Acórdão 5/99
Processo 62/99 - 4.ª Secção (Social). - Acordam, em plenário, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
Em 17 de Abril de 1997, a Inspecção-Geral do Trabalho autuou a Caixa Geral de Depósitos, S. A., por ter verificado que na agência da autuada no Seixal mantinha ao serviço, sob as suas ordens, direcção e fiscalização e mediante retribuição, os trabalhadores Ana Maria Morais Martins Braga, Paulo Manuel Soares Carvalho Rosa e Fernando Augusto Alves Batista, prestando trabalho suplementar sem que este se encontrasse registado antes do seu início, infringindo assim as disposições do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei 421/83, de 2 de Dezembro, com a redacção dada pelo n.º 2 do Decreto-Lei 398/91, de 16 de Outubro, a que corresponde a coima de 15000$00 a 150000$00, nos termos do artigo 23.º do Decreto-Lei 491/85, de 26 de Novembro.
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 50.º deste último diploma legal citado, respondeu a Caixa Geral de Depósitos nos autos de contra-ordenação, arguindo a incompetência da entidade autuante para fiscalizar as relações profissionais entre a Caixa e os identificados funcionários ou para autuar, sendo ainda certo que se não verificam os pressupostos para, válida e legitimamente, se concluir que não se mostrava registada a prestação de trabalho suplementar relativamente aos funcionários em questão.
Invocando o disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei 287/93, de 20 de Agosto, que operou a transformação da Caixa em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, alegou que os empregados admitidos até 31 de Agosto de 1993 não estão sujeitos ao regime jurídico de direito privado, aplicável ao contrato individual de trabalho, nem consequentemente as respectivas relações contratuais sujeitas à fiscalização da Inspecção-Geral do Trabalho. Com efeito, aquele preceito legal estabelece que os trabalhadores que se encontravam ao seu serviço na data da entrada em vigor do diploma continuam sujeitos ao regime que lhes era até aí aplicável, podendo embora optar pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, opção que nenhum daqueles empregados tomou nos termos legais no prazo para tal fixado pela Caixa.
Assim, permanecem sujeitos à lei orgânica aprovada pelo Decreto-Lei 48953, de 5 de Abril de 1969, cujo artigo 31.º, n.º 2, estipulava que o seu pessoal continua sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, embora com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade da Caixa como instituição de crédito.
Após referenciar o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica do então Ministério do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei 47/78, de 21 de Março, o Decreto-Lei 83/91, de 20 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 208/93, de 16 de Junho, e que revogou o anterior Decreto-Lei 47/87, o n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento da Inspecção do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 47/78, em conformidade com o então previsto nos artigos 2.º, 3.º, n.º 1, alínea A), e 29.º do Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei 327/83, de 8 de Julho, e de citar acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, concluiu que o Decreto-Lei 421/83 apenas se aplica às relações de trabalho prestado por efeito de contrato de trabalho, estando, por isso, subtraídas do seu âmbito de aplicação as relações emergentes do contrato de provimento.
Por outro lado, sustentou a Caixa, o artigo 23.º, n.º 1, do Decreto-Lei 491/85 apenas exige que o trabalho suplementar seja assinado por cada trabalhador imediatamente após a sua prestação.
A este processo, n.º 246/97, foram apensados os autos n.os 250/97 e 258/97, referentes aos autos de notícia n.os 145/97 e 157/97, ambos levantados em 14 de Abril de 1997, aquele na agência da Caixa em Almada, abrangendo os trabalhadores António Vieira Gomes Raposo, Raquel Tavares Dimas, Américo da Silva, António Fernando Almeida Miguel e Carlos Manuel Serra Camponês, e este na agência sita em Sesimbra, abrangendo os trabalhadores Ana Isabel Serrão Dias, António José Coelho Brás, Emília Maria Baeta Castanho, Francisco Rui Carriço Banha, Andreia Isabel Cardoso Baltazar, Isabel Maria Lopes Correia Germano e Maria da Conceição P. Palmeirim Correia, por factos integradores de infracção idêntica.
Em 29 de Julho de 1997, depois de elaborada proposta pela Exma. Instrutora, foi proferida decisão pelo Exmo. Delegado do IDICT (Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho) de Almada, concordando com aquela proposta e aplicando à Caixa Geral de Depósitos, S. A., a coima de 350000$00.
Inconformada, interpôs a Caixa recurso de impugnação judicial para o Tribunal do Trabalho de Almada, que, por sentença de 23 de Fevereiro de 1998, julgou improcedente o recurso, excepto no tocante ao montante da coima, que reduziu para a quantia de 260000$00.
De novo irresignada, a Caixa Geral de Depósitos, S. A., recorreu para a Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 11 de Novembro de 1998, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Entendeu este aresto que com a entrada em vigor do Decreto-Lei 287/93 e não obstante o pessoal ao serviço da Caixa Geral de Depósitos, à data daquela, ter a faculdade de optar pela manutenção do regime a que anteriormente estivesse sujeito, para os restantes efeitos, a Caixa, como sociedade anónima de capitais, passou a estar sujeita às normas gerais e especiais aplicáveis às instituições de crédito e à legislação aplicável às sociedades anónimas, ficando, assim, sujeita à fiscalização e inspecção do IDICT através da Inspecção do Trabalho, que tem competência para fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais respeitantes às condições de trabalho.
Mais entendeu que os identificados trabalhadores da arguida, excepção feita a Raquel Dinis - que tinha apenas um contrato de aprendizagem, não existindo assim uma relação de trabalho subordinado -, prestavam trabalho de natureza suplementar, sem que este tivesse sido registado antes do seu início, o que constitui uma verdadeira contra-ordenação.
Veio então o Exmo. Magistrado do Ministério Público, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 2.º do Decreto-Lei 17/91, de 10 de Janeiro, interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, invocando oposição deste julgado com o decidido pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Junho de 1998, proferido no processo 17/97, transitada em julgado, sobre as mesmas questões de direito e no domínio da mesma legislação.
Com efeito, este Acórdão de 25 de Junho de 1998 decidiu que após a transformação da Caixa Geral de Depósitos em sociedade anónima, operada pelo Decreto-Lei 287/93, ficou aquela sujeita a partir de 1 de Setembro de 1993 à fiscalização do IDICT, mas em relação aos trabalhadores que se encontravam ao serviço da Caixa na data da entrada em vigor daquele diploma legal, continuam subordinados ao regime que lhes era aplicável - o do funcionalismo público - se não tiverem optado pelo RJICT, mediante declaração escrita, feita nos termos e prazo fixados oportunamente pela administração da Caixa.
A Caixa Geral de Depósitos, S. A., interpôs recurso da mesma natureza e ambos foram recebidos pelo Exmo. Desembargador-Relator.
Por Acórdão interlocutório de 21 de Abril de 1999, este Supremo julgou verificada a oposição.
Na sua douta alegação, a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta defendeu a solução adoptada no acórdão recorrido, tendo proposto decisão no sentido de que o IDICT tem competência para fiscalizar o cumprimento pela Caixa Geral de Depósitos, S. A., das normas que disciplinam a prestação de trabalho suplementar, quer relativamente aos seus trabalhadores sujeitos ao Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, quer quanto aos seus trabalhadores que, após a entrada em vigor do Decreto-Lei 287/93, de 20 de Agosto, continuam sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público.
Inversamente, a recorrente, Caixa Geral de Depósitos, S. A., tirou as seguintes conclusões na sua não menos douta alegação:
a) A Caixa Geral de Depósitos, como sociedade anónima (embora de capitais exclusivamente públicos) em que foi transformada pelo Decreto-Lei 287/93, de 20 de Agosto, ficou sujeita, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 1993, à fiscalização do IDICT;
b) Os seus trabalhadores ficaram, desde então, sujeitos ao RJCIT;
c) Porém, os trabalhadores que se encontravam ao serviço da Caixa à data da entrada em vigor do Decreto-Lei 287/93 continuam subordinados ao regime que lhes era até aí aplicável (o do funcionalismo público), se não tiverem optado pelo RJCIT, mediante declaração escrita, feita nos termos e prazo fixados oportunamente pela administração da Caixa;
d) O IDICT não tem competência para fiscalizar o cumprimento pela Caixa Geral de Depósitos, S. A., das normas que disciplinam o trabalho suplementar relativamente aos trabalhadores desta instituição que, após a entrada em vigor do Decreto-Lei 287/93, continuem subordinados ao regime jurídico do funcionalismo público, dado que estes trabalhadores estão excluídos do âmbito de aplicação do Decreto-Lei 421/83, de 2 de Dezembro, por força do disposto no seu artigo 1.º
Finalizou pelo provimento do recurso, requerendo a fixação de jurisprudência no sentido exposto na sua conclusão d).
É o momento de apreciar e decidir.
Da matéria fáctica apurada no acórdão recorrido resulta que os trabalhadores Ana Maria Morais Martins Braga, Paulo Manuel Soares Carvalho Rosa, Fernando Augusto Alves Batista, António Vieira Gomes Raposo, Américo da Silva, António Fernando Almeida Miguel, Carlos Manuel Serra Camponês, Ana Isabel Simão Dias, Andreia Isabel Cardoso Baltazar, António José Coelho Brás, Emília Maria Baeta Castanho, Francisco Rui Carriço Banha, Isabel Maria Lopes Correia Germano e Maria da Conceição Palmeirim Correia, todos possuidores de um horário de trabalho rígido, se encontravam a prestar trabalho suplementar, sem que o mesmo estivesse registado antes do seu início.
Destes trabalhadores apenas Ana Isabel Simão Dias, Andreia Isabel Cardoso Baltazar e Francisco Rui Carriço Banha foram admitidos ao serviço da arguida em data posterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei 287/93, de 20 de Agosto, e nenhum dos restantes, admitidos em data anterior, exerceu o direito de opção pelo regime de direito privado.
Analisando os dois acórdãos em confronto, verificamos que tanto o acórdão fundamento, da Relação de Coimbra, como o recorrido, da Relação de Lisboa, decidiram que o IDICT, após a transformação da Caixa Geral de Depósitos em sociedade anónima, embora de capitais exclusivamente públicos, tem competência para fiscalizar o trabalho suplementar prestado pelos seus trabalhadores admitidos ao seu serviço depois dessa transformação operada pelo Decreto-Lei 287/93, tendo ainda decidido que é tão obrigatório proceder ao registo do termo da prestação do trabalho suplementar como o é proceder ao registo do seu início.
Os dois arestos estão, porém, em manifesta oposição quanto à solução a dar à questão que consiste em saber se o IDICT, através da Inspecção-Geral do Trabalho, tem competência para fiscalizar o cumprimento pela Caixa Geral de Depósitos, S. A., das normas legais que regulam o trabalho suplementar e que constam do Decreto-Lei 421/83, de 2 de Dezembro, relativamente aos trabalhadores daquela Caixa que se encontram sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, ou seja, aos que, encontrando-se ao serviço daquela à data da entrada em vigor do citado diploma legal, não optaram pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.
Já vimos que enquanto o acórdão recorrido sustenta a tese da existência de tal competência, o acórdão fundamento da Relação de Coimbra propugna pela solução contrária.
O Decreto-Lei 287/93, de 20 de Agosto, veio transformar a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência numa sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se Caixa Geral de Depósitos, S. A.
Até então e de harmonia com a sua Lei Orgânica, aprovada pelo Decreto-Lei 48953, de 5 de Abril de 1969, a Caixa Geral de Depósitos era um instituto de crédito do Estado, uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, com património próprio - artigos 2.º e 3.º
De acordo com o artigo 31.º, n.º 2, o pessoal da Caixa continuava sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade da Caixa como instituição de crédito.
Tais trabalhadores vinculados estavam à Caixa por contrato de provimento, típico contrato administrativo, de direito público.
Com a publicação do Decreto-Lei 287/93 modificou-se a natureza jurídica da Caixa Geral de Depósitos, mas o circunstancialismo que conduziu à adopção de um regime de direito privado, com aplicação à instituição de regras idênticas às que regem as empresas privadas do sector, não impediu que, em vez do implantado novo regime jurídico do contrato individual de trabalho, o pessoal que já trabalhava na Caixa tivesse a possibilidade de optar pela manutenção do regime a que estavam sujeitos.
Com efeito, reza o artigo 7.º do diploma:
«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os trabalhadores da Caixa ficam sujeitos ao Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.
2 - Os trabalhadores que se encontrem ao serviço da Caixa na data da entrada em vigor do presente diploma continuam sujeitos ao regime que lhes era até aí aplicável, podendo contudo optar pelo regime previsto no número anterior, mediante declaração escrita feita nos termos e no prazo a fixar pela administração da Caixa.»
Nos termos do n.º 3 do artigo 9.º, e para os trabalhadores que não tenham exercido essa faculdade a que alude o n.º 2 do artigo 7.º, mantêm-se em vigor os artigos 31.º, n.º 2, 32.º e 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei 48953, de 5 de Abril de 1969, o que significa, e no que tange ao primeiro preceito, que o pessoal continua sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade da Caixa como instituição de crédito, de harmonia com o disposto no diploma e nos restantes preceitos especialmente aplicáveis ao estabelecimento.
Já acima se referiu que se fez prova de que a maioria dos trabalhadores que se encontravam a prestar serviço suplementar foi admitida ao serviço da Caixa em data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei 287/93 e que nenhum deles optou pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.
Nesta conformidade, dúvidas não subsistem de que esses trabalhadores permanecem sujeitos ao regime que lhes era aplicável antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 287/93 e esse regime é o do funcionalismo público, não se descortinando qualquer modificação exigida pela natureza específica da actividade da Caixa como instituição de crédito que possa afastar esse regime, afigurando-se-nos que, face à provisão da própria lei, os ditos trabalhadores não podem estar sujeitos a um regime híbrido.
Como se diz no douto acórdão da Relação de Coimbra, resulta da própria lei que, no seio da mesma «empresa», existem trabalhadores com estatutos diferenciados: os já vinculados à Caixa anteriormente a 31 de Agosto de 1993, que poderiam manter o regime a que estavam sujeitos ou optar pela sujeição ao Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, e os admitidos posteriormente a 1 de Setembro de 1993, data da entrada em vigor do diploma.
Posto isto, importa tecer algumas considerações acerca das atribuições e competências da Inspecção-Geral do Trabalho, respigando alguns diplomas legais.
Dispunha o artigo 43.º da Lei Orgânica do Ministério do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei 47/78, de 21 de Março:
«1 - A Inspecção do Trabalho é o departamento com atribuições e competência para assegurar em todo o território nacional a aplicação das disposições legais relativas às condições de trabalho e à protecção dos trabalhadores.
2 - A Inspecção do Trabalho, na medida das suas atribuições e competência, exercerá a sua acção em todos os ramos de actividade, nas empresas públicas ou privadas, onde existam ou possam vir a existir relações de trabalho.»
E o Regulamento da Inspecção do Trabalho - Decreto-Lei 48/78, de 21 de Março - no seu artigo 3.º, n.º 1, determinava ser atribuição específica da Inspecção assegurar a aplicação das normas do direito de trabalho constantes das leis gerais, dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, de regulamentos internos de empresas e de contratos individuais de trabalho, bem como de outras normas obrigatórias relativas a condições de trabalho, tais como as que respeitem à duração do trabalho, salários, higiene e segurança, emprego de menores e outras matérias conexas.
Do artigo 2.º do Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 327/83, de 8 de Julho, que revogou o Decreto-Lei 48/78, vê-se que a IGT exerce a sua acção em todo o território nacional e em todos os ramos de actividade, nas empresas públicas, privadas e cooperativas, tenham ou não trabalhadores ao seu serviço.
Estabelece o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), que é atribuição da IGT fazer cumprir as normas de direito de trabalho constantes das leis, dos instrumentos de regulamentação colectiva e dos contratos individuais relativas às condições de trabalho, incluindo a higiene, segurança e medicina do trabalho.
E no respeitante à acção coerciva, preceitua o artigo 29.º que o pessoal da Inspecção levantará o respectivo auto de notícia quando, no exercício das suas funções, verificar ou comprovar pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, qualquer infracção a normas sobre matéria sujeita à fiscalização da IGT.
Todos estes legais dispositivos excluem da sua aplicação as relações de trabalho sujeitas ao regime jurídico do funcionalismo público.
Por sua vez, o Decreto-Lei 83/91, de 20 de Fevereiro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério do Emprego e da Segurança Social e revogou o Decreto-Lei 47/78, não veio ampliar o âmbito da competência e fiscalização da IGT, estipulando no seu artigo 17.º, n.º 2, que é da competência da IGT fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais respeitantes às condições de trabalho, apoio ao emprego e protecção no desemprego e ao pagamento das contribuições para a segurança social.
Este preceito legal foi revogado pelo Decreto-Lei 208/93, de 16 de Junho, que veio proceder a um reajustamento orgânico constante do Decreto-Lei 83/91 e foi publicado na mesma data em que o foi o Decreto-Lei 219/93, que criou o Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho do Ministério do Emprego e da Segurança Social.
Prescreve o artigo 2.º, n.º 1, deste último diploma legal que são atribuições do IDICT promover e avaliar a melhoria das condições de trabalho, desenvolver a prevenção dos riscos profissionais, fomentar e acompanhar a regulamentação colectiva de trabalho por via convencional, prevenir e intervir nos conflitos colectivos de trabalho e assegurar o cumprimento das disposições legais relativas às condições de trabalho, emprego e desemprego dos trabalhadores.
Nos termos do n.º 2, alínea h), do mesmo inciso, cabe ao IDICT, na prossecução das suas atribuições, cometidas à Inspecção-Geral do Trabalho por força dos artigos 12.º e 13.º, fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais respeitantes às condições de trabalho, ao apoio no emprego e à protecção no desemprego e ao pagamento das contribuições para a segurança social.
Assim, parece dever entender-se que continuam excluídas do âmbito da competência do IDICT a fiscalização das condições de trabalho sujeitas ao regime jurídico do funcionalismo público.
A própria IGT reconhece nos presentes autos que antes da revogação de parte do seu estatuto pelo decreto-lei em análise, e que criou o IDICT, não teria competência na matéria, pois, alega, o artigo 2.º, embora permitisse a fiscalização em relação a empresas públicas, não abrangia os funcionários públicos, sendo tal matéria da competência dos tribunais administrativos.
Ora, não se enxerga que a simples transformação da Caixa em sociedade anónima permita considerar os mencionados trabalhadores como excluídos do regime do funcionalismo público no sentido de a Caixa poder ser fiscalizada pela IGT em relação ao trabalho suplementar por eles prestado nem a existência de qualquer disposição legal que conceda à IGT competência para levar a cabo tal fiscalização.
Repare-se que o artigo 2.º, n.º 2, alínea h), do Decreto-Lei 219/93 até tem redacção idêntica à do revogado n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei 83/91, na vigência do qual se entendia estar afastada essa competência.
O facto de o regime do funcionalismo público no caso dos autos poder estar sujeito a algumas especialidades, em função da natureza específica da actividade da Caixa, designadamente a possibilidade de definir condições de trabalho por regulamento interno, a sua intervenção nos processos de contratação colectiva do sector bancário não retira aos trabalhadores que estavam ao serviço da Caixa em 1 de Setembro de 1993 e que não optaram pelo regime do direito privado o regime do funcionalismo público a que estavam adstritos.
O que se pretendeu com as disposições dos artigos 7.º, n.º 2, e 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei 287/93 foi conceder a esses empregados a continuação do regime jurídico do funcionalismo público, embora com a manutenção das necessárias modificações que já provinham do direito anterior.
A orientação perfilhada em sentido contrário é justa e por isso merece-nos todo o respeito, mas apenas no plano do direito a constituir que não de jure condito. A posição agora acolhida não vai colidir com o regime estabelecido pelo Decreto-Lei 441/91, de 14 de Novembro, aplicável aos sectores de actividade públicos ou privados.
Com efeito, nos termos do seu artigo 1.º, o diploma contém os princípios que visam promover a segurança, higiene e saúde no trabalho, estabelecendo o artigo 21.º que compete à Inspecção-Geral do Trabalho, em geral, a fiscalização do cumprimento da legislação atinente a esse escopo.
No preâmbulo do diploma lê-se que a lei quadro assenta na necessidade de dotar o País de um quadro jurídico global que garanta uma efectiva prevenção de riscos profissionais.
E no relatório do Decreto-Lei 26/94, de 1 de Fevereiro, pode ler-se que as actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho constituem, ao nível da empresa, um elemento determinante da prevenção de riscos profissionais e de promoção e vigilância da saúde dos trabalhadores.
Referindo-se ao âmbito de aplicação, dispõe o artigo 1.º que o presente diploma estabelece o regime de organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho previstos nos artigos 13.º e 23.º do Decreto-Lei 441/91, de 14 de Novembro.
Se atendermos a estes dispositivos legais e ao teor do artigo 13.º, verificamos que os objectivos a prosseguir pela lei são apenas os de prevenção dos riscos profissionais e a promoção da saúde dos trabalhadores, neles não incluindo o controlo da prestação de trabalho suplementar.
Tem, pois, razão a Caixa Geral de Depósitos, S. A., quando sustenta não ter o IDICT competência para fiscalizar as relações de trabalho sujeitas ao regime jurídico do funcionalismo público, no concernente à prestação de trabalho suplementar.
Considerando que o Decreto-Lei 421/83, como dispõe o seu artigo 1.º, se aplica apenas às relações de trabalho prestado por efeito de contrato de trabalho, inaplicáveis são ao acaso e no tocante aos trabalhadores que continuam sujeitos ao regime do funcionalismo público as disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei 398/91, de 16 de Outubro, e 23.º, n.º 4, do Decreto-Lei 491/85, de 26 de Novembro.
Nestes termos, acorda-se em dar provimento ao recurso da Caixa Geral de Depósitos, S. A., alterando-se consequentemente o douto acórdão recorrido e condenando a mesma Caixa na coima de 75000$00 pela infracção ocorrida na sua agência de Sesimbra.
Finalmente e uniformizando-se a jurisprudência, decide-se que:
«O Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT) não tem competência para fiscalizar o cumprimento pela Caixa Geral de Depósitos, S. A., das normas que disciplinam a prestação de trabalho suplementar relativamente aos seus trabalhadores que, após a entrada em vigor do Decreto-Lei 287/93, de 20 de Agosto, continuam sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, por não terem optado pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, conforme lhes era facultado pelo artigo 7.º, n.º 2, do citado diploma legal.»
Sem custas.
Lisboa, 7 de Outubro de 1999. - João Alfredo Diniz Nunes - António Manuel Pereira - José António Mesquita - Vítor Manuel de Almeida Deveza - António de Sousa Lamas.