Acórdão 870/2023, de 5 de Fevereiro
- Corpo emitente: Tribunal Constitucional
- Fonte: Diário da República n.º 25/2024, Série II de 2024-02-05
- Data: 2024-02-05
- Parte: D
- Documento na página oficial do DRE
- Secções desta página::
Sumário
Texto do documento
Sumário: Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «António Parada, Sim!», relativas às eleições autárquicas realizadas a 1 de outubro de 2017: julgar improcedentes os recursos da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 3 de março de 2021, interpostos pelos primeiro proponente e mandatário financeiro daquele grupo de cidadãos; julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos mesmos recorrentes da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 8 de fevereiro de 2023 e, em consequência: absolve os arguidos da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro; declara extinto o procedimento contraordenacional, por prescrição, na parte relativa aos factos descritos no ponto 6. dos factos provados; admoesta, cada um dos arguidos, por incursos na prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho.
Processo 373/23
Aos doze dias do mês de dezembro de dois mil e vinte e três, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros José Teles Pereira, António da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Maria Benedita Urbano, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Mariana Canotilho, Joana Fernandes Costa, Afonso Patrão, Rui Guerra da Fonseca e Carlos Medeiros Carvalho, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.
Após debate e votação, foi, pelo Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Exmo. Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional - referida adiante pela sigla «LTC»), ditado o seguinte:
I. Relatório
1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas de campanhas eleitorais, vindos da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante designada apenas por «ECFP»), em que são recorrentes António Manuel Gomes Santos Parada e Manuel Júlio Leite da Cunha, foi interposto o presente recurso da decisão daquela Entidade, de 8 de fevereiro de 2023 relativa às contas apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores "António Parada, Sim!" (doravante designado apenas pela sigla «GCE»), pela participação na campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, e que sancionou contraordenacionalmente os ora recorrentes, o primeiro na qualidade de primeiro proponente, o segundo na qualidade de mandatário financeiro do referido grupo de cidadãos eleitores.
2 - Por decisão datada de 3 de março de 2021, tomada no âmbito do processo PA 51/AL/17/2018, a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo GCE, relativas à campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017 (artigo 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de junho [Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla «LFP»] e artigo 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, referida adiante pela sigla «LEC»)].
Mais determinou, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da LEC, a extração de certidão para apuramento de eventual responsabilidade contraordenacional.
Desta decisão foi interposto recurso pelos ora recorrentes. Da alegação produzida extraíram as seguintes conclusões:
1 - O Grupo de Cidadãos Eleitores-APS, apresentou-se a votos pela primeira vez a 1 de outubro de 2017, à data, totalmente inexperiente em questões políticas e sobretudo em questões de campanhas eleitorais.
2 - Ainda assim, e por se tratar de pessoas idóneas e de Boa fé, humildes para reconhecerem a sua inexperiência para levar a cabo uma campanha eleitoral, sempre recorreram às entidades competentes para validar as suas ações, como foi o caso de se deslocarem a Lisboa para Reunir com a Comissão Nacional de Eleições para aí apreenderem os conhecimentos necessários para formalizar uma candidatura,
3 - Aquando da apresentação do Relatório de Contas, foram apontadas algumas imperfeições na apresentação da documentação e/ou informação das nossas contas, e, desde logo o GCE-APS se disponibilizou a esclarecer e corrigir o que estava menos bem. Pelo que, foi com absoluta surpresa que recebemos, a douta Decisão, e verificamos que se mantinham algumas das irregularidades já anteriormente apresentadas e posteriormente refutadas pelo GCE-APS.
4 - Salvo melhor entendimento, tal apenas se deve à total inexperiência da nossa parte nestas matérias de campanhas e consequente dificuldade em compreender a pretendido ou solicitado.
5 - Assim, em nome da verdade e da transparência, somos uma vez mais, porque a resiliência faz parte do ADN deste GCE a refutar veemente as irregularidades apontadas pela ECFP,
6 - Quanto à irregularidade apontada na Decisão no item 2.3 Deficiências no processo de prestações de contas - apresentação da lista de ações e meios incompleta (Ponto 4.3 do Relatório da ECFP), cumpre informar que relativamente a este Item já aquando do Relatório da ECFP o GCE-APS respondeu que efetivamente todas as ações e meios da campanha constavam do anexo V, junto com as contas apresentadas, e que nunca foi intenção do GCE-APS omitir qualquer informação,
7 - No nosso entendimento, estaríamos a agir em consonância com o estipulado no artigo 16.º da LO 2/2005, uma vez que comunicamos as ações de campanha realizadas, bem como os meios nela utilizados e o custo.
Acontece que,
8 - Só agora, com a douta apreciação dos Srs. Auditores do alegado pelo GCE, é que percebemos que o que estava errado era a forma como apresentamos as ações e meios de campanha e respetivos custos, não deveriam apenas aparecer no anexo V que juntamos à data, mas sim numa lista discriminada da ação levada acabo, dos meios empregues e do custo dos mesmos,
9 - Assim, e porque juntamos uma nova lista de ações e de meios, que segue em anexo, acreditamos estar sanada a irregularidade prevista no n.º 1 do artigo 16.º da LO 2/2005, relevando a nossa falta por absoluto desconhecimento e inexperiência.
10 - Relativamente ao item 2.5 Deficiências no suporte documental de algumas despesas (Ponto 4.5 do Relatório da ECFP), no que concerne aos donativos em espécie, particularmente os que se prendem com uma tela impressa e da área da sede, queremos, antes de mais, esclarecer o seguinte: a referida tela impressa foi um donativo em espécie de um cidadão, conforme Doc, 10025, pelo que não temos nenhum documento em suporte físico de que nos possamos socorrer para dar essa informação em concreto, todavia, e tendo em atenção o comprimento da parede onde se encontrava colocada, a referida tela deve ter a dimensão aproximada de 5 m x 3 m; quanto à área do imóvel (sede de campanha), a mesma não consta no contrato de comodato que se juntou sob o Doc. 7, todavia estamos em crer que, tendo em atenção que se trata apenas da ocupação de uma fração não habitacional do edifício, correspondente ao rés-do-chão, e, pelas regras da experiência do homem comum, a mesma não deve exceder os 40 m2, contudo cumpre reforçar a ideia de que o proprietário do imóvel não colocou a área do mesmo no contrato de comodato e não temos como aferir da real área do imóvel em questão, e agora menos ainda, uma vez que segundo apuramos o proprietário do imóvel já não é o mesmo. Posto isto, e salvo melhor opinião, somos em crer que com a informação complementar transmitida e melhor explicitada, fica sanada a irregularidade apontada.
11 - No que concerne ao item 2.6 Despesas não valorizadas a valores de mercado (Ponto 4.6 do Relatório da ECFP), O GCE-APS, tal como referido aquando da apresentação do Relatório da ECFP, aquando da campanha eleitoral necessitou de se promover através de merchandising, como de resto é usual, e para tal fez, à data, uma consulta ao mercado, solicitando orçamentos.
12 - Obviamente, o GCE-APS optou pelo orçamento mais em conta, mais modesto, com o melhor preço que lhe apresentaram, como qualquer pessoa ou instituição de bem o faria. Foi aprovado o orçamento pelos membros constituintes deste GCE-APS e foi contratada a empresa "QUCAAN" para a elaboração das t-shirts, conforme fatura que se juntou sob o Doc. 3/211.
13 - Ora, volvidos que são praticamente 4 anos da referida campanha eleitoral, é impossível fazer juntar cópia dos diversos orçamentos que recebemos, como sugerido pelos Srs. Auditores.
14 - Pois, os orçamentos excluídos não foram guardados, nunca poderíamos imaginar que quatro anos depois nos iam solicitar que juntássemos meros orçamentos, porque, em nossa modesta opinião, sempre entendemos que não eram tidos como verdadeiros documentos, por na realidade não se subsumirem num facto ou despesa efetiva. Apenas nos limitamos a guardar toda a documentação relevante da campanha eleitoral, toda a documentação de suporte das despesas efetivas, e essa V. Exas. tiveram, e têm sempre que o desejarem, acesso a ela.
15 - O GCE-APS tem a competente fatura, não lhe pode ser exigido mais do que isso.
16 - A questão aqui pretende-se com o facto de supostamente o GCE-APS ter conseguido valores que os Srs, Auditores entendem ser abaixo do custo de mercado, com base na Lista indicativa dos valores dos principais meios de campanha,
17 - Mas, o próprio nome da Lista revela-nos que se tratam de valores indicativos e não taxativos, nem podia ser de outra forma.
Senão vejamos.
18 - Os valores de mercados oscilam bastante por variadíssimas razões, entre elas a área geográfica, o tipo, dimensão e capacidade de produção da empresa que presta o serviço e logicamente a lei da oferta e da procura.
19 - Ora, a empresa que nos apresentou o orçamento economicamente mais vantajoso, como melhor se pode aferir pelos dados da mesma constantes na fatura, trata-se de uma empresa com uma dimensão razoável, com grande capacidade de produção e consequentemente com possibilidade de se tornar bem mais competitiva do que as empresas de menor dimensão,
20 - Assim sendo, e salvo melhor entendimento, julgamos estar afastada a ideia de que esteja aqui em causa uma situação que configure um donativo de pessoa coletiva, proibido por Lei, porque efetivamente não corresponde à verdade, e consequentemente dar por sanada a referida irregularidade,
21 - Tanto mais, que após analise cuidada o artigo 12.º, n.os 1 e 2, da L 19/2003, aplicável ex vi art. 15.º, n.º 1 do mesmo diploma, acreditamos que cumprimos com os requisitos contabilísticos ali estipulados, no que ao nosso caso concerne.
22 - Assim, em profundo respeito pelos Princípios da Colaboração e Transparência, cumpre-nos assegurar, sob compromisso de honra, que todos esclarecimentos e informações adicionais foram prestados com total veracidade e sempre estivemos disponíveis para qualquer esclarecimento ou aperfeiçoamento tidos por necessários.
23 - Face ao exposto, e salvo melhor opinião, entendem os ora signatários, que estão sanadas todas as irregularidades apontadas pela Decisão Recorrida, pelo que não deve ser aplicada qualquer sanção, por injusta.
3 - Em 29 de junho de 2022, a ECFP instaurou procedimento contraordenacional, a que corresponde o processo 26/2022 e ao qual foi apensado o procedimento PA 51/AL/17/2018.
4 - No âmbito do referido procedimento contraordenacional n.º 26/2022, a ECFP proferiu decisão, datada de 8 de fevereiro de 2023, nos termos da qual foi deliberado condenar os arguidos e ora recorrentes nos seguintes termos:
A) Ao Arguido ANTÓNIO MANUEL GOMES SANTOS PARADA:
1 - A sanção de coima de 3 (três) salários mínimos mensais nacionais de 2018 (no valor de 580,00 Eur.), o que perfaz a quantia de 1.740,00 Eur., pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005;
2 - A sanção de coima no valor de 3 (três) IAS de 2018 (no valor de 428,90 Eur.), o que perfaz a quantia de 1.286,70 Eur., pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho; e
3 - Efetuando o cúmulo jurídico das duas coimas aplicadas, aplicar-lhe a coima única, no montante de 2.000,00 Eur..
B) Ao Arguido MANUEL JÚLIO LEITE DA CUNHA:
1 - A sanção de coima de 3 (três) salários mínimos mensais nacionais de 2018 (no valor de 580,00 Eur.), o que perfaz a quantia de 1.740,00 Eur., pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005;
2 - A sanção de coima no valor de 3 (três) IAS de 2018 (no valor de 428,90 Eur.), o que perfaz a quantia de 1.286,70 Eur., pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho; e
3 - Efetuando o cúmulo jurídico das duas coimas aplicadas, aplicar-lhe a coima única, no montante de 2.000,00 Eur..
5 - Notificados de tal decisão sancionatória, os arguidos dela interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, o qual sintetizaram nas seguintes conclusões:
1 - O Grupo de Cidadãos Eleitores-APS, apresentou-se a votos pela primeira vez a 1 de outubro de 2017, à data, totalmente inexperiente em questões políticas e sobretudo em questões de campanhas eleitorais.
2 - Ainda assim, e por se tratar de pessoas idóneas e de Boa fé, humildes para reconhecerem a sua inexperiência para levara cabo uma campanha eleitoral, sempre recorreram às entidades competentes para validar as suas ações.
3 - Foi com absoluta surpresa que verificamos, na douta Decisão, que se apontavam algumas irregularidades já anteriormente apresentadas e posteriormente refutadas pelo GCE-APS.
4 - Em nome da verdade e da transparência, somos uma vez mais, porque a resiliência faz parte do ADN deste GCE-APS, a refutar veemente as irregularidades apontadas pela ECFP.
5 - Relativamente às Deficiências no suporte documental de algumas despesas (Ponto 4.5 do Relatório da ECFP), quanto à área do imóvel (sede de campanha), a mesma efetivamente não consta no contrato de comodato que se juntou sob o Doc. 7, todavia e de acordo com a caderneta predial que ora se junta, podemos aferir que a mesma seria de 40 m2, pois apenas foi ocupado como sede de campanha uma fração não habitacional do edifício, correspondente ao rés-do-chão, urna vez que o edifício é suscetível de utilização independente.
6 - Posto isto, e salvo melhor opinião, somos em crer que com a informação complementar transmitida e melhor explicitada, inexiste qualquer irregularidade apontada pela douta decisão recorrida.
7 - Quanto à irregularidade apontada na Decisão nas Deficiências no processo de prestações de contas - apresentação da lista de ações e meios incompleta (Ponto 4.3 do Relatório da ECFP), cumpre informar que relativamente a este item já aquando do Relatório da ECFP o GCE-APS respondeu que efetivamente todas as ações e meios da campanha constavam do anexo V. junto com as contas apresentadas, e que nunca foi intenção do GCE-APS omitir qualquer informação.
8 - Não é verdade que foram omitidas as despesas das telas e lonas publicitárias, uma vez que as mesmas foram descriminadas no anexo M10 enviado à ECFP, não há nem nunca houve intenção de omitir despesa rigorosamente nenhuma, podem não ter sido relacionadas no anexo AIX, mas foram mencionadas no anexo M10.
9 - No nosso entendimento, estaríamos a agir em consonância com o estipulado no artigo 16.º da LO 2/2005, uma vez que comunicamos as ações de campanha realizadas, bem como os meios nela utilizados e o custo.
10 - Relativamente ao item 2.5 Deficiências no suporte documental de algumas despesas (Ponto 4.5 do Relatório da ECFP), quanto à área do imóvel (sede de campanha), a mesma efetivamente não consta no contrato de comodato que se juntou sob o Doc. 7, todavia e de acordo com a caderneta predial que ora se junta, podemos aferir que a mesma seria de 40 m2, pois apenas foi ocupado como sede de campanha uma fração não habitacional do edifício, correspondente ao rés-do-chão, uma vez que o edifício é suscetível de utilização independente. Posto isto, e salvo melhor opinião, somos em crer que com a informação complementar transmitida e melhor explicitada, é inexistente a irregularidade apontada.
11 - No que concerne ao item 2.6 Despesas não valorizadas a valores de mercado (Ponto 4.6 do Relatório da ECFP), O GCE-APS, tal como referido aquando da apresentação do Relatório da ECFP, aquando da campanha eleitoral necessitou de se promover através de merchandising, como de resto é usual, e para tal fez, à data, uma consulta ao mercado, solicitando orçamentos.
12 - Obviamente, o GCE-APS optou pelo orçamento mais em conta, mais modesto, com o melhor preço que lhe apresentaram, como qualquer pessoa ou instituição de bem o faria. Foi aprovado o orçamento pelos membros constituintes deste GCE-APS e foi contratada a empresa "QUCAAN" para a elaboração das t-shirts, conforme fatura que se juntou sob o Doc. 3/211.
13 - Ora, volvidos que são praticamente 4 anos da referida campanha eleitoral, é impossível fazer juntar cópia dos diversos orçamentos que recebemos, como sugerido pelos Srs. Auditores.
14 - Pois, os orçamentos excluídos não foram guardados, apenas nos limitamos a guardar toda a documentação relevante da campanha eleitoral, toda documentação de suporte das despesas efetivas. O GCE-APS tem a competente fatura, não lhe pode ser exigido mais do que isso.
15 - A questão aqui pretende-se com o facto de supostamente o GCE-APS ter conseguido valores que os Srs. Auditores entendem ser abaixo do custo de mercado, com base na Lista indicativa dos valores dos principais meios de campanha.
16 - Mas, o próprio nome da Lista revela-nos que se tratam de valores indicativos e não taxativos, nem podia ser de outra forma,
Senão vejamos,
17 - Os valores de mercados oscilam bastante por variadíssimas razões, entre elas a área geográfica, o tipo, dimensão e capacidade de produção da empresa que presta o serviço e logicamente a lei da oferta e da procura.
18 - Assim sendo, e salvo melhor entendimento, julgamos estar afastada a ideia de que esteja aqui em causa uma situação que configure um donativo de pessoa coletiva, proibido por Lei, porque efetivamente não corresponde à verdade, e consequentemente dar por sanada a referida irregularidade.
19 - Tanto mais que, após análise cuidada do artigo 12.º, n.os 1 e 2, da L 19/2003, aplicável ex vi art. 15.º, n.º 1 do mesmo diploma, acreditamos que cumprimos com os requisitos contabilísticos ali estipulados, no que ao nosso caso concerne.
20 - Face ao exposto, e salvo melhor opinião, entendem os ora signatários, que não há qualquer irregularidade apontada pela Decisão Recorrida, pelo que não deve ser aplicada qualquer sanção, por injusta.
6 - Por deliberação de 29 de março de 2023, a ECFP sustentou as decisões recorridas.
Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, datado de 10 de julho de 2023, pelo qual se admitiram liminarmente os recursos interpostos.
O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de ser negado provimento ao recurso incidente sobre a decisão sancionatória de 8 de fevereiro de 2023.
Notificados, os recorrentes não responderam.
II. Fundamentação
A. Considerações gerais
7 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.
Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, não havia ainda procedimento contraordenacional instaurado, uma vez que o prazo para prestação das contas da campanha estava ainda em curso, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica, por se tratar de processo novo.
A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).
Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).
No referido Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação a efetuar deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (v., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).
Como resulta do relatório da presente decisão, são duas as decisões produzidas pela ECFP: (i) a decisão datada de 3 de março de 2021, tomada no âmbito do processo PA 51/AL/17/2018, na qual julgaram prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo GCE relativas às eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017; e (ii) a decisão datada de 8 de fevereiro de 2023, proferida no processo contraordenacional n.º 26/2022, nos termos da qual foi deliberado aplicar aos arguidos as coimas supra descritas.
Foram interpostos recursos de ambas as decisões.
Dada a evidente e estreita conexão entre as matérias que constituem objeto de cada uma das decisões, coloca-se a questão de saber se ambas são autonomamente impugnáveis e, em caso afirmativo, como se devem articular os juízos que convocam, particularmente quando tenham por base a mesma questão. Como se reconheceu no Acórdão 509/2023, a existência de infrações às regras que regem os financiamentos dos partidos políticos e das campanhas eleitorais constitui condição necessária da responsabilidade contraordenacional pelos delitos previstos na legislação sobre a matéria, dado que os tipos contraordenacionais estão construídos sobre a violação das regras de financiamento, aqui entendidas em sentido amplo, isto é, abrangendo a obtenção de receitas e a realização de despesas. Esta afirmação é justificada pela conjunção de duas circunstâncias. Em primeiro lugar, da verificação de que todas as infrações contraordenacionais são também, pelo menos no plano objetivo, infrações às regras que regem o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais; em segundo lugar, da verificação de que nem todas as infrações às regras sobre financiamento implicam necessariamente ilicitude contraordenacional. Daqui é possível inferir não só que o conjunto dos comportamentos que constituem infração às regras atinentes ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais é mais extenso do que o conjunto dos comportamentos que constituem contraordenação, como também que este segundo constitui um subconjunto do primeiro.
Ora, o Tribunal Constitucional tem sublinhado, na esteira do Acórdão 421/2020, que a resposta à questão da impugnabilidade autónoma deve ser positiva, entendendo-se que as decisões - a que incide sobre a regularidade das contas e a que incide sobre a responsabilidade contraordenacional - constituem fases distintas de um único processo (ou subfases, segundo o Acórdão 421/2020). A primeira fase, de índole declaratória, culmina com a decisão da ECFP sobre a observância do dever de prestação de contas e da existência ou não de irregularidades nas mesmas, tomada nos termos dos artigos 35.º a 45.º da LEC, na qual a atividade decisória da Entidade se esgota «na identificação («discriminação», na letra da lei) das irregularidades detetadas nas contas (dos partidos ou das campanhas), sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica». A segunda fase, de índole sancionatória, desencadeada pela verificação da existência de irregularidades na prestação de contas, diz respeito ao apuramento da responsabilidade contraordenacional dos mandatários financeiros e dos partidos, bem como à determinação das respetivas consequências jurídicas.
Como se salientou no Acórdão 386/2021, a recorribilidade da decisão proferida na primeira fase do processo parece decorrer do teor do artigo 23.º da LEC, que, sob a epígrafe «[r]ecurso das decisões da Entidade», versa sobre os atos da Entidade suscetíveis de recurso e, mais diretamente, do artigo 9.º, alínea e), da LTC, quando dispõe que compete ao Tribunal Constitucional apreciar, em recurso, «as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos [...] e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas». Da letra deste preceito resulta que as decisões sancionatórias da ECFP não esgotam o leque das decisões proferidas por essa Entidade das quais é possível recorrer. Ainda que essa recorribilidade não decorresse das normas indicadas, aquela primeira decisão sempre configuraria um ato administrativo lesivo de direitos e interesses e, nessa medida, impugnável (neste sentido, v. o Acórdão 421/2020 citado). Aliás, parece ser esse o pensamento subjacente ao artigo 23.º, n.º 2, parte final, da LEC, ao ressalvar dos atos irrecorríveis aqueles que «afetem direitos e interesses legalmente protegidos».
Firmada a recorribilidade dessa primeira decisão, tem-se entendido ainda, no plano adjetivo, que o respetivo recurso subirá a final, por ocasião da impugnação da decisão em matéria sancionatória. Como se lê no citado Acórdão 421/2020, esta é «a única [solução] que se compagina com o respeito pelo princípio do acusatório que as modificações introduzidas pelo novo regime pretenderam assegurar», pois só assim «se garante que o Tribunal Constitucional não é o órgão competente para decidir, num primeiro momento, da prestação de contas e das irregularidades verificadas e, num segundo momento, da aplicação das correspondentes sanções contraordenacionais - como sucedia no quadro legal anterior à alteração legislativa de 2018»).
Em face do exposto, os dois recursos serão apreciados de forma autónoma, sem prejuízo das relações de identidade e de prejudicialidade que intercedam entre as questões que neles se coloquem.
B. Questões a decidir
8 - Em face do teor da motivação, as questões a decidir a respeito do recurso da decisão declaratória, de 3 de março de 2021, são as seguintes:
a) Verificação da incompletude da comunicação de ações de campanha eleitoral e respetivos meios;
b) Verificação da irregularidade consistente em deficiência no suporte documental de algumas despesas;
c) Verificação da irregularidade consistente em impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade do valor de algumas despesas.
No que diz respeito ao recurso incidente sobre a decisão sancionatória, de 8 de fevereiro de 2023, em face das conclusões do recurso, as questões a decidir são as seguintes:
a) Subsunção dos factos dados como provados aos ilícitos imputados;
b) Imputação subjetiva dos factos a título doloso ou negligente;
c) Medida concreta das coimas.
C. Recurso da decisão declaratória, de 3 de março de 2021
9 - Incompletude da comunicação de ações de campanha eleitoral e respetivos meios
Na decisão recorrida, considerou-se existir incompletude da lista de ações de campanha e meios, a que se refere o artigo 16.º, n.º 1, da LEC, na medida em que, não obstante a lista apresentada pelo GCE ter sido retificada, continua a omitir determinadas ações, designadamente as mencionadas no anexo V do relatório produzido pela ECFP em 20 de fevereiro de 2020 (fls. 202 a 218 do PA).
No recurso incidente sobre esta específica questão, alegam os recorrentes que só após proferida a decisão se aperceberam da incompletude a que a ECFP se referia, designadamente que não seria suficiente que a discriminação das ações e meios de campanha constasse do anexo V, devendo também ser objeto de uma lista discriminativa própria, que então juntam.
Dispõe o artigo 16.º, n.º 1, da LEC, que «[o]s [...] grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidatura às eleições dos órgãos das autarquias locais estão obrigados a comunicar à Entidade as ações de campanha eleitoral que realizem, bem como os meios nelas utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo».
O dever de comunicar as ações de campanha eleitoral realizadas e os respetivos meios, nos termos deste preceito, não se confunde com o dever relativo à apresentação das contas de campanha eleitoral (artigo 35.º, n.º 1, da LEC), o que resulta, desde logo, da autonomia sistemática conferida pela LEC a uma e outra normas de dever. Embora exista entre ambas uma parcial sobreposição, na medida em que os meios utilizados numa ação de campanha eleitoral serão concomitantemente objeto de integração nas contas de campanha, o artigo 16.º da LEC consagra um dever de comunicação especial, cujo sentido material se funda na garantia de sindicância de um subconjunto particular da atividade dos partidos políticos e dos demais sujeitos participantes eleitorais - as ações de campanha eleitoral. É, pois, da natureza própria das ações de campanha eleitoral que resulta a individuação do interesse protegido pela norma e, bem assim, se justifica a edição deste dever autónomo. Note-se, de resto, que da comunicação prevista no artigo 16.º da LEC resultam dados que não seriam conhecidos no contexto geral da comunicação de despesas de campanha eleitoral (v.g., os relativos à identidade do organizador ou do número de participantes da ação de campanha). Como o Tribunal Constitucional tem, a este propósito, afirmado «[a] remessa da Lista de Ações e Meios assume [u]ma clara autonomia em face do puro cumprimento das regras contabilísticas respeitantes aos partidos políticos. Se é certo que a Lista de Ações e Meios pode também assumir uma vocação de apoio ao labor de controle de contabilidade a materializar em face das contas anuais, não se confunde, naturalmente, com estas» (v. Acórdão 233/2021).
Sendo este o quadro geral de análise, vejamos agora se, em concreto, a comunicação apresentada pelo GCE padece da incompletude apontada, para o que interessa considerar os dados constantes do anexo V ao relatório de 20 de fevereiro de 2020. As «despesas de campanha passíveis de serem elencadas na lista de ações e meios da candidatura» aí referidas dizem respeito a lonas e estruturas. Como decorre do enunciado legal, não há um dever de comunicação de toda a qualquer despesa realizada durante a campanha eleitoral e que seja superior a um salário mínimo nacional. O que o artigo 16.º, n.º 1, da LEC, impõe é a comunicação das ações de campanha, bem como os meios nelas utilizados, desde que envolvam um custo superior a um salário mínimo nacional. Uma ação (de campanha), como evento complexo situado no tempo e no espaço, constitui apenas uma parte de toda atividade de propaganda política realizada por um partido ou por outro sujeito eleitoral, sem que seja exigido, nos termos do artigo 16.º da LEC, a comunicação de todas essas despesas. A existência de uma obrigação de comunicação especial neste domínio justifica-se, segundo parece, porque as ações de campanha são iniciativas relativamente complexas e alargadas, no âmbito das quais é previsível a realização de múltiplas despesas ou a angariação de receitas, as quais reclamam atenção particular e justificam, em alguns casos, diligências específicas por parte da ECFP. Esta interpretação harmoniza-se com a tipologia de ações de campanha indicada nas Recomendações emitidas pela ECFP sobre a matéria - designadamente, as que respeitam às eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais em 2017 -, nas quais se prevê, v.g., a «identificação do local onde decorreu a ação» (nome do hotel, pavilhão, sala, etc.) e o «número aproximado de participantes, militantes que participam no evento» (num jantar, será o número de convivas; numa caravana ou arruada, será o número de militantes que se deslocam em grupo).
Não se pode excluir que as despesas com lonas e estruturas tenham constituído meios utilizados em determinada ação de campanha. Mas não estando tal facto estabelecido e provado, e nem sequer indiciado, não é de considerar que tenha sido violado o artigo 16.º, n.º 1, da LEC.
10 - Deficiência no suporte documental de algumas despesas
Na decisão recorrida considerou-se existir irregularidade nas contas, por violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma, decorrente do facto de se terem identificado donativos em espécie e cedências de bens a título de empréstimo, no montante total de (euro) 15.864, cujo suporte documental padece de deficiências que impedem a aferição da conformidade dos seus valores com os inscritos na Listagem 5/2017 e, nessa medida, da sua razoabilidade. Em concreto, estão em causa: (i) o donativo de uma tela impressa, avaliado em (euro) 984, mas sem indicação das suas dimensões; e (ii) a cedência a título de comodato de um imóvel para a sede do GCE, avaliada em (euro) 2.880, sem indicação da respetiva área.
Sobre a questão, alegam os recorrentes que não podiam dispor dos dados em falta: quanto à tela, porque se tratou de um donativo de um cidadão, sem qualquer documento de suporte que contivesse a informação relevante; quanto à área do imóvel, a mesma não foi inscrita no contrato de comodato, não sendo aferível de outro modo.
Não têm razão.
Ainda que a tela tenha sido doada sem documento que especificasse as suas dimensões, tal não desonerava o GCE de, aquando da contabilização do respetivo valor, fazer tal apuramento. Aliás, sem se saber com um mínimo de precisão as dimensões da tela, não se mostra sequer possível avaliar o valor pecuniário do donativo, dado que a dimensão da tela constitui um elemento imprescindível para o cálculo do preço da produção ou aquisição deste tipo de bem.
A mesma conclusão se alcança, por maioria de razão, quanto à área do imóvel objeto de cedência a título de comodato. Tratando-se de bem imóvel, sujeito a descrição predial e inscrição matricial, nada obstaria a que a respetiva área fosse enunciada no contrato de comodato de fls. 236 do PA. Por outro lado, não se vê como possa ter sido indicado um valor patrimonial correspondente a essa cedência sem que se estivesse de posse de um dado tão relevante para a formação de preços dos imóveis.
Em face do exposto, confirma-se a decisão recorrida, nesta parte.
11 - Impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade de algumas despesas.
Está em causa, nesta irregularidade, a imputada violação do artigo 12.º, n.º 2, aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, bem como do artigo 16.º, todos da LFP, decorrente da «impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade da valorização de algumas despesas». De forma sintética, está em causa a realização, por parte da campanha eleitoral, de despesas de aquisição de bens e serviços por preços que divergem daqueles que são praticados no mercado, sem justificação bastante.
Deve ter-se presente o disposto no artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da LFP, em que se estabelece que é vedado aos partidos políticos «[a]dquirir bens ou serviços a preços inferiores aos praticados no mercado». Esta norma não é, pelo menos diretamente, aplicável ao regime de financiamento das campanhas eleitorais, regulado nos artigos 15.º e seguintes da LFP. Daí que, num caso como o vertente, em que estamos perante situações em que na campanha eleitoral adquiriu produtos por preço alegadamente inferior aos que se praticavam no mercado, se afigure necessário mobilizar o regime previsto no artigo 16.º da LFP, onde se elencam as fontes únicas de financiamento das campanhas eleitorais. O raciocínio subjacente é o de que um tal ato, por se traduzir numa poupança injustificada, pode configurar uma forma de financiamento proibido, equivalente a donativo não enquadrável nas receitas admissíveis, nos termos do artigo 16.º do mesmo diploma ou, pelo menos e em qualquer caso, sujeito a registo contabilístico nessa qualidade.
O índice dos preços de mercado é a listagem a que se referem os artigos 24.º, n.º 5 da LFP e 9.º, n.º 2, da LEC. Trata-se da Listagem 5/2017 (DR, 2.ª série, n.º 79, de 21 de abril de 2017, parte D, pp. 7647 a 7652).
No caso vertente, trata-se da faturação produzida pelo fornecedor «Qucaan Business, Lda.», relativa a despesa com a produção de 4.000 peças de roupa de tipo "T-Shirt", ao preço unitário de (euro) 1,40. Segundo a Listagem 5/2017, para tal quantidade de "T-Shirts", o preço de mercado plausível situar-se-ia entre (euro)1,90 e (euro)2,00.
Na alegação de recurso, os recorrentes afirmam que realizaram uma prospeção de mercado, tendo optado pela empresa que apresentou um orçamento mais baixo, ainda que não tenham conservado os demais orçamentos, por não terem antevisto que isso lhes poderia vir a ser exigido. Mais alegam que os preços de mercado para este tipo de bem oscilam bastante em virtude da área geográfica, do tipo, dimensão e capacidade de produção da empresa e da lei da oferta e da procura. Sendo a empresa escolhida uma empresa com alguma dimensão, é plausível que tenha conseguido oferecer um preço mais competitivo.
Porém, sem prejuízo do que se vier a concluir em matéria sancionatória, sendo embora razoável considerar que a casuística dos preços deste tipo de produtos está dependente de um conjunto de variáveis cuja extensão e volatilidade é insuscetível de ser assimilada pelas listagens a que se referem os artigos 24.º, n.º 5, da LFP, e 9.º, n.º 2, da LEC - sendo esse o caso, aliás, da Listagem 5/2017 -, afigura-se adequado argumentar - como se faz a decisão recorrida - que, nas situações em que a candidatura se proponha adquirir bens e serviços por valores divergentes de forma não marginal daqueles que foram considerados os preços de mercados e como tal divulgados publicamente pela Entidade, impende-lhe o ónus de obter consultas prévias a diversos fornecedores que permitam aferir da razoabilidade dos preços praticados, ou ao menos justificar a impossibilidade de as obter. Com efeito, verificando-se uma divergência entre os preços efetivamente praticados e os que constam da lista de referência, firma-se - no plano relevante para a decisão declaratória - uma presunção de irregularidade material, qual seja a de que a despesa de campanha dissimula um donativo proibido, por referência ao artigo 16.º da LFP. Ora, os recorrentes não lograram ilidir tal presunção, pois se é bem verdade que as razões por si aduzidas justificam, em abstrato, algum desvio de valores face aos intervalos fixados na Listagem 5/2017 para a aquisição de "T-shirts", tal reconhecimento não é suficiente para justificar o desvio concretamente verificado.
Em face do exposto, terá de se julgar improcedente o recurso, nesta parte.
12 - Mérito da decisão sancionatória
12.1 - Matéria de facto
12.1.1 - Factos provados
Com relevo para a decisão, provou-se que:
1 - O Grupo de Cidadãos Eleitores "António Parada, Sim!" apresentou listas de candidatos às eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais realizadas em 1 de outubro de 2017.
2 - António Manuel Gomes dos Santos Parada foi o Primeiro Proponente da lista da candidatura apresentada pelo GCE.
3 - O GCE constituiu Manuel Júlio Leite da Cunha como Mandatário Financeiro das contas da campanha eleitoral relativa à eleição descrita em 1.
4 - O GCE apresentou, em 30 de agosto de 2018, junto da ECFP, as contas da campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1, que complementou, em 20 de dezembro de 2018 e retificou parcialmente em 1 de março de 2020.
5 - O GCE registou nas contas apresentadas as seguintes despesas, não tendo procedido à respetiva integração na Lista de ações e meios, apresentada em 30 de agosto de 2018:
a) Despesas com estruturas, cartazes e telas:
i) Lonas publicitárias impressas com dizeres "António Parada Sim!", no valor de (euro) 5.000,00.
ii) Quinze Lonas coated 8 x 3 m impressas e com acabamentos (bainhas e ilhós), no valor de (euro) 5.092,20.
iii) Lonas Coated com acabamentos e medidas de 10 x 3,58 e de 5,90 x 3,58, e montagem e recolha de estruturas, no valor de (euro) 15.341,70.
6 - Nas contas apresentadas pelo GCE foi registada a seguinte despesa de campanha, tituladas por fatura em cujo descritivo constam os seguintes elementos:
a) Fatura n.º 3/211, emitida pelo fornecedor "Quacaan, Business, Lda.", em 27 de julho de 2017, respeitante à aquisição de 4.000 t-shirts brancas, de diversos tamanhos (1.000 de cada um dos tamanhos M, L, XL e XXL), incluindo impressão com uma cor na frente em tamanho A4 e impressão nas costas com uma cor em tamanho A5, ao preço unitário sem IVA de (euro) 1,40, no valor total de (euro) 6.888,00.
7 - Nas contas apresentadas pelo GCE foi registada a seguinte receita e despesa de campanha: empréstimo de imóvel sito na Rua Conde Alto Mearim n.º 974, 4450 Matosinhos, para ser utilizado como sede de campanha, no período compreendido entre 1 de junho e 30 de setembro de 2017, por Emília Maria Ramalho Santos Barbosa Martins Fradinho, cedência a que foi atribuído o valor de (euro) 2.880,00.
8 - Ao agirem conforme descrito no ponto 6 e 7, os Arguidos representaram como possível que os atos de aquisição de bens e as contas apresentadas não observassem integralmente as exigências legais, tendo ainda assim praticado os atos descritos e apresentado as contas nos termos enunciados, conformando-se com aquela possibilidade.
9 - Os Arguidos sabiam que as condutas em causa eram proibidas e contraordenacionalmente sancionáveis, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
10 - O GCE, nas contas referidas em 4., registou receitas no valor total de (euro) 107.837,28 e despesas no valor total de (euro) 88.647,84.
11 - A Candidatura recebeu subvenção pública no valor de (euro) 57.549,08 para a campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1.
12 - Os Arguidos, em julho de 2022, exerciam atividade profissional por conta de outrem, pela qual o Arguido Manuel Júlio Leite da Cunha auferia um vencimento mensal líquido no valor de (euro) 1.291,78 e o Arguido António Manuel Gomes Santos Parada auferia um vencimento mensal líquido no valor de (euro) 1.673,46.
13 - O Arguido António Manuel Gomes Santos Parada foi eleito para a Assembleia de Freguesia de Matosinhos, nas eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais realizadas em 11 de outubro de 2009 e para a Câmara Municipal de Matosinhos, em 29 de setembro de 2013. Foi eleito vereador da Câmara Municipal de Matosinhos nas eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais realizadas em 26 de setembro de 2021.
12.1.2 - Factos não provados
Com relevância para a decisão, não se provaram os seguintes factos:
1 - Ao agirem conforme descrito no ponto 5 dos factos provados, os Arguidos representaram como possível que a comunicação apresentada não observasse as exigências legais, tendo ainda assim apresentado a comunicação nos termos descritos, conformando-se com aquela possibilidade.
2 - Os Arguidos sabiam que as condutas em causa eram proibidas e contraordenacionalmente sancionáveis, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
3 - Previamente à realização da despesa descrita no ponto 6. dos factos provados, o GCE fez uma consulta ao mercado, solicitando orçamentos a diversas empresas, tendo optado pelo preço mais baixo.
12.1.3 - Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos, das regras da experiência e de inferências lógicas.
Para a prova da factualidade elencada no ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor do Mapa Oficial 1-A/2017 da Comissão Nacional de Eleições, publicado no Diário da República n.º 231/2017, 1.º Suplemento, Série I de 30 de novembro de 2017, páginas 2 a 407, da qual a mesma se extrai.
A prova dos factos constantes dos pontos 2. e 3. dos factos provados resulta do teor da ata de constituição do GCE e seus anexos, a fls. 16 a 27 do PA 51/AL/17/2018 (doravante designado somente por "PA").
A prova dos factos constantes do ponto 4. dos factos provados resulta do teor de fls. 51 e seguintes, fls. 80-A e 80-B, 99 a 172 e 228 a 254-A, todos do PA, onde constam as contas apresentadas e as subsequentes retificações apresentadas.
Para prova da matéria factual constante dos pontos 5. a 7. dos factos provados teve-se por base as contas apresentadas, nomeadamente o teor dos documentos contabilísticos e bem assim dos documentos de suporte apresentados, os quais não foram impugnados pelos arguidos.
Em especial, no que concerne ao facto descrito em 5., atendeu-se à Lista de Ações e Meios de fls. 57 a 64 do PA, confrontada com o Mapa M10 apresentados nas contas de campanha e faturas de fls. 199, 205, 210 e 257 do Anexo I, Volume I do referido PA; quanto aos factos descritos em 6., considerou-se a fatura de fls. 233 do Anexo I, Volume I do PA; e quanto ao facto descrito em 7., atendeu-se aos Mapas M7 e M17 de fls. 69 e 79 do PA, à declaração de cedência de fls. 264 do Anexo I, Volume I do referido PA e à cópia do contrato de comodato de fls. 236 do PA.
De notar que se eliminaram dos factos provados as referências constantes da decisão recorrida que davam conta da «incompletude» ou da impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade de determinados preços face aos valores de mercado na ausência de elementos complementares de comparação de preços, pois tais juízos extravasam o plano factual, incorporando uma valoração jurídica. Nesse sentido, dá-se como provado o que consta objetivamente das faturas mencionadas, cuja fidedignidade não foi posta em causa nos autos.
A prova da factualidade enunciada em 8. e 9. extrai-se da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras de experiência comum e inferência lógicas. Tratando-se de estados mentais dos agentes, a prova dos factos que os consubstanciem pode ser alcançada, na ausência de confissão, através da interpretação exterior dos factos internos, que se realiza por meio de inferências, assentes em presunções judiciais apoiadas nas regras da experiência comum ou em abduções baseadas em factos apurados através de prova direta.
No caso vertente, considerando primeiramente o facto descrito em 7., sendo manifesto que, quer da declaração de cedência do bem imóvel, quer do prévio contrato de comodato, não constava a área do mesmo - e que essa informação é absolutamente vital para que se possa avaliar, de forma não arbitrária, o valor correspondente a essa cedência temporária -, não é crível que os recorrentes não tenham representado a possibilidade de dessa omissão resultar uma irregularidade formal, nem que não se tenham conformado com esse facto. Não se afigura, pois, plausível que os recorrentes, revelando consciência dessa omissão, não se tenham confrontado, pelo menos, com a dúvida de saber se dela resultaria a violação do dever de representação contabilística.
O mesmo raciocínio procede no que ao facto descrito em 6. diz respeito, dada a discrepância significativa entre o valor de aquisição das camisolas e o preço constante da Listagem 5/2017, com o qual o primeiro seria necessariamente confrontado no momento do escrutínio das contas, facto que os recorrentes plausivelmente sabiam e antecipavam.
Assim, da matéria objetiva dada como provada, examinada de acordo com as regras da experiência e inferências lógicas, resulta preenchido o elemento subjetivo do tipo contraordenacional, na modalidade de dolo eventual.
A prova dos factos elencados no ponto 10. dos factos provados extrai-se da análise do documento de fls. 52 e 53 do PA, onde se sintetizam as receitas e despesas globais da campanha.
A prova do facto descrita no ponto 11. dos factos provados fez-se com base no documento de fls. 33 a 50 do PA, onde se certifica o pagamento das subvenções públicas.
A prova do facto descrito em 12. resulta do teor dos recibos de remunerações de fls. 33 e 34 dos autos, correspondente ao alegado pelos Arguidos, inexistindo nos autos quaisquer elementos que ponham em causa a veracidade de tal factualidade.
A prova do facto descrito em 13. resulta do teor dos Mapas oficiais dos resultados das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais realizadas em 11 de outubro de 2009, em 29 de setembro de 2013 e em 26 de setembro de 2021, publicados no Diário da República, 1.ª série - N.º 49 - 11 de março de 2010, no Diário da República, 1.ª série - N.º 242 - 13 de dezembro de 2013, no Diário da República, 1.ª série - N.º 231 - 29 de novembro de 2021.
No que se refere aos factos dados como não provados sob os números 1. e 2., resultam de, como se mostrará adiante, a conduta objetiva à qual se refere, descrita em 5. dos factos provados, não consubstanciar infração. É certo que, na razão de ordem de uma decisão judicial, a apreciação jurídica, nomeadamente quanto ao preenchimento do tipo objetivo, é posterior ao julgamento da matéria de facto, pelo que se trata aqui da antecipação de uma conclusão ainda por obter. Sucede que a atribuição a um agente de um conteúdo mental representativo de um estado de coisas que consiste na divergência entre a sua conduta e um parâmetro - o elemento intelectual do dolo numa infração de dever - pressupõe logicamente, senão um juízo de ilicitude objetiva, pelo menos a verosimilhança desta. Isto é particularmente evidente quando a prova do elemento subjetivo do tipo se baseia em primeira linha, como é o caso das infrações que incidem sobre a violação de deveres funcionais, em presunções judiciais estabelecidas a partir de regras da experiência acerca da conduta e as atitudes dos portadores do estatuto relevante. Há, pois, uma certa e inevitável desarmonia entre a ordem expositiva e a ordem judicativa do processo decisório, atento o figurino linear da primeira e circular da última, desarmonia essa que é reveladora da conhecida aporia metodológica da dicotomia convencional entre questão-de-facto e questão-de-direito.
O ponto 3. dos factos não provados, alegado pelos recorrentes no seu recurso, não tem apoio probatório algum, consistindo numa mera alegação.
12.2 - Matéria de direito
12.2.1 - Considerações gerais
Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da LFP, «os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes», sendo que os n.os 2 a 4 do artigo 28.º impõem penas e os artigos 29.º a 32.º impõem coimas, restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Como se salientou no recente Acórdão 509/2023, que aqui se seguirá de perto, decorre do cotejo entre as normas dos artigos 30.º a 32.º da LFP - os especialmente relevantes em matéria de contas de campanha eleitoral - e o regime jurídico traçado no seu capítulo III, que existe uma dicotomia fundamental no universo das infrações passíveis de sanção contraordenacional no âmbito das campanhas eleitorais.
Temos, por um lado, infrações materiais, estas relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito e que se traduzem na obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela lei, designadamente receitas não enquadráveis no artigo 16.º do mesmo diploma, ou na realização de despesas sem justificação legal, mormente por não dizerem respeito à campanha eleitoral ou que excedam os limites previstos no artigo 20.º
Temos, por outro lado, infrações formais, que dizem respeito à inobservância do dever de prestação de contas e, no âmbito destas, do dever de tratar contabilisticamente as despesas e receitas da campanha de acordo com as diretrizes do artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma, de tal forma que essa representação contabilística viabilize a sindicância da licitude material das receitas percebidas e das despesas realizadas.
Paralelamente a esta distinção, encontramos ainda alguns tipos contraordenacionais que se centram, não no financiamento das campanhas eleitorais ou na violação dos deveres de prestação de contas e da respetiva forma, mas na violação de deveres acessórios, atinentes ao relacionamento entre os partidos políticos e demais sujeitos participantes em campanhas eleitorais - designadamente, grupos de cidadãos eleitores - e a ECFP. É o caso do artigo 47.º da LEC, que tipifica contraordenacionalmente a violação de deves de comunicação e de colaboração, os quais visam facilitar o bom desempenho das funções de escrutínio das contas partidárias e das campanhas eleitorais por parte da entidade competente.
Atendendo ao conteúdo dos tipos contraordenacionais dos artigos 30.º a 32.º da LFP, podemos discernir, como passíveis de sancionamento com coima em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais, as seguintes condutas (v. o Acórdão 98/2016, § 6.2.):
a) O recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela LFP - artigo 30.º, n.º 1, ab initio;
b) A violação, por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da LFP - artigo 30.º, n.º 1, in fine;
c) A inobservância, por parte de pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da LFP - artigo 30.º, n.os 2 a 4;
d) A ausência ou insuficiência de discriminação ou comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da LFP;
e) A inobservância do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 27.º da Lei 19/2003, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da LFP.
Como se afirmou no Acórdão 405/2009, a contraposição entre infrações materiais - as descritas nas alíneas a) a c) - e infrações formais - as descritas nas alíneas d) e e) - «tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respectiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada acto (cf. arts. 16.º, n.º 3, 19.º, n.º 3, e 20.º da Lei 19/2003) -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das despesas e receitas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos actos já realizados (cf. art. 12.º, ex vi do art. 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003)».
Tem interesse enunciar alguns corolários desta distinção fundamental.
Em primeiro lugar - e como se salientou no citado Acórdão 405/2009 -, a distinção releva para a determinação do momento em que deverá considerar-se praticado o facto típico e, nessa medida, para todos os efeitos jurídicos que dependam desse elemento, como sejam a determinação da lei temporalmente aplicável e a contagem do prazo de prescrição.
Em segundo lugar, dela decorre que ambas as categorias de infrações, pela sua distinta natureza, são mutuamente irredutíveis e cumuláveis. Irredutíveis no sentido em que, embora as infrações formais tenham uma natureza instrumental face às materiais, dado que as exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais visam possibilitar um adequado escrutínio do cumprimento das regras substantivas sobre o regime das despesas e das receitas em sentido estrito, não se implicam, nem se excluem, mutuamente. O que vale por dizer que o cometimento de uma infração material não implica logicamente o cometimento de uma infração formal (nada obsta a que, por exemplo, a perceção de uma receita não permitida por lei esteja devidamente comprovada e discriminada nas contas da campanha), nem o seu contrário (por exemplo, a falta ou insuficiência da discriminação ou de comprovação contabilística de uma determinada receita nas contas da campanha não implica, por si só, que essa receita seja materialmente ilícita - ainda que dificulte tal avaliação). Cumuláveis no sentido em que, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da LFP, «os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes», sendo que os n.os 2 a 4 do artigo 28.º impõem penas e os artigos 29.º a 32.º impõem coimas, restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas, nos termos do artigo 33.º, n.º 1.
Traçado este quadro geral, apreciemos as infrações concretamente imputadas aos recorrentes na decisão sancionatória.
12.2.2 - Imputações aos recorrentes
12.2.2.1 - Na decisão recorrida imputou-se, a cada um dos recorrentes, a prática de duas infrações distintas, em regime de concurso efetivo. Em primeiro lugar, a prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da LEC; em segundo lugar, a contraordenação prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.
Os arguidos contestam ambas as infrações. Nessa medida, dada a natureza do presente recurso de impugnação jurisdicional, bem como o disposto no artigo 62.º, n.º 1, parte final, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (doravante RGCO), subsidiariamente aplicável, importa apreciar ambos os juízos, o que se fará de forma separada.
12.2.2.2 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da LEC.
Está em causa, nesta imputação, a não integração das despesas com as lonas descritas no ponto 5. dos factos dados como provados na comunicação autónoma a fazer à ECFP, nos termos do citado artigo 16.º, n.º 1 da LEC, punido nos termos do artigo 47.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Ora, tendo-se concluído, quanto a esta situação, que não se verifica nenhuma irregularidade, por não haver razões para considerar que tais lonas tenham constituído meios usados numa ação de campanha eleitoral e, nessa medida, subsumíveis ao dever de comunicação autónoma previsto no artigo 16.º, n.º 1 da LEC, está claro que não foi cometida nenhuma infração contraordenacional.
Assim, os recorrentes devem ser absolvidos desta imputação.
12.2.2.3 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP
O artigo 31.º, sob a epígrafe «[n]ão discriminação de receitas e de despesas», dispõe no n.º 1 que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS».
O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos e as entidades concorrentes a eleições obedece, assim, a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza desses sujeitos e pela adstrição das contas da campanha eleitoral ao controlo público da respetiva conformidade legal, seja no que concerne às despesas de campanha, seja às respetivas receitas, nomeadamente as fontes de financiamento. Nesse sentido, o artigo 15.º da LFP determina que as receitas e despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias, as quais devem obedecer ao regime do artigo 12.º do mesmo diploma, onde se firma um conjunto de regras e deveres contabilísticos.
Porém, nem toda e qualquer violação desses deveres releva para o tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP. O Tribunal tem reiteradamente sublinhado que «não há uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima» (Acórdão 98/2016). Só releva a inobservância de deveres que se traduza em não discriminação ou não comprovação devida das despesas e receitas da campanha eleitoral. A primeira constitui a omissão, incompletude ou imprecisão na descrição do facto sujeito a contabilização. A segunda constitui a ausência ou insuficiência da titulação ou suporte dos factos sujeitos a contabilização e que sustentam a sua inclusão numa dada conta (v. Acórdão 509/2023).
No caso vertente, a decisão recorrida identifica dois núcleos factuais suscetíveis de recondução ao tipo de infração previsto no artigo 31.º da LFP:
i. Registo de despesas respeitantes a aquisição de serviços por preço abaixo do valor de mercado e sem justificação suficiente;
ii. Registo de cedência de bens a título de empréstimo titulada por documentos contabilísticos de suporte incompletos, obstando à aferição da conformidade do preço praticado com o valor de mercado.
12.2.2.3.1 - Comecemos por analisar a imputação i., atinente ao registo de despesa respeitante à aquisição de bens por preço abaixo do valor de mercado e sem justificação suficiente, remetendo-se para o que, sobre a questão, do ponto de vista da regularidade das contas, se escreveu supra, no ponto 11.
12.2.2.3.1.1. A título de enquadramento geral relativo ao tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, justifica-se reiterar o que se escreveu no recente Acórdão 509/2023:
«Nos Acórdãos n.os 756/2020 e 758/2020, a propósito do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, ensaiou-se uma tipologia das situações relevantes, com o seguinte teor:
«Num primeiro grupo (a), incluiremos as despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. São estas, verdadeiramente, as faturas incompletas.
Num segundo grupo (b), estão as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo aqui estabelecidos.
Num terceiro grupo (c), incluímos as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem, cujos valores se situam fora dos limites estabelecidos nesta.
No último grupo (d), estão as despesas relativas a bens e serviços não incluídos na Listagem referida.
Tentaremos agora classificar as [...] faturas [...] num dos quatro grupos. A ideia subjacente é a de encontrar um critério justo e equitativo de repartição do ónus da prova da fatura irregular.
Assim:
- as faturas do grupo (a) são consideradas irregulares enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha;
- as faturas do grupo (b) são consideradas regulares;
- as faturas do grupo (c) são consideradas irregulares, salvo se o partido ou coligação concorrente tiver demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio, ou este não seja significativo;
- relativamente às faturas do grupo (d) que discriminem clara e precisamente o que é que foi pago, cabia à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado; não tendo sido feita tal demonstração, as faturas serão consideradas regulares.
Sublinhe-se, relativamente a estas últimas faturas, que a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a Listagem - que já tinha dois anos à data das eleições -, e que não inclui prestações de serviços hoje comuns nas campanhas eleitorais. Não tendo procedido à atualização - que porventura conviria fazer anualmente - por que razão há de o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa recair sobre as candidaturas?»
Esta tetrapartição, que visa distribuir os casos concretos por quatro grupos definidos em função das combinações possíveis das diversas variantes relevantes - a natureza do bem ou serviço adquirido, o preço de aquisição praticado, o preço de mercado tal como definido na Listagem, a completude da titulação contabilística dessa operação, etc. -, deve ser cruzada com a já referida dicotomia, há muito consolidada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, das infrações materiais e infrações formais, para que possamos ter um quadro classificatório mais perfeito, que habilite o correto enquadramento jurídico das situações submetidas a juízo.
Em boa verdade - e deixando de parte o grupo b), que não suscita problemas de conformidade legal -, verifica-se uma diferença estrutural entre os casos do grupo a) e os dos grupos c) e d). No primeiro, o que está em causa é uma verdadeira irregularidade da fatura, uma irregularidade formal, na medida em que o documento que titula a operação efetuada, pela sua incompletude ou imperfeição, não permite «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou» - designadamente, não permite apurar se o que foi adquirido podia ou não ser licitamente adquirido pelo preço praticado. É essa, aliás, como se vincou anteriormente, a função instrumental das exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais: existe como forma de representar com fidedignidade a atividade realizada pelas campanhas eleitorais, com o intuito de viabilizar o escrutínio da conformidade legal das receitas e despesas das campanhas eleitorais.
Já nos casos do grupo c), em rigor, não existe irregularidade da fatura, uma vez que esta titula adequadamente o bem ou serviço que foi adquirido e o preço por que foi adquirido, permitindo «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou». A aquisição de um bem ou serviço por um preço que divirja do preço de mercado não é primariamente um problema de representação contabilística de uma operação, mas um problema da admissibilidade material da própria operação. Nesse sentido, a apresentação de razões que visem ilidir a presunção estabelecida pelos intervalos de valores constantes da lista de referência - essa natureza ilidível ou meramente «indicativa», como resulta dos artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC, tem sido reiteradamente afirmada pelo Tribunal (cf. Acórdão 625/2022, § 11.1.) - ou mostrar que, embora divergente dos valores de mercado gerais, as concretas circunstâncias de uma dada aquisição justificavam o preço praticado, não visa regularizar a fatura, antes visa demonstrar a licitude do próprio ato aquisitivo ou dispositivo - designadamente mostrando, nos casos de aquisição por preço inferior ao de mercado, que não representa uma forma oculta de financiamento por parte da entidade vendedora, e nos casos de aquisição por preço superior ao de mercado, que ela não representa uma forma oculta de financiamento por parte da entidade adquirente. Note-se, aliás, que, tal como se salientou acima, a LFP consagra, no seu artigo 8.º, uma norma proibitiva de cariz material relativa a determinadas formas de financiamento, onde avultam, tanto a proibição expressa de «[a]dquirir bens ou serviços a preços inferiores aos praticados no mercado», como a de «[r]eceber pagamentos de bens ou serviços por si prestados por preços manifestamente superiores ao respetivo valor de mercado» - alíneas b) e c) do n.º 2.
Finalmente, no grupo d) a situação é estruturalmente equivalente aos casos do grupo c): não está em causa um problema de irregularidade da fatura ou do documento que titule uma dada operação, tal que impossibilite ou dificulte a ação de «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou» (ainda que essa hipótese também seja equacionável), mas de admissibilidade da própria operação. Em primeiro lugar, porque se reporta a bem ou serviço não incluído na Listagem e, por isso, suscetível de dúvida sobre a respetiva qualificação como despesa de campanha eleitoral, atenta a noção que dela se dá no artigo 19.º, n.º 1, da LFP - por definição, os bens e serviços enumerados na Listagem são meios de campanha eleitoral (artigo 9.º, n.º 2, da LEC). Em segundo lugar, devendo ser considerada despesa de campanha eleitoral, está sujeita à proibição de divergência injustificada do preço de mercado. Sob este aspeto, a diferença relativamente ao grupo c) é que, tratando-se de meio não contemplado na lista de referência, inexiste um parâmetro de aferição previamente conhecido e mobilizável para o efeito, o que justifica que o juízo positivo sobre a divergência deva ser substancialmente mais exigente ao nível probatório, onerando de modo integral a ECFP.
Cabe sublinhar que a qualificação dos casos dos grupos c) e d) da mencionada tipologia das faturas como casos de infração material, recondutível ao artigo 30.º da LFP, corresponde a uma alteração de orientação jurisprudencial. Em especial, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, no que aos casos do grupo c) diz respeito, que a divergência não devidamente justificada entre o preço de aquisição e o intervalo de referência que consta da Listagem para o bem ou serviço em causa consubstancia uma violação do dever de comprovação da despesa, nos termos dos artigos 12.º e 15.º da LFP, sancionado no plano contraordenacional através do artigo 31.º do mesmo diploma. O raciocínio subjacente é o de que o arguido, ao não apresentar documentação de suporte que justifique cabalmente o desvio do preço de aquisição em relação ao valor de referência, não logra demonstrar a «razoabilidade» da despesa. Tal ausência de justificação é tomada como razão suficiente para se concluir que a própria fatura é irregular. Considere-se, neste exato sentido, a seguinte passagem do Acórdão 469/2022:
«22.3 - Nas contas ora em análise, foram registadas despesas tituladas por faturas, respeitantes a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela previstos, sem que tenham sido juntos quaisquer elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas em questão face ao valor de mercado (cf. o ponto 7. dos factos provados), sendo por isso exigível a apresentação de elementos complementares de comparação de preços de tais despesas, nos termos e para os efeitos já referidos.
As faturas em causa são consideradas irregulares (cf. a alínea c) do n.º 22.2, supra), uma vez que os responsáveis pela apresentação das contas não demonstraram cabalmente, mediante a junção de elementos complementares a razão de ser dos desvios.
Com efeito, no caso em apreço, verifica-se que nas faturas indicadas no ponto 7. dos factos provados se encontram registadas despesas, relativas a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos (cf. as duas últimas colunas da tabela constante do mencionado ponto 7., onde constam, respetivamente, o valor unitário do bem ou serviço em questão e o seu valor indicativo constante da referida Listagem). Não tendo os responsáveis pelas contas demonstrado a razão de ser dos desvios, tal implica, por via de uma indevida comprovação das despesas da campanha, que se conclua pelo preenchimento do tipo contraordenacional constante do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP».
Justifica-se reponderar este entendimento. Se o dever de comprovação de uma despesa compreender a demonstração da «razoabilidade» da mesma, incluindo-se neste conceito a prova de que o desvio entre o preço efetivamente pago e o intervalo de referência é justificado, desaparece irremediavelmente a fronteira sobre a qual repousa a dicotomia das infrações formais e materiais. Na verdade, em matéria de despesas de campanha, tal entendimento conduz a uma absorção integral da categoria das irregularidades materiais pela das irregularidades formais, pois todos os casos em que se verifique um desvio injustificado da despesa realizada em relação ao valor de referência são então qualificados como irregularidades formais, ainda que a fatura ou outros elementos discriminem perfeitamente e comprovem cabalmente o valor efetivo de aquisição. Ora, impõe-se distinguir entre o dever de comprovação de uma despesa, que respeita à demonstração de que certo bem ou serviço foi adquirido por determinado valor, e o dever de não realizar despesas não consentidas pela lei, que respeita, inter alia, à conformidade de cada despesa com as exigências constantes dos artigos 8.º e 16.º da LFP. O desvio entre o valor pago e o valor de referência situa-se neste segundo plano: não se trata de um problema de regularidade da fatura, visto que esta discrimina e comprova o que se adquiriu e o valor da aquisição, mas de licitude do ato aquisitivo nela documentado, designadamente se corresponde a uma operação normal de mercado ou a um donativo dissimulado. Reitere-se que o dever de comprovação da despesa é meramente instrumental do controlo da licitude dos financiamentos políticos - do respeito, pois, pelo regime material de financiamento dos partidos e das campanhas, em última análise recondutível aos imperativos constitucionais da igualdade democrática dos cidadãos e da subordinação do poder económico ao político.
A dissolução da dicotomia das infrações formais e materiais, propiciada pela ambiguidade do termo «razoabilidade», para além de um problema de rigor dos conceitos, tem ainda consequências indesejáveis que convém destacar. Em primeiro lugar, ao transmudar em formais desvalores de ordem material, subverte o substrato axiológico do regime, confundindo numa categoria única o acessório, por um lado, e o principal, por outro, em dissonância com a inevitável diferença de gravidade entre ambos, refletida nas diversas molduras sancionatórias dos artigos 30.º e 31.º da LFP. Em segundo lugar, ao importar para o plano formal da comprovação das operações realizadas matéria que se prende com a licitude das receitas e despesas, contribui para desonerar a autoridade administrativa competente de uma atividade instrutória orientada para a descoberta da verdade material e visando o sancionamento das infrações mais graves do ponto de vista da ordem de valores que a lei procura salvaguardar. Em terceiro lugar, tem por efeito a inversão do ónus da prova, uma vez que, interpretando-se a exigência legal de comprovação devida de uma despesa como implicando um dever de justificar a sua razoabilidade, mormente através da demonstração de um fundamento material para a discrepância entre o valor de aquisição e o valor de referência, punem-se ao abrigo do artigo 31.º os arguidos que não lograram demonstrar não terem cometido a infração prevista e punida pelo artigo 30.º do mesmo diploma. Estas consequências não são meras conjeturas, formuladas de acordo com o método hipotético-dedutivo, mas factos documentados nos processos relativos a contas dos partidos políticos ou das campanhas eleitorais, em que os arguidos são invariavelmente sancionados somente pela infração prevista no artigo 31.º da LFP. A interpretação preconizada neste aresto, pelo contrário, harmoniza-se melhor com a ordem legal de valores, promove a aplicação de sanções ao financiamento ilícito e mostra-se idónea a garantir a presunção de inocência dos arguidos. São razões suficientes para a mudança de orientação jurisprudencial».
12.2.2.3.1.2. Vejamos o caso dos autos.
A matéria de facto relevante para a imputação objetiva consiste nos factos descritos no ponto 6.
Como resulta dos autos, não se trata aqui de uma incompletude da fatura n.º 3/211, da qual resulte a impossibilidade de identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou e, por essa via, de apurar o custo real e a conformidade legal dos bens em causa. O que se aponta é que o valor de realização dessa despesa diverge dos valores constantes da Listagem 5/2007, por serem inferiores, sem que se tenha feito prova de que o desvio era justificado. A aquisição de um bem ou serviço por um preço discrepante do praticado no mercado não é, como é bom de ver, um problema de representação contabilística de uma operação, mas um problema da admissibilidade material da própria operação. Trata-se, pois, não da violação dos deveres impostos pelo artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma, mas a violação da proibição de financiar a campanha eleitoral por formas não contempladas na lei, designadamente no artigo 16.º, n.º 1, da LFP, sendo ainda de referir o disposto no artigo 8.º, n.º 3, alínea a), da LFP, o qual proíbe os partidos políticos de «[a]dquirir[em] bens ou serviços a preços inferiores aos praticados no mercado».
Como se salientou no citado Acórdão 509/2023, muito embora a inserção sistemática do artigo 8.º, n.º 3, alínea a), da LFP, no capítulo II do diploma e a ausência de remissão expressa no artigo 15.º - ou noutro preceito do capítulo III - apontem no sentido da sua aplicabilidade somente ao regime do financiamento dos partidos políticos e não ao das campanhas eleitorais, há bons argumentos para concluir em sentido contrário. Desde logo, mostrando que a norma do artigo 9.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, da LEC, ao atribuir à ECFP a competência para decidir acerca da regularidade das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, estabelece que, para esses efeitos, compete a tal entidade elaborar a lista indicativa do valor dos principais meios de campanha, com vista ao controlo dos preços de aquisição ou de venda de bens ou serviços prestados, previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 8.º da LFP. Ora, se a ECFP tem o dever de controlar os preços de aquisição (em termos substanciais, pois, não apenas em termos de registo contabilístico) também nas campanhas eleitorais, é de supor que vigora a proibição do artigo 8.º, n.º 3, da LFP. Em todo o caso, ainda que não se aceite esta linha argumentativa, sempre seria de mobilizar o regime estabelecido no artigo 16.º da LFP, onde se elencam as fontes únicas de financiamento das campanhas eleitorais. O raciocínio subjacente é o de que a aquisição de serviços por preço inferior ao que se praticava no mercado, ao implicar uma poupança injustificada, pode consubstanciar uma forma de financiamento proibido, equivalente a donativo não enquadrável nas receitas admissíveis nos termos do artigo 16.º do mesmo diploma. Com efeito, se a campanha adquiriu um bem ou serviço por preço inferior ao de mercado, o vendedor ou prestador - conclui-se - acabou por suportar a diferença que àquela caberia, o que constitui uma forma indireta de donativo.
Vejamos agora se, em concreto, há razões para considerar que as "T-shirts" em causa foram realmente adquiridas por preço manifestamente inferior ao de mercado, tal que isso seja revelador de uma forma de financiamento da campanha eleitoral não consentida pela LFP. Note-se que, posta nestes termos, a situação não será já enquadrável na infração contraordenacional prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, antes naqueloutra prevista no artigo 30.º, n.º 2, do mesmo diploma.
Considerando o ponto 6. dos factos provados, verifica-se ter o GCE adquirido os referidos artigos a preço inferior aos constantes da Listagem 5/2017 - 4.000 peças de roupa de tipo "T-Shirt", ao preço unitário de (euro) 1,40. Segundo a Listagem 5/2017, para tal quantidade de "T-Shirts", o preço de mercado plausível situar-se-ia entre (euro)1,90 e (euro)2,00. Assim, os arguidos adquiriram os artigos por um preço situado a mais de 25 % abaixo do limite inferior do preço de referência.
Os arguidos alegam que consultaram o mercado, obtiveram diversos orçamentos e optaram por aquele que propunha os preços mais baixos, mas não guardaram tais orçamentos, por não terem antecipado que tal lhes viesse a ser exigido cerca de quatro anos depois, quando dispunham de uma fatura em forma legal. Para além disso, alegam que os preços de mercado para este tipo de bem oscilam significativamente em razão da área geográfica, do tipo, dimensão e capacidade de produção da empresa e da lei da oferta e da procura. Sendo a empresa escolhida uma empresa com alguma dimensão, é plausível que tenha conseguido oferecer um preço mais competitivo. Ora, se a primeira alegação não resulta comprovada, a segunda consiste em mera conjetura.
Assim, importa concluir que os bens foram adquiridos a preços inferiores aos praticados no mercado, em violação da exigência legal de que as despesas se situem dentro dos valores de mercado, o que consubstancia a infração material prevista e punida pelo artigo 30.º, n.º 2, da LFP, por violação do artigo 16.º, n.º 1, da LFP.
12.2.2.3.1.3. Há que considerar, porém, que uma das questões em que se projeta a distinção entre infrações formais e infrações materiais é a da determinação do momento em que deverá dar-se como praticado o facto típico, o que é decisivo para a contagem do prazo de prescrição. Assim, perante esta nova qualificação jurídica, impõe-se apreciar a eventual prescrição do procedimento contraordenacional, no que a esta infração diz respeito.
As contraordenações previstas na LFP, processadas segundo os trâmites estabelecidos na LEC, estão sujeitas ao regime de prescrição do procedimento contraordenacional previsto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do RGCO. É nesse regime geral que se encontram as normas sobre prazos de prescrição, bem como sobre as respetivas causas suspensivas e interruptivas. O regime de contraordenações em matéria de financiamento e contas dos partidos políticos também integra causas específicas de suspensão da prescrição do procedimento que importa considerar na contagem do respetivo prazo. Relativamente às contraordenações reveladas na apreciação das contas dos partidos, aplicável às contas de campanha eleitoral, a LEC prevê, no seu artigo 22.º, situações especiais a que é atribuído efeito suspensivo e que se reportam às situações em que está em causa o incumprimento da obrigação de entrega de contas.
A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, operou uma profunda modificação do quadro legal da fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, reestruturando o regime e processamento das contraordenações com ele relacionadas. Essa modificação teve implicação em diversos aspetos relevantes para a contagem dos prazos de prescrição, dos quais importa destacar a eleição dos marcos temporais relevantes para essa contagem bem como para o catálogo de atos e eventos aos quais a lei associa efeitos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.
Está em causa a contraordenação prevista no artigo 30.º, n.º 2, da LFP, punida com coima máxima de (euro)21.066,00, atento o valor do Indexante de Apoios Sociais vigente à data (Portaria 4/2017, de 3 de janeiro).
Assim, o prazo normal de prescrição aplicável é de três anos, nos termos do artigo 27.º, alínea b), do RGCO.
Vejamos agora a contagem do respetivo prazo.
Importa começar por firmar o termo inicial do prazo de prescrição. Nos termos do artigo 27.º, proémio, do RGCO, o termo inicial coincide com a data da prática da infração, definida de acordo com o artigo 5.º do mesmo diploma. Conforme se vem reiterando na jurisprudência deste Tribunal (v. os Acórdãos n.os 361/2003 e 423/2004), para o caso geral, a data da consumação das contraordenações por infração aos deveres formais de organização contabilística estabelecidos na LFP - como são as imputadas aos arguidos no âmbito dos presentes autos - corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias. Contudo, dada a requalificação operada nos presentes autos, a data da prática da infração coincide com a data da aquisição do bem - no caso vertente, 27 de julho de 2017 -, que coincide com o dies a quo do prazo prescricional.
Nos artigos 27.º-A e 28.º do RGCO definem-se os factos e eventos a que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição.
O primeiro ato a que se afigura poder reconhecer efeito interruptivo da prescrição do procedimento contraordenacional, nos termos do artigo 28.º, foi a notificação da decisão da ECFP, datada de 3 de março de 2021, relativa às irregularidades das contas da campanha eleitoral, na qual se anuncia a intenção de instauração de procedimento contraordenacional. Contudo, nessa data já se haviam cumprido os três anos do prazo normal de prescrição, mesmo descontando a suspensão de prazos decorrente da legislação emitida no âmbito da crise sanitária - SARS-COVID 19. Com efeito, da conjugação do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de março, mesmo não considerando o disposto no artigo 5.º da Lei 4-A/2020, de 6 de abril, resulta que todos os prazos de prescrição então em curso se suspenderam desde o dia 12 de março de 2020 até ao dia 2 de junho de 2020 (v. os artigos 8.º e 10.º da Lei 16/2020, de 29 de maio) - isto é, pelo período de 83 dias. Em suma, a prescrição sobreveio em 18 de outubro de 2020, não se chegando a aplicar a segunda causa suspensiva da prescrição decorrente do artigo 6.º-B, n.º 3, aditado à Lei 1-A/2020, de 19 de março, pela Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro.
De qualquer forma, sempre a prescrição ocorreria também por via do disposto no artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, ainda que se contabilizassem por inteiro as duas suspensões emergentes das citadas leis excecionais. Nesse caso, a prescrição teria sobrevindo em 4 de julho de 2022 (quatro anos e seis meses, acrescidos de 157 dias), não se chegando a aplicar a suspensão decorrente do disposto no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO.
Em conclusão, o procedimento contraordenacional relativo à infração agora enquadrada no artigo 30.º, n.º 2, da LFP, extinguiu-se por prescrição.
12.2.2.3.2 - Vejamos agora a imputação ii., atinente ao registo de uma cedência de bens à campanha eleitoral a título de empréstimo, descrita em documento contabilístico incompleto, obstando à verificação da conformidade do preço praticado com o valor de mercado.
A matéria de facto relevante é a descrita no ponto 7. dos factos provados.
Segundo a decisão recorrida - em termos que aqui se acompanham -, a cedência de bens à campanha eleitoral a título de empréstimo traduz-se na colocação temporária de bens com valor económico ao serviço desta e está sujeita a contabilização pelo respetivo valor corrente de mercado. Tal valor deve ser considerado para efeitos de controlo do limite estabelecido no artigo 16.º, n.º 4, da LFP, isto é, dos limites impostos aos donativos de pessoas singulares.
No caso vertente, está em causa a cedência gratuita de um imóvel para ser utilizado como sede de campanha do GCE, tendo-se considerado, na decisão recorrida, que o documento que titulou a cedência desse bem omite a respetiva área, facto que implica a violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP.
Tal juízo deve ser confirmado.
Com efeito, a par da localização geográfica, a área de um imóvel constitui um dado fundamental para que se possa proceder a uma avaliação não arbitrária do respetivo valor, seja do valor venal, seja do valor de arrendamento. No caso vertente, o documento de cedência identifica a localização do imóvel e o período de cedência, mas não a área ou sequer a tipologia do imóvel cedido. Tal informação também não consta do contrato de comodato pelo qual o imóvel foi previamente cedido a Emília Fradinho, subsequente cedente ao GCE.
Note-se que a Listagem 5/2017, na parte em que contempla os custos com arrendamento de imóveis com vista a alojar a sede de campanha, estabelece intervalos de preços distribuídos consoante a localização geográfica, mas definidos por metro quadrado de área. Assim, a omissão aqui é causa é absolutamente impeditiva da aferição do valor de mercado do imóvel em apreço. Por fim, sublinhe-se que a circunstância de, com o recurso de impugnação judicial, os recorrentes terem juntado a caderneta predial do imóvel, não impõe outro juízo, uma vez que nesse momento a infração já se havia consumado.
Tendo-se provado o elemento subjetivo da infração, cabe manter, nesta parte, a condenação dos arguidos, pela prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.
12.2.3 - Consequências jurídicas
Embora na sua alegação de recurso os recorrentes não impugnem a medida concreta das coimas que lhes foram aplicadas, há que extrair as consequências ao nível sancionatório, seja da absolvição da imputada infração prevista nos artigos 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da LEC, seja da redução da imputação da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, à situação do imóvel cedido.
Está em causa, em relação a ambos os recorrentes, a aplicação de uma coima entre 1 e 80 vezes o valor do IAS fixado para o ano de 2018 (no valor de (euro) 428,90), isto é, entre (euro) 428,90 e (euro) 34.312,00.
A decisão recorrida, ponderando em especial o número de vezes pelos quais o mesmo foi violado, a relação entre o valor pecuniário envolvido nas infrações e o total das despesas registadas na campanha, a ausência de benefícios económicos que os arguidos tenham tirado dos seus comportamentos e, finalmente, os rendimentos laborais de cada um, fixou as coimas em três IAS ((euro) 1.286,70) para cada arguido.
Segundo o disposto no artigo 51.º, n.º 1, do RGCO, quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifiquem, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Assim, são requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação: (i) a reduzida gravidade da contraordenação; e (ii) a reduzida gravidade da culpa do agente. Ora, não obstante a elevada importância de que o regime legal do funcionamento e organização das contas dos partidos se reveste no quadro da democracia constitucional - o que se traduz na decisão de sancionar contraordenacionalmente determinadas condutas praticadas nesse âmbito e na fixação das molduras sancionatórias -, a proporcionalidade das sanções a aplicar em concreto implica a ponderação de todas as circunstâncias relevantes. No caso vertente, está em causa somente uma infração de natureza formal, de cuja prática não resultou, para os arguidos, benefício económico algum. Na ponderação da culpa, importa relevar a circunstância de os arguidos terem procedido ao envio subsequente da caderneta predial do imóvel - o que, manifestando a intenção de contribuir para a remoção da ilicitude, reduz as exigências de punição -, e de terem sempre manifestado disponibilidade para prestar todos os esclarecimentos que lhes foram solicitados pela ECFP. Por outro lado, não pode ser ignorado que estamos perante cidadãos que não beneficiaram do enquadramento em estruturas partidárias - naturalmente mais preparadas para abordar este tipo de tarefas e depositárias, em virtude da sua tendencial perenidade, de uma experiência acumulada de controlo as contas e financiamentos de campanhas eleitorais -, antes concorrendo a eleições no âmbito de grupos de cidadãos eleitores, cuja constituição é casuística para cada ato eleitoral e desprovida de estrutura orgânica e institucional relevantes. Assim é, ainda que, no passado, o arguido Parada tenha concorrido a eleições e sido eleito no âmbito partidário, uma vez que, ao concorrer fora desse contexto, não beneficia da organização partidária, ainda que se possa valer da experiência pessoal acumulada.
Por tudo isto, encontram-se reunidos os pressupostos de aplicação, a cada arguido, de uma sanção de admoestação pela prática das contraordenações imputadas, constituindo tal sanção a justa medida reclamada pelo caso concreto.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
1 - Julgar improcedentes os recursos interpostos por António Manuel Gomes Santos Parada e Manuel Júlio Leite da Cunha da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos datada de 3 de março de 2021.
2 - Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos por António Manuel Gomes Santos Parada e Manuel Júlio Leite da Cunha da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos datada de 8 de fevereiro de 2023 e, em consequência:
i. Absolvê-los da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro;
ii. Declarar extinto o procedimento contraordenacional, por prescrição, na parte relativa aos factos descritos no ponto 6. dos factos provados;
iii. Admoestar, cada um dos arguidos, aqui ora recorrentes, ante a conduta descrita sob o ponto 7. dos factos provados, por incursos na prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 13 de dezembro de 2023. - Gonçalo Almeida Ribeiro - José Teles Pereira - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - Maria Benedita Urbano - Mariana Canotilho - Joana Fernandes Costa (parcialmente vencida conforme declaração em anexo) - Afonso Patrão (parcialmente vencido, nos termos da declaração junta) - Rui Guerra da Fonseca - Carlos Medeiros de Carvalho - José João Abrantes.
Acórdão retificado pelo Acórdão 6/2024, de 9 de janeiro de 2024
Declaração de voto
Parcialmente vencida.
1 - Pelas razões constantes da declaração de voto que apus ao Acórdão 509/2023, discordo da requalificação jurídica da conduta analisada no ponto 12.2.2.3.1., não subscrevendo, por essa razão, a conclusão que daí foi extraída em matéria de prescrição do procedimento contraordenacional. A falta de apresentação pela candidatura de elementos explicativos do desvio do valor da faturação dos bens ou serviços adquiridos relativamente aos preços de mercado constantes das listas indicativas elaboradas pela ECFP consubstancia, quanto a mim, a violação da obrigação de devida comprovação das despesas da campanha eleitoral, a que corresponde o preenchimento do tipo objetivo da contraordenação prevista no artigo 31.º da Lei 19/2003, consumando-se esta no termo do prazo fixado para a apresentação das contas.
2 - Para além disso, afasto-me da justificação apresentada no ponto 12.1.3. para dar como não demonstrados os factos descritos em 1. e 2. do ponto 12.1.2.. Ainda que os factos sob demonstração sejam os correspondentes aos elementos intelectual e/ou volitivo do dolo, creio que o juízo probatório que o Tribunal é solicitado a formular tanto para afirmá-los como para os desmentir não pode assentar na antecipação do juízo subsuntivo que prevê vir a formular no momento em que tiver de decidir se o quadro factual traçado em juízo preenche ou não o tipo objetivo do ilícito em causa. Na verdade, não creio sequer que nessa antecipação resida a real explicação para a inclusão dos factos acima referidos no elenco daqueles que ficaram por demonstrar. Tal explicação é, quanto a mim, mais simples, decorrendo da mera circunstância de o Tribunal não se ter convencido, em face das máximas da experiência comum e na ausência de prova em contrário, que os bens a cuja aquisição respeitam as despesas referidas no ponto 5. dos factos provados tivessem sido efetivamente utilizados em ações de campanha eleitoral. E não se provando que o tivessem sido, não pode ter-se por demonstrado na atuação dos arguidos qualquer estado mental que inclua a representação dessa utilização. Este juízo, que se situa exclusivamente no plano do julgamento da matéria de facto, não se estende, todavia, ao carácter livre, voluntário e consciente da atuação empreendida - a não integração de tais despesas na Lista de ações e meios -, atributos esses que, nada tendo a ver com a consciência da ilicitude (contrariedade à lei), não deveriam, quanto a mim, ter sido dados como não provados. - Joana Fernandes Costa.
Declaração de voto
Parcialmente vencido, discordando do ponto ii. do n.º 2 da decisão.
Não subscrevo os pontos 12.2.2.3.1.1. a 12.2.2.3.1.3. da fundamentação, pelas razões constantes da minha Declaração Voto junta ao Acórdão 509/2023. Em consequência, divirjo da absolvição quanto à contraordenação prevista no artigo 31.º da LFP e das consequências em matéria de prescrição quanto à sua reclassificação.
Creio, pois, que deveria confirmar-se a condenação pelos factos descritos no ponto 6. dos factos provados, nos precisos termos da decisão da ECFP aqui recorrida. - Afonso Patrão.
317295886
Anexos
- Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5636222.dre.pdf .
Ligações deste documento
Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):
-
1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça
Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.
-
1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República
Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.
-
2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República
Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
-
2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República
Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
-
2017-11-30 - Mapa Oficial 1-A/2017 - Comissão Nacional de Eleições
Mapa oficial dos resultados das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais de 1 de outubro de 2017
-
2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República
Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)
-
2020-03-19 - Lei 1-A/2020 - Assembleia da República
Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19
-
2020-04-06 - Lei 4-A/2020 - Assembleia da República
Procede à primeira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19
-
2020-05-29 - Lei 16/2020 - Assembleia da República
Altera as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, à primeira alteração à Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, e à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março
-
2021-02-01 - Lei 4-B/2021 - Assembleia da República
Estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março
Ligações para este documento
Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):
Aviso
NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.
O URL desta página é: https://dre.tretas.org/dre/5636222/acordao-870-2023-de-5-de-fevereiro