, não tendo ficado demonstrados quaisquer outros prejuízos materiais provenientes das sequelas físicas do acidente.

Assim sendo, entendeu o tribunal a quo atender a tais sequelas - e valorá-las de acordo com a equidade - em sede de danos não patrimoniais que, efectivamente, também integram, revestindo suficiente importância para não deverem ser ignoradas - artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil.

Consideramos adequado tal entendimento, pelo que nada há a objectar à decisão recorrida que mais não fez do que respeitar o princípio atrás exposto a propósito da inacumulabilidade das indemnizações por acidente, simultaneamente de trabalho e de viação, em relação aos danos patrimoniais.

Não releva, por se conter dentro do total da indemnização peticionada - 1500000$00, a título de danos patrimoniais futuros, acrescidos de 3250000$00, para ressarcimento dos danos não patrimoniais, incluindo o prejuízo estético -, a circunstância de ao recorrente João Horta ter sido fixada, pela Relação, uma indemnização de 3500000$00, a título de danos não patrimoniais.

2 - Passando agora à apreciação do recurso interposto pelo menor Daniel Matos, representado por seus pais, sustenta o recorrente dever ser-lhe arbitrada uma indemnização não inferior a 3000000$00, a título de danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade genérica permanente parcial (IGPP) de 14% com que ficou. Montante ao qual acresceria o de 3500000$00, a título de compensação dos danos não patrimoniais.

O tribunal recorrido fixou-lhe, recorde-se, uma indemnização de 4000000$00, pelos danos de natureza não patrimonial sofridos.

Por razões de clareza, passa a reproduzir-se, condensada, a factualidade mais relevante, atinente à pretendida indemnização ao Daniel por danos patrimoniais futuros.

Assim:

Como consequência do acidente, o Daniel foi transportado para o serviço de urgência do Hospital Distrital de Abrantes. Apresentava-se em estado de choque e politraumatizado - alíneas AN) e AO) da especificação e n.os 68 e 69 da matéria de facto;

No dia 25 de Março de 1993, o Daniel foi transferido para o serviço de neurologia do Hospital de Santa Maria em Lisboa e no dia seguinte foi sujeito a intervenção neurocirúrgica sob anestesia geral e que consistiu em esquirolectomia occipital com reposição parcial dos fragmentos ósseos - alíneas AQ) e AS) da especificação e n.os 71 e 73 da matéria de facto;

O Daniel só veio a ter alta do internamento hospitalar no dia 6 de Abril de 1993, tendo, após essa data, passado a ser seguido em regime ambulatório, na consulta externa de neurocirurgia do Hospital de Santa Maria - respostas aos quesitos 37.º e 39.º e n.os 75 e 76 da matéria de facto;

O período de convalescença a que o Daniel foi submetido durou cerca de dois meses, durante o qual ficou privado de frequentar o estabelecimento escolar.

Retomou a frequência escolar em 14 de Junho de 1993 - respostas aos quesitos 40.º e 41.º e n.os 77 e 78 da matéria de facto;

Entretanto, começou a ser acompanhado por neurologista particular em Abrantes - resposta ao quesito 42.º e n.º 79 da matéria de facto;

Até à presente data, continua o Daniel a queixar-se de cefaleias occipitais persistentes. Apresenta cefaleias episódicas mas intensas de localização occipital, sensação de peso na cabeça e depressão na região occipital - respostas aos quesitos 46.º e 51.º e n.os 83 e 86 da matéria de facto;

As sequelas de que o Daniel é portador conferem-lhe uma incapacidade genérica permanente parcial fixável em 14% - resposta ao quesito 53.º e n.º 88 da matéria de facto;

Após a alta definitiva, o Daniel continuou a queixar-se de cefaleias intensas, não conseguindo concentrar-se a efectuar as tarefas escolares - resposta ao quesito 54.º e n.º 89 da matéria de facto;

Em resultado do acidente, o Daniel teve de suportar as dores e incómodos decorrentes das lesões, das intervenções cirúrgicas, tratamentos e largos períodos de internamento - resposta ao quesito 55.º e n.º 90 da matéria de facto;

O quantum doloris sofrido pelo Daniel é qualificado de «moderado», ou seja, de 3, numa escala de 0 a 10 - resposta ao quesito 57.º e n.º 91 da matéria de facto;

O Daniel, antes do acidente, era uma criança extrovertida, alegre, que gostava de brincar com os amigos - resposta ao quesito 58.º e n.º 92 da matéria de facto.

2.1 - No que se refere à fixação da indemnização devida ao menor Daniel, entendeu a 1.ª instância fixar em 1000000$00 a indemnização por prejuízos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade genérica permanente parcial já referida.

Além do que decidiu atribuir a importância de 22980$00, a título de honorários médicos, meios auxiliares de diagnóstico é transportes, e fixar em 1000000$00 o valor da indemnização por danos morais.

Diferente foi o entendimento da Relação.

Pode ler-se no acórdão recorrido que «a factualidade provada não abrange nem permite de modo algum inferir que as lesões sofridas pelo menor e a consequente incapacidade genérica se reflictam na sua capacidade de trabalho e de ganho, pois trata-se de uma incapacidade relativamente pequena e genérica que certamente lhe provocará incómodos e dificuldades acrescidas no seu dia a dia mas que nem por isso é previsível que futuramente venha a gerar perdas no rendimento auferido pelo trabalho e a previsibilidade destes danos futuros é condição sine qua non da sua indemnização, dado o disposto no artigo 564.º, n.º 2, do Cód. Civil».

Considerou, por isso, o acórdão recorrido que a referida incapacidade genérica deveria ser tomada em conta para o cálculo da indemnização devida, mas enquanto elemento integrante dos danos não patrimoniais sofridos.

Após o que se escreve ainda no acórdão sob impugnação: «o que não pode é objectivamente retirar-se desta incapacidade a conclusão de que provavelmente o menor apelante virá um dia e ao longo da sua vida útil a auferir rendimentos inferiores aos que obteria se não fora tal incapacidade.

Para isso exigir-se-ia ainda a prova concreta de que a sua capacidade de trabalho ficou afectada, o que não é certo: a resposta negativa ao quesito 51.º-A ('do traumatismo sofrido pelo menor resultaram sequelas significativas que se repercutirão necessariamente no futuro?') é disto significativa» - cf. fls.

261 v.º e 262.

2.2 - Não nos é possível acompanhar, na totalidade, o entendimento defendido pelo tribunal a quo, agora sucintamente exposto.

Na verdade, discorda-se da afirmação segundo a qual se considera «não ser previsível que por força dessa incapacidade venham a ocorrer mais tarde danos patrimoniais, o que tem como consequência a exclusão da aplicabilidade daquele artigo 564.º, n.º 2, do Cód. Civil». A própria resposta negativa dada ao quesito assinalado não permite tal inferência, não só porque tal é vedado a partir de uma resposta de «não provado», mas também porque, no quesito, se indagava acerca de «sequelas significativas que se repercutirão necessariamente no futuro» (ver nota 3).

Pelo contrário, é lícito concluir, a partir da matéria de facto dada como provada, que, da referida IGPP de 14%, resultarão, com toda a verosimilhança, danos patrimoniais futuros para o menor.

Atente-se, designadamente, no facto de que o Daniel, após a alta definitiva, «continuou a queixar-se de cefaleias intensas, não conseguindo concentrar-se a efectuar as tarefas escolares» - resposta ao quesito 54.º Tratando-se de um menor que, à data do acidente, tinha 4 anos de idade, é evidente que escasseiam dados susceptíveis de permitir determinar a medida da perda de capacidade geral de trabalho e de ganho que, previsivelmente, para ele advirão da incapacidade que lhe adveio. Em qualquer caso, é possível concluir acerca das acrescidas dificuldades de concentração e de realização das tarefas escolares que resultaram para o Daniel em consequência do acidente. O que permitirá inferir, num juízo de normalidade, que, para a obtenção do desejável «sucesso escolar», o Daniel terá de despender maior esforço do que o que lhe seria necessário se não tivesse sofrido a IGPP resultante do acidente (ver nota 4). Além de que, compreensível e logicamente, estará sujeito a limitações ou, quiçá, a impedimentos na sua actividade escolar que tornarão mais problemática e contingente a obtenção das aprovações indispensáveis para um normal prosseguimento dos seus estudos e para uma desejável eventual concretização de graus ou resultados académicos, por sua vez, notoriamente relevantes para a criação, no futuro, de melhores perspectivas de carreira profissional. O que, como bem se alcança, pode assumir incontornáveis e, eventualmente, bem gravosas consequências no plano dos danos patrimoniais futuros.

Resulta do exposto que se concorda, neste ponto, com o entendimento adoptado pela 1.ª instância, no sentido de subsumir os danos resultantes da IGPP sobrevinda ao Daniel à categoria de danos patrimoniais futuros.

O cálculo da indemnização desses danos patrimoniais futuros derivados da incapacidade de que o Daniel ficou a sofrer tem, pelas razões já enunciadas, de ser feito com recurso à equidade - cf. o artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil -, sem prejuízo de o julgamento de equidade, como modo adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto, não pode prescindir do que normalmente acontece (id quod plerumque accidit).

Tendo presentes os condicionalismos e as especificidades do caso concreto, atenta a idade do sinistrado e considerados os prejuízos previsíveis para ele decorrentes daquela incapacidade, julga-se conforme com a equidade valorar tais danos patrimoniais futuros com a fixação do quantum indemnizatório de 2000000$00 (correspondente a (euro) 9975,96), valor também já actualizado à data da sentença da 1.ª instância, de acordo com o disposto pelo n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil.

2.3 - Tal entendimento tem inevitavelmente reflexos no montante fixado para ressarcimento pelos danos não patrimoniais.

Na verdade, autonomizados agora os danos patrimoniais futuros, justifica-se proceder à redução do quantitativo correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais, em cujo âmbito o acórdão recorrido indevidamente integrara a assinalada incapacidade genérica.

2.4 - Quanto aos danos não patrimoniais, o artigo 496.º, n.º 3, manda fixar o montante da respectiva indemnização equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, ou as flutuações do valor da moeda (ver nota 5).

Deverá ter-se ainda presente que a jurisprudência deste Supremo Tribunal em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. Como se decidiu recentemente neste Supremo Tribunal de Justiça, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496.º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar (ver nota 6).

As dores e sequelas que, do ponto de vista da perda de qualidade de vida, irão prolongar-se no tempo, são padecimentos subsumíveis à categoria dos prejuízos não patrimoniais.

Tendo presentes o sofrimento suportado pelo menor Daniel, submetido, em idade tão jovem, a operação cirúrgica de grande melindre, os padecimentos posteriores e as sequelas que continuaram a atormentá-lo, e considerando o quadro fáctico já reproduzido, considera-se adequado fixar-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais o montante de 3000000$00 (correspondente a (euro) 14963,94), valor também já actualizado à data da sentença, em conformidade com o disposto pelo artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil.

3 - No que respeita à Ana Filipa, podem reproduzir-se, da matéria de facto dada como assente, os seguintes pontos:

Como consequência do acidente, a Ana Filipa foi transportada ao serviço de urgência do Hospital de Abrantes, onde foi observada, não possuindo nenhuma lesão, mas apenas um estado de excitação, ansiedade e nervosismo - resposta ao quesito 61.º e n.º 93 da matéria de facto;

A Ana Filipa apercebeu-se do acidente, sentiu o veículo passar junto de si e atropelar duas pessoas, uma das quais era seu irmão - resposta ao quesito 62.º e n.º 94 da matéria de facto;

A Ana Filipa sentiu medo e ansiedade - resposta ao quesito 63.º e n.º 95 da matéria de facto;

Tais factos provocaram-lhe um estado de grande nervosismo - resposta ao quesito 64.º e n.º 96 da matéria de facto.

3.1 - Ou seja: a menor Ana Filipa não sofreu nenhuma lesão, mas apenas um grande susto por ter assistido ao acidente e presenciado as suas consequências, o que lhe provocou medo, ansiedade e um estado de grande nervosismo.

Em face da factualidade provada, entenderam as instâncias que não estamos perante um quadro a que correspondam danos suficientemente graves para deverem ser ressarcidos nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil.

Concorda-se, neste ponto, com tal entendimento.

3.2 - O n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil dispõe que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

Os danos não patrimoniais excluídos da tutela do direito a que se reporta o citado preceito legal são, no dizer de Vaz Serra (ver nota 7), os «destituídos de gravidade que justifique a compensação pecuniária deles».

Mas como aferir e sopesar tal gravidade que legitima a compensação pecuniária desses danos? Ensina Antunes Varela: «Por um lado, a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, tendo em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjectivos resultantes de uma sensibilidade embotada ou especialmente requintada; por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem patrimonial ao lesado (ver nota 8).» 3.3 - É ao autor (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil) que compete alegar e provar os factos integradores da gravidade do dano não patrimonial que pretende ver reparado (ver nota 9).

Ora, no caso sub judice, os provados medo, ansiedade e grande nervosismo que afectaram a Ana Filipa não se revelam com a gravidade suficiente para que se considere verificado um dano não patrimonial merecedor da tutela do direito. Ou melhor: os recorrentes não lograram provar factos que permitissem concluir que aqueles estados de espírito apresentavam a gravidade que legitimaria a tutela do direito enquanto dano não patrimonial, e, consequentemente, a reparabilidade deste.

Não se tendo demonstrado os efeitos e as consequências resultantes para a menor do medo, ansiedade e grande nervosismo que dela, compreensivelmente, se apoderaram, também não se provou que tais sentimentos justificassem a tutela do direito, mediante a concessão à mesma de uma compensação pecuniária.

Improcede, pois, neste ponto, a pretensão dos recorrentes.

4 - Passemos à apreciação da questão que foi causa determinante da já referida fixação de jurisprudência.

4.1 - A questão de direito a resolver prende-se com a determinação do momento de início da contagem de juros de mora sobre os quantitativos da indemnização arbitrada a título de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, designadamente os respeitantes a danos não patrimoniais e a danos patrimoniais futuros por incapacidade geral permanente (ver nota 10).

Trata-se de interpretar a segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, na sua ligação sistemática com o artigo 566.º, n.º 2, ambos do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que se venham a indicar sem referência da origem.

Na verdade, conforme se adopte uma ou outra das orientações em confronto, adquirida que esteja a atribuição de uma indemnização actualizada, ou seja, objecto de correcção monetária, também o sentido do artigo 805.º, n.º 3, no seu segmento final, na sua necessária articulação com o artigo 566.º, n.º 2, terá que obedecer a uma interpretação literal ou restritiva.

Para utilizar os termos utilizados pelo acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça citado na nota 10, «trata-se, mais especificamente, de indagar se existe compatibilidade entre os referidos normativos ou se, pelo contrário, a compatibilização exige uma interpretação restritiva de qualquer deles».

Ou seja, trata-se de saber se o juiz pode arbitrar uma indemnização em dinheiro segundo o critério de cálculo actualizado prescrito no citado n.º 2 do artigo 566.º e, ao mesmo tempo, declarar que o responsável se encontra em mora pelo pagamento de tal quantia desde a citação, acrescentando-lhe, por isso, juros de mora desde a data da mesma, como parece resultar das disposições combinadas da segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º e do n.º 1 do artigo 806.º (ver nota 11); e de, no caso de não ser possível tal cumulação, definir o modo de compatibilizar a disciplina constante de ambos os normativos.

Com singeleza, a questão pode ser assim equacionada: há ou não incompatibilidade entre a segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho, e o n.º 2 do artigo 566.º? Se há, de que modo é que ela deve exprimir-se? Vejamos.

4.2 - Sobre tal questão, a jurisprudência, máxime, a deste Supremo Tribunal está de há muito dividida.

Assim, no sentido da orientação que advoga a existência de uma harmonia sistemática entre os dois preceitos, isto é, a admissibilidade da acumulação de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa da inflação, podem enumerar-se, sem preocupações de exaustividade, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 17 de Novembro de 1992 (ver nota 12), de 17 de Janeiro de 1995 (ver nota 13), de 30 de Maio de 1995 (ver nota 14), de 28 de Setembro de 1995 (ver nota 15), de 3 de Dezembro de 1998 (ver nota 16), de 13 de Janeiro de 2000 (ver nota 17) e de 23 de Novembro de 2000 (ver nota 18).

Sustentando, pelo contrário, a inadmissibilidade da referida acumulação, ou seja, entendendo que os dois preceitos se sobrepõem num espaço da sua estatuição, o que impõe a necessidade da interpretação restritiva do falado segmento do n.º 3 do artigo 805.º, podem enumerar-se os seguintes acórdãos, também deste Supremo Tribunal de Justiça: de 6 de Outubro de 1987 (ver nota 19), de 20 de Dezembro de 1990 (ver nota 20), de 26 de Fevereiro de 1991 (ver nota 21), de 14 de Março de 1991 (ver nota 22), de 31 de Março de 1993 (ver nota 23), de 15 de Dezembro de 1998 (ver nota 24), de 12 de Julho de 2001 (ver nota 25), de 6 de Novembro de 2001 (ver nota 26) e de 12 de Março de 2002 (ver nota 27).

4.3 - O principal argumento aduzido pelos defensores da primeira orientação radica no distinto objecto e na diversa natureza que preside à actualização da expressão monetária da indemnização relativa ao período compreendido entre a data da citação e a data da decisão actualizadora, por um lado, e, por outro, ao pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, na medida em que aquela visa a manutenção do valor real da indemnização, ao passo que este visará compensar o lesado pela demora na reparação dos danos sofridos. Pode ainda dizer-se que, de acordo com este entendimento, os juros de mora a atribuir não revestem apenas natureza compensatória, mas também uma função sancionatória, a que não é alheio o facto de a obrigação de indemnizar resultar da prática de um facto ilícito ou da criação de um risco especial.

Pelo contrário, para a segunda orientação, que, diga-se, desde já, acompanhamos, não é defensável a cumulatividade de juros de mora desde a citação, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 805.º com a actualização da indemnização, na medida em que ambas as providências influenciadoras do cálculo da indemnização devida obedecem à mesma finalidade, que consiste em fazer face à erosão do valor da moeda no período compreendido entre a localização no tempo do evento danoso e o da satisfação da obrigação indemnizatória (ver nota 28).

4.4 - Cumpre, pois, responder às perguntas deixadas oportunamente em aberto.

Ou seja, sempre que, fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no artigo 566.º, n.º 2, o juiz atribuir uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão da 1.ª instância - como foi o que aconteceu no caso sub judice - pode ele, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros moratórios desde a citação, por força do disposto na segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, referido ao n.º 1 do artigo 806.º? E, não o podendo fazer, como deverá compatibilizar a expressão normativa dos dois preceitos em confronto? Em matéria de cálculo da indemnização em dinheiro, o n.º 2 do artigo 566.º consagra a teoria da diferença, que define como a medida da «diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».

Desenvolvendo este ponto, escreve-se no citado Acórdão proferido na Revista 1861/00:

«Este critério de cálculo da indemnização em dinheiro não é, naturalmente, aplicável à indemnização por 'danos não patrimoniais' e ajusta-se mal à indemnização por 'danos futuros previsíveis' (cf. artigo 564.º, n.º 2).

Em todo o caso, o método de aferir o cálculo da indemnização pela data mais recente que o tribunal puder atender, que é uma das traves mestras do 'princípio da diferença', deverá ser, também, um dos princípios basilares da indemnização dos referidos danos, uma vez que se trata de ideia que decorre do próprio princípio geral da indemnização, definido no artigo 562.º No cálculo da 'diferença', relevam, como não podia deixar de ser, os danos derivados da demora da liquidação da indemnização.

E, porque se trata de indemnizar em 'dinheiro', um dos componentes da 'diferença', como efeito pernicioso dessa demora, deverá ser, também, a inflação, a 'décalage' entre o valor da moeda à data da ocorrência do dano e o que se verifica na citada 'data mais recente'.

As novas soluções introduzidas no Código Civil pelo Decreto-Lei 262/83 visaram combater o fenómeno da 'inflação' e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco.» (ver nota 29).

4.5 - Os juros moratórios exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária (artigo 806.º, n.º 1), sendo, assim, devidos a título de indemnização.

No entanto, e no seguimento do que já se disse, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei 200-C/80, aos juros moratórios passou a estar cometida não só a função específica de indemnizar os danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação, mas também a de contrabalançar a desvalorização monetária, numa indirecta reacção contra o princípio nominalista consagrado no artigo 550.º (ver nota 30).

Os efeitos conjugados da inflação e do protelamento das acções sobre os pedidos dos lesados era tal que o juiz não podia, muitas vezes, atribuir a indemnização que lhe impunha o n.º 2 do artigo 566.º, isto é, uma indemnização à medida do valor da moeda à data da sentença.

Chegados, porém, tempos, como os que correm, caracterizados por uma relativa estabilidade no valor da moeda, passou a acontecer, com frequência, que esse condicionalismo, associado à elevação dos pedidos indemnizatórios e ao desincentivo do protelamento das acções, resultante da já falada alteração introduzida ao n.º 3 do artigo 805.º, passaram a permitir ao juiz, sem violar o princípio do pedido, atribuir indemnizações actualizadas em conformidade com a referida norma do n.º 2 do artigo 566.º, levando já em conta não só todos os danos alegados, mas também a correcção monetária.

Como lucidamente se adverte no acórdão que vimos acompanhando, «fazer, então, incidir sobre tais quantias actualizadas juros moratórios entre a citação e a sentença será esquecer a teleologia da regra acrescentada ao n.º 3 do artigo 805.º, pelo mencionado Decreto-Lei 262/83, seria fechar os olhos à função de correcção monetária atribuída aos juros moratórios, seria, enfim, transformar um antídoto da inflação numa atribuição patrimonial injustificada, à revelia do princípio indemnizatório definido no dito n.º 2 do artigo 566.º e do próprio princípio geral consignado no artigo 562.º Aos prejuízos decorrentes do atraso da liquidação da indemnização, responde, assim como aos demais prejuízos directa ou indirectamente decorrentes do facto ilícito, o n.º 2 do artigo 566.º, não havendo, pois, razão para, em tais circunstâncias, se considerar que o responsável caiu em mora a partir da citação, pelo pagamento da obrigação pecuniária em que se converteu a obrigação de indemnização».

A aplicação da norma do n.º 2 do artigo 566.º em toda a sua expressão normativa, com a função de regra geral indemnizatória que claramente desempenha, faz com que, inevitavelmente, o n.º 3 do artigo 805.º deva sofrer uma restrição interpretativa, para a qual aponta também a consideração de que o princípio actualista que preside ao enunciado declarativo do n.º 2 do artigo 566.º não se confina ao aspecto da correcção monetária.

Sendo certo que a regra do n.º 3 do artigo 805.º teve em vista «combater o fenómeno da inflação e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco», se o juiz calcula o capital a valores actualizados, deixa de fazer sentido a aplicação retroactiva do corrector monetário.

Importa então concluir, como no acórdão citado, que, nesse caso, «a sua intervenção só se justifica , por força da interpretação restritiva do n.º 3 do artigo 805.º, a partir da data da sentença em 1.ª instância, que, no que toca ao cálculo da correcção monetária, constitui, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º, a mais recente que pode e deve ser tida em conta».

A aplicação simultânea do n.º 2 do artigo 566.º e do artigo 805.º, n.º 3, conduziria a uma duplicação de benefícios resultantes do decurso do tempo, pelo que o n.º 3 do artigo 805.º cederá quando a indemnização for fixada em valor determinado por critérios contemporâneos da decisão (ver nota 31).

4.6 - Por outro lado, não merece acolhimento uma interpretação do artigo 805.º, n.º 3, que permita pensar que o legislador de 1983 teria deixado na disponibilidade do lesado a opção entre o critério geral de indemnização actualizada previsto no n.º 2 do artigo 566.º e o do n.º 3 do artigo 805.º, que supõe a fixação da indemnização a valores do tempo da petição inicial (ver nota 32).

O critério regra é o estabelecido no n.º 2 do artigo 566.º, limitando-se o critério introduzido pela nova redacção do n.º 3 do artigo 805.º a ter um valor complementar do primeiro, «destinado a garantir a plena eficácia da respectiva intenção normativa» (ver nota 33).

Nem se diga que a cumulação de juros e correcção monetária poderia encontrar fundamento na função não meramente indemnizatória (e de correcção monetária) dos juros de mora, mas também na componente sancionatória que lhes corresponderia.

É que, por um lado, e tal como se disse, a ideia que presidiu à retroacção da mora, nos casos dos créditos ilíquidos provenientes de responsabilidade civil por facto ilícito e pelo risco, não teve origem em qualquer pretensão sancionatória ou punitiva, visando tão-somente combater os efeitos nefastos da inflação. Acresce, por outro, que a referida vertente punitiva não é de todo conciliável com a responsabilidade pelo risco (ver nota 34).

Como se explicou no acórdão proferido na Revista n.º 1861-00, a intenção do legislador de 1983 foi nitidamente a de apenas compensar o prejuízo da inflação relativamente ao que falhava na previsão do n.º 2 do artigo 566.º, ou seja:

a) Quando, por efeito da inflação, o valor do pedido se depreciava em termos tais que a actualização com referência à data da sentença conduzia a um valor superior ao do pedido, que o tribunal não podia, assim, considerar atenta a limitação resultante do artigo 661.º, n.º 1, do CPC;

b) Por não prever a possibilidade de actualização monetária em via de recurso, razão por que o n.º 2 do artigo 566.º lhe fixava o limite temporal na «data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal», «data esta que, por força dos mecanismos do processo, só pode ser a da sentença em 1.ª instância».

Justifica-se uma advertência.

A actualização monetária da obrigação pode, porém, não ocorrer apenas em 1.ª instância, podendo ter lugar na Relação ou até, excepcionalmente, no Supremo Tribunal de Justiça.

Considerando o carácter geral e tão abrangente quanto possível que deverá ter a solução uniformizadora, a qual deverá abarcar, sendo caso disso, a actualização monetária expressamente efectuada nas decisões proferidas pelo tribunais superiores, será preferível que, na sua formulação, a norma interpretativa a adoptar, em vez de aludir à «sentença proferida em 1.ª instância», faça referência ao conceito de «decisão actualizadora», interpretado nos termos acabados de indicar.

4.7 - Diga-se ainda que, nesta problemática, não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais e ainda entre as diversas espécies ou categorias de danos patrimoniais, uma vez que todos são indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo actualizado constante do n.º 2 do artigo 566.º Nem se argumente, enfim, que, a vencer a tese da não cumulação, se frustrará o propósito prosseguido pelo legislador de 1983. Na verdade, sempre continua reservado à nova formulação do n.º 3 do artigo 805.º um largo campo de incidência.

Assim, reproduzindo as considerações, a propósito, tecidas pelo acórdão que temos vindo a acompanhar, poder-se-á desenhar o seguinte quadro:

1.º A interpretação restritiva que se adopta só sé aplica relativamente à obrigação de indemnização e não a qualquer outra obrigação ilíquida, de diferente origem e natureza;

2.º Nos casos em que o juiz não pode valer-se do n.º 2 do artigo 566.º, por o pedido estar muito desactualizado, e não ter sido ampliado, os juros de mora podem e devem ser contados desde a citação, em cumprimento do n.º 3 do artigo 805.º;

3.º Se não tivesse sido alterado no sentido em que o n.º 3 do artigo 805.º foi pelo legislador de 1983, não seria possível contar juros de mora sobre o montante indemnizatório a partir da sentença condenatória, independentemente do trânsito em julgado (a «teoria da diferença» só opera até à sentença); a partir desta, já nada obsta, por aplicação do n.º 3 do artigo 805.º, a que comecem a contar-se juros de mora.

5 - Acerca do momento a partir do qual devem ser contados, no caso concreto, submetido a recurso, os juros moratórios, quer para a indemnização fixada pela Relação de Évora relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente João Francisco Horta, quer quanto à indemnização, agora arbitrada, por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais sofridos pelo menor Daniel de Matos Lérias Pires, deve ponderar-se que os quantitativos indemnizatórios atribuídos na esteira do que fora oportunamente decidido pelas instâncias - já tiveram em linha de conta o critério actualista definido no n.º 2 do artigo 566.º, compreendendo, assim, uma avaliação dos danos reportada à data da sentença da 1.ª instância - cf. fls. 217 e 263 v.º Improcede, pois, neste ponto a pretensão dos recorrentes, devendo os juros moratórios, conforme o decidido pelas instâncias, e de acordo como atrás exposto, correr a partir da data da prolação da sentença em 1.ª instância.

6 - Termos em que se decide:

a) Conceder parcialmente a revista, condenando-se a ré Companhia de Seguros Fidelidade, S. A., a pagar aos AA. Augusto Vilhais Pires e mulher Maria Fernanda Matos Lérias Pires, por si e em representação de seu filho menor Daniel de Matos Lérias Pires, a importância de (euro) 9975,96, correspondente a 2000000$00, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, e ainda a importância de (euro) 14963,94, correspondente a 3000000$00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

b) Em tudo o mais confirmar o acórdão recorrido.

Custas a cargo dos recorrentes na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.

7 - Tendo em vista a uniformização de jurisprudência, acordam na seguinte norma interpretativa:

Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.

(nota 1) A Lei 2127 veio a ser revogada pela Lei 100/97, de 13 de Setembro (artigo 42.º).

(nota 2) Cf. Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho - Reflexões e Notas Práticas, Rei dos Livros, 1984, pp. 227 e 228.

(nota 3) Sublinhados agora o adjectivo «significativas» e o advérbio «necessariamente».

(nota 4) Acidente para o qual, diga-se, em nada contribuiu o Daniel, tendo sido atropelado quando circulava em marcha a pé, pela berma, acompanhado por uma pessoa adulta - auxiliar de acção educativa -, pela sua irmã Ana Filipa e por outra menor, colega de escola.

(nota 5) Cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Maio de 1993, in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano I, 1993, t. II, pp. 130 e seguintes). Cf. também, acerca deste ponto, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1979, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113.º, p. 91, e de 18 de Março de 1997, na Colectânea de Jurisprudência, ano V, t. I, 1997, pp. 163 e segs., e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9.ª ed., p. 629.

(nota 6) Cf. Acórdão de 28 de Maio de 1998, revista n.º 337/98, já citado.

(nota 7) Cf. «Exposição de Motivos», Boletim do Ministério da Justiça, n.º 83, citado pelo conselheiro Rodrigues Bastos em Das Obrigações em Geral, vol. II, p. 119.

(nota 8) Cf. Das Obrigações em Geral, 2.ª ed., vol. I, Almedina, Coimbra, 1973, pp. 486 e 487.

(nota 9) Cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1998, revista n.º 342/98, e de 3 de Dezembro de 1998, revista n.º 1061/98.

(nota 10) Para o tratamento do tema em apreço, além de outros subsídios, que serão referenciados no texto, acompanhar-se-á de perto o Acórdão de 12 de Julho de 2001, proferido na revista n.º 1861/00, 7.ª Secção (uma vez frustrado o julgamento ampliado, sob a consideração de que o requerimento da parte fora extemporâneo), de que foi relator o Exmo. Conselheiro Quirino Soares.

(nota 11) Tendo em conta que a «obrigação de indemnização» por facto ilícito ou pelo risco, uma vez fixada em dinheiro, se converte em «obrigação pecuniária».

(nota 12) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 421, p. 414.

(nota 13) In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 443, p. 270.

(nota 14) In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 447, p. 485.

(nota 15) In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 449, p. 344.

(nota 16) In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 482, p. 211.

(nota 17) In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 493, p. 354.

(nota 18) Proferido no processo 46/00, 7.ª Secção.

(nota 19) In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 370, p. 505.

(nota 20) In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 402, p. 558.

(nota 21) In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 404, p. 424.

(nota 22) In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 405, p. 443.

(nota 23) In Boletim do Ministério da Justiça, n.º 425, p. 554.

(nota 24) In Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, t. 3, p. 155.

(nota 25) Proferido no processo 2095/01, 2.ª Secção.

(nota 26) Proferido no processo 2592/01, 1.ª Secção.

(nota 27) Proferido no processo 28/02, 1.ª Secção.

(nota 28) Segundo o acórdão citado na nota 10, pode ainda apontar-se uma «terceira via», que faz a «ponte» entre as duas orientações, que poderia ser surpreendida nos seguintes acórdãos de Supremo Tribunal de Justiça: de 10 de Fevereiro de 1998, in Colectânea de Jurisprudência, «Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça», ano VI; t. I, p. 65; de 23 de Abril de 1998, in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VI, t. 2, p. 49, e de 23 de Setembro de 1999, in Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, t. 3, p. 25. Nestes últimos acórdãos prevalece a ideia de que não faz sentido cumular a actualização da indemnização com juros de mora. Todavia, é entendido que nada impede a aplicação simultânea dos dois preceitos em confronto, se o Tribunal, porque assim lhe foi expressa ou implicitamente pedido, atribuiu o capital indemnizatório a valores do tempo da petição; mas se, em vez disso, tiver actualizado a indemnização à data da sentença em 1.ª instância, então o n.º 3 do artigo 805.º «cederá o passo», e os juros de mora apenas se contam a partir da sentença, sob pena de indevida cumulação de actualização monetária e juros de mora, isto é, de empolamento ilegal da indemnização. Mas, assim exposta, esta «terceira via» pode reconduzir-se, para o que ora importa, ao segundo entendimento acima referido.

(nota 29) Trata-se de um objectivo que já vinha sendo prosseguido pelo Decreto-Lei 200-C/80, de 24 de Junho, e que, como resulta do respectivo relatório preambular, o Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho visou complementar.

(nota 30) V., neste sentido, o citado acórdão, proferido na revista n.º 1861-00, que continuamos a acompanhar de perto. Como se pondera neste acórdão «a acelerada corrosão provocada nos pedidos indemnizatórios pelo fenómeno inflacionário incentivava [...] os devedores a protelarem o andamento nas acções de indemnização, descansados à sombra da regra legal que, no que toca a créditos ilíquidos, como são os de indemnização, relegava o início da mora para quando se tornasse líquido o débito (cf. antiga redacção do citado n.º 3 do artigo 805.º), atirando, por isso, o início da contagem de juros de mora sobre a quantia indemnizatória para o, muitas vezes longínquo, momento do trânsito em julgado da sentença». Atrasada, por efeito da demora dos processos, a liquidação definitiva da indemnização e, por via disso, o início da contagem dos juros de mora, a nova redacção do n.º 3 do artigo 805.º, introduzida pelo Decreto-Lei 262/83, impunha-se, pois, como urgente necessidade.

(nota 31) Neste sentido, cf. o Acórdão de 12 de Março findo, proferido na revista n.º 28-02, 1.ª Secção.

(nota 32) Apenas nessa medida parecendo menos consistente o entendimento vertido na anotação feita por Pires de Lima e Antunes Varela ao artigo 805.º, in Código Civil Anotado, 3.ª ed., vol. II, pp. 66-67, onde, no entanto, se defende a interpretação restritiva do respectivo n.º 3, em face do enunciado normativo do artigo 566.º, n.º 2.

(nota 33) Do citado Acórdão de 12 de Julho de 2001, na revista n.º 1861-00.

Mas, como ali também se acrescenta, o que pode acontecer é que o lesado condicione a aplicação integral dos critérios da lei se, por exemplo, formula o pedido em termos tais (quantitativos) que impede o juiz, limitado pelo principio do pedido, de actualizar o capital indemnizatório com referência à data mais recente. Casos em que, na impossibilidade prática de cumprir o critério do n.º 2 do artigo 566.º, na componente da correcção monetária, se justificará então a aplicação irrestrita do critério estabelecido na segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º (nota 34) Além de que também não merece aplauso a tese que defende a existência de um escopo sancionatório à responsabilidade civil por facto ilícito, salvos traços marginais que são, de todo, exteriores à natureza dos juros.

Lisboa, 9 de Maio 2002. - José Augusto Sacadura Garcia Marques (relator) - Ilídio Gaspar Nascimento Costa - Rui Manuel Brandão Lopes Pinto - Joaquim Fonseca Henriques de Matos - João Augusto de Moura Ribeiro Coelho - Fernando João Ferreira Ramos - Fernando José Matos Pinto Monteiro - Dionísio Alves Correia - António Quirino Duarte Soares - Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida - António da Costa Neves Ribeiro - Armando Lopes Lemos Triunfante - Armando Moita dos Santos Lourenço - Alípio Duarte Calheiros - Abel Simões Freire - Álvaro de Sousa Reis Figueira - Eduardo Jorge Faria Antunes - António Pais de Sousa - José Miranda Gusmão de Medeiros - José Carlos Carvalho Moitinho de Almeida - Manuel José Boavida Oliveira Barros (com a declaração de voto junta) - Agostinho Manuel Pontes Sousa Inês (vencido nos termos da declaração de voto que vai em escrito próprio) - Afonso de Azevedo Pinto e Melo (vencido no termo de declaração que junto) - José da Silva Paixão (vencido de acordo com o voto do meu Exmo.

Colega Sousa Inês) - Abílio de Vasconcelos de Carvalho (vencido de acordo com o voto do Exmo. Conselheiro Sousa Inês) - Manuel Maria Duarte Soares (vencido de acordo com a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Dr. Sousa Inês) - Fernando de Azevedo Ramos (vencido de acordo com a posição do Acórdão deste Supremo de 6 de Dezembro de 2001, publicado na Colectânea do Supremo Tribunal de Justiça, IX, 3.º, p. 135, de que fui relator, e que corresponde à declaração de voto do Exmo. Conselheiro Sousa Inês). - Manuel José da Silva Salazar (vencido, de harmonia com a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Sousa Inês). - Fernando Jorge Ferreira de Araújo Barros (vencido conforme declaração que junto).

Declaração de voto

Voto a decisão no entendimento de que a actualização que o artigo 566.º, n.º 2, Código Civil garante é igualmente assegurada pelos juros de mora que o artigo 805.º, n.º 3, concede. Não acompanho a subordinação a que no n.º 4.6 deste douto aresto aparentemente se vota este último dispositivo em relação ao primeiro. É, antes, a meu ver de adoptar, neste particular, entendimento contrario, e de, no domínio que lhe é próprio, conferir prevalência ao preceituado no n.º 3 do artigo 805.º, salvaguardando o n.º 3 do artigo 806.º o mais que, neste âmbito, a lei pretende acautelar, e que, antes mesmo do intuito dissuasor de litigância dilatória, é manter íntegra a indemnização devida ao lesado. - Oliveira Barros.

Declaração de voto

1 - A questão que vem colocada é a de saber se existe e é devida a «cumulação», em relação ao mesmo período de tempo, o que vai da data da citação até à da sentença (rectius, data do encerramento da discussão), da actualização da expressão monetária da indemnização por danos, patrimoniais ou não, com juros de mora.

Desde já se adianta a resposta: esta «cumulação» é devida, cada um dos factores tem a sua causa própria, distinta da do outro, não há qualquer enriquecimento sem causa em tal situação.

De harmonia com o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil:

«[...] a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos.» E, por força do disposto no artigo 663.º, n.º 1, do Código de Processo Civil:

«[...] deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento de discussão.» Este preceito legal é aplicável ao julgamento da relação, perante a qual se reabre, dentro de certos limites, a discussão da matéria de facto, por força do disposto no artigo 713.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Adaptando estes preceitos legais à fixação da indemnização por danos, verifica-se que a esta nada tem a ver nem com o tempo em que o acidente ocorreu, nem com a data em que a acção foi intentada ou o réu foi citado.

A fixação da expressão monetária do desvalor a compensar com atribuição da indemnização só tem a ver com a data em que se encerra a discussão (na 1.ª ou na 2.ª instância). É nessa data e em relação a ela que caberá avaliar qual a situação em que o lesado se encontra e aquela em que se encontraria se não fosse a lesão, achar a diferença e exprimir esta diferença em dinheiro, atendendo ao valor deste, ao seu poder aquisitivo à data da decisão, com recurso à equidade.

Se a indemnização tivesse sido fixada logo no próprio dia em que a lesão ocorreu certamente que a sua expressão monetária seria diferente daquela que assumirá se vier a ser fixada cinco anos mais tarde (em regra esta será maior já que a inflação também é a regra).

Porém, esta diferença de expressão monetária do desvalor que é o dano não significa que no segundo momento a indemnização seja maior: o que cresce não é a indemnização, que continua a ser a mesma, mas a sua expressão monetária em consequência de ter baixado o poder aquisitivo da moeda.

Claro que isto é assim se nestes cinco anos o dano se não tiver agravado;

porque se tal agravamento ocorrer, sendo o desvalor maior à data da decisão, então é que a própria indemnização terá que ser maior (porque será maior a diferença a que o artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil manda atender) e não apenas a sua expressão monetária.

A obrigação de pagamento de juros sobre a expressão monetária da indemnização não tem a ver com a reparação da lesão a que me venho referindo.

Tem a ver com um outro mal, o da demora na compensação do lesado pelo dano sofrido.

Quem pela prática de facto ilícito causa a outrem um dano tem o dever de o reparar imediatamente. É a regra estabelecida no artigo 805.º, n.º 2, alínea b), do Código Civil:

«Há [...] mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito.» Esta regra conhece uma excepção no caso de iliquidez do crédito do lesado.

Esta excepção, após o aditamento do Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho, ao n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, é a seguinte:

«Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, [...];

tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos [...]» Esta excepção àquela regra (a de o devedor por facto ilícito se constituir imediatamente em mora, no próprio dia em que praticou o facto, sem necessidade de interpelação) deve exprimir-se assim:

«Em caso de responsabilidade civil por facto ilícito, ou pelo risco, sendo o crédito ilíquido, o devedor constituiu-se em mora a partir da interpelação feita mediante citação para a acção judicial em que se peça a sua condenação a pagar.» Seguramente que em termos puramente lógicos, de uma lógica geométrica, não joga bem a constituição em mora com a iliquidez da obrigação (seja pelo que respeita à obrigação em si, seja pelo que respeita à forma do seu cálculo);

para quem se limite a raciocinar em tais termos resulta incompreensível que se sancione o devedor, obrigando-o ao pagamento de juros, por não pagar imediatamente, ainda antes de saber quanto tem que pagar.

O que acontece é que a solução da lei não se justifica por aquela razão de construção lógica, não sendo expressão de justiça meramente retribuitiva.

A razão de ser da lei é a equidade: é justo e adequado que o devedor compense o credor, no caso de responsabilidade civil por facto ilícito (e, até, pelo risco), pela demora no cumprimento resultante da duração do processo, da demora de solução da questão inerente à necessidade de assegurar ao devedor a respectiva defesa (ver nota 1). É justo, é equitativo, que seja o devedor, em tais hipóteses de facto ilícito ou de risco, a suportar o preço da demora, aliás compensado por pagar mais tarde.

Releva, aqui, também, o carácter e função de sanção (e não apenas de compensação) da obrigação de indemnizar com fundamento na prática de facto ilícito ou de criação de um risco especial.

O legislador, com realismo e conhecimento da vida, verificou que a demora do processo (que os devedores frequentemente provocavam) redundava, em especial, em época de inflação elevada, em grande benefício para o devedor que, aplicando o capital respectivo nos negócios, obtinha, com o tempo ganho, muito maiores benefícios que o do aumento da indemnização a pagar. Isto era de tal sorte que em certas épocas, pagar meia dúzia de anos mais tarde era, em termos financeiros, o mesmo que nada pagar (e quiçá continua a ser ainda hoje) (ver nota 2).

O legislador, sempre com realismo, não se esqueceu que, na aplicação deste preceito legal, se encontra, as mais das vezes, um conflito entre o lesado em acidente de viação (a sofrer danos, patrimoniais e não patrimoniais, que podem ser muito graves e exigir rápida indemnização) e uma (ou mais) companhias de seguros com ampla capacidade económica. Por isto, entendeu ser equitativo sacrificar em alguma medida o devedor, em benefício de interesse atendível do credor.

O legislador de 1983 não desconhecia o disposto nos artigos 566.º, n.º 2, do Código Civil, e 663.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo que se aceitar que foi de caso pensado, conscientemente, que ao disposto naqueles preceitos legais aditou ao artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil o apontado regime.

Cabe não esquecer, de resto, que foi o mesmo legislador quem aditou ao artigo 806.º do Código Civil o seu actual n.º 3, que permite ao credor, sempre em caso de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, reclamar indemnização pela mora em montante superior ao dos juros de mora.

E, também, quem introduziu no mesmo Código o actual artigo 829.º-A, em especial, pelo que aqui nos interessa, o seu n.º 4, criando uma sanção pecuniária compulsória.

Em conclusão: os juros devidos nos termos da regra aditada ao n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil pelo legislador de 1983 visam compensar um mal diferente do mal da lesão pelo próprio facto ilícito: uma coisa é a indemnização devida pelo mal do facto ilícito, outra coisa é o mal de o lesado ter de esperar longo tempo, às vezes anos e anos, sem horizonte, pelo pagamento da indemnização.

O legislador, aliás, optou por uma solução de equilíbrio, de compromisso:

apesar de se tratar de obrigação proveniente de facto ilícito não manda contar a mora a partir da lesão [cf. artigo 805.º, n.º 2, alínea b), do Código Civil], mas apenas a contar da citação (artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil).

2 - Entre as duas posições em confronto, discutidas no acórdão, ainda é possível uma terceira, intermédia, visando conciliar o disposto nos artigos 566.º, n.º 2, e 805.º, n.º 3, parte final, do Código Civil, em lugar de sacrificar a segunda (como se fez neste acórdão, em que fico vencido).

Sabe-se que os juros legais são (em regra) de taxa superior à da inflação. De tal modo que na taxa daqueles se compreende uma parcela destinada a compensar esta.

É possível (e fácil de aplicar) calcular a indemnização em termos actualizados à época da sentença (o que corresponde à consideração da inflação entre a época do dano e da sentença) e acrescentar o diferencial entre a taxa da inflação e a dos juros pelo tempo que medeia entre a citação e a sentença.

Por outras palavras, a questão coloca-se em relação ao tempo que vai da citação à sentença.

No acórdão em que fico vencido sacrifica-se o artigo 805.º, n.º 3, segunda parte, do Código Civil, em relação a este tempo.

Na interpretação que aqui proponho, considera-se que a actualização a que se refere o artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, a inflação, está compreendida na taxa dos juros de mora, pelo que, aplicando esta taxa, nos termos do artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil, se respeita igualmente o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil.

No mais (juros de mora) compreende-se o menos (inflação), mas não o contrário. Considerar apenas a inflação é querer meter o Rossio na Betesga, é violar a lei.

Respeitem-se os dois preceitos em confronto, em lugar de revogar um deles pela via de errada interpretação.

3 - Pelas razões expostas no n.º 1, votei a uniformização de jurisprudência nos seguintes termos:

Em caso de responsabilidade civil por facto ilícito, ou pelo risco, mesmo sendo o crédito ilíquido, o devedor constituiu-se em mora a partir da interpelação feita mediante citação para a acção judicial em que se peça a sua condenação a pagar.

(nota 1) Continua a ser a equidade que levou o legislador a aceitar que os juros possam incidir sobre um capital que à data da citação seria inferior ao que venha a ser apurado com referência à data do encerramento da discussão.

(nota 2) Continua a ser vantajoso fazer investimento adquirindo a crédito bens não consumíveis.

Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês.

Declaração de voto

Vencido. Os juros moratórios das obrigações pecuniárias e a correcção monetária das chamadas «dívidas de valor» têm funções distintas: indemnizar o dano da mora (artigos 804.º e 806.º do Código Civil); actualizar a obrigação pecuniária de acordo com a flutuação do valor da moeda (artigo 551.º do mesmo Código), pois as dívidas de valor variam com o poder de aquisição da moeda, contra o disposto no anterior artigo 550.º (nominalismo monetário).

Não são pois incompatíveis, devendo em princípio cumular-se para permitir a reparação integral do dano.

Sendo a indemnização dívida de valor, a sua actualização não significa o ressarcimento de um maior ou distinto dano, mas apenas diversa expressão monetária do mesmo dano originariamente causado (M. Biancá, Inadempimento delle obbligacioni, 2.ª ed., p. 358).

Confrontada com a mesma questão, a Cassazione italiana, no acórdão proferido pelas Sezioni Unite em 17 de Fevereiro de 1995, decidiu precisamente que, sendo diferentes as suas funções, se cumulam os juros e a actualização monetária, esta até ao momento da decisão definitiva (Contratto e impresa, 1998, 3, pp. 1167-1168).

Não vigora naquele país o princípio in illiquidis non fit mora.

O Decreto-Lei 200-C/80, de 24 de Junho, alterou os artigos 559.º do Código Civil e 102.º, § 2.º, do Código Comercial, considerando que o fenómono inflacionário tornara irrisórias e irrealistas as taxas de juros fixos e, assim, insignificante o dano causado pela mora e o seu efeito dissuasor de uma litigância dilatória.

O Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho, alterando o n.º 3 do artigo 805.º e introduzindo o n.º 3 do artigo 806.º, ambos do Código Civil, eliminou o princípio in illiquidis non fit mora e admitiu que o credor obtenha indemnização maior que a dos juros moratórios, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.

E introduziu o artigo 829.º-A do Código Civil, prevendo no n.º 4 um acréscimo automático de 5% sobre os juros de mora se o devedor não acatar a sentença de condenação transitada em julgado.

Tudo, como se vê dos preâmbulos daqueles diplomas legais, para tutelar o credor em termos que agora se atenuam com a solução que fez vencimento, que regressa ao princípio in illiquidis non fit mora.

As dívidas de valor, ilíquidas por natureza, podem ser actualizadas até ao pagamento.

Sustenta-se assim que o credor que obteve sentença condenatória, pode exigir posteriormente do devedor o respectivo complemento se entretanto houver depreciação monetária até à data de pagamento - Vaz Serra, RLG, 112, p. 358;

Pinto Monteiro, Inflação e Direito Civil, p. 26; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1978, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 278, p. 102.

O presente acórdão deixa em aberto a questão que se pode suscitar quando o autor pedir de início a actualização monetária até ao pagamento.

Diz-se que tanto a actualização monetária como os juros são instrumentos aptos a reagir à desvalorização da moeda, sendo remédios que não devem cumular-se quando se sobreponham (E. Quadri, Trattato di Diritto Privato, dirigido por Rescigno, 9, pp. 550-551).

Diz-se também que, com o afastamento das taxas de juros fixos, permitiu-se que estas se ajustem à desvalorização da moeda resultante da inflação, instaurando-se um sistema defeituoso em que é considerada juro uma fracção que representa mera reposição do valor da moeda (Oliveira Ascensão, Lições de Direito Comercial, vol. I, parte geral, pp. 560-561).

A ser assim, há que estabelecer se e qual a fracção do juro a que o legislador atribuiu função actualizante e só esta e a correcção monetária não se acumulam.

Trata-se, na expressão de M. Malaurie citada por Yves Chartier, La Réparation du Préjudice, p. 526, n. 303, de combinar a taxa de juro e a correcção monetária sem cúmulo nem exclusão. - Afonso de Melo.

Declaração de voto

Entendo que os juros moratórios sobre a quantia fixada a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, em caso de responsabilidade extra-contratual, por facto ilícito, são devidos e, como tal, hão-de ser contados a partir da data da citação do réu (ver nota 1).

Certo que se tem assistido a certa divergência jurisprudencial quanto à questão da actualização da indemnização dos danos não patrimoniais - pautada pelo valor à data mais recente que puder ter sido considerada pelo tribunal - e a concomitante responsabilidade pelo pagamento de juros de mora.

Sustenta-se, umas vezes, que não é possível a acumulação da indemnização com juros de mora a partir da citação, antes estes só serão devidos após a sentença da 1.ª instância (ver nota 2), essencialmente com o argumento de que é nessa altura que a indemnização foi quantificada de modo actual, em conformidade com os valores atendíveis naquele momento, não se lhes aplicando o disposto no artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil, porque constituiria uma duplicação da actualização do capital com os juros (ver nota 3).

É que, argumenta-se, os juros de mora relativos aos danos não patrimoniais serão apenas tidos em conta a partir da data da sentença, pois, sendo esta a data mais recente a que o juiz atendeu para a valorização desses danos, haveria clara duplicação de valores se os juros fossem devidos desde a citação (ver nota 4).

Noutro sentido, similar àquele, embora partindo do pressuposto de que não são incompatíveis a fixação, da indemnização actualizada, de harmonia com o n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, com a atribuição de juros de mora nos termos do artigo 805.º, n.º 3, do mesmo diploma, desde que os juros incidam sobre o montante da indemnização não actualizado, se tem também decidido (ver nota 5).

Sustentou-se ainda, concluindo que o mecanismo da actualização monetária da obrigação de indemnização nos termos do artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil é compatível com a fixação de juros de mora, nos termos do artigo 805.º, n.º 3, do mesmo Código , que as quantias a título de danos não patrimoniais devem ser não só actualizadas à data do acórdão, mas sobre elas deve a ré pagar juros de mora desde a citação para a acção, pois que as indemnizações neles previstas têm fontes e fins diferentes: enquanto uma delas tem por fonte a responsabilidade civil por facto ilícito e tem por finalidade corrigir a diferença de valores entre a data das lesões e o momento da decisão, a outra tem por fonte a mora, baseia-se no incumprimento pelo devedor em devido tempo e visa sancionar esse não cumprimento atempado (ver nota 6).

Coincide a minha posição com esta última orientação enunciada.

É, na verdade, indubitável que «a obrigação de indemnizar tem por fonte a responsabilidade civil por facto ilícito (ou risco) e a obrigação de juros tem por fonte a mora, o atraso no cumprimento da prestação ainda possível. E essa distinção (e até a autonomia da obrigação de juros - artigo 561.º do Código Civil) reflecte-se nos respectivos cálculos: enquanto a obrigação de juros de mora é calculada através de uma taxa fixada em portaria - artigo 559.º do Código Civil - a obrigação por facto ilícito, por impossibilidade de reconstituição natural, será fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente e a que teria nessa data se não existissem danos - artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil)» (ver nota 7).

Doutro passo, não ocorre diferença relevante entre danos patrimoniais e não patrimoniais no que concerne à aplicação do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil: em ambas as situações o tribunal tem de atender, na fixação do montante indemnizatório, à data mais recente que por ele possa ser atendida.

Por isso não faz sentido utilizar critérios diversos quanto à condenação em juros.

Se, quanto aos danos patrimoniais, como é entendimento corrente, os juros se contam a partir da citação, assim também deve acontecer no que concerne aos danos não patrimoniais.

Aliás, ao alterar o n.º 3 do artigo 805.º, não ignorava o legislador do Decreto-Lei 262/83, de 16 de Junho, o que se dispunha já então no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil e no artigo 663.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no sentido de a decisão dever corresponder à data mais recente que pudesse ser atendida pelo tribunal, ou seja, à situação existente no momento do encerramento da discussão.

«Ora, sendo assim, como é, e como igualmente não ignorava que a indemnização por facto ilícito ou pelo risco é, em geral, em dinheiro, não se compreenderia que, se considerasse os juros de mora como uma forma de actualização do valor da prestação, não fizesse qualquer ressalva relativamente à actualização operada ao abrigo dos referidos artigos 566.º do Código Civil e 663.º do Código de Processo Civil» (ver nota 8).

Foi, por isso, sem dúvida, intenção do legislador - sabendo que a natural liquidação dos pedidos indemnizatórios se obtém através do recurso ao n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil e que a primeira parte do artigo 805.º, n.º 3, impede a constituição em mora enquanto ao crédito se não tornar líquido - distinguir as duas situações, expressamente ressalvando os casos de indemnização advinda de facto ilícito ou do risco, em que a mora nasce independentemente da liquidez.

Nem sequer outra intenção se compreenderia, já que, sendo a alteração feita pelo legislador do Decreto-Lei 262/83 manifestamente de protecção dos lesados, a configurar-se a mera actualização da indemnização nos termos do artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, sem a correspondente condenação nos juros desde a citação, a situação reverteria, pura e simplesmente, em desfavor daqueles.

Suponhamos um pedido de indemnização de 300000$00, numa acção em que a sentença foi proferida três anos depois da citação. Certamente que a actualização, por referência aos índices do INE (ficcionemos 3% ao ano), iria conduzir a uma indemnização de, sensivelmente, 328818$00. Por esses mesmos três anos, a serem pagos juros sobre a quantia peticionada, seriam devidos, desde a citação, no mínimo, 363000$00.

Donde terá que se entender que aquele artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil não tem uma intenção correctora da depreciação monetária, antes tal intenção é própria e permanece ínsita na consagração, pelo artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, da denominada teoria da diferença.

Por isso que, constituindo a obrigação de juros uma indemnização diferente da obrigação de indemnizar pelos danos causados no acidente, tem por fonte a mora, baseia-se no incumprimento pelo devedor em devido tempo e visa sancionar esse não cumprimento atempado (ver nota 9).

Por último, e a entender-se que os juros se contariam apenas a partir da data mais recente atendível pelo tribunal, nunca poderia deixar de se fazer complicada e absurda operação aritmética, avaliando os danos à data da propositura da acção - sem dúvida que relativamente a esse valor os juros se contam desde a data da citação - e voltando a fixá-los na última data, passando então os juros a incidir sobre a diferença encontrada, situação que o legislador, a ter previsto, certamente repudiaria.

Donde, no caso sub judice, parece-me, de acordo com a melhor interpretação dos textos legais, os juros sobre a quantia atribuída a título de indemnização por danos não patrimoniais são devidos a partir da data da citação.

Em consequência, votaria pela uniformização da jurisprudência no sentido de que «ainda quando a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tenha sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por força do artigo 805.º, n.º 3, do mesmo diploma, a partir da citação do réu para a acção».

(nota 1) Nessa medida aderindo, em suma, ao decidido no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2001, in Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano IX, n.º 3, p. 135 (relator Azevedo Ramos).

(nota 2) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1997, no processo 462/96 da 2.ª Secção (relator Costa Soares).

(nota 3) Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1999, no processo 4/99 da 2.ª Secção (relator Peixe Pelica), de 14 de Março de 1991, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 405, p. 443 (relator Cabral de Andrade), de 10 de Dezembro de 1997, no processo 80/97 da 2.ª Secção (relator Sampaio da Nóvoa), de 17 de Novembro de 1998, no processo 990/98 da 1.ª Secção (relator Ribeiro Coelho).

(nota 4) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, no processo 657/98 da 1.ª Secção (relator Aragão Seia).

(nota 5) Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 1997, no processo 507/97 da 1.ª Secção (relator Aragão Seia), de 1 de Julho de 1999, no processo 183/99 da 2.ª Secção (relator Noronha Nascimento), de 26 de Março de 1998, no processo 104/98 da 1.ª Secção (Lemos Triunfante), de 17 de Novembro de 1998, no processo 977/98 da 1.ª secção (relator Afonso de Melo).

(nota 6) Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Julho de 1995, in Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano III, n.º 3, p. 36 (relator Figueiredo de Sousa), de 30 de Janeiro de 1997, no processo 617/96 da 2.ª Secção (relator Miranda Gusmão), e de 12 de Novembro de 1998, no processo 552/98 da 2.ª Secção (relator Miranda Gusmão), de 23 de Novembro de 2000, no processo 46/00 da 7.ª Secção (relator Sousa Inês).

(nota 7) Acima citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1998 (relator Miranda Gusmão).

(nota 8) Supramencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 1995 (relator Figueiredo de Sousa), p. 38.

(nota 9) Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Julho de 1995, in Colectânea de Jurisprudência - Supremo Tribunal de Justiça, ano III, n.º 3, p. 36 (relator Figueiredo de Sousa), de 30 de Janeiro de 1997, no processo 617/96 da 2.ª Secção (relator Miranda Gusmão), de 12 de Novembro de 1998, no processo 552/98 da 2.ª Secção (relator Miranda Gusmão), e de 23 de Novembro de 2000, no processo 46/2000 da 7.ª Secção (relator Sousa Inês).

Fernando Jorge Ferreira de Araújo Barros

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2002/06/27/plain-153546.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/153546.dre.pdf .

Ligações deste documento

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  • Tem documento Em vigor 1965-08-03 - Lei 2127 - Presidência da República

    Promulga as bases do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.

  • Tem documento Em vigor 1980-06-24 - Decreto-Lei 200-C/80 - Ministérios da Justiça e das Finanças e do Plano

    Introduz alterações ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966 e, por remissão, ao Código Comercial.

  • Tem documento Em vigor 1983-06-16 - Decreto-Lei 262/83 - Ministérios das Finanças e do Plano e da Justiça

    Introduz alterações aos Códigos Civil e Comercial, dispondo sobre negócios usurários, juros usurários, momento da constituição em mora, obrigações pecuniárias, funcionamento de clausula penal bem como sobre a sua redução equitativa, sanção pecuniária compulsoria e usura. Em matéria comercial regula a obrigação de juros, determinando ainda, para o portador de letras, livranças ou cheques, quando o respectivo pagamento estiver em mora, a possibilidade de a indemnização correspondente consistir nos juros legai (...)

  • Tem documento Em vigor 1997-09-13 - Lei 100/97 - Assembleia da República

    Aprova o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.

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