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Acórdão 873/2023, de 5 de Fevereiro

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Sumário

Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «Movimento Positivo Paredes» (MPP), relativas às eleições autárquicas realizadas a 1 de outubro de 2017: julgar procedentes os recursos interpostos pelas primeira proponente e mandatária financeira daquele grupo de cidadãos eleitores da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 15 de março de 2023 e, em consequência, absolver cada uma das arguidas da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho; julgar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional instaurado contra as recorrentes, na parte relativa à infração relativa ao ponto 6. dos factos provados

Texto do documento

Acórdão 873/2023

Sumário: Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «Movimento Positivo Paredes» (MPP), relativas às eleições autárquicas realizadas a 1 de outubro de 2017: julgar procedentes os recursos interpostos pelas primeira proponente e mandatária financeira daquele grupo de cidadãos eleitores da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 15 de março de 2023 e, em consequência, absolver cada uma das arguidas da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho; julgar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional instaurado contra as recorrentes, na parte relativa à infração relativa ao ponto 6. dos factos provados.

Processo 552/23

Aos doze dias do mês de dezembro de dois mil e vinte e três, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros José Teles Pereira, António da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Maria Benedita Urbano, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Mariana Canotilho, Joana Fernandes Costa, Afonso Patrão, Rui Guerra da Fonseca e Carlos Medeiros Carvalho, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.

Após debate e votação, foi, pelo Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Exmo. Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional), ditado o seguinte:

I. Relatório

1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas de campanhas eleitorais, vindos da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante designada apenas por «ECFP»), em que são recorrentes Maria Raquel Machado Moreira da Silva e Ana Paula Ferreira da Fonseca Dias, foi interposto o presente recurso da decisão daquela Entidade, de 15 de março de 2023, relativa às contas apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores "Movimento Positivo Paredes" (MPP) pela participação na campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, que sancionou contraordenacionalmente as recorrentes - a primeira, na qualidade de primeiro proponente; a segunda, na qualidade de mandatária financeira daquele grupo de cidadãos eleitores.

2 - Por decisão datada de 2 de setembro de 2020, tomada no âmbito do PA 65/AL/17/2018 (doravante designado somente por «PA»), a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas relativas à campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, apresentadas pelo MPP, nas quais Ana Paula Ferreira da Fonseca Dias foi mandatária financeira (artigo 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de junho [Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla «LFP»] e artigo 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro [Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, referida adiante pela sigla «LEC»]).

3 - Na sequência dessa decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra Maria Raquel Machado Moreira da Silva e Ana Paula Ferreira da Fonseca Dias, pela prática das irregularidades ali verificadas. As arguidas foram notificadas do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.os 1 e 2, da LEC e no artigo 50.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações, referido adiante pela sigla «RGCO»), tendo apresentado a sua defesa.

4 - Por decisão de 15 de março de 2023, a ECFP aplicou:

a) A Maria Raquel Machado Moreira da Silva (i) a sanção de coima no valor de 2 (dois) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 1.160,00 (mil cento e sessenta euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC; (ii) a sanção de coima no valor de 2 (dois) IAS de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 857,80 (oitocentos e cinquenta e sete euros e oitenta cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

b) A Ana Paula Ferreira da Fonseca Dias (i) a sanção de coima no valor de 2 (dois) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 1.160,00 (mil cento e sessenta euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC; (ii) a sanção de coima no valor de 2 (dois) IAS de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 857,80 (oitocentos e cinquenta e sete euros e oitenta cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

5 - A arguida Maria Raquel Machado Moreira da Silva recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional (doravante designada apenas por «LTC»), através de requerimento com o seguinte teor:

«[...] d) no que concerne à 1.ª impugnação - não comunicação de uma Lista de acções e meios de propaganda política com custo superior a um salário mínimo - é verdade que o "GCE-MPP" (Grupo de Cidadãos Eleitores - Movimento Positivo por Paredes), aquando da apresentação das contas, no momento em que o deveria fazer - até 03/07/2018, não apresentou uma lista das acções e meios de campanha eleitoral, colocando, então em separado, a propaganda que preenchida tal requisito; todavia:

1 - A lei, o artigo 16, n.º 1, da Lei 2/2005, de 10/01, não prevê, e por isso não fixa, uma forma específica para a realização da obrigação aí consignada, a realização de listagens; 2. A citada lei apenas fixa que os agentes nela previstos que "estão obrigados a comunicar à entidade as ações de campanha eleitoral que realizem, bem como os meios nela utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo", significando, então, que aqueles têm a liberdade de concretizar a comunicação pela forma que entenderem pertinente. 3. Então, se a comunicação das ditas ações e meios de propaganda estiverem reveladas nas demonstrações contabilísticas apresentadas, - como reconhecidamente ocorreu no caso em apreciação - a obrigação legal citada apresenta-se, afinal, satisfeita. [...] 5. Sendo assim, de forma alguma, a arguida omitiu o cumprimento de uma obrigação que sobre si recaía. [...] 7. A arguida nunca teve a intenção de omitir a comunicação daquelas ações e daqueles meios de propaganda, tanto mais que, objetivamente, os deu e as deu a conhecer na apresentação das contas referida; 8. Acreditou que ao assim proceder estava a cumprir a obrigação acima mencionada, não tendo atuado dolosamente. [...] 11. A arguida confiou, naturalmente, na sua mandatária financeira, Ana Paula Ferreira da Fonseca Dias, pessoa íntegra e competente, e que, como a aqui arguida, assumiu como compromisso concretizado o cumprimento fiel das regras legais relativas ao financiamento do "GCE-MPP" e à apresentação das contas por este no final do processo eleitoral, mormente no que respeita à sua documentação e absoluta transparência.

e) No que concerne à 2.ª imputação - registo nas contas de despesa titulada pela fatura 1/313, no valor de 1.476 euros, valor "abaixo do valor de mercado", importa dizer:

1 - É verdade a inclusão da dita fatura nas citadas contas; 2. Tal valor faturado, "[f]oi um valor real e, efetivamente, muito mais benéfico para o erário público"; 3. Os bens em causa naquela fatura - esferográficas e lápis, não integram a lista prevista no n.º 5 do artigo 24.º da Lei 19/2003, de 20/06, porquanto a lista legalmente denominada indicativa apenas releva para o "valor dos principais meios de campanha, designadamente publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de comícios"; 4. Além de que tal listagem é, insiste-se, meramente indicativa; 5. Aquando da apresentação das contas, a arguida estava convencida de que o apresentado e na forma em que o foi - com objetividade e transparência - cumpria escrupulosamente o previsto na lei; [...] 8. Acreditou a arguida que ao assim proceder estava a cumprir a obrigação acima mencionada, não tendo atuado dolosamente; [...] 10. Nunca a arguida representou como possível que a sua conduta não obedecia ao legalmente previsto;

f) Ainda no que concerne à segunda imputação, menciona a decisão acoimante que "nas contas apresentadas pelo GCE-MPP não foram registadas a totalidade das receitas e/ou despesas referentes ao aluguer de estruturas e impressão de telas, respeitando-se aos outdoors com os dizeres "coragem, diferente, independente - Prof. Raquel". Todavia:

1 - Na factualidade dada como provada [n]ão são reveladas as receitas e/ou despesas referentes ao aluguer de estruturas e impressão de telas e ainda respeitantes aos outdoors e que foram omitidas. E resulta da motivação sancionatória, e só dela, que a arguida apenas contabilizou uma impressão de um vinil e duas cedências de outdoors quando a autoridade autuante monitorizou e localizou "pelo menos 10 estruturas de outdoors em diferentes localizações"; 2. O efetivamente contabilizado pela arguida, e pela sua mandatária financeira, corresponde fielmente ao executado no terreno, sob sua ordem, conhecimento e responsabilidade, com as seguintes notas factuais: A. A fatura relativa ao "vinil expresso com recorte" no valor total de 344,40 Eur. (com Iva) emitida pela sociedade "António Carlos Sousa Garcês, Lda." contém um erro, pois que não é relativo a uma unidade, como nela por lapso se diz, mas sim a duas (2); B. Desconhece a arguida e a mandatária financeira em causa quem colocou quaisquer outros outdoors de campanha para além dos 2 (dois) que efetivamente foram instalados sob sua responsabilidade e conhecimento e que por isso foram contabilizados como devia. [...]

g) Não praticou a arguida a contraordenação prevista no citado artigo 16.º, n.º 1, da Lei 2/2005, pois que comunicou - em conformidade com tal preceito legal - e que apenas sanciona a não comunicação à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), no tempo devido, das ações e meios de campanha eleitoral e que envolvam um custo superior a um salário mínimo, não em listagem autónoma, mas por evidenciação contabilística tais ações e meios, até porque a predita norma não prevê o envio de uma qualquer listagem, não definindo ela o modo como tal comunicação tem de operar; h) Afigurando-se conveniente tal listagem, sempre seria de convidar a arguida para a apresentação da omitida listagem, sendo notoriamente desproporcional e inconstitucional um sancionamento acoimante sem tal convite reparador; [...] i. A arguida não praticou a contraordenação prevista no n.º 1 do artigo 30.º da dita Lei 19/2003, pois que, relativamente à fatura com o n.º 1/313, no valor de 1476 Eur., sendo uma efetiva despesa realizada na campanha eleitoral, procedeu à sua discriminação e comprovação fora de qualquer confronto com uma lista indicativa de valor, pois que aquele normativo legal apenas sanciona a não apresentação e/ou comprovação das receitas e das despesas eleitorais, alheando-se ele de tal lista indicativa; j. A arguida também não praticou, de igual forma, a citada contraordenação prevista no n.º 1 do artigo 30.º da Lei 19/2003, porquanto procedeu à efetiva discriminação e comprovação das despesas relativas aos outdoors e à impressão de telas com os dizeres "coragem, diferente, independente - Prof. Raquel", em número de 2, pois que foram esses os que a arguida e a sua mandatária financeira mandaram executar no terreno [...], sendo alheia a quaisquer outros que possam ter sido colocados».

6 - A arguida Ana Paula Ferreira da Fonseca Dias recorreu daquela decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, através de requerimento com o seguinte teor:

«[...] d) no que concerne à 1.ª impugnação - não comunicação de uma Lista de ações e meios de propaganda política com custo superior a um salário mínimo - é verdade que o "GCE-MPP" (Grupo de Cidadãos Eleitores - Movimento Positivo por Paredes), aquando da apresentação das contas, no momento em que o deveria fazer - até 03/07/2018, não apresentou uma lista das ações e meios de campanha eleitoral, colocando, então em separado, a propaganda que preenchida tal requisito; todavia:

1 - A lei, o artigo 16, n.º 1, da Lei 2/2005, de 10/01, não prevê, e por isso não fixa, uma forma específica para a realização da obrigação aí consignada, a realização de listagens; 2. A citada lei apenas fixa que os agentes nela previstos que "estão obrigados a comunicar à entidade as ações de campanha eleitoral que realizem, bem como os meios nela utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo", significando, então, que aqueles têm a liberdade de concretizar a comunicação pela forma que entenderem pertinente. 3. Então, se a comunicação das ditas ações e meios de propaganda estiverem reveladas nas demonstrações contabilísticas apresentadas, - como reconhecidamente ocorreu no caso em apreciação - a obrigação legal citada apresenta-se, afinal, satisfeita. [...] 5. Sendo assim, de forma alguma, a arguida omitiu o cumprimento de uma obrigação que sobre si recaía. 6. Não sabia a arguida, que foi tesoureira da Câmara Municipal de Paredes e é portadora de um Curso Profissional de Contabilidade que, nas circunstâncias referidas, deveria proceder à listagem das ações e meios de propaganda acima referidas; 7. A arguida nunca teve a intenção de omitir a comunicação daquelas ações e daqueles meios de propaganda, tanto mais que, objetivamente, os deu e as deu a conhecer na apresentação das contas referida; 8. Acreditou que ao assim proceder estava a cumprir a obrigação acima mencionada, não tendo atuado dolosamente. [...] 11. A arguida, juntamente com a 1.ª da lista, a professora Maria Raquel Machado Moreira da Silva, assumiu como compromisso concretizado o cumprimento fiel das regras legais relativas ao financiamento do "GCE-MPP" e à apresentação das contas por este no final do processo eleitoral, mormente no que respeita à sua documentação e absoluta transparência.

e) No que concerne à 2.ª imputação - registo nas contas de despesa titulada pela fatura 1/313, no valor de 1.476 euros, valor "abaixo do valor de mercado", importa dizer:

1 - É verdade a inclusão da dita fatura nas citadas contas; 2. Tal valor faturado, "[f]oi um valor real e, efetivamente, muito mais benéfico para o erário público"; 3. Os bens em causa naquela fatura - esferográficas e lápis, não integram a lista prevista no n.º 5 do artigo 24.º da Lei 19/2003, de 20/06, porquanto a lista legalmente denominada indicativa apenas releva para o "valor dos principais meios de campanha, designadamente publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de comícios"; 4. Além de que tal listagem é, insiste-se, meramente indicativa; 5. Aquando da apresentação das contas, a arguida estava convencida de que o apresentado e na forma em que o foi - com objetividade e transparência - cumpria escrupulosamente o previsto na lei; [...] 8. Acreditou a arguida que ao assim proceder estava a cumprir a obrigação acima mencionada, não tendo atuado dolosamente; [...] 10. Nunca a arguida representou como possível que a sua conduta não obedecia ao legalmente previsto;

f) Ainda no que concerne à segunda imputação, menciona a decisão acoimante que "nas contas apresentadas pelo GCE-MPP não foram registadas a totalidade das receitas e/ou despesas referentes ao aluguer de estruturas e impressão de telas, respeitando-se aos outdoors com os dizeres "coragem, diferente, independente - Prof. Raquel". Todavia:

1 - Na factualidade dada como provada [n]ão são reveladas as receitas e/ou despesas referentes ao aluguer de estruturas e impressão de telas e ainda respeitantes aos outdoors e que foram omitidas. E resulta da motivação sancionatória, e só dela, que a arguida apenas contabilizou uma impressão de um vinil e duas cedências de outdoors quando a autoridade autuante monitorizou e localizou "pelo menos 10 estruturas de outdoors em diferentes localizações"; 2. O efetivamente contabilizado pela arguida, e pela sua mandatária financeira, corresponde fielmente ao executado no terreno, sob sua ordem, conhecimento e responsabilidade, com as seguintes notas factuais: A. A fatura relativa ao "vinil expresso com recorte" no valor total de 344,40 Eur. (com Iva) emitida pela sociedade "António Carlos Sousa Garcês, Lda." contém um erro, pois que não é relativo a uma unidade, como nela por lapso se diz, mas sim a duas (2); B. Desconhece a arguida e a mandatária financeira em causa quem colocou quaisquer outros outdoors de campanha para além dos 2 (dois) que efetivamente foram instalados sob sua responsabilidade e conhecimento e que por isso foram contabilizados como devia. [...]

g) Não praticou a arguida a contraordenação prevista no citado artigo 16.º, n.º 1, da Lei 2/2005, pois que comunicou - em conformidade com tal preceito legal - e que apenas sanciona a não comunicação à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), no tempo devido, das ações e meios de campanha eleitoral e que envolvam um custo superior a um salário mínimo, não em listagem autónoma, mas por evidenciação contabilística tais ações e meios, até porque a predita norma não prevê o envio de uma qualquer listagem, não definindo ela o modo como tal comunicação tem de operar; h) Afigurando-se conveniente tal listagem, sempre seria de convidar a arguida para a apresentação da omitida listagem, sendo notoriamente desproporcional e inconstitucional um sancionamento acoimante sem tal convite reparador; [...] i. A arguida não praticou a contraordenação prevista no n.º 1 do artigo 30.º da dita Lei 19/2003, pois que, relativamente à fatura com o n.º 1/313, no valor de 1476 Eur., sendo uma efetiva despesa realizada na campanha eleitoral, procedeu à sua discriminação e comprovação fora de qualquer confronto com uma lista indicativa de valor, pois que aquele normativo legal apenas sanciona a não apresentação e/ou comprovação das receitas e das despesas eleitorais, alheando-se ele de tal lista indicativa; j. A arguida também não praticou, de igual forma, a citada contraordenação prevista no n.º 1 do artigo 30.º da Lei 19/2003, porquanto procedeu à efetiva discriminação e comprovação das despesas relativas aos outdoors e à impressão de telas com os dizeres "coragem, diferente, independente - Prof. Raquel", em número de 2, pois que foram esses os que a arguida e a sua mandatária financeira mandaram executar no terreno [...], sendo alheia a quaisquer outros que possam ter sido colocados».

7 - Por deliberação de 10 de maio de 2023, tomada ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

8 - Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, datado de 1 de agosto de 2023, pelo qual se admitiu liminarmente o recurso interposto. Perspetivando-se a possibilidade de a responsabilidade contraordenacional se ter extinto por decurso do prazo máximo de prescrição do procedimento criminal, foram Ministério Público e recorrentes convidados a emitir pronúncia sobre tal questão.

O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de não ter ocorrido a prescrição do procedimento criminal e de ser negado provimento ao recurso.

As recorrentes pronunciaram-se no sentido de a responsabilidade contraordenacional se ter extinto por decurso do prazo máximo de prescrição do procedimento criminal.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A. Considerações gerais

9 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, não havia ainda procedimento contraordenacional instaurado porquanto o prazo para prestação das contas estava ainda em curso, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica, por se tratar de processo novo.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).

No referido Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (v., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).

B. Questões a decidir

10 - Em face do teor das alegações, as questões a decidir a respeito do recurso da decisão sancionatória da ECFP, datada de 15 de março de 2023, são as seguintes:

a) Prescrição do procedimento contraordenacional;

b) Subsunção dos factos dados como provados aos tipos de ilícito imputados;

c) Imputação subjetiva dos factos a título doloso ou negligente;

d) Medida concreta das coimas.

C. Apreciação do recurso

11 - Questão prévia: prescrição

No despacho de 1 de agosto de 2023, que admitiu liminarmente o recurso, equacionou-se a possibilidade de ter ocorrido a prescrição do procedimento contraordenacional. Ouvidos os sujeitos processuais, pronunciou-se o Ministério Público, no sentido negativo, tendo as recorrentes sustentado a posição oposta.

Apreciemos a questão.

As contraordenações previstas na LFP, processadas segundo os trâmites estabelecidos na LEC, estão sujeitas ao regime de prescrição do procedimento contraordenacional previsto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do RCCO. É nesse regime geral que se encontram as normas sobre prazos de prescrição, bem como sobre as causas suspensivas e interruptivas do mesmo. O regime de contraordenações em matéria de financiamento e contas dos partidos políticos também integra causas específicas de suspensão da prescrição do procedimento que importa considerar na contagem do respetivo prazo. Relativamente às contraordenações reveladas na apreciação das contas dos partidos, aplicável às contas de campanha eleitoral, a LEC prevê, no seu artigo 22.º, situações especiais a que é atribuído efeito suspensivo e que se referem às situações em que está em causa a inobservância do dever de entrega de contas.

A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, operou uma profunda modificação do quadro legal da fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, reestruturando o regime e processamento das contraordenações com ele relacionadas. Essa modificação teve implicação em diversos aspetos relevantes para a contagem dos prazos de prescrição, dos quais importa destacar a eleição dos marcos temporais relevantes para essa contagem, bem como o catálogo de atos e eventos aos quais a lei associa efeitos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.

Estando aqui em causa a condenação das recorrentes pela prática de contraordenações decorrentes das contas da campanha eleitoral para as eleições autárquicas de 2017, poder-se-ia equacionar se a entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril - que ocorreu, como se disse, em 20 de abril de 2018 - convocaria um problema de sucessão de leis no tempo. Contudo, não é esse o caso, dado que - e sem prejuízo do que se dirá adiante sobre a data precisa em que se deve considerar praticada a infração imputada - as modificações introduzidas pela citada Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, entraram em vigor em data anterior à prática das infrações, sendo esse o critério relevante, à luz do disposto nos artigos 3.º, n.os 1 e 2 e 5.º, ambos do RGCO, para a relevância da sucessão de leis no tempo. Como tal, a apreciação da eventual prescrição do procedimento contraordenacional deverá ser regida exclusivamente pelo quadro legal introduzido pela reforma legislativa de 2018.

No caso em análise, estão em causa, em relação a ambas as recorrentes, as contraordenações previstas nos artigos 47.º, n.º 1, da LEC e 31.º, n.º 1, da LFP, punidas com coimas máximas de (euro)18.560,00 e (euro)34.312,00, respetivamente, atento o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS) vigente à data (ano de 2018, no valor de (euro) 428,90, nos termos do artigo 2.º da Portaria 21/2018, de 18 de janeiro) e do salário mínimo nacional vigente à data (ano 2018, no valor de (euro) 580,00 nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei 156/2017, de 28 de dezembro).

Assim, o prazo normal de prescrição aplicável a cada uma das infrações em discussão é o de três anos, nos termos do artigo 27.º, alínea b), do RGCO.

Vejamos agora a contagem do respetivo prazo.

Nos termos do artigo 27.º do RGCO, o termo inicial do prazo de prescrição inicial coincide com a data da prática da infração, definida nos termos do artigo 5.º do mesmo diploma. Conforme se vem reiterando na jurisprudência deste Tribunal (v. os Acórdãos n.os 361/2003 e 423/2004), para o caso geral, a data da consumação das contraordenações por infração aos deveres formais de organização contabilística estabelecidos na LFP - como são as imputadas às arguidas no âmbito dos presentes autos - corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias.

Sobre a questão rege o artigo 27.º, n.º 1, da LFP, onde se dispõe que as contas relativas à campanha eleitoral, quando se trate de eleições autárquicas, devem ser prestadas no prazo máximo de 90 dias após o pagamento integral da subvenção pública, regulado no artigo 5.º do mesmo diploma. Tal preceito legal não regula a forma de contagem do prazo. Atendendo a que, à luz do modelo legal atual, o prazo em causa foi fixado para a prestação de contas perante uma entidade administrativa e que o próprio procedimento que desencadeia tem essa índole, de controlo administrativo das contas das campanhas eleitorais, é de entender que a sua contagem deve obedecer às regras gerais do procedimento administrativo, mormente ao artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo, o que significa que corre em dias úteis.

Segundo a informação prestada pela Assembleia da República, o terminus do pagamento da subvenção pública teve lugar no dia 20 de abril de 2018, pelo que as contas deveriam ser prestadas até ao dia 30 de agosto de 2018. A data da consumação das infrações é, pois, 1 de setembro de 2018, que coincide com o termo inicial do prazo prescricional.

Os artigos 27.º-A e 28.º do RGCO definem os factos e eventos a que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição.

No caso vertente, importa considerar:

(i) A notificação da decisão da ECFP, datada de 2 de setembro de 2020, relativa às irregularidades das contas da campanha eleitoral, ocorrida em 8 de setembro de 2020 (fls. 224 a 235 do processo administrativo);

(ii) A notificação da instauração do procedimento de contraordenação, ocorrida em 14 de setembro de 2022 (fls. 12 a 17 dos presentes autos);

(iii) A notificação da decisão condenatória e de aplicação de coima, datada de 15 de março de 2023, em 23 de março de 2023 (fls. 66 a 81 dos presentes autos); e

(iv) A notificação do despacho, de 1 de agosto de 2023, que admitiu os recursos interposto pelas arguidas, em 4 de agosto de 2023 (fls. 111 a 113 dos presentes autos).

Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alíneas a) e d), do RGCO, estas notificações correspondem a atos processuais cujo efeito é inutilizar, relativamente à prescrição, o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo prescricional. Considerando que, entre a data de início da contagem do prazo de prescrição e cada um desses atos, até ao momento presente, nunca decorreram mais de três anos, é de concluir que a prescrição não sobreveio por esgotamento do prazo normal de prescrição.

Dispõe o artigo 28.º, n.º 3, do RGCO que a prescrição do procedimento terá lugar sempre que, desde o seu início e ressalvando o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. No caso sub judice, tal prazo máximo é de quatro anos e seis meses, terminando em 1 de março de 2023. Contudo, importa ressalvar as causas de suspensão que se hajam verificado. No caso vertente, destacam-se duas suspensões: em primeiro lugar, a suspensão de prazos decorrentes da legislação emitida no âmbito do da crise sanitária - SARS-COVID 19, que se prolongou por, pelo menos, 157 dias (v., neste sentido, os Acórdãos n.os 500/2021, 660/2021 e 798/2021 e, ainda, sobre a sua aplicabilidade aos recursos de impugnação judicial das decisões aplicativas de coima por parte da ECFP, o Acórdão 261/2022). Com efeito, da conjugação do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de março, mesmo não considerando o disposto no artigo 5.º da Lei 4-A/2020, de 6 de abril, resulta que todos os prazos de prescrição então em curso se suspenderam desde o dia 12 de março de 2020 até ao dia 2 de junho de 2020 (v. os artigos 8.º e 10.º da Lei 16/2020, de 29 de maio) - isto é, pelo período de 83 dias. Posteriormente, por força do artigo 6.º-B, n.º 3, aditado à Lei 1-A/2020, de 19 de março, pela Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ocorreu nova suspensão dos prazos de prescrição, com efeitos desde o dia 22 de janeiro de 2021 até ao dia 5 de abril de 2021, inclusive (v. os artigos 6.º e 7.º da Lei 13-B/2021, de 5 de abril) - isto é, pelo período 74 dias (v. entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/2022). Com tal suspensão, o prazo a que alude o artigo 28.º, n.º 3, do RGCO teria terminado em 5 de agosto de 2023. Finalmente, considere-se uma segunda causa de suspensão, prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO, decorrente da notificação do despacho que admitiu o recurso interposto pelas arguidas. Essa notificação tem-se por efetuada no dia 2 de agosto de 2023, perdurando por um período máximo de seis meses, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO. Em suma, e sem prejuízo de causas supervenientes, a prescrição do presente procedimento contraordenacional não sobrevirá antes de 5 de fevereiro de 2024.

A argumentação das recorrentes sobre a questão falha, na medida em que, por um lado, considera erradamente a data da prática de infração como tendo ocorrido em 3 de julho de 2018 - a data em que o MPP apresentou as contas de campanha relativas às eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais realizadas em 1 de outubro de 2017 - e, por outro lado, não toma em consideração, nem a suspensão extraordinária criada no âmbito da crise sanitária - SARS-COVID 19, nem a causa de suspensão prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO.

12 - Mérito da decisão sancionatória

12.1 - Matéria de facto

12.1.1 - Factos provados

Com relevo para a decisão, provou-se que:

1 - O Grupo de Cidadãos Eleitores "Movimento Positivo Paredes" (MPP) apresentou listas de candidatos às eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais realizadas em 1 de outubro de 2017.

2 - Maria Raquel Machado Moreira da Silva foi a Primeira Proponente da lista da candidatura apresentada pelo MPP.

3 - O MPP constituiu Ana Paula Ferreira da Fonseca Dias como Mandatária Financeira das contas da campanha eleitoral relativa à eleição descrita em 1.

4 - O MPP apresentou, em 3 de julho de 2018, junto da ECFP, as contas da campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1.

5 - O MPP registou, nas contas da campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1., as seguintes despesas:

5.1 - Despesas com "Propaganda, comunicação impressa e digital - desdobráveis", no valor de (euro) 1.100,00, a que acresce Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) à taxa legal de 23 %;

5.2 - Despesas com custos administrativos - serviço de "Infomail", no valor de (euro) 826,89.

6 - Nas contas de campanha apresentadas pelo MPP foi registada a seguinte despesa relativa a bens cujos preços de aquisição são inferiores aos correspondentes preços constantes da Listagem 5/2017:

6.1 - Fatura n.º FAC 1/313, no valor de (euro) 1.476,00, emitida pelo fornecedor "Promoções Aguiar - Brindes publicitários - Carmindo Filipe A. Silva", datada de 17 de setembro de 2017, relativa à aquisição de 5.000 esferográficas, pelo valor unitário de (euro) 0,14 (a que acresce IVA à taxa de 23 %), e de 5.000 lápis, pelo valor unitário de (euro) 0,10 (a que acresce IVA à taxa de 23 %).

7 - Ao agirem conforme descrito no ponto 6., as Arguidas representaram como possível que as despesas efetuadas, conforme registadas nas contas de campanha apresentadas, não observavam as exigências legais, tendo ainda assim praticado os atos descritos e conformando-se com essa possibilidade.

8 - As Arguidas sabiam que a conduta referida em 6. era proíbida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

9 - O MPP registou, nas contas apresentadas, receitas no valor de (euro) 13.009,59 e despesas no valor de (euro) 9.389,79.

10 - O MPP recebeu subvenção pública, no valor de (euro) 7.779,59, para a campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1.

12.1.2 - Factos não provados

Com relevância para a decisão, não se provou que:

1 - Nas contas apresentadas pelo MPP, não foram registadas a totalidade das receitas e/ou despesas referentes ao aluguer de estruturas e impressão de telas, respeitantes aos outdoors com os dizeres "Coragem, Diferente, Independente - Prof.ª Raquel".

2 - Ao agirem conforme descrito em 5. dos factos provados, as Arguidas representaram como possível que as contas apresentadas não obedeciam a exigências legais cuja inobservância seria suscetível de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

3 - As Arguidas sabiam que as condutas referidas em 5. dos factos provados eram proibidas e contraordenacionalmente sancionáveis, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

12.1.3 - Motivação da decisão sobre a matéria de facto

A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos, das regras da experiência e de inferências lógicas.

Para a prova da factualidade elencada no ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor do Mapa Oficial 1-A/2017 da CNE, publicado no Diário da República n.º 231, Série I, 1.º Suplemento de 30 de novembro de 2017, da qual a mesma se extrai.

A prova dos factos constantes dos pontos 2. e 3 dos factos provados resulta, respetivamente, do teor de fls. 169 e 33 do PA. A prova dos factos constantes do ponto 4. dos factos provados resulta do teor de fls. 29 a 89 do PA.

Para prova da matéria factual constante dos pontos 5. dos factos provados, contrastou-se a Lista de ações e meios apresentada pelo MPP (fls. 82 a 84 do PA) com os Mapas M9 e M13, apresentados nas contas de campanha (fls. 44 e 47 do PA), considerando-se ainda as faturas constantes de fls. 151 e 178 do Anexo I, Vol. I, do PA. De notar, quanto a este facto, que se eliminaram as referências constantes da decisão recorrida que davam conta da circunstância de estas despesas consubstanciarem «meios usados em campanha eleitoral», uma vez que se trata de um juízo jurídico, que convém reservar para a apreciação da matéria de direito; assim, considera-se provado (apenas) o que consta objetivamente das despesas registadas nas contas de campanha apresentadas, e que não foi contestado pelas recorrentes.

Quanto à prova dos factos descritos no ponto 6. dos factos provados, tomou-se em consideração o Mapa 12 (fls. 76 do PA) referente a "Despesas de Campanha - Brindes e outras ofertas", conjugado com a fatura de fls. 164 do Anexo I, Vol. I, do PA. Também deste facto se eliminaram as referências de natureza jurídica, de resto conclusivas, que davam conta, por um lado, que aquelas despesas foram adquiridas a um preço que se situava abaixo do preço de mercado e, por outro, que não foram apresentados «elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir pela razoabilidade da despesa face aos valores de mercado». Subsiste, por isso, neste facto, apenas o que objetivamente consta do registo da despesa e da sua documentação de suporte.

A prova da factualidade enunciada em 7. extrai-se da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras de experiência comum e inferências lógicas. Tratando-se de estados mentais dos agentes, a prova dos factos que os consubstanciem pode ser alcançada, na ausência de confissão, através da interpretação exterior dos factos internos, que se realiza por meio de inferências, assentes em presunções judiciais apoiadas nas regras da experiência comum ou em abduções baseadas em factos apurados através de prova direta. No caso vertente, sendo manifesto que os preços de aquisição dos bens constantes da Fatura a que se refere o ponto 6. dos factos provados são divergentes dos indicados na Listagem 5/2017, e que as recorrentes afirmam que se tratou de um valor «muito mais benéfico para o erário público» (v. ponto e) das alegações), não é crível que não tenham representado a possibilidade de dessa desconformidade resultar a ilicitude material da aquisição, nem que não se tenham com esse facto conformado. Não se afigura, pois, plausível que as recorrentes, revelando consciência da divergência verificada, não se tenham confrontado, pelo menos, com a dúvida de saber se dela resultaria legal a violação da exigência legal de que as despesas se situem dentro dos valores de mercado. Assim, da matéria objetiva dada como provada, examinada de acordo com as regras da experiência e inferências lógicas, resulta preenchido o elemento subjetivo do tipo contraordenacional, encontrando-se verificados, na modalidade de dolo eventual, o conhecimento e a vontade exigidos pelo tipo subjetivo previsto no artigo 30.º, n.º 2, da LFP.

Quanto à consciência da ilicitude, constante do ponto 8. dos factos provados, refere a decisão recorrida que as arguidas sabiam que a conduta praticada em 6. era proibida e sancionável como contraordenação, tendo agido livre, voluntária e conscientemente. Vêm indicadas, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões para tal juízo, devendo recordar-se que, também aqui, a prova destes factos se faz por via indireta, repousando nas regras da experiência comum e processos inferenciais, designadamente de natureza abdutiva. Recorde-se ainda que, conforme decorre do artigo 9.º do RGCO, a falta de consciência da ilicitude do facto - que é, como se sabe, um problema de valoração do facto - não exclui o dolo, apenas podendo afastar a culpa quando o erro não for censurável ao agente. Ora, a exigibilidade do cumprimento dos deveres é um critério essencial para determinar a censurabilidade da falta de consciência da ilicitude dos arguidos, já que não está em causa, neste domínio, a atribuição de um juízo de culpa ética equivalente ao do Direito Penal, mas antes, a eventual indiferença relativamente aos valores tutelados pelas normas de dever previstas na LFP e na LEC. É justamente pelas funções que desempenham as arguidas - enquanto primeira proponente e mandatária financeira do MPP para as contas de campanha - que se lhes impunha uma exigibilidade reforçada enquanto destinatárias especiais das normas de dever impostas em matéria de contas, sendo certo que, como o Tribunal Constitucional tem desde sempre afirmado (v. Acórdãos n.os 77/2011 e 86/2012), estando em causa a observância de regras específicas relativas ao financiamento e apresentação de contas dos partidos políticos, os partidos e os seus responsáveis financeiros não podem, em consciência, demarcar-se das imposições legais. Conclui-se, pois, que a prova da consciência da ilicitude (facto 8.) resulta da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras da experiência comum e de inferências lógicas.

A prova do facto descrito em 9. dos factos provados resulta do teor de fls. 45 e 36 do PA.

A prova do facto descrito em 10. dos factos provados fez-se com base no documento de fls. 10 a 12 do PA, onde se certifica o pagamento da subvenção pública.

Vejamos, agora, em que se motiva a decisão quanto aos factos não provados.

Foi dado como não provado o facto descrito em 1., já que o facto imputado na decisão recorrida («não foram registadas a totalidade das receitas e/ou despesas referentes ao aluguer de estruturas e impressão de telas») pressupõe a existência de outras receitas ou despesas efetuadas para além das registadas, cujo registo se omitiu, o que não resulta dos elementos probatórios disponíveis no processo. Com efeito, nem o teor dos Mapas constantes de fls. 71 a 81 do PA, nem o registo de ações de monitorização de fls. 4 a 8 dos presentes autos, nem tampouco a fatura de fls. 34 ou as declarações de cedência de fls. 65 e 75 do Anexo I, Vol. I, do PA fazem prova dessa omissão.

A asserção vem probatoriamente sustentada na informação constante da «Matriz de monitorização no âmbito da comprovação e verificação física das ações e meios de campanha realizadas» (doravante, «Matriz»), elaborada a partir da verificação física efetuada pelo Centro de Estudos Internacionais - Instituto Universitário de Lisboa, por contrato celebrado com a ECFP, nos termos da qual se conclui terem sido identificadas «pelo menos 10 estruturas de outdoors em diferentes localizações».

Ora, esta Matriz não constitui prova suficiente para sustentar a convicção da ECFP quanto à existência de «estruturas de suporte» de outdoors e de «vinis impressos», cujo registo não foi efetuado nas contas de campanha apresentadas pelo MPP.

Assim é pelas seguintes razões.

Por um lado, a sua concreta inaptidão probatória, já que a informação que dela consta é imprecisa e lacunar, não atingindo o limiar mínimo de rigor para que possa determinar uma convicção decisória: veja-se, v.g., que no registo das «estruturas de suporte aos cartazes mini, cujas medidas se situam abaixo dos 8 m x 3 m» se indica que foram observados «0» cartazes em 9 localizações ou, ainda, que o registo da estruturas de suporte aos cartazes 8 m x 3 m indica a observação de «1» estrutura de suporte, descrita como «espécie de lençol preso entre árvores».

Por outro lado, trata-se de um elemento probatório insuficiente, já que, independentemente da qualidade da informação incluída, sempre seria necessário que a ECFP fizesse juntar aos autos prova documental da realidade monitorizada, o que não aconteceu, sendo certo que os dois registos fotográficos constantes dos autos, acrescidos de uma impressão da página do MPP na rede social Facebook (fls. 216 do PA), não são suficientes para provar os factos que integram o tipo contraordenacional.

Em suma, não foram recolhidos meios de prova suficientes para sustentar, com o necessário grau de convicção probatória, que o MPP usou meios de campanha não descritos nas contas apresentadas. Sendo esse o pressuposto factual inerente ao facto aqui em discussão, teve o mesmo de ser dado como não provado.

Por sua vez, os factos descritos em 2. e 3. - que respeitam ao elemento subjetivo da conduta descrita em 5. dos factos provados - resultam não provados pela circunstância de as condutas em causa não consubstanciarem nenhuma infração. É certo que, na razão de ordem de uma decisão judicial, a apreciação jurídica, nomeadamente quanto ao preenchimento do tipo objetivo, é posterior ao julgamento da matéria de facto, pelo que se trata aqui da antecipação de uma conclusão ainda por obter. Sucede que a atribuição a um agente de um conteúdo mental representativo de um estado de coisas que consiste na divergência entre a sua conduta e um parâmetro - o elemento intelectual do dolo numa infração de dever - pressupõe logicamente, senão um juízo de ilicitude objetiva, pelo menos a verosimilhança desta. Isto é particularmente evidente quando a prova do elemento subjetivo do tipo se baseia em primeira linha, como é o caso das infrações que incidem sobre a violação de deveres funcionais, em presunções judiciais estabelecidas a partir de regras da experiência acerca da conduta e as atitudes dos portadores do estatuto relevante. Há, pois, uma certa e inevitável desarmonia entre a ordem expositiva e a ordem judicativa do processo decisório, atento o figurino linear da primeira e circular da última, desarmonia essa que é reveladora da conhecida aporia metodológica da dicotomia convencional entre questão-de-facto e questão-de-direito.

12.2 - Matéria de direito

12.2.1 - Considerações gerais

Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da LFP, «os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes», sendo que os n.os 2 a 4 do artigo 28.º impõem penas e os artigos 29.º a 32.º impõem coimas, restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Como se salientou no recente Acórdão 509/2023, decorre do cotejo entre as normas dos artigos 30.º a 32.º da LFP - os especialmente relevantes em matéria de contas de campanha eleitoral - e o regime jurídico traçado no seu capítulo III, que existe uma dicotomia fundamental no universo das infrações passíveis de sanção contraordenacional no âmbito das campanhas eleitorais. Temos, por um lado, infrações materiais, estas relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito, que se traduzem na obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela lei, designadamente receitas não enquadráveis no artigo 16.º do mesmo diploma, ou na realização de despesas sem justificação legal, mormente por não dizerem respeito à campanha eleitoral ou que excedam os limites previstos no artigo 20.º Temos, por outro lado, infrações formais, que dizem respeito à inobservância do dever de prestação de contas e, no âmbito destas, do dever de tratar contabilisticamente as despesas e receitas da campanha de acordo com as diretrizes do artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma, de tal forma que essa representação contabilística viabilize a sindicância material das receitas percebidas e das despesas realizadas.

Atendendo ao conteúdo dos tipos contraordenacionais dos artigos 30.º a 32.º da LFP, são passíveis de sancionamento com coima em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais as seguintes condutas (v. o Acórdão 98/2016, § 6.2.):

a) O recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela LFP - artigo 30.º, n.º 1, ab initio;

b) A violação, por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da LFP - artigo 30.º, n.º 1, in fine;

c) A inobservância, por parte de pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da LFP - artigo 30.º, n.os 2 a 4;

d) A ausência ou insuficiência de discriminação ou comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da LFP;

e) A inobservância do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 27.º da Lei 19/2003, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da LFP.

Como se afirmou no Acórdão 405/2009, a contraposição entre infrações materiais - as descritas nas alíneas a) a c) - e infrações formais - as descritas nas alíneas d) e e) - «tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respectiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada acto (cf. arts. 16.º, n.º 3, 19.º, n.º 3, e 20.º da Lei 19/2003) -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das despesas e receitas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos actos já realizados (cf. art. 12.º, ex vi do art. 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003)».

Importa extrair os corolários desta dicotomia.

Em primeiro lugar - e como se salientou no citado Acórdão 405/2009 -, releva para a determinação do momento em que deverá considerar-se praticado o facto típico e, nessa medida, para todos os efeitos jurídicos que dependam desse elemento, como sejam a determinação da lei temporalmente aplicável e a contagem do prazo de prescrição.

Em segundo lugar, dela se extrai que ambas as categorias de infrações são, pela sua distinta natureza, mutuamente irredutíveis e cumuláveis. Irredutíveis no sentido em que, embora as infrações formais tenham uma natureza instrumental face às materiais, dado que as exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais visam possibilitar um adequado escrutínio do cumprimento das regras substantivas sobre o regime das despesas e das receitas em sentido estrito, não se implicam, nem se excluem, mutuamente. O que vale por dizer que o cometimento de uma infração material não implica logicamente o cometimento de uma infração formal (nada obsta a que, por exemplo, a perceção de uma receita não permitida por lei esteja devidamente comprovada e discriminada nas contas da campanha), nem o seu contrário (por exemplo, a falta ou insuficiência da discriminação ou de comprovação contabilística de uma determinada receita nas contas da campanha não implica, por si só, que essa receita seja materialmente ilícita - ainda que dificulte tal avaliação). Cumuláveis no sentido em que, relativamente ao mesmo facto, ambas as infrações podem coexistir e ser imputadas ao mesmo sujeito a título de concurso efetivo (por exemplo, nada obsta a que a perceção de uma receita proibida por lei seja objeto de uma representação contabilística deficiente, visando precisamente ocultar a sua ilicitude material).

Paralelamente a esta distinção, encontramos ainda alguns tipos contraordenacionais que se centram, não no financiamento das campanhas eleitorais ou na violação dos deveres de prestação de contas e da respetiva forma, mas na violação de deveres atinentes ao relacionamento entre os partidos políticos e demais sujeitos participantes em campanhas eleitorais - designadamente grupos de cidadãos eleitores - e a ECFP e o Tribunal Constitucional. É o caso do artigo 47.º da LEC, que tipifica contraordenacionalmente a violação de deveres de comunicação e de colaboração e que, nessa medida, são instrumentais para o bom desempenho das funções de escrutínio das contas partidárias e das campanhas eleitorais por parte das entidades competentes.

12.2.2 - Imputações às recorrentes

12.2.2.1 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da LEC.

Na decisão recorrida imputou-se, a cada uma das arguidas, a prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC, com fundamento na violação do dever de comunicação de dados previsto no artigo 16.º, n.º 1, deste diploma. Em causa está, em concreto, a ausência de comunicação, na «lista de ações de campanha e de meios» apresentada pelo MPP, das seguintes despesas registadas nas contas de campanha: (i) "Propaganda, comunicação impressa e digital - desdobráveis", no valor de (euro)1.943,44 ((euro)1.100 acrescido de IVA), registada no Mapa "M9 - Despesas de Campanha - Propaganda, comunicação impressa e digital", correspondente à Fatura FT/14/A, emitida por "Gráfica de Paredes" (v. facto 5.1.); (ii) "Custos administrativos - Infomail", no valor de (euro) 826,89, registada no Mapa "M13 - Despesas de Campanha - Custos administrativos e operacionais", correspondente à Fatura FR CT2017FR990464601/4005, emitida por CTT - Correios de Portugal, S. A. (v. facto 5.2.).

As recorrentes, não contestando que as despesas descritas constituam objeto do dever de comunicação previsto no artigo 16.º, n.º 1, da LEC, consideram não ter praticado a contraordenação prevista no artigo 47.º, n.º 1, da LEC, sustentando, para o efeito, que a comunicação prevista no artigo 16.º, n.º 1, da LEC, se deverá considerar realizada, já que as despesas descritas em 5. dos factos provados foram comunicadas nas contas de campanha e a LEC não impõe uma forma própria de realização daquele dever de comunicação.

Não lhes assiste razão.

Dispõe o artigo 16.º, n.º 1, da LEC, que «[o]s [...] grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidatura às eleições dos órgãos das autarquias locais estão obrigados a comunicar à Entidade as ações de campanha eleitoral que realizem, bem como os meios nelas utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo». A inobservância deste dever é sancionada nos termos do artigo 47.º do mesmo diploma, que estabelece, no n.º 1, que «[o]s mandatários financeiros, [...] e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que violem os deveres previstos nos artigos 15.º, 16.º e 46.º-A são punidos com coima mínima no valor de 2 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 32 salários mínimos mensais nacionais».

Ora, o dever de comunicar as ações de campanha eleitoral realizadas, e os respetivos meios (artigo 16.º da LEC), não se confunde com o dever relativo à apresentação das contas de campanha eleitoral (artigo 18.º da LEC), o que desde logo resulta da autonomia sistemática conferida pela LEC a uma e outra normas de dever e às respetivas consequências sancionatórias. Embora exista, entre as duas realidades, uma parcial sobreposição, na medida em que os meios utilizados numa ação de campanha eleitoral serão concomitantemente objeto de integração nas contas de campanha, o artigo 16.º da LEC consagra um dever de comunicação especial, cujo sentido material se funda na garantia de sindicância de um subconjunto particular da atividade dos partidos políticos e dos demais sujeitos participantes eleitorais - as ações de propaganda política (v. artigo 16.º, n.º 3, da LEC). É, pois, da natureza própria das ações de propaganda política que resulta a individuação do interesse protegido pela norma e, bem assim, se justifica a edição deste dever autónomo. Note-se, de resto, que da comunicação prevista no artigo 16.º da LEC resultam dados que não seriam conhecidos no contexto geral da comunicação de despesas de campanha eleitoral (como, v.g., os relativos à identidade do organizador ou do número de participantes da ação de campanha). Como o Tribunal Constitucional tem, a este respeito, afirmado «[a] remessa da Lista de Ações e Meios assume [u]ma clara autonomia em face do puro cumprimento das regras contabilísticas respeitantes aos partidos políticos. Se é certo que a Lista de Ações e Meios pode também assumir uma vocação de apoio ao labor de controle de contabilidade a materializar em face das contas anuais, não se confunde, naturalmente, com estas» (v. Acórdão 233/2021). Note-se, ainda, que o prazo de cumprimento da obrigação de comunicação prevista no artigo 16.º da LEC coincide com a data de entrega das contas (n.os 4 e 5 do artigo 16.º), o que não só reforça o que vem dito, como se conforma com o conteúdo das Recomendações emitidas pela ECFP, segundo as quais esta comunicação deve ser efetuada por meio de Lista própria constante do "Anexo IX - Lista de ações e meios de campanha". A argumentação aduzida pelas recorrentes constitui, pois, um evidente non sequitur, na medida em que pretende fazer decorrer da observância do dever contabilístico estabelecido em matéria de prestação de contas - em concreto, da inclusão das despesas descritas em 5. dos factos provados nos Mapas 9 e 13 - consequências quanto à observância de um dever de conteúdo e alcance bem diversos.

Muito embora as recorrentes não tenham impugnado a integração dos factos descritos em 5. dos factos provados no objeto do dever de comunicação previsto no artigo 16.º da LEC, a verificação do elemento objetivo do tipo contraordenacional pressupõe tal juízo. Note-se que o artigo 16.º da LEC não consagra um dever de comunicação de toda a qualquer despesa realizada durante a campanha eleitoral, que seja superior a um salário mínimo nacional, mas apenas comunicação das ações de campanha, e dos meios nelas utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo nacional.

Ora, não se encontram elementos probatórios que apontem para que as despesas descritas no ponto 5. dos factos provados tenham sido meios de uma ação de campanha eleitoral. A circunstância de estas despesas constituírem despesas de campanha não determina, sem mais, que elas sejam meios de uma ação de campanha. Uma ação (de campanha), como evento complexo situado no tempo e no espaço, constitui apenas uma parte de toda atividade de propaganda política realizada por um partido ou por outro sujeito eleitoral, sem que seja exigido, nos termos do artigo 16.º da LEC, a comunicação de todas essas despesas. A existência de uma obrigação de comunicação especial neste domínio justifica-se, segundo parece, (sugeria a sua eliminação) porque as ações de campanha são iniciativas relativamente complexas e alargadas, no âmbito das quais é previsível a realização de múltiplas despesas ou a angariação de receitas, as quais reclamam atenção particular e justificam, em alguns casos, diligências específicas por parte da ECFP. Esta interpretação está em harmonia com a tipologia de ações de campanha indicada nas Recomendações emitidas pela ECFP sobre a matéria - designadamente, as que respeitam às eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais em 2017 -, nas quais se prevê, v.g., a «identificação do local onde decorreu a ação» (nome do hotel, pavilhão, sala, etc.) e o «número aproximado de participantes, militantes que participam no evento» (num jantar, será o número de convivas; numa caravana ou arruada, será o número de militantes que se deslocam em grupo). Em face do exposto, considerando que não há prova de que as despesas descritas em 5. dos factos provados constituem meios utilizados numa ação de campanha eleitoral do MPP, conclui-se que a conduta das arguidas não integra os elementos do tipo objetivo da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC.

12.2.2.2 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP

Através da decisão recorrida, a ECFP sancionou as arguidas pela prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, com fundamento na violação do dever imposto pelo artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, do mesmo diploma. Segundo a decisão, está em causa o registo de uma despesa «cujo preço de aquisição se encontra abaixo do valor de mercado, sem que tenham sido apresentados elementos de comparação de preços que permitissem concluir pela razoabilidade da despesa face ao valor de mercado», o que consubstanciaria uma insuficiente comprovação de despesas.

A factualidade relevante é a descrita no ponto 6. dos factos provados, da qual resulta que o MPP registou, nas suas contas de campanha, a despesa titulada pela Fatura n.º 1/313, no valor de (euro) 1.476,00, emitida pelo fornecedor "Promoções Aguiar - Brindes publicitários - Carmindo Filipe A. Silva", datada de 17 de setembro de 2017, relativa à aquisição de 5.000 esferográficas, pelo valor unitário de (euro) 0,14 (a que acresce IVA à taxa de 23 %), e de 5.000 lápis, pelo valor unitário de (euro) 0,10 (a que acresce IVA à taxa de 23 %).

Importa, a este propósito, considerar as razões aduzidas no Acórdão 509/2023 do Tribunal Constitucional, por ter introduzido relevantes alterações ao que tinha vindo a ser entendido em arestos anteriores:

«Nos Acórdãos n.os 756/2020 e 758/2020, a propósito do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, ensaiou-se uma tipologia das situações relevantes, com o seguinte teor:

«Num primeiro grupo (a), incluiremos as despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. São estas, verdadeiramente, as faturas incompletas.

Num segundo grupo (b), estão as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo aqui estabelecidos.

Num terceiro grupo (c), incluímos as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem, cujos valores se situam fora dos limites estabelecidos nesta.

No último grupo (d), estão as despesas relativas a bens e serviços não incluídos na Listagem referida.

Tentaremos agora classificar as [...] faturas [...] num dos quatro grupos. A ideia subjacente é a de encontrar um critério justo e equitativo de repartição do ónus da prova da fatura irregular.

Assim:

- as faturas do grupo (a) são consideradas irregulares enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha;

- as faturas do grupo (b) são consideradas regulares;

- as faturas do grupo (c) são consideradas irregulares, salvo se o partido ou coligação concorrente tiver demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio, ou este não seja significativo;

- relativamente às faturas do grupo (d) que discriminem clara e precisamente o que é que foi pago, cabia à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado; não tendo sido feita tal demonstração, as faturas serão consideradas regulares.

Sublinhe-se, relativamente a estas últimas faturas, que a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a Listagem - que já tinha dois anos à data das eleições -, e que não inclui prestações de serviços hoje comuns nas campanhas eleitorais. Não tendo procedido à atualização - que porventura conviria fazer anualmente - por que razão há de o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa recair sobre as candidaturas?»

Esta tetrapartição, que visa distribuir os casos concretos por quatro grupos definidos em função das combinações possíveis das diversas variantes relevantes - a natureza do bem ou serviço adquirido, o preço de aquisição praticado, o preço de mercado tal como definido na Listagem, a completude da titulação contabilística dessa operação, etc. -, deve ser cruzada com a já referida dicotomia, há muito consolidada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, das infrações materiais e infrações formais, para que possamos ter um quadro classificatório mais perfeito, que habilite o correto enquadramento jurídico das situações submetidas a juízo.

Em boa verdade - e deixando de parte o grupo b), que não suscita problemas de conformidade legal -, verifica-se uma diferença estrutural entre os casos do grupo a) e os dos grupos c) e d). No primeiro, o que está em causa é uma verdadeira irregularidade da fatura, uma irregularidade formal, na medida em que o documento que titula a operação efetuada, pela sua incompletude ou imperfeição, não permite «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou» - designadamente, não permite apurar se o que foi adquirido podia ou não ser licitamente adquirido pelo preço praticado. É essa, aliás, como se vincou anteriormente, a função instrumental das exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais: existe como forma de representar com fidedignidade a atividade realizada pelas campanhas eleitorais, com o intuito de viabilizar o escrutínio da conformidade legal das receitas e despesas das campanhas eleitorais.

Já nos casos do grupo c), em rigor, não existe irregularidade da fatura, uma vez que esta titula adequadamente o bem ou serviço que foi adquirido e o preço por que foi adquirido, permitindo «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou». A aquisição de um bem ou serviço por um preço que divirja do preço de mercado não é primariamente um problema de representação contabilística de uma operação, mas um problema da admissibilidade material da própria operação. Nesse sentido, a apresentação de razões que visem ilidir a presunção estabelecida pelos intervalos de valores constantes da lista de referência - essa natureza ilidível ou meramente «indicativa», como resulta dos artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC, tem sido reiteradamente afirmada pelo Tribunal (cf. Acórdão 625/2022, § 11.1.) - ou mostrar que, embora divergente dos valores de mercado gerais, as concretas circunstâncias de uma dada aquisição justificavam o preço praticado, não visa regularizar a fatura, antes visa demonstrar a licitude do próprio ato aquisitivo ou dispositivo - designadamente mostrando, nos casos de aquisição por preço inferior ao de mercado, que não representa uma forma oculta de financiamento por parte da entidade vendedora, e nos casos de aquisição por preço superior ao de mercado, que ela não representa uma forma oculta de financiamento por parte da entidade adquirente. Note-se, aliás, que, tal como se salientou acima, a LFP consagra, no seu artigo 8.º, uma norma proibitiva de cariz material relativa a determinadas formas de financiamento, onde avultam, tanto a proibição expressa de «[a]dquirir bens ou serviços a preços inferiores aos praticados no mercado», como a de «[r]eceber pagamentos de bens ou serviços por si prestados por preços manifestamente superiores ao respetivo valor de mercado» - alíneas b) e c) do n.º 2.

Finalmente, no grupo d) a situação é estruturalmente equivalente aos casos do grupo c): não está em causa um problema de irregularidade da fatura ou do documento que titule uma dada operação, tal que impossibilite ou dificulte a ação de «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou» (ainda que essa hipótese também seja equacionável), mas de admissibilidade da própria operação. Em primeiro lugar, porque se reporta a bem ou serviço não incluído na Listagem e, por isso, suscetível de dúvida sobre a respetiva qualificação como despesa de campanha eleitoral, atenta a noção que dela se dá no artigo 19.º, n.º 1, da LFP - por definição, os bens e serviços enumerados na Listagem são meios de campanha eleitoral (artigo 9.º, n.º 2, da LEC). Em segundo lugar, devendo ser considerada despesa de campanha eleitoral, está sujeita à proibição de divergência injustificada do preço de mercado. Sob este aspeto, a diferença relativamente ao grupo c) é que, tratando-se de meio não contemplado na lista de referência, inexiste um parâmetro de aferição previamente conhecido e mobilizável para o efeito, o que justifica que o juízo positivo sobre a divergência deva ser substancialmente mais exigente ao nível probatório, onerando de modo integral a ECFP.

Cabe sublinhar que a qualificação dos casos dos grupos c) e d) da mencionada tipologia das faturas como casos de infração material, recondutível ao artigo 30.º da LFP, corresponde a uma alteração de orientação jurisprudencial. Em especial, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, no que aos casos do grupo c) diz respeito, que a divergência não devidamente justificada entre o preço de aquisição e o intervalo de referência que consta da Listagem para o bem ou serviço em causa consubstancia uma violação do dever de comprovação da despesa, nos termos dos artigos 12.º e 15.º da LFP, sancionado no plano contraordenacional através do artigo 31.º do mesmo diploma. O raciocínio subjacente é o de que o arguido, ao não apresentar documentação de suporte que justifique cabalmente o desvio do preço de aquisição em relação ao valor de referência, não logra demonstrar a «razoabilidade» da despesa. Tal ausência de justificação é tomada como razão suficiente para se concluir que a própria fatura é irregular. Considere-se, neste exato sentido, a seguinte passagem do Acórdão 469/2022:

«22.3 - Nas contas ora em análise, foram registadas despesas tituladas por faturas, respeitantes a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela previstos, sem que tenham sido juntos quaisquer elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas em questão face ao valor de mercado (cf. o ponto 7. dos factos provados), sendo por isso exigível a apresentação de elementos complementares de comparação de preços de tais despesas, nos termos e para os efeitos já referidos.

As faturas em causa são consideradas irregulares (cf. a alínea c) do n.º 22.2, supra), uma vez que os responsáveis pela apresentação das contas não demonstraram cabalmente, mediante a junção de elementos complementares a razão de ser dos desvios.

Com efeito, no caso em apreço, verifica-se que nas faturas indicadas no ponto 7. dos factos provados se encontram registadas despesas, relativas a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos (cf. as duas últimas colunas da tabela constante do mencionado ponto 7., onde constam, respetivamente, o valor unitário do bem ou serviço em questão e o seu valor indicativo constante da referida Listagem). Não tendo os responsáveis pelas contas demonstrado a razão de ser dos desvios, tal implica, por via de uma indevida comprovação das despesas da campanha, que se conclua pelo preenchimento do tipo contraordenacional constante do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP».

Justifica-se reponderar este entendimento. Se o dever de comprovação de uma despesa compreender a demonstração da «razoabilidade» da mesma, incluindo-se neste conceito a prova de que o desvio entre o preço efetivamente pago e o intervalo de referência é justificado, desaparece irremediavelmente a fronteira sobre a qual repousa a dicotomia das infrações formais e materiais. Na verdade, em matéria de despesas de campanha, tal entendimento conduz a uma absorção integral da categoria das irregularidades materiais pela das irregularidades formais, pois todos os casos em que se verifique um desvio injustificado da despesa realizada em relação ao valor de referência são então qualificados como irregularidades formais, ainda que a fatura ou outros elementos discriminem perfeitamente e comprovem cabalmente o valor efetivo de aquisição. Ora, impõe-se distinguir entre o dever de comprovação de uma despesa, que respeita à demonstração de que certo bem ou serviço foi adquirido por determinado valor, e o dever de não realizar despesas não consentidas pela lei, que respeita, inter alia, à conformidade de cada despesa com as exigências constantes dos artigos 8.º e 16.º da LFP. O desvio entre o valor pago e o valor de referência situa-se neste segundo plano: não se trata de um problema de regularidade da fatura, visto que esta discrimina e comprova o que se adquiriu e o valor da aquisição, mas de licitude do ato aquisitivo nela documentado, designadamente se corresponde a uma operação normal de mercado ou a um donativo dissimulado. Reitere-se que o dever de comprovação da despesa é meramente instrumental do controlo da licitude dos financiamentos políticos - do respeito, pois, pelo regime material de financiamento dos partidos e das campanhas, em última análise recondutível aos imperativos constitucionais da igualdade democrática dos cidadãos e da subordinação do poder económico ao político.

A dissolução da dicotomia das infrações formais e materiais, propiciada pela ambiguidade do termo «razoabilidade», para além de um problema de rigor dos conceitos, tem ainda consequências indesejáveis que convém destacar. Em primeiro lugar, ao transmudar em formais desvalores de ordem material, subverte o substrato axiológico do regime, confundindo numa categoria única o acessório, por um lado, e o principal, por outro, em dissonância com a inevitável diferença de gravidade entre ambos, refletida nas diversas molduras sancionatórias dos artigos 30.º e 31.º da LFP. Em segundo lugar, ao importar para o plano formal da comprovação das operações realizadas matéria que se prende com a licitude das receitas e despesas, contribui para desonerar a autoridade administrativa competente de uma atividade instrutória orientada para a descoberta da verdade material e visando o sancionamento das infrações mais graves do ponto de vista da ordem de valores que a lei procura salvaguardar. Em terceiro lugar, tem por efeito a inversão do ónus da prova, uma vez que, interpretando-se a exigência legal de comprovação devida de uma despesa como implicando um dever de justificar a sua razoabilidade, mormente através da demonstração de um fundamento material para a discrepância entre o valor de aquisição e o valor de referência, punem-se ao abrigo do artigo 31.º os arguidos que não lograram demonstrar não terem cometido a infração prevista e punida pelo artigo 30.º do mesmo diploma. Estas consequências não são meras conjeturas, formuladas de acordo com o método hipotético-dedutivo, mas factos documentados nos processos relativos a contas dos partidos políticos ou das campanhas eleitorais, em que os arguidos são invariavelmente sancionados somente pela infração prevista no artigo 31.º da LFP. A interpretação preconizada neste aresto, pelo contrário, harmoniza-se melhor com a ordem legal de valores, promove a aplicação de sanções ao financiamento ilícito e mostra-se idónea a garantir a presunção de inocência dos arguidos. São razões suficientes para a mudança de orientação jurisprudencial».

Vejamos o caso dos autos.

Na decisão recorrida imputa-se às recorrentes a prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º da LFP, por se verificar uma desconformidade entre os preços de aquisição dos bens descritos no ponto 6. dos factos provados e os preços constantes da listagem a que aludem os artigos 24.º, n.º 5, da LFP e 9.º, n.º 2, da LEC - no caso, a Listagem 5/2017 (DR, 2.ª série, n.º 79, de 21 de abril de 2017, D, pp. 7647 a 7652) -, sem que as recorrentes tenham apresentado «elementos de comparação de preços que permitissem concluir pela razoabilidade da despesa face ao valor de mercado».

Ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, o caso vertente não revela um problema de representação contabilística, designadamente de comprovação da despesa titulada pela Fatura n.º 1/313, enquadrável nos casos do grupo a), mas de admissibilidade material do ato aquisitivo que subjaz à representação formal, recondutível ao grupo c). O que está em causa não é, pois, um problema de comprovação de despesas, já que a partir da Fatura n.º 1/313 se pode bem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou, mas, antes, de licitude do ato aquisitivo, por se ter verificado uma divergência não justificada entre os preços de aquisição dos bens descritos em 6. dos factos provados e os preços indicados na Listagem 5/2017.

Importa sublinhar, a este propósito, que os valores constantes da Listagem 5/2017 constituem um instrumento heurístico apto a firmar presunções e formar orientações quanto à licitude das despesas efetuadas. O intervalo de preços indicado nesta Listagem constitui, quanto os bens e serviços nele constantes, um crivo necessário, mas não suficiente, para a aferição da licitude de certo ato aquisitivo, formando-se a partir dele uma presunção quanto aos preços de mercado suscetível de ser impugnada (v.g., através da apresentação de razões que ponham em causa a credibilidade dos valores de referência) ou ilidida (v.g., pela demonstração de que, apesar da divergência face aos preços de mercado que se presumem a partir daquela Listagem, as concretas circunstâncias da aquisição justificam o preço praticado).

Ora, considerando que se provou (v. o ponto 6. dos factos provados) ter o MPP adquirido bens a preços inferiores aos constantes da Listagem 5/2017 - esferográficas adquiridas ao preço de (euro) 0,14, quando o valor de referência se situa entre (euro) 0,28 e (euro) 0,30; lápis adquiridos ao preço de (euro) 0,10, quando o valor de referência se situa entre (euro) 0,25 e (euro) 0,27 -, e que as recorrentes não apresentaram quaisquer razões que permitissem impugnar ou ilidir a presunção formada a partir desta divergência, só pode concluir-se que foram adquiridos bens a preços inferiores aos praticados no mercado. Tal consubstancia uma irregularidade material, prevista e punida pelo artigo 30.º, n.º 2, da LFP, por violação do artigo 16.º da LFP, de que constam, como se referiu no Acórdão 509/2023, «as fontes únicas de financiamento das campanhas eleitorais», entre as quais não consta a aquisição de bens ou serviços a preços de desconto não comercial.

Perante esta nova qualificação jurídica, impõe-se reponderar a apreciação da questão relativa à prescrição do procedimento contraordenacional (v. ponto 11. supra). Com efeito, muito embora, no caso vertente, o prazo de prescrição aplicável à infração em discussão continue a ser de três anos, nos termos do artigo 27.º, alínea b), do RGCO, importa notar que a data da prática da infração, definida nos termos do artigo 5.º deste diploma, deixa de corresponder ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias - como aconteceria no caso de infração formal -, passando a acompanhar a natureza da infração material praticada, consistente na aquisição de bens a preços inferiores aos praticados no mercado. A data da prática da infração coincide, pois, com a data da aquisição do bem - no caso vertente, 17 de setembro de 2017.

Atentos os factos interruptivos da prescrição anteriormente enunciados, verifica-se que nunca chega a perfazer-se o prazo normal de prescrição entre a ocorrência de cada facto interruptivo, pelo que a prescrição não se verifica ao abrigo do artigo 27.º, n.º 1, do RGCO. Mas cabe ainda determinar se não foi atingido o limite definido pelo artigo 28.º, n.º 3, do citado diploma, correspondente ao prazo normal de prescrição acrescido de metade - neste caso, quatro anos e seis meses, terminando a 18 de março de 2022.

Há que considerar ainda a suspensão da prescrição de 157 dias, decorrentes da legislação emitida no âmbito do da crise sanitária - SARS-COVID 19. Em virtude dessa suspensão, o prazo transfere-se para o dia 22 de agosto de 2022, o que implica que a prescrição sobreveio antes da verificação da causa de suspensão contemplada no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO.

Em suma, o procedimento contraordenacional relativo à infração agora enquadrada no artigo 30.º, n.º 2, da LFP, extinguiu-se, por prescrição, no dia 22 de agosto de 2022, antes mesmo de os presentes autos darem entrada neste Tribunal.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

i. Julgar procedentes os recursos interpostos por Maria Raquel Machado Moreira da Silva e Ana Paula Ferreira Fonseca Dias da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, datada de 15 de março de 2023 e, em consequência, absolver cada uma das arguidas da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho;

ii. Julgar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional instaurado contra Maria Raquel Machado Moreira da Silva e Ana Paula Ferreira Fonseca Dias, na parte relativa à infração relativa ao ponto 6. dos factos provados.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Lisboa, 13 de dezembro de 2023. - Gonçalo Almeida Ribeiro - José Teles Pereira - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - Maria Benedita Urbano - Mariana Canotilho (com reservas quanto à aplicação da suspensão dos prazos de prescrição decorrente da legislação aprovada no âmbito da crise sanitária SARS-Covid 19 - n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de março) - Joana Fernandes Costa (parcialmente vencido conforme declaração em anexo) - Afonso Patrão (parcialmente vencido, de acordo com declaração junta) - Rui Guerra da Fonseca - Carlos Medeiros de Carvalho - José João Abrantes.

Acórdão retificado pelo Acórdão 9/2024, de 9 de janeiro de 2024

Declaração de voto

Parcialmente vencida.

1 - Pelas razões constantes da declaração de voto que apus ao Acórdão 509/2023, discordo da requalificação jurídica da conduta analisada no ponto 12.2.2.3., não subscrevendo, por essa razão, a conclusão que daí foi extraída em matéria de prescrição do procedimento contraordenacional. A falta de apresentação pela candidatura de elementos explicativos do desvio do valor da faturação dos bens ou serviços adquiridos relativamente aos preços de mercado constantes das listas indicativas elaboradas pela ECFP consubstancia, quanto a mim, a violação da obrigação de apresentação de contas com devida comprovação das despesas da campanha eleitoral, a que corresponde o preenchimento do tipo objetivo da contraordenação prevista no artigo 31.º da Lei 19/2003, consumando-se esta no termo do prazo fixado para a apresentação das contas.

2 - Para além disso, afasto-me da justificação apresentada no ponto 12.1.3 para dar como não provados os factos descritos em 2. e 3. do ponto 12.1.2.. Ainda que os factos sujeitos a demonstração sejam os correspondentes aos elementos intelectual e/ou volitivo do dolo, creio que o juízo probatório que o Tribunal é solicitado a formular tanto para afirmá-los como para desmenti-los não pode assentar na antecipação do juízo subsuntivo que prevê vir a formular no momento em que tiver de decidir se o quadro factual traçado em juízo preenche ou não o tipo objetivo do ilícito em causa. Na verdade, não creio sequer que nessa antecipação resida a real explicação para a inclusão dos factos acima referidos no elenco daqueles que ficaram por demonstrar. Tal explicação é, quanto a mim, mais simples, decorrendo da mera circunstância de o Tribunal não se ter convencido, em face das máximas da experiência comum e na ausência de prova em contrário, que os bens e serviços a cuja aquisição respeitam as despesas referidas no ponto 5. dos factos provados tivessem sido efetivamente utilizados em ações de campanha eleitoral. E não se provando que o tivessem sido, não pode ter-se por demonstrado na atuação das arguidas qualquer estado mental que inclua a representação dessa utilização. Este juízo, que se situa exclusivamente no plano do julgamento da matéria de facto, não se estende, todavia, ao carácter livre, voluntário e consciente da atuação empreendida - a não integração de tais despesas na Lista de ações e meios -, atributos esses que, nada tendo a ver com a consciência da ilicitude (contrariedade à lei), não deveriam, quanto a mim, ter sido dados como não provados. - Joana Fernandes Costa.

Declaração de voto

Parcialmente vencido, discordando do ponto ii. da decisão.

Não subscrevo os pontos 12.2.2.2. da fundamentação, pelas razões constantes da minha Declaração Voto junta ao Acórdão 509/2023. Em consequência, divirjo da absolvição quanto à contraordenação prevista no artigo 31.º da LFP e das consequências em matéria de prescrição quanto à sua reclassificação.

Creio, pois, que deveria confirmar-se a condenação pelos factos descritos no ponto 6. dos factos provados, nos precisos termos da decisão da ECFP aqui recorrida. - Afonso Patrão.

317295918

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5636226.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-24 - Lei 2/2005 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração à Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro (publicação, identificação e formulário dos diplomas) e republica-a.

  • Tem documento Em vigor 2017-11-30 - Mapa Oficial 1-A/2017 - Comissão Nacional de Eleições

    Mapa oficial dos resultados das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais de 1 de outubro de 2017

  • Tem documento Em vigor 2017-12-28 - Decreto-Lei 156/2017 - Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

    Fixa o valor da retribuição mínima mensal garantida para 2018

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

  • Tem documento Em vigor 2020-03-19 - Lei 1-A/2020 - Assembleia da República

    Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19

  • Tem documento Em vigor 2020-04-06 - Lei 4-A/2020 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19

  • Tem documento Em vigor 2020-05-29 - Lei 16/2020 - Assembleia da República

    Altera as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, à primeira alteração à Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, e à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março

  • Tem documento Em vigor 2021-02-01 - Lei 4-B/2021 - Assembleia da República

    Estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

  • Tem documento Em vigor 2021-04-05 - Lei 13-B/2021 - Assembleia da República

    Cessa o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

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