Decide, com respeito às contas anuais do Partido Comunista Português (PCP) referentes a 2015, julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo PCP e pelos responsáveis financeiros, da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos que sancionou contraordenacionalmente os recorrentes.
Acórdão 566/2024
Processo 250/23
Aos vinte e três dias do mês de julho de dois mil e vinte e quatro, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros Afonso Patrão, António José da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Rui Guerra da Fonseca, Maria Benedita Urbano, José Teles Pereira, Carlos Medeiros Carvalho, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Dora Lucas Neto, Mariana Canotilho e Joana Fernandes Costa, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.
Após debate e votação, foi, pelo Ex.mo Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Ex.mo Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da
Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional - referida adiante pela sigla "LTC"), ditado o seguinte:
I. Relatório
1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas dos partidos políticos, vindos da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante designada apenas por "ECFP"), em que são recorrentes o PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS (doravante designado apenas por "PCP"), ALEXANDRE MIGUEL PEREIRA ARAÚJO e MARIA MANUELA SIMÃO PINTO ÂNGELO SANTOS, na qualidade de seus responsáveis financeiros nas contas anuais referentes a 2015, foi interposto o presente recurso da decisão daquela Entidade, de 13 de dezembro de 2022, que sancionou os recorrentes no plano contraordenacional.
2 - Por decisão de 30 de abril de 2019, a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas anuais, referentes a 2015, do PCP (v. artigo 26.º, n.º 2, da
Lei 19/2003, de 20 de junho [Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla "LFP"] e artigo 32.º, n.º 1, alínea c), da
Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro [Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, referida adiante pela sigla "LEC"]).
3 - Na sequência dessa decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o PCP e os identificados responsáveis financeiros do Partido nas contas anuais de 2015, pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão. Os arguidos foram notificados do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.os 1 e 2, da LEC e no artigo 50.º do
Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações, referido adiante pela sigla "RGCO"), tendo apresentado a sua defesa.
4 - Por decisão de 13 de dezembro de 2022, a ECFP aplicou:
a) Ao PCP, uma coima no valor de 40 (quarenta) SMN de 2008, perfazendo a quantia de €17.040,00 (dezassete mil e quarenta euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.º 1, da LFP;
b) A Alexandre Miguel Pereira Araújo, enquanto responsável financeiro do Partido nas contas anuais de 2015, uma coima no valor de 10 (dez) SMN de 2008, perfazendo a quantia de €4.260,00 (quatro mil duzentos e sessenta euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP;
c) A Maria Manuela Simão Pinto Ângelo Santos, enquanto responsável financeira do Partido nas contas anuais de 2015, uma coima no valor de 10 (dez) SMN de 2008, perfazendo a quantia de €4.260,00 (quatro mil duzentos e sessenta euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP.
5 - Os arguidos recorreram desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, pugnando pela sua absolvição.
6 - Por deliberação de 7 de março de 2023, a ECFP, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.
7 - Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, datado de 23 de março de 2023, que determinou a notificação dos recorrentes para que formulassem conclusões, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, do RGCO, sob pena de rejeição do recurso.
Os arguidos reapresentaram a motivação do recurso, tendo-as encerrado com as seguintes conclusões:
"I. Em matéria de quotas e contribuições:
1.º Não é correta, sendo por isso falsa, a conclusão segundo a qual haveria uma “posição assumida pelo Partido quanto à não divulgação dos filiados”, na medida em que, e tem-no afirmado, não tem uma posição absoluta assumida relativamente à identificação de filiados, o que tem feito amiúde, sobretudo, mas não só, naquelas situações que não comprometem a reserva acerca do ficheiro integral de militantes, por se tratar de pessoa, dirigente, autarca ou outra pessoa politicamente exposta.
2.º O PCP recusa sim a identificação sistemática e integral do nome e número de filiado de todos os seus militantes, o que significaria, a prazo, a entrega por parcelas a terceiros do ficheiro completo reconstituído dos seus militantes com dados pessoais protegidos.
3.º O PCP não recusa a identificação individualizada de militantes seus, sempre que indagado para clarificar dúvidas.
4.º As listas dos filiados dos partidos não são elementos de suporte indispensáveis para a inscrição das receitas dos partidos.
5.º O resultado prático que seria fornecer um ficheiro completo dos militantes, ainda que em parcelas reconstituíveis, não tem qualquer apoio na lei pelo que não obriga o PCP a fornecer tal ficheiro.
6.º O PCP sempre disse que disponibiliza à auditoria, e, de igual modo à ECFP, dando-lhe livre acesso, em concreto, direto e presencial, relativo a todas as situações em que possam suscitar-se ou dissiparem-se dúvidas se, determinado nome é filiado, e, se certo número corresponde ou não a nome filiado no PCP, sendo tal procedimento bastante e suficiente para cumprir anterior Acórdão do Tribunal Constitucional sobre tal ónus de identificação de militantes.
7.º Tal procedimento é também válido para as contribuições de filiados, na medida em que, de outro modo, paulatina e sucessivamente, dada a publicidade das contas, outra prática consistiria na disponibilização de um ficheiro integral com dados pessoais protegidos dos militantes do PCP.
8.º Nas contas entregues quer em matéria de quotas quer de contribuições, em via de regra, ou surge o nome do filiado ou o seu número de militante, em razão do entendimento paralelo, podendo haver exceções mas não sistemáticas, sendo por essa razão que nos documentos de suporte contabilístico surgem ou nomes ou números de filiados, segundo nenhum critério específico.
9.º A indicação adicional do dado pessoal relativo ao NIF dos militantes que pagam quotas ou fazem contribuições, é uma exigência sem suporte legal, não contida na lei e mesmo desnecessária, porque, com o pagamento da quota partidária não está em causa a relação fiscal dos militantes nem a sua qualidade de contribuinte fiscal, sendo ainda certo que, ainda que o quisesse fazer, o PCP não dispõe desse dado pessoal quer na ficha de militante quer em qualquer outro registo.
10.º A transferência operada por uma Autarquia assenta previamente numa declaração de vontade escrita pelos autarcas contribuintes, sendo essa declaração de vontade que determina o conhecimento da origem ou proveniência da receita, constituindo uma prova adicional da origem da receita, na medida em que não sendo ou não havendo eleitos, naturalmente, essa transferência nunca poderia ocorrer.
II. Em matéria de despesas em numerário:
11.º A regra geral que decorre do n.º 1 do artigo 9.º da lei de financiamento estabelece uma modalidade formal e obrigatória de pagamento de despesas “por meio de cheque ou por outro meio bancário” com uma determinada finalidade que é ‘‘a identificação do montante e a entidade destinatária do pagamento”.
12.º Aquilo que o legislador sanciona através das regras do artigo 9o não é tanto a forma de pagamento - cheque ou outro meio -, porque a forma é apenas o veículo para prevenir a finalidade que consiste em atalhar a falta de transparência quanto à identificação das despesas partidárias.
13.º A prevenção de transparência não se assegura legalmente pela forma de pagamento, sendo esta apenas o veículo para a comprovação do que importa e que é “a identificação do montante e a entidade destinatária do pagamento”, porque é através dessa identificação e da entidade credora que se assegura a devida transparência em matéria de despesas.
14.º Todas as despesas incorridas pelo PCP, também as assinaladas neste ponto, são despesas que reúnem as seguintes características incontestáveis:
(i) São despesas partidárias, logo legais;
(ii) O montante está descriminado e identificado;
(iii) As entidades destinatárias do pagamento estão também identificadas.
15.º O PCP respeitou a ratio da norma proibitiva/permissiva por exceção, logo não sendo aqui admissível a imputação de uma infração a sancionar.
16.º A hipotética violação da norma no plano formal não trás associado nem representa em si mesmo um desvalor jurídico que justifique ou dê fundamento a uma sanção, salvo se as infrações desta natureza admitissem a forma tentada, o que não é o caso, porque a exigência formal que a norma estabelece não é o fim em si mesmo da estipulação mas o valor da transparência que não é sequer beliscado.
III. Em matéria de saldos declarados pelos fornecedores:
17.º Verificam-se nos pontos 8, 9 e 10 dos factos provados e ponto D) da fundamentação a existência de lapsos materiais que invalidam a alegada confirmação dos factos e que ficam explicados em sede de alegações.
18.º Para além de desconformidades factuais relativas aos pontos 8 e 9 a matéria do ponto 10 foi retificada com a resposta ao relatório da ECFP em 21/7/2020.
IV. Em matéria de empréstimos de militantes:
19.º Os empréstimos ao PCP facultados por militantes seus não estão, nem nenhuma norma obriga a que estejam, sujeitos às regras de mercado dos mútuos bancários, na medida em que não obedecem à disciplina das relações de comércio.
20.º O PCP não faz comércio com os seus militantes prescindindo eles, por razões de princípio moral, da cobrança de juros remuneratórios, de mora ou quaisquer outros encargos, porque a está ao livre alcance dos militantes mutuantes prescindirem de juros, não podendo o PCP impor-lhes uma estipulação que recusam.
21.º Para este tipo de receita, a lei o que faz é admitir financiamentos de pessoas coletivas apenas quando tais mútuos obedeçam às regras comercias correntes, ou seja, os partidos podem financiar-se no mercado financeiro.
22.º Admitindo a lei o mais, financiamentos por bancos, sob regras do mercado financeiro, também admitirá, por maioria de razão, o menos, ou seja, o financiamento por militantes, mas agora sem a sujeição às regras comerciais, que não praticam nem dominam, sendo-lhes estranhas.
23.º O procedimento civilístico que o PCP cumpre não afasta, antes cumpre, o conceito contabilístico de “produto de empréstimos” que a lei assinala, independentemente da existência ou inexistência da cláusula de juros.
24.º Inexistem nas contas do PCP empréstimos sem suporte documental que estejam acima do montante que o Código Civil obriga a forma escrita, não havendo aqui violação de lei.
25.º A alegada “antiguidade” de alguns empréstimos não pode de todo em todo significar infração, que tal não é, nem essa conclusão tem sustentação legal, havendo ademais casos imputados que tiveram amortizações que ocorreram antes do exercício de 2015.
26.º Este domínio é um bom exemplo em que o PCP ainda aguarda um avanço perclaro da jurisprudência constitucional relativamente à aplicação prática de letra viva da lei de financiamento, no segmento final do n.º 2 do artigo 12.º da lei de financiamento que estabelece a aplicação dos princípios do SNC “com as adaptações e simplificações adequadas à natureza dos partidos políticos ”.
V. Em matéria de saldos na rubrica outros devedores e credores:
27.º As situações de facto apontadas no ponto 14 da decisão da ECFP devem ser revistas nesta sede por não corresponderem inteiramente à verdade dos factos, logo não tendo base factual para o desvalor de uma infração, de todo inexistente.
VI. Em matéria de ausência de registo de parte do valor de empréstimos:
28.º O ponto 15 dos factos dados como provados assenta exclusivamente numa análise superficial, acrítica e desqualificada do mapa de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal.
29.º Fazer do mapa de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal uma base factual para imputação sancionatória é um exercício de prova incerta e passageira desde logo porque o mapa não é fixo, existindo dele doze versões anuais para cada um dos meses do ano, sendo que o último mapa do ano apenas revela a “fotografia” deste instantâneo final e não a movimentação anual.
30.º Em segundo lugar, porque os valores em concreto apontados no mapa são relativos ao capital em crédito nos bancos ou a plafons de crédito em cartão desconsiderando se esse crédito está ou não usado, ou seja se a despesa já foi ou não realizada e logo tendo que ser levada a contas; em terceiro lugar, os juros que em todo o caso, não estando refletidos no mapa, são despesa.
31.º Temos pois uma prova documental que além de volátil é incerta e incompleta, mas em todo o caso com situações marginais aqui imputadas ao PCP e desmontadas em sede de alegações.
VII. Em matéria de recuperação de saldos devedores
32.º É apontada ao PCP uma violação do dever de organização contabilística através da imputação de uma alegada “incerteza”, o que significa, imputar-se um facto de todo não consumado, assente na dita “incerteza”, logo dúvida, mas de todo não a certeza de um facto ou conduta voluntária e negligentemente cometida.
33.º Acontece mesmo, em concreto, e face aos factos apontados, que os saldos devedores foram regularizados em 2017 e 2018 pelo que não fará sequer sentido a imputação da “incerteza”, desde logo porque fica comprovada, quanto aos saldos, a sua natureza, a recuperabilidade e a regularização dos mesmos.
VIII. Sobre a restante matéria da decisão
34.º O PCP e os seus responsáveis financeiros tinham e têm ainda a firme convicção de que o procedimento adotado nas contas anuais de 2015 é regular e tem suporte legal, não tendo por isso sido violada qualquer norma nem sequer a título negligente muito menos dolosamente.
35.º A imputação pela ECFP de infração contraordenacional “a título doloso” não está sequer fundamentada como se pudesse ser admissível num estado de direito que se possa imputar dolo a uma conduta sem o demonstrar minimamente, prática esta deveras inquietante.
36.º Não há de todo nenhum efetivo benefício que se possa identificar e extrair das condutas assinaladas.
37.º Não se compreende neste contexto a invocação para onerar o PCP e os seus responsáveis pela alegação segundo a qual o PCP “à data da prestação das contas em causa, tinha já 41 anos de experiência”, reportando-se aqui a decisão à legalização do PCP em 1975, mas bem sabendo a ECFP que este regime de prestação, de controlo e julgamento de contas partidárias iniciaram-se em 2005, logo haviam passado 11 anos quando as contas foram apresentadas e não 41 anos.
38.º O PCP e os seus responsáveis financeiros não agiram com dolo em qualquer das suas modalidades, não lhes cabendo o ónus da sua demonstração negativa.
39.º A comprovação do elemento subjetivo do dolo continua a não se bastar com a alegada comprovação, em simultâneo, quer do elemento objetivo do tipo quer do elemento subjetivo do tipo, como a ECFP faz, através dos mesmos alegados factos contabilísticos, de resto controvertidos e discutíveis".
8 - Por despacho datado de 12 de abril de 2023, o recurso foi liminarmente recebido.
O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido da improcedência total do recurso.
9 - Os arguidos responderam ao Ministério Público, concluindo pela procedência do recurso.
10 - Foram solicitados esclarecimentos à ECFP sobre questões suscitadas no recurso e sobre documentos probatórios que não se encontravam juntos aos autos, tendo sido exercido o contraditório.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A. Considerações gerais
11 - A
Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.
Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º), os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.
A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram tecidas algumas considerações no
Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).
Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).
No referido
Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (v., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).
B. Questões a decidir
12 - Em face do teor da motivação, as questões a decidir a respeito do recurso da decisão sancionatória da ECFP, datada de 13 de dezembro de 2022, são as seguintes:
a) Subsunção dos factos dados como provados ao ilícito imputado;
b) Espécie e medida concreta das sanções.
C. Mérito da decisão sancionatória
13 - Matéria de facto
13.1 - Factos provados
Com relevo para a decisão, provou-se que:
1 - O Partido Comunista Português é um Partido Político português, tendo sido constituído em 26 de dezembro de 1974, encontrando-se registado no Tribunal Constitucional.
2 - Por comunicação eletrónica, entrada nos serviços da ECFP em 23 de dezembro de 2015, o Partido identificou como responsáveis financeiros pelas contas anuais de 2015, Alexandre Miguel Pereira Araújo e Maria Manuela Simão Pinto Ângelo Santos.
3 - O PCP apresentou, em 31 de maio de 2016, as contas relativas ao ano de 2015, que retificou em 31 de março de 2017.
4 - Nas contas apresentadas, o Partido registou receitas provenientes de quotas, no valor de € 34.307,14 - lançamentos 129311901037, 129311912017, 20288002127, 20318003115, 20318003117, 20308006080, 20318007137, 20318007139, 20308009079, 130011113213, 130021113222 -, sendo que os recibos emitidos pelo PCP discriminam os seguintes dados: número do recibo, data do pagamento, departamento do PCP que recebeu, nome do pagador, indicação de que se trata de quotas, valor pago, data do pagamento, meio de pagamento empregado e rubrica do recebedor, mas não indicam o número de militante de cada uma das pessoas identificadas.
5 - Nas contas apresentadas, o Partido registou as seguintes receitas, no valor total de € 142.934,67, provenientes de contribuições de filiados, sem que, pelo menos dos documentos de suporte relativos aos lançamentos 130011113213, 130021113047, 130031113050, 130061113295, 130081113061, 1300121113371, 230030150006025, 230030150006027 e 30030150006028, constem elementos individualizadores que comprovem a qualidade de filiado dos contribuidores.
6 - No ano de 2015, o Partido efetuou pagamentos de despesas em numerário, no valor total de € 38.757,14, sendo que tais pagamentos individualizados foram inferiores ao salário mínimo nacional de 2008, mas no seu conjunto ultrapassaram o limite de 2 % da subvenção anual, no caso, € 22.004,82, considerando o valor da subvenção paga ao Partido, em 2015, ou seja, € 1.100.241,44.
7 - Nas contas apresentadas, por referência à data de 31 de dezembro de 2015, foram verificadas as seguintes divergências entre os saldos dos fornecedores registados na contabilidade do Partido e os saldos registados pelos respetivos fornecedores:
a) Na contabilidade do Partido, o fornecedor “AUTOGIRAR - SOC. COM. DE AUTOMOVEIS, LDA” (subconta “221114125 - AUTOGIRAR SOC.COM. DE AUTOMOVEIS, LDA”) apresenta um saldo credor no valor de € 3.484,06. Nas contas do fornecedor, na mesma data, o Partido tinha por liquidar o valor de € 3.711,03, pelo existe uma divergência entre o saldo do fornecedor registado na contabilidade do Partido e o saldo registado pelo respetivo fornecedor, no valor de € 226,97. Em 31 de Janeiro de 2016 foi lançada na contabilidade do partido a fatura no valor de € 226,97.
b) Na contabilidade do Partido encontram-se registadas três subcontas respeitantes ao fornecedor “BeSul, Comércio e Distribuição de bebidas”: a subconta “221115098 BESUL, LDA”, que apresenta um saldo devedor no valor de € 141,35, a subconta “2211901145 - BE SUL, LDA” que apresenta um saldo credor no valor de € 35.217,27 e a subconta “2211901361 BE SUL, LDA” que apresenta um saldo credor no valor de € 8.804,76. Nas contas do fornecedor, o PCP não apresenta dívidas por liquidar, pelo que existe uma divergência entre o saldo do fornecedor registado na contabilidade do Partido e o saldo registado pelo respetivo fornecedor, no valor de € 43.880,68.
c) Nas contas do fornecedor “MR. DO IT - Produção e Logística Publicitária”, o PCP apresenta um saldo no valor de € 546,12 por liquidar. Na contabilidade do Partido, a conta do fornecedor (subconta 2217180010) apresenta um saldo credor no valor de € 3.680,16, pelo que existe uma divergência entre o saldo do fornecedor registado na contabilidade do Partido e o saldo registado pelo respetivo fornecedor, no valor de € 3.134,04. Em 2 de Janeiro de 2016 foram lançadas na contabilidade do partido as faturas no valor de € 324,72 e € 221,40.
d) Nas contas do fornecedor “Repsol combustíveis S. A. ”, o Partido apresenta por liquidar o valor de € 12.247,48, correspondente às seguintes faturas, emitidas em 31 de dezembro de 2015, cuja data de vencimento ocorreu em 15 de janeiro de 2016:
i) Fatura n.º 4860834337, no valor de € 44,14;
ii) Fatura n.º 4860834333, no valor de € 50,02;
iii) Fatura n.º 4860834449, no valor de € 174,22;
iv) Fatura n.º 4860834429, no valor de € 1.233,36,
v) Fatura n.º 4860834444, no valor de € 229,05;
vi) Fatura n.º 4860834595, no valor de € 6.132,25;
vii) Fatura n.º 4860834353, no valor de € 1.092,02;
viii) Fatura n.º 4860834360, no valor de € 139,82;
ix) Fatura n.º 4860834363, no valor de € 0,62;
x) Fatura n.º 4860834385, no valor de € 1.104,92;
xi) Fatura n.º 4860834465, no valor de € 358,31;
xii) Fatura n.º 4860840346, no valor de € 955,19;
xiii) Fatura n.º 4860834401, no valor de € 530,43;
xiv) Fatura n.º 4860834457, no valor de € 195,61;
xv) Fatura n.º 4860834459, no valor de € 7,52.
e) Nas contas apresentadas, o Partido regista nas seguintes subcontas do respetivo fornecedor: “2211800398 REPSOL COMBUSTÍVEIS SA” e “221115408 REPSOL COMBUSTÍVEIS, SA - SOLRED”, um saldo credor no valor total de € 7.365,61, pelo que existe uma divergência entre o saldo do fornecedor registado na contabilidade do Partido e o saldo registado pelo respetivo fornecedor, no valor de € 4.881,87. Em janeiro de 2016 foram lançadas na contabilidade do partido as faturas supra descritas.
8 - Nas contas apresentadas, por referência a 31 de dezembro de 2015, a subconta “1210790001 NOVO BANCO” apresenta um saldo devedor no valor de € 78.694,96. Nas contas do Banco, na mesma data, o Partido apresenta um saldo no valor de € 79.478,35, pelo que existe uma divergência entre o valor registado na contabilidade do Partido e o saldo registado pelo Banco, no valor de € 783,99.
9 - Nas contas anuais do Partido, em 31 de dezembro de 2015, o cliente Município de Avis apresenta um saldo devedor no valor de € 1.256,67 (subconta “211160218 Município de Avis”), sendo que nas contas dos serviços do Município de Avis, na mesma data, o Partido não tem quaisquer débitos ou créditos. Pelo que se verifica existir uma diferença entre o saldo registado pelo Partido e o registado pelo Cliente, no valor de € 1.256,67. Em 2017 a divergência foi retificada nas contas do partido.
10 - Foram registados nas contas apresentadas os seguintes valores, mutuados por pessoas singulares ao PCP, em relação aos quais foi acordado o não pagamento de juros e sem que fosse registado qualquer valor a título de donativo:
a) Alexandre Adelino R. Pereira, no valor de € 4.500,00;
b) José Costa Fernandes, no valor de € 2.992,79;
c) João Fernando Dias Serra, no valor de € 3.859,88;
d) José Manuel Rocha Silva, no valor de € 3.000,00;
e) José Cândido Lúcio Oliveira, no valor de € 5.200,00;
f) Margarida Maria Oliveira Leca, no valor de € 4.000,00 e
g) Rosa Maria de Sá Ferreira Tavares, no valor de € 3.139,63.
11 - Foram registados nas contas do Partido, na rubrica “Financiamentos Obtidos”, os seguintes valores, mutuados por pessoas singulares, em relação aos quais inexiste informação sobre condições de reembolso, juros e respetivo suporte documental:
a) Álvaro Pinto, no valor de € 1.000,00;
b) Cândido Capela, no valor de € 498,80;
c) Casais Batista, no valor de € 249,40;
d) Emp. Miguel Viegas, no valor de € 500,00;
e) Emp. Francisco Guerreiro, no valor de € 265,07;
f) Emp. António Amador da Silva Esteves, no valor de € 500,00;
g) Emp. de Adelaide à Conc. Fig. Foz, no valor de € 31,17;
h) Emp. Fernando Adão, no valor de € 997,60;
i) Emp. António Baião à Conc. Fig. Foz, no valor de € 18,88;
j) Emp. Eduardo Ferreira - Penacova, no valor de € 172,58;
k) Emp. Manuel Peça - Penacova, no valor de € 235,00;
l) Emp. de Carlos à Con. Fig. Foz, no valor de € 170,00;
m) Jorge Espada Estêvão Correia, no valor de € 500,00;
n) Jorge Matos, no valor de € 900,00 e
o) Manuel Veloso, no valor de € 249,40.
12 - Nas contas apresentadas encontram-se registados os seguintes valores, mutuados por pessoas singulares, em relação aos quais foi acordado o não pagamento de juros e sem que fosse registado qualquer valor a título de donativo:
a) Financiamento de Álvaro Pinto (Vila Real), cuja constituição do financiamento ocorreu em 28 de fevereiro de 2013, no valor de € 1.000,00, foi reforçado em 30 de abril de 2013, no valor de € 1.000,00, sendo que o Partido amortizou o valor de € 500,00 em 31 de dezembro de 2014;
b) Financiamento de Paulo Alexandre C. Silva (Litoral Alentejano), cuja constituição, no valor de € 7.000,00, ocorreu em 31 de outubro de 2012, sendo que o Partido amortizou o valor de € 4.000,00 em 2013, o valor de € 500,00 em 28 fevereiro de 2014, o valor de € 500,00 em 30 de abril de 2014, o valor de € 500,00 em 31 de dezembro de 2014, o valor de € 500,00 em 31 de janeiro de 2015, o valor de € 500,00 em 28 de fevereiro de 2015 e o valor de € 500,00 em 30 de novembro de 2015;
c) Financiamento de Jorge Espada Estêvão Correia (Litoral Alentejano), cuja constituição, no valor de € 500,00, ocorreu em 30 de abril de 2013 e
d) Financiamento de José Cândido Lúcio Oliveira (Central), cuja constituição, no valor de € 15.000,00, ocorreu em 31 de julho de 2012, sendo que o Partido amortizou o valor de € 1.050,00 em 2012, o valor de € 2.800,00 em 2013, o valor de € 350,00 em 21 de janeiro de 2014, o valor de € 350,00 em 7 de março de 2014, o valor de € 350,00 em 20 de março de 2014), o valor de € 350,00 em 6 de maio de 2014, o valor de € 350,00 em 8 de maio de 2014, o valor de € 350,00 em 11 de junho de 2014, o valor de € 350,00 em 16 de julho de 2014, o valor de € 700,00 em 19 de setembro de 2014 e o valor de € 350,00 em 24 de outubro de 2014.
13 - Nas contas apresentadas foram registados, na rubrica “Outros Devedores e Credores”, os seguintes saldos credores, no valor total de € 41.010,02, sem identificação da respetiva natureza:
a) Subconta “278219005 SILVESTRE VALENTIM BARCELOS MENESES, que apresenta saldo no valor de € 50,00. O valor foi regularizado em 2019.
b) Subconta “278222010 EMPRÉSTIMO CLÁUDIO PERCHEIRO”, que apresenta saldo no valor de € 2.500,00. O valor foi regularizado em 2019.
c) Subconta “278222013 MANUEL SILVA CRUZ”, que apresenta um saldo no valor de € 3.284,02. O valor foi regularizado em 2016.
d) Subconta “278280071 JOCARINVEST INV IMOB LDA 1/3 UM964 MIRAGAIA”, que apresenta um saldo no valor de € 3.740,98;
e) Subconta “278280087 EDITORIAL AVANTE ORGANIZAÇÕES”, que apresenta um saldo no valor de € 31.051,02. O valor foi regularizado em 2016.
f) Subconta “278290104 ANA ISABEL LIMA VILELA”, que apresenta um saldo no valor de € 132,00. O valor foi regularizado em 2016;
g) Subconta “27829016 Isabel Cruz”, que apresenta um saldo no valor de € 252,00.
14 - Em 31 de Dezembro de 2015 encontravam-se registados no Banco de Portugal os seguintes financiamentos realizados pelas entidades descritas ao PCP, sendo que na contabilidade do Partido não se encontra refletido parte desse valor, no montante de € 11.563,23, conforme se concretiza no quadro seguinte:
Banco e Descrição | Valor (euros) | Contas 25 e 27 do PCP (euros) | Diferença (euros) |
---|
RCI Banque | Crédito Individual Automóvel | Mais de 2 até 3 anos | 13.001,00 | | |
Crédito Individual Automóvel | Mais de 3 até 4 anos | 8.880,00 | | |
Crédito Individual Automóvel | Mais de 3 até 4 anos | 57.168,00 | | |
Crédito Individual Automóvel | Mais de 4 até 5 anos | 7.059,00 | | |
Crédito Individual Automóvel | Mais de 4 até 5 anos | 25.195,00 | | |
Crédito Individual Automóvel | Mais de 4 até 5 anos | 25.303,00 | | |
| Total | 136.606,00 | 148.169,23 | 11.563,23 |
15 - Nas contas apresentadas não foi prestada informação quanto à natureza, recuperação e regularização dos seguintes saldos devedores registados no balanço, porquanto:
a) A conta “228 ADIANTAMENTO A FORNECEDORES” apresenta um saldo devedor no valor de € 185.187,13. Nesta rubrica, encontra-se integrada a subconta “22880002 ED. AVANTE DIVIDAS ORG REGIONAIS”, que apresenta um saldo final nas contas de 2015, no valor de € 183.225,71. Tal conta, integra o montante € 179.292,71, correspondente ao saldo que transitou do ano de 2014;
b) Encontram-se registados, na rubrica de “Fornecedores”, os seguintes saldos devedores, cujo valor total perfaz o montante de € 1.457,93, que transitaram do ano anterior:
i) Subconta “221102174 MANUEL RUI AZINHAIS NABEIRO”, que apresenta um saldo no valor de € 118,66;
ii) Subconta “221113256 VILA & SAAVEDRA”, que apresenta um saldo no valor de € 4,98 e
iii) Subconta “221125010 CROMIA”, que apresenta um saldo no valor de € 1.334,29.
c) A rubrica de “Adiantamentos ao pessoal” incorpora as seguintes contas, que integram saldos, no montante total de € 18.179,39, transitados do ano anterior, conforme se concretiza no quadro seguinte:
Conta N.º | Designação | 31.12.2015 (euros) | 31.12.2014 (euros) | Saldos de anos anteriores (euros) |
---|
232203006 | MANUEL VELOSO | 1.280,20 | 971,91 | 971,91 |
232206011 | RITA OLIVEIRA | 21,02 | 21,02 | 21,02 |
232207007 | ELSA PAIXÃO | 2.623,36 | 1.840,00 | 1.840,00 |
232211016 | ARMANDO DIAS R. BARRADAS | 128,80 | 1.017,44 | 128,80 |
232211048 | MANUEL BRÁS NEVES | 75,17 | 740,40 | 75,17 |
232211105 | ANA SOFIA BERNARDO CORREIA | 296,00 | 296,00 | 296,00 |
232211107 | ANDREIA PINHEIRO PEREIRA | 67,98 | 961,53 | 67,98 |
232214005 | PEDRO SILVA | 346,80 | 346,80 | 346,80 |
232214008 | JÚLIA SILVA | 1.110,70 | 18,10 | 18,10 |
232215040 | ADIANT. BX. INÊS CONSTANÇA | 502,93 | 50,53 | 50,53 |
232215044 | ADIANT. BX. MARGARIDA PETA | 1.448,19 | 2.403,27 | 1.448,19 |
232215919 | ADIANT. S/SAL. EDUARDO VIEIRA | 350,00 | 350,00 | 350,00 |
232216005 | FILIPE VINTÉM | 980,09 | 980,09 | 980,09 |
232218006 | JOÃO ABREU | 150,00 | 150,00 | 150,00 |
232219003 | ANTÓNIO FONSECA | 840,00 | 840,00 | 840,00 |
232220001 | JOSÉ PINTO DOS SANTOS | 103,55 | 103,55 | 103,55 |
232222006 | EMÍLIA GUERREIRO | 361,04 | 145,26 | 145,26 |
232225016 | FILIPA MALAQUIAS | 72,30 | 72,30 | 72,30 |
232225018 | ANA SOFIA CORREIA | 250,86 | 250,86 | 250,86 |
232280015 | FERNANDA VICENTE | 249,77 | 221,73 | 221,73 |
232280016 | PATRÍCIA NOGUEIRA | 913,92 | 520,39 | 520,39 |
232280051 | M. SALOMÉ BRANCO | 63,95 | 70,00 | 63,95 |
232280087 | CÉLIA CORREIA | 4.896,82 | 4.896,82 | 4.896,82 |
232280112 | SANDRA BENFICA | 1.611,88 | 1.611,88 | 1.611,88 |
232280138 | ÂNGELO ALVES | 500,00 | 500,00 | 500,00 |
232280191 | JOSÉ CATALINO | 682,68 | 682,68 | 682,68 |
232280233 | PAULO CORREIA | 295,00 | 655,00 | 655,00 |
232280237 | ANABELA PINTO | 197,40 | 660,20 | 197,40 |
232280247 | JOÃO RICARDO MATEUS SANTOS | 136,63 | 136,63 | 136,63 |
232280253 | ANA PATO | 301,32 | 534,96 | 301,32 |
232290029 | PEDRO LAGO | 1.700,00 | 100,00 | 100,00 |
232290079 | JOÃO ROMEIRO | 135,03 | 509,10 | 135,03 |
Totais | | 22.693,39 | 22.658,45 | 18.179,39 |
d) A rubrica de “Devedores e Credores Diversos” incorpora as seguintes contas que integram saldos, que transitaram do ano anterior, no montante total de € 435.809,87, conforme se concretiza no quadro seguinte:
Conta N.º | Designação | 31.12.2015 (euros) | 31.12.2014 (euros) | Saldos de anos anteriores (euros) |
278201024 | PAGINA A PAGINA DIVULGAÇÃO DO LIVRO SA | 143,41 | 143,41 | 143,41 |
278206049 | EDITORIAL AVANTE | 211,82 | 211,82 | 211,82 |
278215060 | JOSÉ ABREU | 3.800,00 | 3.800,00 | 3.800,00 |
278217015 | EMPRÉSTIMO MÁRIO COSTA | 12.515,36 | 12.515,36 | 12.515,36 |
278217018 | XAVIER BARRETO | 203,50 | 203,50 | 203,50 |
278217022 | FERNANDO BORGES | 150,00 | 150,00 | 150,00 |
278218012 | SOLAR QUENTE | 5.000,00 | 5.000,00 | 5.000,00 |
278218015 | ANTÓNIO MANUEL SANTOS ABREU | 280,00 | 280,00 | 280,00 |
278219008 | EDIFÍCIO M 150 - PONTA DELGADA | 92.500,00 | 92.500,00 | 92.500,00 |
278280011 | EDITORIAL AVANTE | 645,75 | 645,75 | 645,75 |
278280023 | IDALINA SILVA C ANDRADE-CT CASCAIS | 322.715,40 | 320.360,03 | 320.360,03 |
Total | | | | 435.809,87 |
16 - Ao agirem conforme descrito em 4. e 5. dos factos provados, os Arguidos sabiam que, necessariamente, daí resultaria a inobservância de obrigações legalmente previstas para as contas anuais, suscetíveis de punição, apresentando ainda assim as contas nessas condições por não pretenderem fornecer a terceiros dados relativos à totalidade dos seus militantes.
17 - Ao agirem conforme descrito em 6., 8., 10. a 12., 13.a) a 13.b), 13.d) a 13.e) e 13.g), 14. e 15. dos factos provados, os Arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
18 - Os Arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e contraordenacionalmente sancionáveis, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
19 - Nas contas de 2015, o PCP registou:
a) No balanço: um total do ativo de € 20.466.492,90, um total do capital próprio de € 17.768.150,38 e um total do passivo de € 2.698.342,52.
b) Na demonstração dos resultados do ano: rendimentos no valor de € 11.244.844,24 e gastos no valor de € 10.892.001,79.
20 - Por referência ao ano de 2015, o PCP recebeu subvenção estatal no valor de € 1.100.241,44.
21 - O Partido encetou diligências no âmbito dos presentes autos com vista ao esclarecimento e correção de algumas das situações identificadas, entregando, em 29 de julho de 2020, a documentação referente às contas anuais de 2015 que consta de fls. 543 a 615.
22 - Nas contas de 2021, o PCP registou:
a) No balanço: um total do ativo de € 27.850.051,27, um total do Fundo de Capital de € 18.735.373,75 e um total do passivo de € 9.114.677,52.
b) Na demonstração dos resultados do ano: um resultado líquido do período no valor de € 1.667.466,63.
23 - Os Arguidos Alexandre Miguel Pereira Araújo e Maria Manuela Simão Pinto Ângelo Santos são Responsáveis Financeiros pelas contas anuais do PCP desde, pelo menos, 2008.
13.2 - Factos não provados
Com relevância para a decisão, não se provaram os seguintes factos:
1 - Dos valores registados no Banco de Portugal a 31 de dezembro de 2015, reportados a financiamentos realizados pelas entidades descritas ao PCP, os seguintes não se encontravam refletidos na contabilidade do PCP:
Banco BPI | Financiamento de activ. Empresarial | Indeterminado | 88,00 | | |
| Subtotal | 88,00 | - | 88,00 |
Banco Santander Totta | Descobertos em Depósitos à ordem | Indeterminado | 257,00 | | |
| Subtotal | 257,00 | - | 257,00 |
BCP | Cartão de crédito individual | Indeterminado | 121,00 | | |
| Subtotal | 121,00 | - | 121,00 |
2 - Ao agirem conforme descrito em 7., 9., 13.c) e 13.f) dos factos provados e 1. dos factos não provados, os Arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
13.3 - Motivação da decisão sobre a matéria de facto
13.3.1 - Factos provados
A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos, das regras da experiência e de inferências lógicas. Note-se, no mais, que dos fundamentos invocados no requerimento de interposição do recurso resulta que os recorrentes não impugnam parte da matéria de facto.
Para prova do facto 1. foi consultado o sítio público da Internet do Tribunal Constitucional, do qual a mesma se extrai.
A prova do facto mencionado em 2. resulta do teor de fls. 2 e 3 do PA, apenso aos presentes autos.
A prova do facto mencionado em 3. resulta do teor de fls. 5 e 19 do PA.
A prova da matéria factual elencada no ponto 4. teve por base as contas apresentadas. Para caracterizar o conteúdo dos recibos emitidos pelo recorrente PCP relativamente ao recebimento de quotas, atendeu-se às cópias desses recibos, juntas pelo próprio partido e que integram as fls. 404 a 843, da Pasta 2/3 da resposta do PCP ao relatório da ECFP, que se encontra anexa ao PA.
As inscrições dos lançamentos desses valores na contabilidade estão assinaladas a fls. 375v, 377, 431, 432, 434v, 435v e 437v, dos presentes autos, sendo que não se trata de matéria controvertida.
Também o que se dá como provado no ponto 5. é admitido expressamente pelos recorrentes, que confirmam que os documentos de suporte das receitas decorrentes de contribuições de filiados (que não sejam subsumíveis a quotas) não especificam o número de filiado e que essa omissão é propositada.
A este propósito, é irrelevante o que se fez constar da Informação n.º 13/2019, de 18 de março de 2019 - junta aos autos só na presente fase de recurso judicial e impugnada, quando ao seu teor, pelos recorrentes -, uma vez que os arguidos não contestam que os recibos por si emitidos não especificam o número de filiado do contribuidor a que se reportam, o que, aliás, é patente da consulta das suas cópias juntas aos autos. Uma vez que na decisão sancionatória ora impugnada apenas se censurou os arguidos pela incompletude dos documentos que titulam o recebimento das quotas e contribuições, na parte respeitante à identificação da qualidade de filiados, e não por os mesmos não serem realmente filiados - o que se traduziria na perceção de uma receita não consentida por lei -, o apuramento dos casos descritos na aludida Informação n.º 13/2019 não releva para o que se discute nos autos.
Os factos descritos no ponto 6. resultaram do extrato da conta que constitui o documento n.º 42 anexo ao auto (fls. 409 a 442), conjugando-se a soma dos valores aí inscritos com o mapa elaborado pela auditoria externa, no qual foi efetuada a compilação de tais valores e respetivas contas de contrapartida, e que constitui o documento n.º 46, anexo ao auto (fls. 172 e 173). Tomou-se ainda em consideração o ofício da Assembleia da República, de fls. 15 e 16 do PA, do qual se extrai qual o valor da subvenção pública pago ao PCP. No recurso interposto, os arguidos não contestam os valores dados como provados, mas somente que constituam infração contraordenacional, o que será apreciado no devido momento.
No que aos factos descritos no ponto 7. diz respeito, os mesmos resultam da contabilidade apresentada e da documentação que a suporta, nos termos especificados na decisão recorrida e que, no essencial, os recorrentes não contestam. Sobre estes factos, o que alegam é que, no que respeita aos casos descritos nas alíneas a), c) e d), neste último caso em particular as subalíneas iv) e vi), as divergências detetadas se ficaram a dever a faturas que vieram a ser contabilizadas nas contas de 2016, o que consta de fls. 545 a 547 (ponto 7.c), 548 e seguintes (ponto 7.d), facto confirmado pela ECFP.
No que respeita ao facto descrito no ponto 8., os recorrentes não contestam a existência da divergência, que foi detetada pela auditoria realizada às contas e que decorre do teor do extrato de conta “1210790001 NOVO BANCO” de fls. 331 a 349v, e bem assim da informação prestada pelo respetivo banco, constante de fls. 350 a 357, especificamente fls. 353. O que alegam é que a divergência foi retificada com a resposta ao relatório da ECFP, em 21 de julho de 2020, o que se confirma pelos documentos de fls. 564.
O facto descrito em 9. resulta do Balancete Analítico de fls. 17 a 76, concretamente de fls.26, do extrato da subconta “211160218 Município de Avis” de fls. 358 e da informação de fls. 360 a 363 dos presentes autos. Os recorrentes não contestam que a divergência existia a 31-12-2015, mas alegam que foi retificada em 2017, o que se comprova a fls. 566 e 567.
A prova dos factos descritos no ponto 10. e suas alíneas, resultou das contas apresentadas, designadamente do Balancete Analítico de fls. 17 a 76 verso, subcontas “2580307 Alexandre Adelino R. Pereira”, “2580301 José Costa Fernandes Fernandes”, “2581205 João Fernando Dias Serra”, “2580202 José Manuel Rocha Silva”, “2588001 José Cândido Lúcio Oliveira”, “2580305 Margarida Maria Oliveira Leca” E “2580306 Rosa Maria De Sá Ferreira Tavares” e bem assim dos documentos de fls. 1286 a 1299 da Pasta 3/3 (resposta ao relatório da ECFP anexo ao PA). O facto de não ter sido acordado o pagamento de juros nesses mútuos é expressamente admitido pelos recorrentes, que consideram tratar-se de procedimento legalmente admissível.
No que concerne aos factos descritos em 11., e suas alíneas, a prova resultou das contas apresentadas, designadamente do teor do Balancete Analítico de fls. 17 a 76 verso, subcontas: “2581701 Álvaro Pinto”, “2580302 Cândido Capela”, “2580303 Casais Batista”, “2580102 Emp. Miguel Viegas”, “2580602 Emp. Francisco Guerreiro”, “2580101 Emp. António Amador Da Silva Esteves”, “2580604 Emp. De Adelaide À Conc. Fig.Foz”, “2580601 Emp. Fernando Adão”, “2580605 Emp. António Baião À Conc. Fig. Foz”, “2580607 Emp. Eduardo Ferreira - Penacova”, “2580606 Emp. Manuel Peça - Penacova”, “2580603 Empréstimo De Carlos À Con. Fig.Foz”, “2582203 Jorge Espada Estêvão Correia”, “2580308 Jorge Matos” E “2580304 Manuel Veloso”. Sobre a questão, os recorrentes alegam que existe um lapso de qualificação, por inexistirem empréstimos sem suporte documental que tenham sido celebrados por valor superior àquele para o qual o Código Civil impõe forma escrita. Esta alegação será apreciada a propósito da apreciação jurídica da questão, sendo certo que não configura uma impugnação da matéria de facto dada como provada.
A prova dos factos descritos em 12. e suas alíneas resultou do teor do extrato da subconta “2581701 - Álvaro Pinto (Vila Real)”, respeitante aos anos de 2013 a 2015 de fls. 726, 730 e 734; do extrato da subconta da “2582201 - Paulo Alexandre C. Silva (Litoral Alentejano)”, respeitante aos anos de 2012 a 2015 de fls. 724,727, 731 e 735; do extrato da subconta “2582203 - Jorge Espada Estêvão Correia (Litoral Alentejano)” respeitante aos anos de 2013 a 2015 de fls. 728, 732 e 736; do extrato da subconta da “2588001 - José Cândido Lúcio Oliveira (Central)”, respeitante aos anos de 2012 a 2015 de fls. 725,729, 733 e 737, e bem assim dos restantes elementos contabilísticos respeitantes às contas de 2015, de cuja da análise resulta a inexistência do registo de pagamentos de juros relativos a tais financiamentos. No recurso impugnado, os recorrentes contestam que haja alguma infração, mas não impugnam os factos descritos.
A prova dos factos descritos em 13. e suas alíneas resultou do teor dos elementos contabilísticos juntos aos presentes autos, mormente do Balancete Analítico de fls. 17 a 76 verso, concretamente das subcontas em referência, a fls. 59v e 60v. No recurso interposto, os recorrentes alegam que as pessoas identificadas foram tratadas como fornecedores e que os valores foram regularizados em datas posteriores, designadamente 2016 e 2019, conforme comprovado a fls. 592 a 602. Ora, esses extratos mostram as regularizações em causa, exceto no que concerne à conta 278280071 JOCARINVEST INV IMOB LDA 1/3 UM964 MIRAGAIA”, que permanece por regularizar (fls. 599). Sobre este crédito foi junto o documento de fls. 600 e 601, que consiste numa declaração relativa à situação registal de determinado bem imóvel relativamente ao qual o PCP renuncia a qualquer direito de preferência que lhe seja reconhecido, mas que não tem relevância ou pertinência contabilística, nem os arguidos apresentaram justificação alguma nesse sentido.
A prova dos factos descritos em 14., designadamente a que consta da central de responsabilidades do Banco de Portugal, resulta do mapa de fls. 98. Apurou-se que se trata de informação reportada a 31 de dezembro de 2015, não ao ano de 2015 como um todo, como erroneamente se refere na decisão da ECFP.
Sobre a questão, para além de contestarem a fidedignidade do mapa de responsabilidades do Banco de Portugal como meio adequado para aferir da regularidade contabilística partidária, designadamente por incluir capital em crédito nos bancos e plafonds de crédito em cartão, desconsiderando se esse crédito está ou não a ser utilizado em concreto, os arguidos fizeram algumas alegações pertinentes.
Quanto ao RCI, verifica-se que a decisão desconsidera as contas 2782 e 2580, justificando-se a diferença do valor aí inscrito pelo facto de as contas de 2015 terem de refletir os juros lançados relativos aos anos de 2016 a 2020, e que a conta está devidamente reconciliada, apresentando um documento com tais valores, a fls. 809.
Quanto ao BPI, alegam os arguidos tratar-se do cartão de crédito “Macro”, cujo valor consta das contas de 2015. Apreciando, verifica-se que tal valor realmente consta lançado na conta 2211800537 do Balancete Geral, pelo que o correspondente facto dado como provado na decisão recorrida está incorreto.
Quanto ao BCP, alegam os arguidos tratar-se do cartão de crédito “Recheio”, cujo valor consta das contas de 2015. Apreciando, verifica-se que tal valor realmente consta lançado na conta 2211900488 do Balancete Geral, pelo que o correspondente facto dado como provado na decisão recorrida está incorreto.
Finalmente, quanto ao Santander, alegam os arguidos tratar-se do valor de um descoberto em conta de depósitos à ordem, de € 257,00, valor que está lançado na contabilidade. Apreciando, verifica-se que tal valor realmente consta lançado na conta 1211818001 do Balancete Geral, pelo que o correspondente facto dado como provado na decisão recorrida está incorreto.
Sublinhe-se, finalmente, que as diferenças de valores ao nível das casas decimais se explicam pelo facto de os valores inscritos no mapa da central de riscos do Banco de Portugal estarem arredondados à unidade.
No que concerne às diversas situações descritas no ponto 15, as mesmas resultam dos balancetes analíticos entregues pelo Partido respeitantes ao ano de 2015 (fls. 17 a 76v) e ao ano de 2014 (fls. 636 a 720), estando em causa a ausência de informação sobre os saldos devedores discriminados se encontravam ou não regularizados.
No recurso interposto, os recorrentes não contestam os valores inscritos na decisão, mas alegam, em concreto, que os saldos em causa foram regularizados em 2017 e 2018 e alguns outros em data anterior, juntando os extratos de conta que comprovam tais factos, e que constam do anexo 18 na Pasta 3/3 anexa ao PA, a fls. 1034 e seguintes, sendo que na alegação do presente recurso não foram juntos elementos documentais adicionais, tendo os recorrentes alegado que estavam ainda a avaliar da recuperabilidade dos saldos em causa.
A prova da factualidade enunciada em 16. extrai-se da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras de experiência comum e inferência lógicas e, em primeira linha, da própria argumentação aduzida pelos recorrentes. Tal como afirmam no recurso interposto, os recorrentes têm a perfeita noção de que os recibos por si emitidos omitem os números de filiados das pessoas aí identificadas, sendo que essa omissão é, confessadamente, propositada. Como os recorrentes salientam no seu recurso, consideram que tal equivaleria a fornecer um ficheiro completo dos seus militantes, ainda que parcelar, mas suscetível de reconstituição integral, o que recusam categoricamente, sem prejuízo de estarem disponíveis para identificar toda a qualquer situação que suscite dúvidas à ECFP, numa base casuística ou sempre que sejam suscitadas dúvidas concretas. Sem prejuízo da avaliação jurídica que se fará adiante, a verdade é que, como os recorrentes admitem, esta questão não é nova na jurisprudência do Tribunal Constitucional.
A prova da factualidade enunciada em 17. extrai-se igualmente da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras de experiência comum e inferência lógicas. Tratando-se de estados mentais dos agentes, a prova dos factos que os consubstanciem pode ser alcançada, no essencial, por duas vias: pela confissão feita pelo próprio ou por uma interpretação da manifestação exterior dos factos internos correspondentes. A segunda via implica o uso de inferências, assentes, quer em presunções judiciais apoiadas nas regras da experiência comum, quer em abduções baseadas em factos apurados através de prova direta. Não é crível que os arguidos não tenham representado a possibilidade de a documentação apresentada ser irregular ou incompleta, designadamente a realização dos pagamentos em numerário em valor superior ao limite legal, as incongruências entre saldos registados nas contas e os registados pelos respetivos fornecedores, as incompletudes e imprecisões de informação contabilística descrita supra, até porque, em geral, procederam às correções em momentos ulteriores, o mesmo sucedendo quanto à não regularização de saldos devedores, também eles regularizados somente em anos subsequentes, bem como aos financiamentos obtidos junto de pessoas singulares, relativamente aos quais inexiste qualquer documentação de suporte que contenha as respetivas condições contratuais.
Quanto à consciência da ilicitude, constante do ponto 18. dos factos provados, refere a decisão recorrida que os arguidos sabiam que as condutas praticadas eram proibidas e sancionáveis como contraordenação, tendo agido livre, voluntária e conscientemente. Vêm indicadas, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões para tal juízo, devendo recordar-se que, também aqui, a prova destes factos se faz por via indireta, repousando nas regras da experiência comum e processos inferenciais, designadamente de natureza abdutiva. Recorde-se ainda que, conforme decorre do artigo 9.º do RGCO, a falta de consciência da ilicitude do facto - que é, como se sabe, um problema de valoração do facto, que não se confunde com o erro de conhecimento - não exclui o dolo, apenas podendo afastar a culpa quando o erro não for censurável ao agente. Ora, a exigibilidade do cumprimento dos deveres é um critério essencial para determinar a censurabilidade da falta de consciência da ilicitude dos arguidos, já que não está em causa, neste domínio, a atribuição de um juízo de culpa ética equivalente ao do direito penal, mas antes, a eventual indiferença relativamente aos valores tutelados pelas normas de dever previstas na LFP e na LEC. É justamente pelas funções que desempenham os arguidos - partido político e responsáveis financeiros pelas contas anuais do PCP referentes a 2015, mas que já as desempenhavam há vários anos - que se lhes impunha uma exigibilidade reforçada enquanto destinatários especiais das normas de dever impostas em matéria de contas, sendo certo que, como o Tribunal Constitucional tem desde sempre afirmado (v. Acórdãos n.os 77/2011 e 86/2012), estando em causa a observância de regras específicas relativas ao financiamento e apresentação de contas dos partidos políticos, os partidos e os seus responsáveis financeiros não podem, em consciência, deixar de conhecer as normas a que estão vinculados. Ora, resulta da globalidade da prova produzida que o PCP e os seus responsáveis financeiros exerceram efetivamente aquelas funções, tendo, além do mais, apresentado as contas anuais em moldes que demonstram o conhecimento daqueles mesmos deveres específicos que sobre si impendiam. Conclui-se, pois, que a prova da consciência da ilicitude resulta da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras da experiência comum e de inferências lógicas.
A prova dos factos constantes dos pontos 19. dos factos provados resulta do teor de fls. 31 e 32 do PA.
A prova dos factos constantes do ponto 20. dos factos provados resulta de fls. 15 e 16 do PA, com base em informação prestada pela Assembleia da República.
A prova da matéria factual descrita no ponto 21. dos factos provados advém dos documentos apresentados pela defesa dos Arguidos juntos a fls. 543 a 615.
A prova da factualidade elencada no ponto 22. dos factos provados extrai-se do teor da publicação existente no sítio público da internet do Tribunal Constitucional.
A factualidade descrita no ponto 23. dos factos provados resulta dos processos de prestação de contas de anos anteriores do PCP, concretamente dos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, de resto não contestada pelos recorrentes.
13.3.2 - Factos não provados
A matéria de facto dada como não provada em 1. ficou a dever-se à circunstância de se ter apurado que os valores em causa estavam registados na contabilidade do PCP, nos termos supra descritos.
No que ao ponto 2. diz respeito, a não comprovação do facto resulta, como se mostrará adiante, de não estarem reunidos os pressupostos da infração. É certo que, na razão de ordem de uma decisão judicial, a apreciação jurídica, nomeadamente quanto ao preenchimento do tipo objetivo, é posterior ao julgamento da matéria de facto, pelo que se trata aqui da antecipação de uma conclusão ainda por obter. Sucede que a atribuição a um agente de um conteúdo mental representativo de um estado de coisas que consiste na divergência entre a sua conduta e um parâmetro - o elemento intelectual do dolo numa infração de dever − pressupõe logicamente, senão um juízo de ilicitude objetiva, pelo menos a verosimilhança desta. Isto é particularmente evidente quando a prova do elemento subjetivo do tipo se baseia em primeira linha, como é o caso das infrações que incidem sobre a violação de deveres funcionais, em presunções judiciais estabelecidas a partir de regras da experiência acerca da conduta e as atitudes dos portadores do estatuto relevante. Há, pois, uma certa e inevitável desarmonia entre a ordem expositiva e a ordem judicativa do processo decisório, atento o figurino linear da primeira e circular da última, desarmonia essa que é reveladora da conhecida aporia metodológica da dicotomia convencional entre questão-de-facto e questão-de-direito.
14 - Matéria de direito
14.1 - Considerações gerais
A decisão recorrida considerou que os arguidos incorreram na prática da contraordenação prevista no artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP, com fundamento na violação do dever de organização contabilística, imposto pelo artigo 12.º do mesmo diploma.
O n.º 1 do citado preceito dispõe que "os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas no capítulo II são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 400 vezes o valor do IAS, para além da perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos", acrescentando, no seu n.º 2, que "os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 5 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS".
A norma sancionatória prevista no artigo 29.º da LFP atua por remissão geral para os deveres que constam do Capítulo II, o que implica que esta infração contraordenacional se concretize sempre através da associação de, pelo menos, duas normas: a propriamente sancionatória, prevista neste artigo; e a que, descrevendo o comportamento devido, define, a contrario, o comportamento proibido.
No caso vertente, o comportamento proibido é concretizado, em regra, por referência ao artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi do artigo 14.º deste diploma, que estabelece, no seu n.º 1, que "os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei", aqui se prevendo um dever genérico de organização contabilística. Em causa está, como é bom de ver, a verificação de deficiências de organização contabilística que comprometem a fiabilidade das contas apresentadas, impedindo o conhecimento da real situação financeira e patrimonial dos partidos e a verificação do cumprimento das obrigações a que estão legalmente adstritos.
Ora, o conteúdo do dever de organização contabilística é concretizado através dos específicos deveres que resultam, designadamente, dos demais números e alíneas deste artigo; mas a violação do dever genérico ocorre ainda nos casos em que, não se verificando embora a violação de deveres legais específicos, se verifiquem deficiências ou insuficiências de organização contabilística que comprometam a fiabilidade das contas apresentadas. Neste mesmo sentido, tem o Tribunal Constitucional sublinhado que "o dever de organização contabilística por parte dos partidos reflete-se em diversos factos, que podem implicar quer o incumprimento de específicos deveres impostos pela LFP, quer deficiências ou insuficiências que comprometem a fiabilidade das contas apresentadas" (v., entre outros, os Acórdãos n.os 198/2010, 711/2013, e 246/2021).
A análise dos pressupostos da responsabilidade contraordenacional prevista no artigo 29.º da LFP aconselha uma breve referência à natureza estruturalmente dolosa dos ilícitos tipificados no referido diploma legal, matéria em que se segue de perto o
Acórdão 345/2013. Com efeito, sendo certo que "na ausência de uma norma específica de sentido contrário, os tipos-de-ilícito estruturados a partir da violação dos deveres impostos em matéria de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais e de apresentação das respetivas contas encontram-se sujeitos, conforme repetidamente afirmado por este Tribunal, à incidência da regra geral constante do artigo 8.º, n.º 1, do RGCO, nos termos do qual “só é punível o facto praticado com dolo”", é igualmente seguro que "a responsabilidade contraordenacional prevista na
Lei 19/2003 é compatível com qualquer forma de dolo [...] não pressupondo, além do mais, qualquer intenção especial que concorra com o dolo do tipo ou a ele se adicione com autonomia".
Por último, e no que respeita à responsabilidade contraordenacional prevista no artigo 29.º, n.º 2, da LFP, vale a pena recordar o disposto no artigo 18.º, n.º 1, da LEC, na parte em que "estabelece um mecanismo de identificação dos responsáveis partidários, primariamente dependente de indicação, pelos próprios partidos, dos indivíduos a quem tenha sido deferida a responsabilidade última pela fidedignidade das contas partidárias, ou seja, aqueles a quem se imponha, em especial, o dever de garante acima referido" (v. o
Acórdão 711/2013, citando o
Acórdão 301/2011). É sobre estes dirigentes que recai o dever de garantir a observância dos deveres impostos aos partidos políticos em matéria de financiamento e organização contabilística, competindo-lhes adotar, no interior das estruturas partidárias, mecanismos e procedimentos que previnam a violação das normas da LFP, designadamente no que respeita à elaboração e apresentação de contas anuais.
14.2 - Preenchimento do tipo contraordenacional
Através da decisão recorrida, a ECFP sancionou os arguidos pela prática da contraordenação prevista no artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP, com fundamento na violação do dever de organização contabilística, imposto pelo artigo 12.º do mesmo diploma, violação essa consubstanciada em sete núcleos factuais (a ordem que segue difere da que consta da decisão recorrida, privilegiando uma maior afinidade das questões):
i) Registo de receitas provenientes de quotas e contribuições de filiados sem comprovação dessa qualidade;
ii) Realização de pagamentos de despesas em numerário em valores superiores aos limites legais;
iii) Divergências entre saldos registados na contabilidade do Partido e os saldos registados por terceiros, relativamente às mesmas contas.
iv) Registo contabilístico de valores credores sem identificação da respetiva natureza.
v) Ausência de registo de empréstimos obtidos.
vi) Condições de empréstimos feitos por pessoas singulares ao Partido.
vii) Registo de saldos no passivo do balanço sem justificação bastante.
14.2.1 - Está em causa, no primeiro núcleo factual, a imputação da violação do dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, n.º 1, com referência ao artigo 3.º, n.º 1, alínea a), ambos da LFP, decorrente do facto de, nas contas apresentadas, se terem registado receitas provenientes de quotas e de contribuições de filiados, sem que dos respetivos documentos de suporte conste qualquer elemento identificativo que comprove essa qualidade dos contribuidores.
Entendeu-se na decisão recorrida que o registo, nas contas, de receitas provenientes das referidas fontes, faz recair sobre o Partido o dever de demonstrar, de forma clara e inequívoca, a sua origem, concretamente a condição de filiados dos indivíduos que efetuaram o pagamento das quotas e contribuições, uma vez que tal é condição de admissibilidade dessa receita, nos termos do 3.º, n.º 1, alínea a), ambos da LFP.
No recurso, os recorrentes alegam que não existe obrigação legal de fornecer à ECFP uma listagem individualizada e nominativa - seja completa, seja parcelar - de todos os seus filiados, ou de que essas informações devam constar da sua contabilidade, na medida em que tal hipótese permitisse obter o mesmo resultado, por tal ser contrário à reserva que os partidos políticos devem ter sobre a identidade dos seus militantes. Mais alega que essa posição não equivale a recusar a comprovação casuística, sempre que a ECFP o pretenda, da qualidade de filiado de cada contribuidor sobre o qual pudesse haver dúvidas. Alega que sempre esteve disponível para exibir presencialmente à ECFP ou aos auditores tais elementos, mas que a ECFP não o pretendeu fazer.
No que se refere ao conteúdo da informação a prestar, contesta ser exigível a referência ao número de contribuinte dos contribuidores, por tal carecer de base legal e por não estar em causa uma relação fiscal com os filiados, sendo que afirma não ser possuidor dessa informação relativamente a todos os seus filiados.
Importa tomar posição.
Nos termos do artigo 12.º, n.º 3, alínea b), subalínea ii), da LFP, constitui requisito especial do regime contabilístico dos partidos políticos a discriminação das receitas, designadamente das previstas no artigo 3.º do mesmo diploma. Neste preceito enumeram-se aquelas que podem constituir receitas próprias dos partidos políticos, entre as quais figuram, na parte relevante para o presente recurso, as quotas e outras contribuições dos seus filiados.
A especial acuidade da identificação da qualidade em que pessoas singulares efetuam entregas patrimoniais a um partido político prende-se com a limitação legal às fontes de financiamento. Com efeito, existe uma taxatividade das fontes de receita própria dos partidos políticos, as quais se encontram enumeradas no artigo 3.º da LFP.
Nos termos do n.º 1, alínea a), desse preceito, constituem receitas próprias dos partidos políticos "as quotas e outras contribuições dos seus filiados".
Como decorre dos factos dados como provados, em especial sob os números 4. e 5., o Partido inscreveu nas contas anuais de 2015 um conjunto de valores, respeitantes a perceção de receitas, que atribuiu a quotas e contribuições dos seus filiados. Sucede, porém, que os recibos por si emitidos e que titulam tais recebimentos - em particular, os relativos aos lançamentos identificados - omitem qualquer elemento que comprove ou permita comprovar que os sujeitos neles inscritos como filiados são realmente filiados, designadamente a menção ao respetivo número. Além disso, muitas vezes os nomes são descritos de forma abreviada, inexistindo algum elemento pessoal que permita individualizar e identificar, se necessário, a identidade do contribuinte e confirmar se possui ou não a qualidade de filiado.
Ora, o documento contabilístico que titula a perceção daquela receita deve conter os dados suficientes, não apenas para individualizar adequadamente o sujeito e o conteúdo da receita - nome do contribuidor, montante pago, data do recebimento, meio de pagamento, inter alia -, como para comprovar, se necessário, as condições de admissibilidade substantiva dessa receita. No caso vertente, a condição essencial é a qualidade de filiado do partido, pois só quotas ou contribuições pagas por quem esteja investido nessa qualidade podem ser subsumíveis à receita prevista no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da LFP. Ao omitirem esse dado dos recibos emitidos, os quais constituem os documentos contabilísticos de suporte às receitas inscritas nas contas, os arguidos violaram o artigo 12.º, n.º 1, da LFP.
O argumento dos recorrentes é improcedente.
Se é verdade que o Tribunal Constitucional nunca impôs que os partidos forneçam previamente, a si ou à ECFP, uma listagem nominativa dos seus filiados ou associados, nem que a existência dessa lista constitua elemento de suporte indispensável para a inscrição das receitas a que se refere o artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da LFP - Acórdãos n.os 70/2009 e 245/2021 -, daí não se segue que os documentos que titulam cada recebimento a título de quota ou contribuição proveniente de filiado não devam conter dados suficientes para permitir a identificação inequívoca desse filiado e a comprovação material dessa qualidade. Ora, a indicação do número de filiado constitui, porventura, a forma mais adequada de o fazer, pois esse número identifica individualmente cada filiado e permite confirmar, junto dos arquivos do partido político, a respetiva inscrição nessa qualidade. Aliás, a identificação inequívoca do sujeito mencionado no recibo constitui condição necessária para efetivar o procedimento proposto pelos arguidos, isto é, a comprovação junto dos seus ficheiros internos de que a pessoa inscrita no recibo é realmente um filiado do partido. Se os recibos omitem dados suficientemente individualizadores do sujeito, qualquer possibilidade de comprovação objetiva e sindicável da identidade entre esse sujeito e os que constam dos arquivos do partido fica comprometida. Vejam-se, a título meramente exemplificativo, os recibos que constam a fls. 515 e seguintes da Pasta 2/3 da resposta do PCP ao relatório da ECFP, que se encontra anexa ao PA. Nos recibos aí reproduzidos encontramos supostos filiados identificados somente por um nome próprio e um apelido, nos seguintes termos: “Manuel Fernandes”, “Manuel Rodrigues”, “Margarida Sousa”, “Mário Carvalho”, “Marta Mendes”, “Rui Silva”, entre muitos outros casos análogos. Como é evidente, para além de ser duvidoso que estas designações correspondam aos nomes completos dos sujeitos, mesmo que o sejam, dado o caráter comum dos nomes e apelidos em causa e a ausência de outros dados individualizadores, torna-se impossível efetuar, com a segurança necessária, a correspondência da identidade de quem figura nos recibos e de quem figura nos arquivos do partido. Ora, renunciar à possibilidade de estabelecer essa correspondência, de forma inequívoca e objetiva, equivale a renunciar à possibilidade de escrutinar as contas dos partidos políticos, mormente assegurando que as receitas próprias por si percebidas e registadas correspondem às que são legalmente admitidas.
Verifica-se, pois, violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP, com referência ao seu artigo 3.º, n.º 1, alínea a), o que constitui atuação subsumível ao tipo de ilícito previsto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
14.2.2 - Está em causa, no segundo núcleo factual, a imputação da violação do artigo 9.º da LFP, decorrente do facto de, nas contas apresentadas, estar registada a realização de pagamentos de despesas em numerário em valores superiores aos limites legais. Em concreto, entendeu-se que, no período em análise, o Partido efetuou pagamentos de despesas em numerário, no valor total de € 38.757,14, sendo que, embora se considerados individualmente, tais pagamentos foram inferiores ao salário mínimo nacional de 2008 (€ 426), no seu conjunto ultrapassaram o limite de 2 % da subvenção anual, no caso, € 22.004,82, considerando o valor da subvenção paga ao Partido em 2015, ou seja, € 1.100.241,44.
No recurso interposto, alegam os arguidos, em suma, que a imposição legal do uso de cheque ou outro meio bancário que permita a identificação do montante e da entidade destinatária do pagamento não constitui uma obrigação cujo incumprimento justifique um sancionamento autónomo, antes uma forma de prevenir um resultado que é desvalioso. Acrescentam que, em concreto, todas as despesas em causa correspondem a despesas legais e em que os dados relativos aos montantes e aos destinatários estão plenamente identificados. Logo, tendo cumprido a finalidade que subjaz à norma do artigo 9.º da LFP, não há justificação para a sua punição, até porque tal apenas poderia ser equacionado sob a forma tentada, o que não é possível.
A factualidade a considerar para a apreciação desta questão é a descrita no ponto 6. dos factos provados.
Nos termos do n.º 1 do artigo 9.º da LFP, "[o] pagamento de qualquer despesa dos partidos políticos é obrigatoriamente efetuado por meio de cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e a entidade destinatária do pagamento, devendo os partidos proceder às necessárias reconciliações bancárias, nos termos do artigo 12.º", acrescentando o n.º 2 que se excetuam dessa obrigação os pagamentos de montante inferior ao valor do IAS, mas "desde que, no período de um ano, não ultrapassem 2 % da subvenção estatal anual, sem prejuízo do disposto no artigo 12.º".
Atendendo aos factos provados em 6., está em causa a violação do segundo dos limites consagrados no n.º 2 do citado artigo 9.º da LFP: não obstante nenhum dos pagamentos em numerário aqui considerados ter ultrapassado o limite do IAS aplicável à data, no seu conjunto e atento o período anual a considerar, ultrapassaram largamente o correspondente a 2 % da subvenção estatal anual.
Não procede a argumentação desenvolvida pelos arguidos, a qual confunde o conteúdo da proibição com a razão pela qual a proibição foi instituída.
Têm razão os arguidos quando dizem que a razão pela qual a lei impõe que as despesas dos partidos políticos sejam realizadas por intermédio de cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e a entidade destinatária do pagamento é garantir que possa haver um escrutínio seguro e objetivo desses pagamentos, designadamente sobre os seus elementos essenciais, como sejam os montantes, datas, ordenantes, beneficiários e outros, por forma a confirmar ou não que se referem a despesas lícitas.
Mas daí não se segue que o legislador apenas tenha querido ou tenha legitimidade para sancionar os comportamentos que se traduzam na realização de despesas ilícitas, isto é, na concretização do dano que justifica a criação desses deveres formais. Pelo contrário, nada obsta a que o legislador conceba infrações de perigo abstrato, punindo contraordenacionalmente a violação de procedimentos cuja adoção é legalmente imposta ao partido precisamente com o objetivo de, em primeira linha, prevenir a realização de despesas ilícitas e, em segunda linha, permitir o escrutínio sobre a sua eventual ocorrência. Nesse caso, a efetiva lesão dos bens jurídicos contraordenacionalmente tutelados não faz parte dos elementos do tipo. Trata-se de uma antecipação da tutela sancionatória informada por um desiderato preventivo ou profilático. É o que se passa no caso concreto: a punição incide sobre a violação dos procedimentos atinentes à forma de realização de pagamentos de despesas partidárias, nos termos e sob as condições previstas no artigo 9.º, n.os 1 e 2, da LFP, sendo irrelevante para a perfeição do preenchimento do tipo contraordenacional que não se prove que alguma dessas despesas é realmente ilícita ou que existem outros meios de determinar os aludidos elementos identificativos de cada um desses pagamentos. Pelo contrário, a prova da realização efetiva de despesas ilícitas constituiria infração autónoma e com a primeira cumulável, a punir nos termos do artigo 30.º da LFP.
Verifica-se, pois, violação do disposto no artigo 9.º, n.º 1 e n.º 2, parte final, da LFP, o que constitui atuação subsumível ao tipo de ilícito previsto no artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Em face do exposto, improcede, nesta parte, o recurso.
14.2.3 - Está em causa, no terceiro núcleo factual, a imputação da violação do dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP, decorrente da existência de divergência entre os saldos registados nas contas do PCP e os respetivos saldos declarados pelos fornecedores, banco e cliente, nos termos descritos nos pontos 7. a 9. dos factos provados.
Como se salienta na decisão recorrida, os registos contabilísticos dos partidos políticos devem evidenciar, com exatidão, os montantes em dívida e os saldos existentes em bancos. Sendo detetadas divergências ou incongruências, cabe ao partido operar a respetiva reconciliação contabilística e dar razões que tornem compreensíveis os saldos registados nas suas contas anuais. Assim é porque impende sobre o partido o dever legal, fundado no n.º 1 do artigo 12.º da LFP, de organizar as suas contas de forma a que elas permitam conhecer, de forma segura e precisa, a sua situação patrimonial e financeira, bem como verificar o cumprimento das obrigações emergentes da lei. Tal não significa, como é bom de ver, que quaisquer incongruências entre os registos contabilísticos do partido e os correspondentes registos dos seus fornecedores ou clientes, a propósito das mesmas realidades e detetados, por exemplo, por via de circularização, impliquem ipso facto a conclusão de que o erro ou a causa da divergência radica nas contas do partido, sendo tal situação geradora de responsabilidade contraordenacional, o que equivaleria a - absurdamente - converter os registos dos clientes em parâmetro de correção da contabilidade dos partidos. O que a deteção de tais incongruências e divergências impõe é a necessidade de serem prestados esclarecimentos e obtida a confirmação da correção dos registos contabilísticos apresentados pelo partido.
No recurso interposto, os arguidos não negam que as divergências existissem à data da apresentação das contas e que afetassem as contas que apresentaram. Antes alegam que tal foi corrigido, uma vez que os valores geradores das divergências foram, entretanto, lançados em 2016 - e, no caso do fornecedor Repsol, ainda em 2015 -, sendo que as demais divergências foram retificadas com a resposta ao relatório da ECFP, em 21 de julho de 2020.
Uma vez que a ECFP já havia sido confrontada com esta alegação na fase instrutória do processo, alegou na decisão ora recorrida que tal facto não obsta à consumação da infração, pois apenas são de admitir correções das irregularidades identificadas na prestação de contas até ao momento em que é proferida a decisão administrativa que as aprecia. No caso vertente, até ao momento da prolação da decisão declaratória, de 30 de abril de 2019.
Vejamos.
Conforme se vem reiterando na jurisprudência deste Tribunal (v. os Acórdãos n.os 361/2003, 423/2004, 874/2023, 14/2024), para o caso geral, a data da consumação das contraordenações por infração aos deveres formais de organização contabilística estabelecidos na LFP - como é o caso da presente - corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias. No caso vertente, trata-se do dia 31 de maio de 2016, por força do disposto nos artigos 25.º da LEC e 26.º, n.º 1, da LFP.
Assim, correções que sejam realizadas em data posterior a essa não obstam ao preenchimento do tipo contraordenacional, porque subsequentes à consumação da infração.
Contudo, o n.º 3 do artigo 26.º da LFP consagra uma importante exceção a tal regra. Naqueles casos em que, na apreciação levada a cabo pela ECFP, forem detetadas incertezas ou irregularidades suscetíveis de sanação, deverão os partidos ser notificados para as esclarecer ou regularizar, no prazo que para tanto lhes for fixado. Caso o venham a fazer dentro do prazo fixado, a irregularidade, mesmo que previamente verificada, tem-se por eliminada, deixando de constituir base idónea de imputação de um ilícito contraordenacional. Com efeito, o Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência clara sobre a relação que intercede entre as irregularidades que afetem as contas anuais dos partidos ou as contas de campanhas eleitorais e as contraordenações previstas na LFP e na LEC, no sentido de que a existência de infrações às regras que regem os financiamentos dos partidos políticos e das campanhas eleitorais constitui condição necessária da responsabilidade contraordenacional pelos delitos previstos na legislação sobre a matéria, dado que os tipos contraordenacionais estão construídos sobre a violação das regras de financiamento, aqui entendidas em sentido amplo, isto é, abrangendo a obtenção de receitas e a realização de despesas, bem como a sua contabilização. Ora, a partir do momento em que determinada irregularidade, ainda que verificada no momento da entrega das contas, é ulteriormente suprida por via de um expediente expressamente previsto na lei para tal, deixa de poder fundar a imputação de responsabilidade contraordenacional, a qual se extingue, não podendo o procedimento tendente à sua efetivação ser iniciado ou, quando já o tenha sido, subsistir.
No caso vertente, todas as divergências descritas nos pontos 7. a 9. dos factos provados haviam sido detetadas e assinaladas no relatório de auditoria da ECFP a que alude o artigo 30.º, n.º 1, da LEC, datado de 18 de janeiro de 2018, em § 4.12 a § 4.14 (fls. 263v e 289 a 291v), o qual foi notificado aos arguidos para que, no prazo de 30 dias, sobre o mesmo se pronunciassem e prestassem os esclarecimentos tidos por conveniente. Dado que, segundo o artigo 32.º, n.º 1, do mesmo diploma, é após as respostas dadas pelos partidos, e tendo em consideração o respetivo teor e elementos que as acompanhem, que a ECFP profere a sua decisão final sobre a prestação das contas e sobre as irregularidades que as afetem, é de entender que a notificação de tal relatório vale como notificação para os efeitos do disposto no artigo 26.º, n.º 3, da LFP, no que a irregularidades sanáveis concerne.
Na resposta oferecida a tal relatório, o PCP pronunciou-se sobre tais questões.
Como resultou provado, no que concerne aos casos descritos em 7.a) a 7.c), as divergências haviam sido sanadas com os lançamentos das faturas respetivas na contabilidade do partido em janeiro de 2016. Contudo, relativamente às demais, não houve sanação. Veja-se que, a fls. 1230 a 1247 do anexo II, pasta 3/3, onde constam os elementos documentais juntos pelo PCP em resposta ao relatório da ECFP, nada consta relativamente às demais situações descritas nos pontos 7. a 9. dos factos provados.
Já após a instauração do procedimento contraordenacional, no âmbito do exercício do contraditório sobre o auto de notícia, o PCP remeteu aos autos documentos relativos ao fornecedor descrito em 7.d) e 7.e), dando conta da regularização ocorrida em janeiro de 2016 (fls. 548 a 561) e a regularização relativa ao cliente descrito em 9., realizada em 2017 (fls. 566). Ainda que estes esclarecimentos e a prova dessas regularizações não tenham sido oferecidos no momento processual adequado, que teria sido o prazo a que alude o artigo 26.º, n.º 3, da LFP, correspondente aos 30 dias dados para responder ao relatório da ECFP, de 18 de janeiro de 2018, verifica-se que a supressão das irregularidades ocorreu efetivamente antes do final desse prazo. Como tal, deve ter-se por operante para efeitos de imputação contraordenacional.
O mesmo não vale para o caso do Novo Banco - ponto 8., por o documento enviado (fls. 564) ser inidóneo a comprovar a reconciliação bancária alegada.
Como tal, verifica-se uma sanação relevante das divergências reportadas aos fornecedores descritos em 7. e 9. dos factos provados, no mais improcedendo o recurso quanto a este aspeto.
14.2.4 - Está em causa, no quarto núcleo factual, a imputação da violação do dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP, decorrente da existência de, na rubrica “Outros Devedores e Credores” das contas do PCP terem sido registados saldos credores, no valor de €41.010,02, sem especificação da respetiva natureza, o que obsta a que se possa conhecer, com precisão, a verdadeira situação financeira e patrimonial do Partido.
A matéria de facto relevante para a avaliação da presente imputação é a descrita no ponto 13. dos factos provados. Em todas as situações descritas se verifica que o PCP detém créditos sobre as entidades aí mencionadas, sem que seja percetível qual a origem de tais créditos e a razão da sua não regularização, dado que tais entidades não parecem ser fornecedoras do partido.
No recurso interposto, os arguidos alegam que todas as entidades assinaladas são efetivamente fornecedores do PCP e que foram tratados como tal, sendo que as situações terão sido regularizadas entre 2016 e 2019, pelo que a imputação não deve proceder.
A questão coloca-se em termos análogos à anterior. Como decorre da defesa apresentada, os arguidos admitem que, no momento da apresentação das contas, o tratamento contabilístico relativo a tais situações era irregular.
As dúvidas foram identificadas no Relatório da ECFP, de 18 de janeiro de 2018, no § 4.16.3), reportando-se a mais situações do que as ora descritas. Com base na resposta oferecida pelos arguidos - fls. 1300 a 1302 do anexo II, pasta 3/3 - foram consideradas sanadas as situações aí indicadas, sendo que sobre as demais - as que constam no ponto 13. dos factos provados - nada foi esclarecido pelo partido no prazo a que alude o artigo 30.º, n.º 5, da LEC.
Já após a instauração do procedimento contraordenacional, no âmbito do exercício do contraditório sobre o auto de notícia, o PCP remeteu aos autos documentos relativos às situações descritas nas alíneas em b) a d) e f), sendo que apenas nos casos das alíneas c) e f) se evidencia ter a regularização sido efetuada em momento anterior ao prazo a que alude o artigo 26.º, n.º 3, da LFP.
Nestes termos, verifica-se uma sanação relevante das situações descritas em 13.c e 13.f dos factos provados, no mais improcedendo o recurso quanto a este aspeto.
14.2.5 - Está em causa, no quinto núcleo factual, a imputação da violação do dever de organização contabilística, decorrente de os arguidos não terem registado nas contas do PCP um conjunto de financiamentos obtidos com recurso a crédito bancário, no valor total de € 88.765,80 e que se encontra decomposto no quadro que integra o ponto 14. dos factos provados.
Nos termos do artigo 12.º, n.º 3, alínea b), subalínea i), alínea c), subalínea iv) e alínea d), subalínea i), a primeira com referência ao artigo 3.º, n.º 1, alínea f), todos da LFP, o regime contabilístico próprio dos partidos políticos implica a discriminação das receitas advenientes do "produto de empréstimos, nos termos das regras gerais da atividade dos mercados financeiros", os encargos financeiros com empréstimos e a discriminação das operações de capital referentes a créditos.
Na defesa apresentada, os arguidos não contestam que, se existentes, os créditos a que alude a decisão recorrida teriam de ser registados nas contas anuais sob escrutínio e que tal omissão seria passível de gerar responsabilidade contraordenacional. O que contestam é que a ECFP possa extrair as conclusões probatórias do mapa de responsabilidades de crédito do Banco de Portugal, alegando também que, no caso concreto, todos os créditos aí mencionados se encontram adequadamente registados nas suas contas.
A controvérsia situa-se essencialmente no domínio da matéria de facto e nesses termos foi tratada supra.
No que concerne ao credor RCI Banque, no Balancete Geral apresentado pelo PCP encontravam-se registados, nas contas 25 e 27 - deve assinalar-se que, de forma não explicitada, na decisão sancionatória a ECFP apenas consideraram os valores lançados pelo PCP na conta 25, por isso se chegou a um valor total de € 88.765,80, em termos de divergência, quando logo no relatório de auditoria, a fls. 234 e 234v do PA, se consideraram também os valores lançados na conta 27, relativa a “outros credores” e, por isso, se chegou a um valor de € 11.563,23, em termos de divergência - um conjunto de lançamentos a 31-12-2015 que totalizavam € 148.169,23. Dado que no mapa da central de responsabilidades o valor que consta é de € 136.606,00, verifica-se a assinalada discrepância de € 11.563,23. Sobre a mesma, o PCP alega, no recurso interposto, que se ficou a dever ao facto de as contas de 2015 terem de incluir os juros lançados relativos aos anos de 2016 a 2020, pelo que a conta RCI Banque está devidamente reconciliada. Porém, esta conclusão é infundada, na medida em que inexiste fundamento legal ou contabilístico para, nas contas reportadas ao ano de 2015, lançar os juros vincendos relativos aos anos subsequentes, nem os arguidos justificam essa invocada necessidade de lançamento de valores à data ainda não vencidos, como aliás se refere na parte relevante da pronúncia emitida pela ECFP. Assim, subsiste, nesta parte, o vício apontado na decisão condenatória.
No que concerne aos demais valores constantes da decisão recorrida - Banco BPI, Banco Santander Totta e BCP -, as divergências foram esclarecidas, pelo que não ocorre qualquer discrepância com relevância contraordenacional. Com efeito, em função dos esclarecimentos prestados, verificou-se que os valores em causa haviam sido realmente inscritos na contabilidade do partido.
Assim, em face dos factos ora dados como provados, o recurso procede no que respeita aos valores relativos aos credores Banco BPI, Banco Santander Totta e BCP, improcedendo no remanescente.
14.2.6 - Está em causa, no sexto núcleo factual, a imputação da violação das disposições conjugadas da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º e artigo 12.º, n.os 1, 2 e 3, alínea b), subalínea i), ambos da LFP, decorrente de o PCP ter registado nas suas contas de 2015: a) empréstimos concedidos por pessoas singulares, relativamente aos quais foi acordado o não pagamento de juros; b) financiamentos de pessoas singulares em relação aos quais inexiste informação sobre condições de reembolso, juros e respetivo suporte documental; e c) financiamentos de pessoas singulares ao Partido, classificados de "maior antiguidade", sem que se tenha verificado a liquidação dos respetivos juros.
Como se verá de seguida, as três situações identificadas não possuem a mesma natureza jurídica, reclamando tratamento distinto.
14.2.6.1 - No caso descrito em a), correspondente à factualidade descrita no ponto 10. dos factos provados, o que está em causa não é um problema de representação contabilística dos empréstimos, mas a respetiva licitude, designadamente no que respeita às condições contratuais em que foram celebrados. Trata-se da celebração de mútuos em que o mutuante é uma pessoa singular e o mutuário o PCP, e nos quais foi acordado o não pagamento de juros (note-se que a proposição "ser acordado o não pagamento de juros" não significa o mesmo que a proposição que consta da decisão recorrida, "não ser acordado o pagamento de juros", dada a presunção de onerosidade dos mútuos civis, nos termos do artigo 1145.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Civil, a qual operaria no segundo caso, mas não no primeiro).
Segundo a decisão recorrida, embora se reconheça inexistir uma proibição legal de empréstimos feitos pelos militantes - citando-se jurisprudência do Tribunal Constitucional nesse sentido -, considera-se que, segundo o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º da LFP, tais mútuos devem reger-se pelas regras gerais das atividades dos mercados financeiros, implicando a sua onerosidade por via da fixação de juros, o que também os permitiria distinguir de fontes gratuitas de financiamento partidário, como os donativos.
No recurso interposto, os arguidos, confirmando a não fixação de juros nestes mútuos, argumentam, em suma, que inexiste disposição legal que o proíba.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea f), da LFP, constituem receitas próprias dos partidos políticos "[o] produto de empréstimos, nos termos das regras gerais da atividade dos mercados financeiros". Contudo, esta disposição deve ser lida em conjugação com o artigo 8.º do mesmo diploma legal, onde se discriminam as tipologias de financiamentos proibidos.
Assim, nos termos do n.º 1 desse preceito, os partidos políticos não podem ser beneficiários de empréstimos de natureza pecuniária - ou seja, mútuos de dinheiro -, em que figurem como mutuantes pessoas coletivas, nacionais ou estrangeiras. Contudo, esta regra proibitiva contempla uma exceção, expressamente enunciada enquanto tal no n.º 2: "[o]s partidos políticos podem contrair empréstimos junto de instituições de crédito e sociedades financeiras nas condições previstas na alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º". Condições essa que, nos termos já descritos, são as das regras gerais da atividade dos mercados financeiros.
Ao contrário do que se entende na decisão recorrida, a norma do artigo 8.º, n.º 2, da LFP, não tem como âmbito de aplicação todo e qualquer empréstimo que aos partidos fosse lícito contratar, na qualidade de mutuário. O que nela se estabelece é somente uma restrição à norma proibitiva constante do n.º 1 desse artigo, que veda aos partidos políticos a contratação de mútuos a pessoas coletivas. Sem essa restrição, gerar-se-ia contrariedade entre a norma proibitiva do citado n.º 1 do artigo 8.º e a norma permissiva do artigo 3.º, n.º 1, alínea f), uma vez que as entidades autorizadas a conceder empréstimos no âmbito da atividade dos mercados financeiros são sempre pessoas coletivas.
Da articulação entre ambas as normas resulta, pois, que a sujeição dos mútuos celebrados pelos partidos políticos, na posição de mutuários, às "regras gerais da atividade dos mercados financeiros", nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º da LFP, vale somente para os que tenham pessoas coletivas por mutuantes, não já quando os mutuantes sejam pessoas singulares, nomeadamente militantes ou filiados.
Aliás, entender o contrário implicaria concluir que estaríamos perante a obtenção de financiamentos ilegais tout court. Se a condição para que, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea f), da LFP, a licitude de um dado empréstimo obtido por um partido político fosse que o mesmo obedecesse às "regras gerais da atividade dos mercados financeiros", tal significaria que apenas poderia ser obtido junto de entidades legalmente autorizadas a operar nos mercados financeiros, o que exclui categoricamente pessoas singulares. A questão da onerosidade ou gratuitidade do mútuo não se chegaria a colocar, pois a ilicitude do próprio meio de financiamento decorreria desde logo da qualidade do mutuante, independentemente das condições estipuladas para o negócio.
Em alternativa, poder-se-ia equacionar interpretar o artigo 3.º, n.º 1, alínea f), da LFP, não no sentido de só permitir que constituíssem receitas próprias dos partidos políticos o produto dos empréstimos sujeitos às "regras gerais da atividade dos mercados financeiros", isto é, contraídos junto de entidades autorizadas pelas autoridades de supervisão a operar nesses mercados e sujeitas aos respetivos regimes jurídicos, designadamente instituições de crédito e sociedades financeiras autorizadas pelo Banco de Portugal, mas no sentido de, permitindo embora que empréstimos contraídos perante pessoas singulares pudessem constituir receitas próprias dos partidos políticos, condicionar, todavia, a sua licitude à condição de serem celebrados em termos equivalentes ou o mais aproximados possível ao que seriam se tivessem sido contratados no âmbito dos mercados financeiros. Segundo esta leitura, tais empréstimos deveriam assemelhar-se o mais possível, no que diz respeito às respetivas cláusulas contratuais, aos contratos de mútuo celebrados com entidades que operam nos mercados financeiros, designadamente em termos de pagamento e taxas de juros, condições de amortização, prazos de reembolso, etc.
Ora, esta não parece ser uma interpretação admissível. Em primeiro lugar, porque tal se traduziria numa extensão analógica criadora de constrangimentos adicionais à margem de atuação dos partidos políticos em termos de financiamento e, por essa via, ao alargamento do âmbito de aplicação dos tipos criminais e contraordenacionais que, recorde-se, estão construídos sobre as normas do capítulo II da LFP. Em segundo lugar, porque conduziria a aproximar os mútuos civis realizados com pessoas singulares aos contratos de mútuo celebrados com entidades bancárias ou equivalentes, quando a admissibilidade legal dos segundos - pela sua tendencial complexidade técnica e relevo económico elevados - tem pressuposta uma estrutura subjetiva do mutuante altamente especializada e profissionalizada e, mais do que isso, a sua sujeição a um rigoroso universo regulatório. Tudo elementos que, não podendo estar presentes no âmbito de mútuos celebrados com pessoas singulares, não permitem qualquer aproximação, em termos de conteúdo negocial, entre ambas as espécies.
Embora o Tribunal Constitucional nunca tenha abordado de forma explícita a questão da necessidade de imposição de juros em mútuos contraídos por partidos políticos junto de pessoas singulares, nomeadamente dos seus filiados, a verdade é que tem considerado, de forma reiterada e pacífica, que o produto desses empréstimos constitui uma fonte válida de financiamento (v. Acórdãos n.os 245/2021, 420/2016, 314/2014, 70/2009 e 146/2007), apenas sancionando os casos de falta de informação sobre o conteúdo dos contratos. Sem prejuízo do dever de "fornecer todas as informações necessárias respeitantes a tais empréstimos (v.g., identidade dos respetivos titulares, as suas condições de reembolso e juros e o respetivo suporte documental), sob pena de a ECFP não poder controlar se se trata de verdadeiros empréstimos onerosos, ou, afinal de contas, de donativos de natureza pecuniária encapotados - assim se contornando os limites legais a eles respeitantes" (
Acórdão 296/2016), tal justifica-se para que se possa apurar, com rigor, o conteúdo de tais negócios.
Em suma, a circunstância de o PCP ter contraído empréstimos junto de pessoas singulares, relativamente aos quais foi acordado o não pagamento de juros, não constitui, em si mesmo, irregularidade, por violação do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, alínea f) e 8.º, n.º 2, ambos da LFP, pelo que carece de relevância contraordenacional.
14.2.6.2 - No caso descrito em b), e que tem subjacente a factualidade descrita no ponto 11. dos factos provados, não se trata de um problema de licitude material dos negócios celebrados pelo partido, mas de uma infração formal, decorrente do facto de não existir suporte documental que permita aferir as condições contratuais negociadas entre as partes e, nessa medida, determinar a natureza e conteúdo dos contratos celebrados.
Sobre a questão, os arguidos alegam que, no que respeita aos mútuos sem suporte documental, todos dizem respeito a valores inferiores àqueles para os quais o Código Civil impõe a forma escrita, pelo que inexiste violação da lei.
Porém, não lhes assiste razão.
Nos termos do artigo 1143.º do Código Civil, "[s]em prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário", sendo que, no caso concreto, nenhum dos mútuos identificados no ponto 11. dos factos provados se reporta a valor superior a € 2.500.
Ora, importa não confundir as condições de validade do negócio jurídico com as exigências contabilísticas que, em concreto, impendem sobre os partidos políticos no âmbito da sua atividade. A forma das declarações negociais que constituem o negócio jurídico releva para a sua validade, designadamente a vinculação das partes contratantes. Contudo, o problema apontado na decisão recorrida não se inscreve nesse plano, antes no da representação contabilística a que os partidos estão obrigados, num quadro de tipificação das fontes admissíveis de financiamento. Nos termos do artigo 12.º, n.os 1 e 3, alínea b), subalínea i) e ainda a alínea c), subalínea iv), da LFP, as contas apresentadas devem permitir o conhecimento integral e objetivo da situação patrimonial dos partidos políticos e, em especial, escrutinar as suas fontes de receita e as suas despesas. Tal impõe, de forma inequívoca, a existência de suporte documental para tais negócios jurídicos, de onde constem as respetivas condições contratuais, sem o que qualquer possibilidade de escrutínio externo, nos termos em que a LEC e a LFP cometem à ECFP, ficaria absolutamente inviabilizado.
Em suma, a exigência de suporte documental para tais negócios jurídicos não constitui, in casu, condição de validade formal dos mesmos, antes uma exigência legal imposta pelas especiais obrigações contabilísticas a que os partidos políticos estão sujeitos.
Consequentemente, a situação é subsumível ao tipo previsto no artigo 29.º, n.º 1, da LFP, com referência à violação do artigo 12.º, n.os 1 e 3, alínea b), subalínea i) e, potencialmente, ainda da alínea c), subalínea iv), do mesmo diploma legal, improcedendo o recurso nesta parte.
14.2.6.3 - O caso descrito em c), que tem subjacente a factualidade descrita no ponto 12. dos factos provados, é em tudo semelhante ao supra descrito em a), com a única diferença de se tratar de empréstimos contraídos em anos anteriores (a decisão recorrida classifica-os como de “maior antiguidade”) e relativamente aos quais não houve liquidação de juros.
Neste contexto, valem aqui, mutatis mutandis, as considerações tecidas em 14.2.6.1., apenas se justificando duas notas adicionais.
Uma primeira, para assinalar que, uma vez provado que em tais mútuos foi acordado o não pagamento de juros, não surpreende que não só não tenham sido liquidados juros, como que não tenham sido pagos juros ao longo do período de vigência desses contratos. Daí que assinalar tais circunstâncias, como se revelassem um acréscimo de desvalor da conduta, seja injustificado.
Uma segunda, porventura menos trivial, para sublinhar que, caso a celebração de mútuos gratuitos entre os partidos políticos e pessoas singulares constituísse violação dos artigos 3.º, n.º 1, alínea f), e 8.º, n.º 2, ambos da LFP, então sempre seria de entender que tal violação se havia consumado na data da celebração desses mútuos. A não liquidação de juros - e seu consequente não pagamento -, em si mesmos, constituem meros efeitos das cláusulas do contrato, tal como foi celebrado, pelo que a sua licitude não é aferível autonomamente, antes depende da licitude daquele. A data relevante para essa qualificação é a que se reporta à da entrega do dinheiro mutuado, uma vez que, como é sabido, o contrato de mútuo é um contrato real quod constitutionem, isto é, um contrato que só se acha celebrado com a entrega da coisa mutuada. No caso vertente, dado que todos os mútuos descritos no ponto 12. dos factos provados foram celebrados em data anterior a 2015, a apreciação da sua licitude como fonte de receitas partidárias teria de ser realizada nas contas anuais respeitantes aos anos da respetiva celebração, ainda quando a sua amortização se prolongue pelos anos subsequentes e tal se reflita necessariamente nas contas desses anos. Caso contrário, os arguidos seriam multiplamente punidos pela prática da mesma concreta infração, bastando para tal que o prazo de reembolso do mútuo excedesse o ano da sua contratação.
14.2.6.4 - A análise empreendida, em especial nos pontos 14.2.6.1. e 14.2.6.3., não esgota a relevância contraordenacional dos factos sob apreciação. Há uma dimensão adicional a considerar neste tipo de negócios jurídicos e que se repercute nos deveres contabilísticos a que estão sujeitos os partidos que os celebrem.
Como se referiu, inexiste impedimento legal a que os partidos políticos celebrem mútuos gratuitos, nomeadamente com pessoas singulares. Porém, deve ter-se presente que a celebração de um negócio com esses contornos constitui uma forma de proporcionar uma vantagem económica desacompanhada de contrapartida, ao proporcionar-lhe a disponibilidade do capital mutuado durante o lapso de tempo contratado sem o custo normal − o juro.
Ora, para efeitos do regime de fiscalização das contas dos partidos políticos, tal vantagem económica deve ser tratada como um donativo de pessoa singular, nos termos do artigo 7.º, n.º 3, da LFP, relevando designadamente para os limites quantitativos que a lei impõe a essa forma de financiamento. Embora não se trate aqui de uma doação, no sentido técnico do termo, trata-se seguramente de um donativo, no sentido funcional que a lei outorga a tal noção, ou seja, uma vantagem económica, designadamente sob a forma de uma poupança de custos com a aquisição de bens e serviços a preços de mercado, proporcionada a um partido político ou campanha eleitoral.
É o que se passa no caso vertente.
Em termos contabilísticos, tal implica que o valor correspondente ao juro não convencionado - na ausência de taxa específica, sempre teria de se considerar supletivamente aplicável a taxa de juros civis a que se refere o n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil -, enquanto modalidade específica de donativo, seja expressamente contemplado nas contas, em termos idênticos ao que sucederia como uma doação, um comodato ou qualquer outra liberalidade concedida por uma pessoa singular a um partido mediante a qual este não tenha de incorrer nos custos de aquisição do bem ou serviço correspondente.
Em conclusão, a decisão recorrida não pode manter-se quanto aos fundamentos em que se baseou, mas deve manter-se no seu desfecho, uma vez que ocorre violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP e, por essa via, preenchimento do tipo contraordenacional do artigo 29.º, n.º 1, do mesmo diploma.
14.2.7 - Está em causa, no sétimo núcleo factual, a imputação da violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, decorrente de, nas contas apresentadas, estarem inscritos saldos devedores com valores relevantes, transitados pelo menos do ano anterior e relativamente aos quais existe incerteza sobre a sua natureza.
A matéria de facto relevante para a avaliação da presente imputação é a descrita no ponto 15. dos factos provados
Em concreto, está em causa a inscrição, nas contas de 2015, de um conjunto de saldos devedores, isto é, valores em dívida ao PCP por entidades terceiras (fornecedores e credores diversos, pessoal) que, pela sua persistência ao longo do tempo e sem que fossem prestados esclarecimentos que justifiquem a sua subsistência, geram dúvidas sobre a respetiva recuperabilidade, exigibilidade e regularidade. Segundo a decisão recorrida, "o que está em causa não é a irrecuperabilidade, mas a incerteza quanto à sua natureza, recuperabilidade, exigibilidade e eventual regularização posterior dos referidos saldos (cujo valor não é despiciendo), o que os Arguidos não esclareceram e não se coaduna com o dever genérico de organização contabilística. [...] a existência de saldos com antiguidade nas contas em referência é uma situação que carece de justificação por parte dos Partidos, com especial enfoque no que concerne à transparência das contas e à verificação do cumprimento das limitações constantes dos artigos 3.º, 7.º e 8.º da
Lei 19/2003".
Sobre a questão, os arguidos contestam que a imputação seja realizada tendo por base uma mera incerteza e não um qualquer facto consumado, designadamente uma conduta voluntária ou negligentemente cometida. Sobre as imputações em concreto, alegam que os saldos devedores em causa foram saldados em 2017 e 2018, o que comprova a sua natureza de dívidas reais.
Cumpre apreciar.
Importa começar por esclarecer que a incerteza imputada na decisão recorrida não diz respeito à correção dos valores inscritos na contabilidade do PCP como saldos devedores, à identidade dos sujeitos envolvidos ou sequer a alguma imperfeição da documentação de suporte. Não se aponta nenhuma desconformidade entre os valores inscritos e qualquer outro dado contabilístico. A incerteza, em boa verdade, parece dizer respeito à própria natureza do negócio subjacente ao registo contabilístico dos saldos devedores e traduzir-se-ia no seguinte: uma vez que existem saldos devedores reconhecidos pelo partido e inscritos na respetiva contabilidade, mas que não foram cobrados e que transitaram de anos anteriores, ou seja, que permanecem em dívida ao partido ao longo de um longo período de tempo, surge a dúvida sobre se são realmente devidos ou, pelo menos, se são ainda cobráveis. No primeiro caso, estaria em causa um problema de divergência entre a natureza do negócio e a forma como ele foi apresentado externamente pelas suas partes e inscrito na contabilidade do partido; no segundo caso, temos um problema formal, em que determinado crédito continua a figurar nas contas do partido, incrementando artificialmente o seu ativo, quando provavelmente já não é passível de cobrança.
Os factos apurados não permitem concluir que estejamos perante a primeira das duas hipóteses equacionadas. Ainda que a permanência desses créditos por cobrar ao longo do tempo possa suscitar dúvidas sobre a real natureza dos negócios subjacentes, certo é que a atividade instrutória desenvolvida pela ECFP não permitiu ultrapassar o patamar da simples incerteza. Para dissipar tal incerteza, seria necessário apurar, com precisão e rigor, os termos dos negócios celebrados, designadamente condições e prazos de pagamento, apurar da existência tendentes à cobrança judicial ou extrajudicial dos créditos e aferir se os devedores dispunham ou não de liquidez para pagar as dívidas.
De qualquer forma, deve sublinhar-se que, ao estabelecer uma conexão entre as incertezas que elege como causa da infração e a forma como ela pode pôr em causa a "verificação do cumprimento das limitações constantes dos artigos 3.º, 7.º e 8.º da
Lei 19/2003", a fundamentação da decisão recorrida insere alguma ambiguidade no tratamento desta questão. Com efeito, a referência ao regime dos donativos singulares e às proibições de financiamento apenas poderia fazer sentido se os saldos que permanecem na contabilidade do partido, transitados de anos anteriores, dissessem respeito a dívidas do partido a terceiros e que permanecessem por pagar. Num tal caso, poderia surgir a dúvida sobre se as operações que originaram a inscrição de tais saldos correspondiam a negócios jurídicos genuinamente onerosos, em que o partido percebeu bens ou beneficiou de serviços mediante a constituição da obrigação de pagamento de um preço, ou se, ao invés, dissimulam formas ilegais de financiamento, designadamente donativos ou perdões subsequentes de dívida. Mas tal incerteza não tem cabimento, pelo menos se perspetivada à luz dos artigos 3.º, 7.º e 8.º da LFP, quando o que está em causa são créditos que o partido detém sobre terceiros e que não cobra, dado que nunca poderia estar aqui em causa uma forma de financiamento ilícito do partido, mas uma forma de financiamento de terceiros pelo partido. Independentemente da questão de saber se esta segunda hipótese, a verificar-se, consubstancia ou não uma ilicitude, pode afirmar-se que não consubstancia um problema de eventual violação das regras atinentes às fontes de financiamento partidário.
Resta, pois, a segunda aceção de incerteza, a incerteza quanto à recuperabilidade dos créditos em questão, emergente do facto de subsistirem sem serem cobrados há mais de um ano e sem que seja prestada qualquer informação justificativa de tal situação. A subsistência desses créditos por cobrar há mais de um ano constitui indício objetivo de imparidade, o qual reclama uma justificação contabilística que traduza uma avaliação da situação, que os recorrentes deveriam ter efetuado. Com efeito, à luz do SNC e segundo os §§ 12 e 16a da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NRF) n.º 27, os ativos financeiros com maturidade definida, ou seja, com um prazo de vencimento definido à partida, devem ser registados ao custo (ou ao custo amortizado), menos perdas por imparidade. Assim, em cada data de relato, a entidade deve avaliar a imparidade dos créditos sobre clientes. No caso de haver uma evidência objetiva de imparidade (§§ 24 e 25) - como é o caso da sua persistência ao longo de mais de um ano -, a entidade poderá ter de reconhecer uma perda na demonstração de resultados. A avaliação que conduza a tal conclusão deverá ter em conta os indícios objetivos previstos na citada norma e considerar as tentativas de cobrança e outros elementos que justifiquem ou não uma fundada convicção sobre essa imparidade.
Tal resultava também do § 17.6 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro para Entidades do Setor Não Lucrativo (NCRF-ESNL), a que alude o
Decreto-Lei 158/2009, de 13 de julho.
Ora, o certo é que as contas apresentadas pelo PCP são omissas quanto a tal avaliação, mesmo depois de a questão ter sido suscitada no ponto 4.18 do Relatório da ECFP a que alude o artigo 30.º da LEC, na sequência da auditoria às contas apresentadas.
A descrita omissão é subsumível ao tipo previsto no artigo 29.º, n.º 1, da LFP, com referência à violação do artigo 12.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, improcedendo o recurso nesta parte.
14.2.8 - O preenchimento do elemento subjetivo do tipo, relativamente a algumas das condutas a que se referem os pontos 14.2.1 a 14.2.7, baseia-se nos factos provados nos pontos 16. e 17. dos factos provados e dos quais decorre que, em cada uma das referidas situações subsumíveis à infração prevista no artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP, os arguidos agiram com dolo eventual, com exceção do primeiro núcleo factual, em que agiram com dolo necessário.
14.3 - Consequências jurídicas
Embora nas suas alegações de recurso os recorrentes não impugnem especificamente a medida concreta das coimas que lhes foram aplicadas, em face do provimento parcial do recurso, nas partes assinaladas, justifica-se extrair consequências ao nível sancionatório ao nível da medida concreta das coimas aplicadas.
Está em causa, relativamente a todos os arguidos, a contraordenação prevista no artigo 29.º da LFP, a qual é punida, no que diz respeito aos partidos políticos, nos termos do n.º 1, com coima a fixar entre 10 e 400 vezes o salário mínimo nacional de 2008 (v. o artigo 152.º, n.os 2 e 3, da
Lei 64.º-A/2008, de 31 de dezembro, o artigo 1.º do
Decreto-Lei 397/2007, de 31 de dezembro, e o artigo 73.º da
Lei 7-A/2016, de 30 de março), ou seja, entre € 4.260,00 e € 170.400,00 e, no que respeita às pessoas singulares com o cargo de responsáveis financeiros, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da LFP, com coima a fixar entre 5 a 200 vezes o salário mínimo nacional de 2008, ou seja, entre € 2.130,00 e € 85.200,00.
No caso concreto, a decisão recorrida, ponderando em especial o número de modos pelos quais o tipo contraordenacional do artigo 29.º da LFP foi violado, a relação entre o valor pecuniário envolvido nas infrações e, em especial, o relevo da componente de financiamento à margem das regras previstas na LFP, bem como a ausência de benefícios económicos que os arguidos tenham tirado dos seus comportamentos e as condições económicas e patrimoniais apuradas, fixou as coimas nos seguintes termos:
Para o arguido PCP uma coima fixada no valor de 40 SMN de 2008, o que perfaz a quantia de € 17.040,00.
Para cada um dos dois responsáveis financeiros, uma coima fixada em 10 SMN de 2008, o que perfaz a quantia de € 4.260,00.
As coimas concretamente aplicadas aproximam-se do mínimo das molduras abstratas, o que se verifica de forma particular no que concerne aos arguidos que são pessoas singulares. Ora, considerando o disposto no artigo 72.º-A, n.º 1, do RGCO, e não se afigurando existir razões para uma reponderação global da decisão, cabe apenas fazer repercutir nesta o vencimento parcial obtido, uma vez que ele sinaliza, à luz dos critérios enumerados no artigo 18.º, n.º 1, do RGCO, uma menor gravidade global da contraordenação praticada e uma culpa menos acentuada.
Aplicando o critério equacionado, julga-se adequado e proporcional reponderar as medidas concretas das coimas nos seguintes moldes:
Para o arguido PCP uma coima fixada no valor de 32 SMN de 2008, o que perfaz a quantia de € 13.632,00.
Para cada um dos dois responsáveis financeiros, uma coima fixada em 8,5 SMN de 2008, o que perfaz a quantia de € 3.621,00.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto por PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS, ALEXANDRE MIGUEL PEREIRA ARAÚJO e MARIA MANUELA SIMÃO PINTO ÂNGELO SANTOS, da decisão de 13 de dezembro de 2022, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e, em consequência:
i) Absolver os arguidos da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da
Lei 19/2003, de 20 de junho, na parte relativa aos factos descritos nos pontos 9., 10., 12., 13.c, e 13.f, dos factos provados e dos factos descritos no ponto 1. dos factos não provados.
ii) Confirmar as suas condenações, no remanescente, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da
Lei 19/2003, de 20 de junho.
iii) Condenar os arguidos nas seguintes coimas:
a) O arguido PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS numa coima correspondente ao valor de 32 (trinta e dois) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de € 13.632,00 (treze mil seiscentos e trinta e dois euros e zero cêntimos).
b) O arguido ALEXANDRE MIGUEL PEREIRA ARAÚJO numa coima correspondente ao valor de 8,5 (oito e meio) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de € 3.621,00 (três mil seiscentos e vinte e um euros e zero cêntimos).
c) A arguida MARIA MANUELA SIMÃO PINTO ÂNGELO SANTOS numa coima correspondente ao valor de 8,5 (oito e meio) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de € 3.621,00 (três mil seiscentos e vinte e um euros e zero cêntimos).
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Atesto o voto de conformidade da Senhora Conselheira Mariana Canotilho, que participou na sessão por meios telemáticos, e junta declaração de voto. Gonçalo Almeida Ribeiro.
Lisboa, 23 de julho de 2024 - Gonçalo Almeida Ribeiro - Afonso Patrão - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - Rui Guerra da Fonseca - Maria Benedita Urbano - José Teles Pereira - Carlos Medeiros de Carvalho - Dora Lucas Neto - Joana Fernandes Costa (parcialmente vencida conforme declaração em anexo) - José João Abrantes.
Acórdão retificado pelo
Acórdão 657/24, de 1 de outubro de 2024.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Parcialmente vencida.
Não acompanho o julgamento realizado no ponto 14.2.6. no que diz respeito aos empréstimos concedidos por pessoas singulares sem que tenha sido acordado ou se tenha verificado o pagamento de juros. Se o valor correspondente ao juro não convencionado constitui, como se afirma no Acórdão, um donativo, parece-me impossível fugir à conclusão de que se trata de um donativo indireto de natureza pecuniária, como tal proibido pelo segmento final do n.º 1 do artigo 7.º da LFP.
Afasto-me igualmente do juízo que conduziu a dar por não demonstrado o facto referido em 2. do ponto 13.2., parecendo-me, aliás, pouco plausível que esse juízo possa efetivamente decorrer de "não estarem reunidos os pressupostos da infração" no que diz respeito às irregularidades cuja relevância contraordenacional veio a ser excluída em virtude da sua sanação posterior, isto é, após as contas terem sido apresentadas. Joana Fernandes Costa
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a decisão, com a qual concordo, entendendo, porém, necessário esclarecer dois pontos.
Em primeiro lugar, tenho por admissíveis os empréstimos de militantes ao partido, sem cobrança de juros, aliás na linha de jurisprudência constitucional anterior. Com efeito, creio que esta posição é que mais plenamente respeita as liberdades fundamentais de associação e expressão política. Preferiria uma solução em que nem sequer se qualificassem como donativo os juros não cobrados, ao contrário do que se faz no presente Acórdão; na verdade, nem toda a atividade humana está, ou deve estar, sujeita às leis do mercado, sendo a convicção e a participação políticas matérias relativamente às quais se me afigura positivo o afastar dessa lógica. Todavia, na ausência de solução legislativa expressa que regule a problemática, sou também sensível aos riscos que a admissibilidade dos mútuos gratuitos comporta, abrindo a possibilidade de verdadeiros donativos, superiores aos limites legalmente impostos, sob a forma de empréstimo, razão pela qual votei favoravelmente a presente orientação jurisprudencial.
Por outro lado, entendo que não se aplica aos empréstimos aos funcionários do partido, garantidos pelo respetivo salário, a lógica que subjaz à fundamentação do ponto 14.2.7; nada nos autos me parece permitir afastar a justificação apresentada pelo partido de que se trata de empréstimos reais e plenamente cobráveis. A fundamentação apresentada em tal segmento decisório vale, porém, para os restantes casos ali elencados. Mariana Rodrigues Canotilho.
318280675