Decreto-Lei 99/87
de 5 de Março
1. As necessidades de financiamento do Estado têm, nas economias avançadas, um peso determinante, por vezes excessivo, no cômputo do financiamento global disponível de cada país.
Os efeitos sobre o sector produtivo não são simples nem se exercem apenas num sentido.
A teoria macroeconómica vem, aliás, debruçando-se com profundidade acrescida sobre os efeitos perversos da pressão do financiamento do sector público no investimento privado - quer pela quantidade de meios financeiros absorvidos quer pelas flutuações induzidas na taxa de juro -, eventualmente compensados por movimentos de sinal contrário decorrentes dos aumentos de rendimento provocados ou da prática de subsidiação e de transferências para o sector privado.
2. Assim tem sido, também, em Portugal. Relativamente ao produto interno bruto, as NFSPA - necessidades de financiamento do sector público administrativo (SPA) (líquidas de amortizações da dívida) - passaram de -0,9% em 1973 para +13,4% em 1984 (máximo) e encontram-se em 1986 em cerca de 9%.
O Governo projectou uma trajectória a médio prazo correctora do peso do défice do Orçamento do Estado - que constitui, de longe, o maior responsável pelas referidas NFSPA. Os Orçamentos de 1986 e de 1987 inserem-se já no quadro desta estratégia de redução gradual das NFSPA.
Sendo o Estado o ente público que mais contribui para o volume destas necessidades de financiamento, não se pode esquecer a importância de estender o rigor de orçamentação e execução a todas as entidades do SPA.
A disciplina orçamental que já caracteriza o Orçamento do Estado deverá assim abranger os fundos e serviços autónomos. Além disso, haverá que encarar as necessidades de financiamento da Segurança Social numa óptica de médio prazo em articulação estreita com o programa orçamental do Estado. Finalmente, as autarquias locais, pelo volume de recursos financeiro que já movimentam, não poderão deixar de vir a aderir à lógica de contenção das necessidades financeiras do sector público, pelo que serão indispensáveis progressos ao nível da orçamentação e da contabilização das respectivas receitas e despesas, de molde a permitir o conhecimento antecipado da inerente absorção global de meios financeiros.
3. Natureza diferente e diferentes consequências têm as necessidades de financiamento do sector empresarial do Estado.
Primeiro, porque se trata de entidades do sector produtivo e não do sector administrativo. Os efeitos da concorrência na procura de financiamentos não são, pois, os mesmos. A concorrência faz-se, dentro do sector produtivo, entre empresas públicas e privadas.
Segundo, porque elas devem mover-se exclusivamente pela racionalidade empresarial - se se tratar de entidades tipicamente empresariais - ou por um misto devidamente calibrado e compensado entre essa racionalidade e o interesse social - se se tratar de entidades que pretendam reunir as naturezas, parcialmente inconciliáveis, de serviço público e de empresa.
Terceiro, porque as relações de financiamento das EPs regem-se - ou têm de passar a reger-se - pela avaliação do risco do negócio e da segurança e recuperação das operações de crédito, enquanto o recurso à dívida pelo Estado assume outras configurações de segurança e, por vezes, de quase imposição, como aconteceu no passado.
As orientações que o Governo vem traçando apontam para que as EPNFs (empresas públicas não financeiras) se financiem no mercado de capitais e junto das instituições de crédito como uma qualquer grande empresa, independentemente da natureza pública ou privada dos seus titulares. Os financiadores, sobretudo os institucionais, têm de avaliar se o risco é aceitável, se as garantias são bastantes, se os projectos têm mérito, se a estrutura financeira e patrimonial é equilibrada, se a administração justifica devidamente o volume e o modo de financiamento pretendidos. Ambas - as instituições financiadoras e as EPs financiadas - terão presentes as macrorreferências estabelecidas pelo Governo para o crescimento do investimento produtivo; as primeiras cuidarão, em particular, do cumprimento das directrizes de política monetária; as segundas enquadrar-se-ão nas orientações estratégicas dos ministros da tutela. Mas nem umas nem outras deverão negociar sob a imagem do Estado soberano, protector e pagador.
4. O financiamento das empresas públicas não financeiras (EPNFs) tem constituído, ao longo dos últimos dez anos, uma das principais fontes de dificuldades do controle monetário em Portugal. A título de exemplo, refira-se que no período de 1978-1983 as necessidades de financiamento daquelas empresas públicas ascenderam, em média anual, a 8,7% do PIB, aproximando-se da média do SPA no mesmo período (10,1%), o que diz bem da dificuldade em conciliar um financiamento não asfixiante do sector privado com uma expansão aceitável dos meios de pagamento.
Por conseguinte, o sucesso da programação monetária requer o acompanhamento das necessidades financeiras das EPNFs e este requer o acompanhamento dos seus investimentos.
Na orgânica do Governo tem cabido ao Ministério das Finanças a tutela das EPs na perspectiva financeira (n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 29/84, de 20 de Janeiro).
5. Justifica-se, por conseguinte, a criação, no Ministério das Finanças, de um gabinete que cuide de o apoiar no enquadramento do volume e da composição dos meios financeiros necessários para cobrir os défices do sector público, informe atempadamente sobre a melhor ou pior execução dos valores de financiamento projectados, proceda, enfim, aos balanceamentos agregados e desagregados que se revelarem indispensáveis para dar parecer sobre a compatibilidade entre as necessidades e a forma de financiamento do sector público, administrativo e empresarial, e os objectivos da política económica do Governo, designadamente os respeitantes ao crescimento do investimento produtivo e à redução da inflação. Tarefa que exigirá, também, uma estreita articulação com o banco central, de modo a dotar da máxima eficiência a condução e a execução da política monetária.
Ao criar um tal gabinete, extingue-se, ao mesmo tempo, o SPEP - Secretariado Permanente das Empresas Públicas -, inserido na cadeia de decisão dos actos fundamentais de gestão das EPs não financeiras, encravado entre o Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos e o Ministério das Finanças, tornando ainda mais burocrático e desresponsabilizante um processo de decisão que já antes se reconhecia como muito pesado e que não está vocacionado para preencher as funções enunciadas.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º - 1 - É criado, no âmbito do Ministério das Finanças, o Gabinete para a Análise do Financiamento do Estado e das Empresas Públicas, adiante designado por GAFEEP.
2 - O GAFEEP é um órgão de assessoria e apoio directo ao Ministro das Finanças.
Art. 2.º É atribuição do GAFEEP preparar matérias a submeter ao Ministro das Finanças para efeito de deliberações que respeitem ao exercício da tutela financeira do sector público, administrativo e empresarial, designadamente:
a) Analisar agregadamente as necessidades de financiamento, quer para funcionamento, quer para investimento, do sector público administrativo (SPA) e do sector empresarial do Estado (SEE) e apreciar a sua compatibilidade com a programação monetária e com os objectivos macroeconómicos de cada ano;
b) Elaborar propostas sobre a fixação anual ou supra-anual das macrorreferências relativas ao financiamento dos SPA e SEE, designadamente as respeitantes às incidências financeiras do PIDDAC e do PISEE;
c) Dar parecer sobre as incidências financeiras dos orçamentos anuais das entidades do SEE e acompanhar a sua execução com base em documentos especialmente elaborados para o efeito pelos órgãos executivos responsáveis;
d) Dar parecer sobre as negociações da massa salarial no SEE, tendo em conta a política de rendimentos definida pelo Governo, a situação financeira de cada empresa e a produtividade;
e) Dar parecer sobre as incidências financeiras das revisões de preços administrados;
f) Dar parecer sobre os montantes de indemnizações compensatórias, dotações de capital e subsídios a conceder anualmente ao SEE;
g) Dar parecer sobre a estrutura das fontes de financiamento e a evolução dos custos financeiros das entidades dos SPA e SEE;
h) Apreciar as incidências financeiras dos contratos-programas e de outros instrumentos de programação plurianuais do SEE, tais como programas de reestruturação ou de reequilíbrio financeiro;
i) Elaborar anualmente relatório sobre os financiamentos dos SPA e SEE.
Art. 3.º No exercício das suas atribuições compete, designadamente, ao GAFEEP:
a) Articular a sua actividade especialmente com o Gabinete de Estudos Económicos, a Inspecção-Geral de Finanças, a Direcção-Geral da Contabilidade Pública e a Direcção-Geral do Tesouro;
b) Em colaboração com a Direcção-Geral da Contabilidade Pública, com os gabinetes de planeamento dos ministérios sectoriais e com outros organismos com funções de recolha de dados, obter os elementos de informação de que careça para o exercício das suas atribuições;
c) Obter do Banco de Portugal, do Instituto Nacional de Seguros e das instituições bancárias e parabancárias todos os elementos de informação sobre o financiamento de qualquer entidade ou grupo de entidades dos SPA e SEE.
Art. 4.º - 1 - O GAFEEP será dirigido por um director, o qual é equiparado, para todos os efeitos legais, a director-geral.
2 - O director é coadjuvado por um subdirector, o qual é equiparado, para todos os efeitos legais, a subdirector-geral.
3 - O GAFEEP compreende o pessoal constante do quadro anexo ao presente diploma, que dele faz parte integrante.
Art. 5.º - 1 - O GAFEEP terá um quadro de consultores, habilitados com licenciatura em Economia, Gestão de Empresas ou outras que se mostrem adequadas à prossecução das atribuições, abrangendo as seguintes categorias:
a) Consultor;
b) Primeiro-consultor;
c) Consultor principal.
2 - O provimento dos consultores é feito por nomeação pelo período de um ano e nas seguintes modalidades:
a) Em comissão de serviço, para os não vinculados à função pública, desde que não tenham uma relação jurídico-laboral com empresas públicas;
b) Em comissão de serviço ou em requisição, para os vinculados à função pública;
c) Em requisição, para trabalhadores de empresas públicas, no âmbito do regime geral aplicável.
3 - A nomeação referida no número anterior pode ser feita cessar, por conveniência de serviço, a qualquer momento.
4 - O exercício de funções no GAFEEP é contado, para todos os efeitos legais, designadamente para a progressão nas respectivas carreiras, como prestado nos lugares de origem.
5 - O desempenho de funções no GAFEEP está isento do cumprimento de horário de trabalho, não lhe sendo, por isso, devida qualquer remuneração por trabalho extraordinário.
Art. 6.º - 1 - O apoio administrativo ao GAFEEP será assegurado por pessoal da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças a destacar para o efeito, ou por pessoal a requisitar ou a destacar de outros serviços do Estado, nos termos da legislação em vigor.
2 - O apoio informático ao GAFEEP será prestado pelo Instituto de Informática do Ministério das Finanças, em moldes a fixar por despacho do Ministro das Finanças.
Art. 7.º O pessoal a prestar serviço no GAFEEP não pode ser prejudicado no seu emprego, na estabilidade e progressão da sua carreira, no regime de segurança social e nas demais regalias de que beneficie.
Art. 8.º É extinto o Secretariado Permanente para as Empresas Públicas (SPEP), criado pelo Decreto-Lei 99/85, de 8 de Abril.
Art. 9.º - 1 - Por despacho do Ministro das Finanças e com recurso às verbas inscritas no orçamento do Ministério das Finanças e às disponibilidades existentes nas dotações postas à disposição do ex-SPEP, serão satisfeitos os encargos de funcionamento do GAFEEP.
2 - Todos os valores activos e passivos, a titularidade de todos os bens móveis e imóveis e todos os direitos e obrigações, contratuais ou não, do SPEP são transferidos para o GAFEEP.
Art. 10.º O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 20 de Janeiro de 1987. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe.
Promulgado em Bragança em 25 de Fevereiro de 1987.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 25 de Fevereiro de 1987.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
Quadro de pessoal
(ver documento original)