Sumário: Decide, com respeito às contas anuais de 2012, julgar parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP) e julgar parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo respetivo responsável financeiro.
Aos vinte e um dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.
Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:
I - Relatório
1 - Por decisão de 14 de julho de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) decidiu aplicar ao Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses/Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (PCTP/MRPP) uma coima no valor de (euro)5.112,00, equivalente a 12 (doze) SMN de 2008, por violação dolosa dos deveres previstos nos artigos 12.º e 3.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, «LFP»), enquanto infração punível nos termos do artigo 29.º do mesmo diploma. Quadro legal que fundou, identicamente, a aplicação de uma coima no valor de (euro)2.566,00, equivalente a 6 (seis) SMN de 2008, ao arguido Domingos António Caeiro Bulhão na qualidade de Responsável Financeiro do PCTP/MRPP pelas contas anuais de 2012.
2 - Inconformados, os arguidos PCTP/MRPP e Domingos António Bulhão apresentaram recurso das respetivas decisões sancionatórias para o Tribunal Constitucional, o que fizeram nos termos dos artigos 23.º da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC») e 9.º, alínea e), da Lei 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»).
O Recorrente PCTP/MRPP apresentou as suas alegações, concluindo o seguinte:
«1 - A Entidade de Contas operou à análise perfunctória da documentação que lhe foi remetida e que carece de ser analisada de forma mais aturada para que dela sejam retiradas as corretas conclusões e consequências legais;
2 - Concluir sem mais pela culpabilidade do Partido não é legal nem admissível, atento o facto da prova do 'facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima' [artigo 1.º RGCo] ser da competência da Entidade de Contas de não do Partido, vigorando em Portugal o princípio da não auto-incriminação conhecido como nemo tenetur sine ipse accusare;
3 - Dispõe o n.º 1 do artigo 29.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho, na redação que lhe foi dada pela Lei 64-A/2008 de 31 de Dezembro que 'Os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas no capítulo ii são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 400 vezes o valor do IAS, para além da perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos' (nosso realce e sublinhado);
4 - A Entidade de Contas aplicou a coima calculada com base no SMN partido da redação anterior desta disposição legal, no que não se concede.
5 - Por conseguinte, ainda que se verificasse a prática da infração que se teima imputar ao Partido sem a devida análise dos factos, no que não se concede, deveria a mesma corresponder a 12 (doze) IAS no valor de (euro) 5.030,64 e não no valor de (euro) 5.112,00, situação que carece de ser verificada, dela se extraindo as devidas consequências legais.»
Também o Recorrente Domingos Bulhão apresentou alegações nas quais inscreve as seguintes conclusões:
«1 - A deliberação ora impugnada decorre desde logo de uma visão totalmente distorcida do que é a realidade da contabilidade das pequenas organizações partidárias, em tudo distinta da das organizadas, empresariais ou outras.
2 - Para além disso, padece de múltiplo vício de violação de lei desde logo porque, se baseia em pretensos factos realmente inexistentes (uma falsa devido à empresa de contabilidade responsável pelo estado das contas aqui em causa e uma referência a juros que nunca foram convencionados).
3 - Mas também ignora que o grau de diligencia do ora recorrente foi, com todas as suas enormes dificuldades, muito superior ao do cidadão médio colocado na sua posição.
4 - Não é verdade, e muito menos houve quaisquer factos que o pudessem minimamente comprovar, que o recorrente representasse qualquer facto ilícito como consequência possível da sua conduta e menos ainda que, não obstante, se conformasse com essa possibilidade.
5 - Tendo presentes todos os factos relevantes para a determinação da medida da sanção e muito em particular a total ausência de qualquer benefício próprio, bem como a dificílima situação económica do ora recorrente (simples trabalhador por conta de outrem auferindo o salário mínimo nacional) a coima no valor de 6 SMN revela-se também por completo desproporcionada.»
3 - Recebido o requerimento, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.
4 - Por despacho proferido em 6 de outubro de 2020, o Tribunal Constitucional admitiu os recursos.
5 - O Ministério Público emitiu parecer a respeito do recurso da decisão sancionatória da ECFP, afirmando nada mais ter a requerer à luz da promoção concretizada em 7 de novembro de 2016 a preconizar a aplicação de coimas.
6 - Notificado de tal parecer, o PCTP/MRPP e o arguido Domingos Bulhão ofereceram requerimentos a renovar o já anteriormente veiculado.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
A. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais
7 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.
Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, ainda não havia sido apurada a responsabilidade contraordenacional do PCTP/MRPP e correspondente Responsável Financeiro, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.
A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, v. Acórdão 421/20.
B. Questão Prévia - requerimento de prova
8 - Relativamente ao requerimento de prova do PCTP/MRPP, designadamente testemunhal, considera-se que os elementos documentais juntos aos autos são suficientes e aptos a proferir a decisão sobre a matéria factual que com as mesmas se pretendia provar. A questão central dos presentes autos prende-se, para tanto, com o cumprimento de regras de natureza contabilística. Com efeito, importa notar que a imputação efetuada na decisão recorrida respeita a incorreções no registo contabilístico das contas anuais de 2012, bem como à insuficiência da documentação fornecida em seu suporte e de determinadas verbas nelas inscritas. Tal censura carece de ser sindicada em função dos elementos documentais constantes do processo e que, naturalmente, não pode ser supervenientemente neutralizada mediante a produção de prova testemunhal visada ou com a peticionada notificação da Orotam, Lda., para vir, neste momento, juntar cópia das faturas em falta.
C. Fundamentação de facto
9 - Factos provados
Com relevo para a decisão, têm-se por demonstrados os seguintes factos:
1 - O PCTP/MRPP é um Partido Político português, tendo sido constituído em 18 de fevereiro de 1975.
2 - O PCTP/MRPP apresentou, a 31 de maio de 2013, as contas relativas ao ano de 2012.
3 - O Responsável Financeiro do PCTP/MRPP para as contas anuais de 2012 foi Domingos António Caeiro Bulhão.
4 - O PCTP/MRPP registou, nas contas anuais de 2012, um saldo credor referente ao fornecedor de serviços de contabilidade, Orotam, Lda., no valor de (euro)39.190,00 sem juntar as correspondentes faturas de suporte.
5 - O PCTP/MRPP inscreveu, nas contas anuais de 2012, um saldo credor referente a um empréstimo contraído mais de dois anos antes junto de António Pestana Garcia Pereira no valor de (euro)1.500,00.
6 - Não registou, no entanto, liquidação de juros em 2012 e não demonstrou o correspondente prazo e forma de amortização.
7 - O PCTP/MRPP registou, nas contas anuais de 2012, os recebimentos de quotas através de transferência para a conta bancária geral do Partido na Caixa Geral de Depósitos, com o n.º 0202030453030.
8 - Porém, fê-lo sem que tenham sido emitidos os recibos correspondentes e identificados os respetivos militantes pagadores.
9 - O PCTP/MRPP registou, nas contas anuais de 2012, despesas com Deslocações e Estadas no valor de (euro)33.742,00, mas cujos suportes documentais não apresentou:
a) Quilómetros em viatura particular, no valor de (euro)30.914,00;
b) Transportes públicos, no valor de (euro)1.515,00;
c) Refeições, no valor de (euro)928,00;
d) Portagens, no valor de (euro)369,00.
10 - Nas contas anuais de 2012, o PCTP/MRPP registou, designadamente, gastos no valor total de (euro)97.581,08 nos seguintes termos:
a) Combustíveis, no valor de (euro)2.449,92;
b) Outras rendas e alugueres, no valor de (euro)820,00;
c) Transporte de pessoas, no valor de (euro)1.514,21;
d) Cartazes, no valor de (euro)1.750,00
e) Monofolhas, no valor de (euro)83.000,00;
f) Flyers, no valor de (euro)4.000,00;
g) Bandeiras de papel, no valor de (euro)4.046,95.
11 - Ao agir conforme descrito nos pontos 4. a 9., o PCTP/MRPP e o arguido Domingos Bulhão representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
12 - O PCTP/MRPP e o arguido Domingos Bulhão sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
13 - Nas contas de 2012, o PCTP/MRPP registou: no balanço, um total do ativo de (euro)125.843,00, um total do capital próprio de (euro)60.307,00 e um total do passivo de (euro)41.077,00.
14 - Foram registados ainda na demonstração de resultados, rendimentos no valor de (euro)179.472,00 e gastos no valor de (euro)138.395,00.
15 - Por referência ao ano de 2012, o PCTP/MRPP recebeu subvenção estatal no valor de (euro)177.812,30.
10 - Factos não provados
Com relevo para a decisão, nenhum outro facto se demonstrou. Não resultou, nomeadamente, provado que:
1 - As despesas mencionadas no ponto 10. dos factos provados não constam da lista de meios de despesa apresentada pelo PCTP/MRPP.
2 - O PCTP/MRPP não mantinha qualquer dívida para com a empresa Orotam, Lda., suscetível de justificar o saldo credor mencionado no ponto 4. dos factos provados.
3 - O arguido Domingos Bulhão é trabalhador por conta de outrem e aufere o salário mínimo nacional.
11 - Motivação da matéria de facto
A prova da factualidade dada como provada nos pontos 1. a 16. resultou da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos.
Concretizando, relativamente à factualidade elencada no ponto 1., foi considerado o teor da publicação existente no sítio da Internet do Tribunal Constitucional, da qual a mesma se extrai.
A prova dos factos constantes dos pontos 2. e 3. resulta do teor de fls. 5 e 12 dos autos.
No que respeita à matéria de facto provada elencada nos pontos 4. a 10., 13. a 15., trata-se de circunstancialismo que resulta evidente quando se tenham em atenção os dados apostos nas contas de 2012 em conjugação com a análise da documentação de suporte oferecida.
Importa, assim, explicitar os termos em que os elementos probatórios constantes dos autos se articulam com vista à formação da convicção do Tribunal.
Realça-se, desde logo, que a factualidade dada como provada na decisão administrativa não foi verdadeiramente posta em causa pelo PCTP/MRPP ou pelo arguido Domingos Bulhão. Atente-se, para tanto, que os seus recursos de impugnação apenas aludem à matéria factual constante dos pontos 4. a 6. dos factos provados. A veracidade não é, ainda assim, diretamente refutada pelos arguidos, os quais apenas aspiram a problematizar as conclusões que se podem extrair de tal factualidade.
Efetivamente, defende o arguido Domingos Bulhão, quanto ao ponto 4. dos factos provados, que a pretensa dívida à empresa Orotam, Lda., por «alegados serviços de contabilidade» não foi, em momento algum, objeto de reconhecimento por parte do PCTP/MRPP ou da sua pessoa. Nesse sentido, inexistia qualquer dívida à mesma Orotam, Lda., e, como tal, inexistia também a obrigação de emitir quaisquer faturas.
Já no que se refere aos pontos 5. e 6. dos factos provados, invoca, paralelamente, o arguido Domingos Bulhão que não foram convencionados quaisquer juros sobre o mútuo materializado junto de filiado ao ponto de nada carecer, a esse título, de ser registado nas contas.
Temos, assim, que os arguidos aceitam que as contas anuais de 2012 registam um saldo credor referente à empresa Orotam, Lda., sem que da correspondente documentação de suporte conste uma qualquer fatura que legitime a inscrição de tal débito na contabilidade. Além do mais, assumem que aquelas contas fazem menção a um empréstimo de António Garcia Pereira ao Partido sem alusão a juros, prazos ou forma de amortização. Na realidade, o que os arguidos contestam são as conclusões que se devem retirar de tais factos, argumentando que os mesmos não são idóneos a preencher o tipo contraordenacional assacado. Esta é, no entanto, uma defesa que releva, primacialmente, no plano da subsunção jurídica dos factos e que será, como tal, oportunamente tratada infra.
Mas cumpre também salientar que os elementos dos autos sopesados à luz das regras da experiência obstam à aceitação do invocado pelo arguido Domingos Bulhão no sentido de inexistir uma qualquer dívida para com a Orotam, Lda.. Note-se que a própria defesa do arguido Domingos Bulhão faz referência implícita a que tal sociedade figurava como responsável pela contabilidade do partido, qualidade que foi, aliás, por ela invocada para intervir nos autos (fls. 5). No que tendo sido prestados serviços de contabilidade ao PCTP/MRPP no ano de 2012 por parte da empresa Orotam, Lda., não poderiam os mesmos deixar de ser faturados e liquidados. Só assim se explica, por igual forma, que o PCTP/MRPP e o seu Responsável Financeiro tenham feito inscrever tal saldo credor nas contas anuais de 2012 e, quando interpelados pela ECFP para esclarecer o problema da falta de fatura, se tenham remetido ao silêncio. Revela-se, assim, compreensível a convicção do Tribunal quanto ao ponto 2. dos factos não provados.
Ingressando agora na factualidade constante dos pontos 7. a 10. e 13. a 15. dos factos provados, realça-se que os recursos de impugnação oferecidos não abordam ou contrariam, em qualquer momento, o circunstancialismo que, nesta matéria, havia sido aposto na decisão da EFCP. Mas tratando-se de um recurso de jurisdição plena, não pode o Tribunal deixar de sindicar autonomamente de facto e de direito a bondade da condenação que havia sido efetivada quanto a tais irregularidades. Sucede que parte destas não resiste a um escrutínio aprofundado, o qual, quando feito, obriga a transpor parte daquele circunstancialismo para o ponto 1. dos factos não provados.
É o caso da infração afirmada pela ECFP que se centra no registo de gastos que não constam da correspondente lista de meios de despesa. Sucede que as despesas mencionadas no ponto 10. dos factos provados se encontram contabilisticamente relacionadas nas contas anuais de 2012 e nas correspondentes demonstrações financeiras (fls. 29, 40 e 41 do processo apenso), assim se compreendendo o vertido no ponto 1. dos factos não provados.
Dos fundamentos invocados no requerimento de interposição do recurso depreende-se que o arguido Domingos Bulhão questiona também o juízo alcançado nos pontos 11. e 12. dos factos provados. Trata-se, no entanto, de factualidade que resulta das regras de experiência comum. Tanto mais quando do relatório da ECFP de fls. 21 a 47 do processo administrativo apenso constavam já todas as situações aqui em análise, sendo que o Partido e o Responsável Financeiro, tendo sido notificados do mesmo com a concessão de prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas ou facultarem documentação adicional ou esclarecimentos suplementares, não o fizeram.
Acresce que o conhecimento e experiência que não podem deixar de ser reconhecidos a um Responsável Financeiro em matéria de vida partidária são incompatíveis com a ignorância propalada quanto aos especiais deveres que regem a apresentação das respetivas contas anuais, em particular com a obrigação fundamental de apresentação da documentação de suporte dos rendimentos e gastos registados em matéria de contas anuais.
Quanto aos demais factos não provados, cumpre referir que não foi produzida qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além dos que, nessa qualidade, se descreveram. Com efeito, o arguido Domingos Bulhão limita-se a invocar a sua qualidade de trabalhador por conta de outrem e o auferimento do salário mínimo nacional sem oferecer prova, de qualquer índole, capacitada a demonstrar tais dados.
C. [sic] Do direito
12 - Na decisão recorrida, a ECFP concluiu que o PCTP/MRPP e o arguido Domingos Bulhão haviam incorrido na prática da contraordenação prevista no artigo 29.º, n.º 1 e 2 da LFP. Considerou-se, para tanto, que a base factual supra recortada traduzia o incumprimento das normas aplicáveis em sede de financiamento dos partidos políticos em virtude de as contas anuais de 2012 do PCTP/MRPP evidenciarem:
a) Registo de dívida a credor não suportada pela necessária fatura (ponto 4. dos factos provados), a envolver preterição do dever previsto no artigo 12.º, n.º 1 da LFP;
b) Registo de empréstimo por filiado sem menção de juros liquidados, prazo ou forma de amortização (pontos 5. e 6. dos factos provados), a envolver preterição do dever previsto no artigo 12.º, n.º 1 da LFP;
c) Registo de recebimento de quotas sem emissão de recibos e, por conseguinte, sem identificação dos respetivos filiados (pontos 7. e 8. dos factos provados), a envolver preterição do dever previsto no artigo 3.º, n.º 2, da LFP;
d) Registo de despesas sem suporte documental ou justificação (ponto 9. dos factos provados), a envolver preterição do dever previsto no artigo 12.º, n.º 3, alínea c), subalínea ii) da LFP;
e) Registo de gastos que não constam da lista de meios de despesa (ponto 10. dos factos provados), a envolver preterição do dever previsto no artigo 12.º, n.º 3, alínea c) da LFP.
O arguido Domingos Bulhão insurge-se primacialmente contra a decisão administrativa na vertente em que a ECFP se pronuncia pelo não cumprimento das regras contabilísticas correlacionadas com as alíneas a) e b).
Estabelece o arguido Domingos Bulhão, desde logo, que inexistia obrigação de juntar qualquer fatura da Orotam, Lda. às contas anuais de 2012 na medida em que o saldo credor aí inscrito não foi objeto de reconhecimento pelo PCTP/MRPP ou pela sua pessoa. Esta ausência de reconhecimento deriva da circunstância de inexistir um qualquer débito para com a sobredita empresa.
Tal defesa não procedeu. É que mesmo a aceitar-se que o saldo credor registado a favor da Orotam no valor de (euro)39.190,00 não é, por qualquer razão, devido, subsistiriam os problemas contabilísticos divisados nas contas anuais de 2012. A incorreção das mesmas não derivaria então de um problema de falta de documentação de suporte, mas já da inscrição indevida de um débito inexistente, falha em si mesmo censurável quando se atentem nos valores envolvidos e na circunstância de os arguidos terem mantido tais menções contabilísticas e se remetido ao silêncio mesmo após a indagação concretizada pela EFCP quanto à falta de faturação.
No que se refere ao empréstimo mencionado no ponto b), cabe recordar que o Tribunal Constitucional já deixou anteriormente patente nos Acórdãos n.os 146/2007 e 70/2009 que, quanto aos empréstimos a realizar por militantes, os partidos políticos deverão fornecer todas as informações pertinentes por forma a que se possa aferir se se «trata de verdadeiros empréstimos onerosos, ou, afinal de contas, de donativos de natureza pecuniária encapotados - assim se contornando os limites legais a ele respeitantes».
Reconhece-se que tal informação se acha ausente no saldo credor inscrito a favor de António Garcia Pereira, até porque o PCTP/MRPP nada respondeu quando, na sequência do Relatório da ECFP, se solicitou a documentação de suporte do empréstimo em causa.
Compreendem-se, assim, as hesitações sentidas pela EFCP quanto ao concreto empréstimo em apreço em face da falta de dados fornecidos, na consideração que tal ausência de informação inviabiliza a aferição de se estar ou não perante donativo irregular. Estes dados consideram-se ainda mais pertinentes na medida em que o saldo credor se mantinha, há mais de dois anos, na mesma grandeza, ou seja, sem que liquidados quaisquer valores a título de capital ou juros e, sobretudo, sem definição de prazo ou forma de amortização. Assim sendo, a ausência de informação posta em relevo permite qualificar a situação como autónoma violação ao dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, n.º 1, da Lei 19/2003.
O PCTP/MRPP e o arguido Domingos Bulhão não fazem, na sua defesa, qualquer alusão específica às falhas postas em referência nas alíneas c) a e), mas estando em causa, como se disse já, um recurso de plena jurisdição, não pode o Tribunal Constitucional deixar de sindicar da sua ocorrência.
Ressalta, desde logo, patente o incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 3.º da LFP quando se atente aos factos correlacionados com a alínea c), preceito que determina que «as receitas referidas no número anterior, quando em numerário, são obrigatoriamente tituladas por meio de cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem e depositadas em contas bancárias exclusivamente destinadas a esse efeito, nas quais apenas podem ser efetuados depósitos que tenham essa origem».
Na verdade, o recebimento das quotas do Partido foi, no período abrangido pelas contas anuais de 2012, materializado na conta bancária geral junto da Caixa Geral de Depósitos, sem que tivessem sido emitidos recibos ou identificados os respetivos pagadores, situação que impossibilita a validação das receitas em apreço. Nesse sentido, não é viável confirmar a qualidade de filiados das pessoas que efetuaram o pagamento de tais grandezas ao Partido e, por conseguinte, a confirmação que não estamos em face de donativos.
Relativamente à falha elencada na alínea d), considera-se que a documentação apresentada, nomeadamente a fls. 26 e 27, consubstancia uma mera listagem elaborada pelo Partido e não documenta cabalmente e de forma apropriada as despesas de deslocação e estadas.
Já no que se reporta à alínea e), subsiste o problema de se encontrarem registados gastos nas contas anuais de 2012 que não constam da correspondente lista de meios de despesa, o que importaria violação do disposto no artigo 12.º, n.º 3, alínea c) da LFP. Este preceito obriga à discriminação das despesas quando «a discriminação dos meios de despesa a que alude a norma referida é exatamente a lista na qual o Partido não elencou os sobreditos gastos».
É, desde logo, certo que tal irregularidade decai quando se atente no ponto 1. dos factos não provados. Mas cabe, outrotanto, salientar que também não se logra alcançar os termos de tal imputação ou o trilho tomado pela EFCP para a afirmar. Atente-se que o Relatório e o Parecer da Entidade das Contas de fls. 21 a 47 não alude a qualquer problema quanto à lista de meios de despesa, e muito menos a um que se projete nas despesas mencionadas no ponto 10. dos factos provados.
O que o Relatório da EFCP (fls. 32) e o Parecer da EFCP (fls. 45) mencionam, nesta matéria, centra-se na falta de entrega de Lista de Ações e Meios, falha também descortinada pelo Ministério Público na sua promoção de fls. 175 e ali qualificada como violação do dever genérico de organização contabilística.
Porém, mesmo a ser esta a falha censurada no ponto 8. dos factos provados da decisão da EFCP, a realidade é que também ela não poderia proceder. Antes de mais porque, contrariamente ao enunciado no Relatório, Parecer e Promoção do Ministério Público, o PCTP/MRPP entregou a Lista de Ações e Meios (fls. 29 do apenso). Mas, e sobretudo, porque se deverá atentar que a obrigatoriedade de remessa da Lista de Ações e Meios é um dever que resulta do disposto no n.º 2 do artigo 16.º da LEC, enquanto preceito que impõe aos partidos políticos a comunicação à EFCP das «acções de propaganda política que realizem, bem como os meios nela utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo». O não cumprimento de tal obrigação acha-se sancionado como contraordenação no artigo 47.º da LEC. Note-se, aliás, que a competência para aplicação das respetivas sanções pertencia, até às alterações introduzidas à Lei Orgânica 2/2005 pela Lei Orgânica 1/2018, à ECFP, cabendo recurso de plena jurisdição de tais decisões para o Tribunal Constitucional (artigo 46.º da Lei Orgânica 2/2005).
A remessa da Lista de Ações e Meio assume, assim, uma clara autonomia em face do puro cumprimento das regras contabilísticas respeitantes aos partidos políticos. Se é certo que a Lista de Ações e Meios pode também assumir uma vocação de apoio ao labor de controle de contabilidade a materializar em face das contas anuais, não se confunde, naturalmente, com estas. Efetivamente, não se poderá dizer que seja através desta lista que os partidos cumpram com o dever de discriminação dos meios de despesa previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 12.º da LFP. Esta obrigação é efetivada nas contas anuais com a indicação, como tal preceito obriga, de «i) as despesas com o pessoal; as despesas com aquisição de bens e serviços; iii) as contribuições para as campanhas eleitorais; iv) os encargos financeiros com os empréstimos; v) Os encargos com o pagamento das coimas previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 29.º; vi) Outras despesas com a atividade própria do partido».
São, deste modo, os factos correlacionados com as alíneas a), b), c) e d) que permitem afirmar o preenchimento do tipo objetivo de ilícito previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 29.º da LFP. Trata-se de uma infração que pressupõe uma atuação dolosa, podendo esta ocorrer em qualquer uma das três modalidades em que o dolo é legalmente admitido: dolo direto, necessário ou eventual.
A este respeito, provou-se que os arguidos, ao atuarem da forma descrita, representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas em matéria contabilística suscetíveis de punição. Não obstante, conformaram-se com essa possibilidade e apresentaram as contas nessas condições.
Estão, assim, verificados, na modalidade correspondente ao dolo eventual, o conhecimento e a vontade exigidos pelo tipo subjetivo do ilícito.
13 - Medida concreta das coimas
Consideradas as conclusões alcançadas quanto à inexistência de duas das cinco situações que integravam as irregularidades assacadas pela ECFP e à luz dos fatores de medida da coima já elencados na decisão administrativa, o Tribunal considera adequado reduzir a coima aplicada na decisão administrativa ao PCTP/MRPP, de (euro)5.112,00, equivalente a 12 (doze) SMN de 2008, para 11 (onze) SMN de 2008, no montante de (euro)4.686,00;
No que se refere ao arguido Domingos Bulhão, dado que a coima aplicada na decisão administrativa já se encontra muito próxima do mínimo legal (cinco SMN), mantém-se a coima no valor de (euro)2.556,00, equivalente a 6 (seis) SMN de 2008.
O PCTP/MRPP considera que a unidade de referência de cálculo da coima se deverá indexar ao IAS e não ao SMN de 2008, atentas as alterações que o artigo 152.º, n.º 1, da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, introduziu na Lei Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais. Fá-lo, no entanto, sem razão. É que o n.º 2 daquele mesmo preceito estabelece ainda que aquelas alterações «apenas produzem efeito no ano em que o montante do indexante de apoios sociais (...) atinja o valor da retribuição mínima mensal garantida fixada para o ano de 2008». No entanto, tal não havia ainda ocorrido à data dos factos em sindicância, impondo-se, deste modo, a indexação da coima ao salário mínimo nacional em valores de 2008 (artigo 152.º, n.º 3, da Lei 64-A/2008).
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP) e, consequentemente, reduzir a coima aplicada pela ECFP pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 2, 12.º, n.os 1 e 3, alínea c), subalínea ii), e 29.º, n.º 1, da LFP, que agora se fixa em 11 (onze) SMN de 2008, no montante de (euro)4.686,00;
b) Julgar parcialmente procedente o recurso de contraordenação interposto pelo Responsável Financeiro, Domingos António Caeiro Bulhão, mantendo a coima aplicada pela ECFP pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 2, 12.º, n.os 1 e 3, alínea c), subalínea ii), e 29.º, n.º 2, da LFP.
Atesto os votos de conformidade dos Conselheiros José António Teles Pereira e Lino Rodrigues Ribeiro nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 18 de março (aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei 20/2020, de 1 de maio). João Pedro Caupers.
Lisboa, 21 de abril de 2021. - João Pedro Caupers - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo - Gonçalo Almeida Ribeiro - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Mariana Canotilho - Maria de Fátima Mata-Mouros - José João Abrantes.
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