de 28 de Julho
A serra da Arrábida constitui uma área verde da região metropolitana Lisboa-Setúbal onde cada vez se acentua com maior intensidade a pressão demográfica e as consequências do crescimento urbano e industrial, transformando-se por isso numa zona privilegiada da rede de recreio e cultura a ter em conta no ordenamento físico desta região do nosso país.Porém, outros motivos, e não menos importantes, de ordem científica, cultural, histórica, paisagística, fazem da serra da Arrábida uma zona a proteger da degradação a que tem estado submetida, com vista ao aproveitamento integral de todos os seus recursos e potencialidades.
Sob o aspecto botânico, esta serra apresenta-se como uma relíquia única do maquis mediterrânico, nela subsistindo vegetação natural de importância, não só nacional, como internacional.
O interesse de ordem geológica traduz-se nos acidentes de relevo, nos aforamentos rochosos, em especial dos calcários brancos do Sul e os cinzentos do Norte, e na existência de conhecida brecha da Arrábida.
Os motivos de ordem zoológica são de muito valor no que se refere à fauna terrestre, e muito especialmente à fauna marinha, não só na Pedra da Anicha, como ao longo de todo o recorte da costa.
Não se pode deixar de referir que a zona costeira da Arrábida faz parte do recorte de uma baía que constitui um dos principais mananciais do Atlântico Norte, absolutamente indispensável à criação e manutenção de espécies marítimas animais e vegetais que deverão justificar oportunamente a criação do parque marítimo de Sesimbra, já em diversas ocasiões falado e discutido.
Constitui ainda a serra da Arrábida um extraordinário componente natural de grande valor paisagístico, encenando panorâmicas de grande beleza natural e de secular humanização. Nela se detiveram ao longo de séculos poetas e pensadores contemplativos, estudiosos e eremitas, e não é por acaso que ali se ergue o Convento da Arrábida, com uma importante biblioteca franciscana.
Considerando as razões expostas, que conferem à serra da Arrábida um alto valor nacional que urge preservar;
Considerando a alta sensibilidade da área e a sua fraca capacidade de acolhimento, que exigem medidas eficazes de protecção sem impedir a sua utilização para recreio formativo;
Considerando ainda ter-se vindo a verificar ali a sucessiva degradação do ambiente, que põe em risco a existência, a curto prazo, do conjunto de valores referidos;
Considerando ainda os resultados dos reconhecimentos e estudos a que a Secretaria de Estado do Ambiente procedeu na região e sua periferia;
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º
(Criação do Parque Natural da Arrábida)
Reconhecendo a insuficiente protecção conferida pelas medidas preventivas decretadas para a zona pelo Decreto 355/71, de 16 de Agosto, e nos termos da base IV da Lei 9/70, de 19 de Junho, é criado o Parque Natural da Arrábida.
Artigo 2.º
(Delimitação da área)
1 - A área do Parque é limitada consoante os tópicos seguintes:a) A nascente, e com início no Forte de Albarquel, pela estrada que liga o mesmo à estrada nacional n.º 10-4;
b) Pela estrada nacional n.º 10-4, no sentido poente-nascente, até ao quilómetro 0, ligando depois à estrada que leva ao Castelo de S. Filipe;
c) Segue depois ao longo da estrada citada anteriormente até ao caminho vicinal que se inicia no Castelo de S. Filipe e passa junto à Quinta do Lopes, vai ao longo do mesmo até ao entroncamento do Viso Grande;
d) Aí inflecte para a direita, ao longo do caminho vicinal que passa ao Casal do Valido, Casal do Machado e Casal Ligeiro;
e) No Casal Ligeiro inflecte para a esquerda, segue ao longo da azinhaga que passa ao Casal das Noivas, Quinta de Santa Efigénia e Quintão, até entroncar na estrada nacional n.º 10;
f) No sentido nascente-poente, pela estrada nacional n.º 10, pela azinhaga que liga esta ao lugar de Combros, Casal da Fé, Casal do Olival, Casal do Guarda-Mor e azinhaga de Alferrare;
Do sítio de Arca de Água, pela azinhaga, do limite do concelho de Setúbal até à estrada municipal n.º 531;
g) No sentido sul-norte pela estrada municipal n.º 531, estrada da Cobra até ao entroncamento com a estrada nacional n.º 379, na vila de Palmela;
h) Ao longo da estrada nacional n.º 379, desde Palmela à povoação de Santana, inflectindo pela estrada do Facho e terminando no moinho do mesmo nome;
i) Pelo alinhamento do marco geodésico do moinho do Facho com o marco geodésico do Alto da Califórnia;
Pelo alinhamento do marco geodésico do Alto da Califórnia com a Ponta da Meia Velha, que é o limite sul do oceano Atlântico.
2 - As áreas englobadas no Parque Natural da Arrábida são as seguintes:
2.1 - Reserva integral. - Abrange as zonas vulgarmente designadas por Mata do Solitário, Mata Coberta e Mata dos Vidais.
2.2 - Reserva parcial. - Que engloba os seguintes tipos de reservas:
2.2.1 - Reserva botânica. - Toda a zona envolvente às reservas integrais descritas anteriormente e que, em linhas gerais, abrange o Alto do Poiso do Cortiço, Rocha do Cardoso, Valongo, Murteira, Cabeça Gorda, Fonte do Veado, Formosinho e Estaganhais.
2.2.2 - Reserva geológica. - A zona situada entre as estradas nacionais n.º 379-1 e n.º 10-4 da parte superior às praias da Figueirinha e Galapos; a zona situada entre as mesmas estradas citadas anteriormente, mas na parte superior da baía do Portinho da Arrábida; toda a zona da falésia entre o Calhau dos Alhos e a Ponta da Meia Velha.
2.2.3 - Reserva zoológica. - Pedra da Anicha.
2.2.4 - Reserva paisagística. - Abrange grande parte da herdade e mata da Comenda, a serra de S. Luís e a serra dos Gaiteiros.
2.3 - Sítio do Convento. - Constitui todo o conjunto arquitectónico do Convento Novo, Bom Jesus da Arrábida e o Convento Velho.
2.4 - Sítio arqueológico. - Abrange as seguintes zonas e locais vulgarmente conhecidos por:
Lugar do Pedrão - povoado situado na encosta E. da serra de S. Luís, à cota de 165 m.
Grutas artificiais da Quinta do Anjo, situadas no limite da referida povoação.
Rotura - povoado situado na encosta S. E. da serra de S. Luís.
Roça do Casal do Meio - monumento funerário do final da idade do bronze situado a 400 m para N. N. E. do Casal do Meio, Quinta do Calhariz.
3 - As zonas referidas em 2 caracterizam-se por:
3.1 - Reserva integral. - Zonas destinadas à protecção absoluta de todos os elementos naturais, que ficarão sujeitos às recomendações internacionais sobre este assunto e cujo acesso só será autorizado para fim de estudo e de investigação científica.
3.2 - Reservas parciais. - Zonas de protecção especial sobre determinados elementos naturais, ficando sujeitas às disposições das convenções internacionais sobre a protecção da natureza e cujo acesso sem também limitado.
Estas reservas poderão ser botânicas, zoológicas e geológicas.
3.3 - Reserva paisagística. - Zonas destinadas à protecção e conservação de locais ou paisagens, bem como de panorâmicas de grande valor cultural, histórico e estético.
3.4 - Paisagem protegida. - Zonas rurais onde subsistem aspectos característicos de hábitos e cultura dos habitantes e onde se pretende que sejam prosseguidas as actividades tradicionais apoiadas numa estrutura de recreio, como fonte de receita e promoção.
3.5 - Sítio. - Conjunto ou conjuntos constituídos com uma função ou unidade histórica e uma continuidade física com interesse científico e ou arquitectónico.
4 - Os limites do Parque e as áreas descritas no número anterior vão demarcados no mapa anexo ao presente decreto-lei e que dele faz parte integrante.
Artigo 3.º
(Prazo)
1 - No prazo de seis meses, a contar da publicação do presente decreto, será elaborado o projecto de ordenamento do Parque Natural da Arrábida por um grupo de trabalho nomeado pelo Secretário de Estado do Ambiente.2 - A Secretaria de Estado do Ambiente, em colaboração com o Ministério das Obras Públicas, Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção, Ministério da Agricultura e Pescas, com o Governo Civil de Setúbal e autarquias locais, proporá ao Conselho de Ministros a criação de determinados equipamentos que julgue necessários ao enquadramento das pressões exercidas pela população em tempos livres e já causadoras de amplas degradações.
3 - Com a aprovação pelo Conselho de Ministros do projecto referido no n.º 1, ficam definidas as servidões e restrições administrativas a que ficarão sujeitos os terrenos e bens nela compreendidos.
4 - Os projectos de que sejam objecto as zonas que vierem a ser definidas como reservadas para recreio deverão prever a integração na paisagem, a resolução dos problemas de estabilização biofísica por processos integráveis com base na vegetação clímax ou tradicional, a valorização e protecção dos elementos físicos naturais e a valorização estética e ambiental.
Artigo 4.º
(Administração)
Até à entrada em vigor da portaria que regulamentará a orgânica e o funcionamento do Parque, este será administrado por uma comissão instaladora, a que presidirá um representante do Serviço Nacional de Parques e Reservas, a designar pelo Secretário de Estado do Ambiente, de que farão parte um representante do Ministério da Agricultura e Pescas, Ministério das Obras Públicas, Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção, representantes dos municípios interessados, das juntas de freguesia locais, Comissão de Turismo da Serra da Arrábida e a Comissão de Arte e Arqueologia da Câmara de Setúbal.
Artigo 5.º
(Contravenções)
Constitui contravenção:a) A realização de quaisquer trabalhos, obras ou actividades em terrenos abrangidos no Parque sem autorização da comissão instaladora, ouvidas as autoridades com competência na matéria, quando regularmente exigida, ou com inobservância das condições impostas ou projectos aprovados;
b) A introdução, a circulação e o estabelecimento nos terrenos situados na reserva de veículos, caravanas e barracas com inobservância das proibições ou condicionamentos que forem estabelecidos;
c) A instalação de locais de campismo ou acampamento em terrenos situados na reserva fora das zonas especialmente destinadas a esse fim ou a inobservância das condições fixadas; d) O abandono de detritos fora dos locais especialmente destinados a esse fim;
e) A introdução na reserva de animais não domésticos e de espécies exóticas quando não superiormente autorizada, bem como a destruição e a colheita de plantas e partes de plantas endémicas ou daquelas cuja área em Portugal está confinada exclusivamente ou quase à serra da Arrábida;
f) O exercício da caça, enquanto não for regulamentada pelas entidades competentes na matéria;
g) O depósito de materiais ou qualquer outra alteração de relevo.
Artigo 6.º
(Multas)
1 - As contravenções previstas no artigo 5.º, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, são punidas:a) Com multa de 500$00 a 10000$00, as alíneas a), b), d) e g);
b) Com o confisco, além de multa prevista na alínea anterior, das barracas instaladas em contravenção à alínea b) do artigo 5.º;
c) Com multa de 500$00, o acto de acampamento previsto na alínea c);
d) Com multa de 500$00 a 5000$00, as alíneas e) e f).
2. A aplicação da multa pelas contravenções previstas nas alíneas a) e g) do artigo anterior não prejudica a obrigação de o infractor demolir as obras ou trabalhos efectuados, quando não possam ser autorizados.
3. Se o infractor se recusar a demolir as obras ou trabalhos efectuados para que for intimado, a comissão instaladora, ou de futuro a direcção do Parque, mandará proceder à demolição, apresentando a relação das despesas para cobrança ao infractor, recorrendo aos tribunais sempre que necessário.
Artigo 7.º
(Fiscalização)
1 - As funções de policiamento e fiscalização competem aos guardas florestais, às câmaras municipais, aos funcionários do Serviço Nacional de Parques, Reservas e património Paisagístico e ao Corpo de Vigilantes da Natureza privativo do Parque, logo que seja constituído.2 - Os autos de notícia por infracção ao disposto no presente decreto serão levantados e processados nos termos dos artigos 166.º e 167.º do Código de Processo Penal.
Artigo 8.º
(Iniciativas sujeitas à autorização superior)
1 - Até à data de entrada em exercício da comissão instaladora referida no artigo 4.º do presente decreto, fica dependente de autorização do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico e dos Ministérios da Agricultura e Pescas, das Obras Públicas e da Habitação, Urbanismo e Construção, dentro do perímetro do Parque, a realização dos seguintes trabalhos:
a) Construção, reconstrução, ampliação ou demolição de edifícios e outras instalações;
b) Instalação de explorações ou ampliação das já existentes;
c) Alterações importantes, por meio de aterros ou escavações, à configuração geral dos terrenos;
d) Derrube de árvores em maciço;
e) Abertura de novas vias de comunicação e a passagem de linhas eléctricas ou telefónicas;
f) Abertura de fossas ou depósitos de lixo;
g) Captação e desvio de água;
h) A caça nas áreas de paisagem protegida e reserva paisagística.
2 - A autorização a que se refere o número anterior não dispensa quaisquer outros condicionamentos legalmente exigidos.
Artigo 9.º
(Violações)
1 - É aplicável às obras e trabalhos efectuados com inobservância do preceituado no número anterior o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei 576/70.2 - São nulas e de nenhum efeito as licenças municipais ou outras concedidas com violação do regime instituído neste decreto. Artigo 10.º (Sinalização) Serão aprovados por portaria do Secretário de Estado do Ambiente os sinais indicativos de proibição, permissões e de condicionamento previsto neste decreto para os quais não existam já modelos legalmente estabelecidos.
Artigo 11.º
(Despesas)
As despesas emergentes da execução do presente diploma serão suportadas pelas dotações adequadas do orçamento do Serviço Nacional de Parques e Reservas.Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa - António Poppe Lopes Cardoso - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira - Eduardo Ribeiro Pereira.
Promulgado em 8 de Julho de 1976.
Publique-se.O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.
(ver documento original) O Primeiro-Ministro Interino, Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa.