I - A questão. - 1 - O Primeiro-Ministro, ao abrigo do disposto nos artigos 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa e 51.º, n.º 1, alínea a), da Lei 28/82, de 15 de Novembro, veio requerer a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo único do Decreto Legislativo Regional 35/84/A, de 16 de Novembro, invocando para tanto as razões seguintes:
Muito embora o diploma em causa possa respeitar a matéria de interesse específico para a Região, estava-lhe vedado invadir a reserva de competência da Assembleia da República em matéria de impostos gerais da República, como é o caso (artigos 115.º, n.º 3, 229.º, alínea a), e 168.º, n.º 1, alínea i), todos da Constituição];
Efectivamente, a criação de impostos - incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes - e o sistema fiscal constituem matéria da exclusiva competência da Assembleia da República [artigos 168.º, n.º 1, alínea i), e 106.º, n.º 2, da Constituição];
Por outro lado, quando o Decreto Legislativo Regional 35/84/A devolve para um órgão administrativo regional a definição da incidência real do imposto de turismo está ainda a infringir o princípio da tipicidade, criando uma nova categoria de actos normativos, preenchendo por via administrativa o conteúdo de uma norma que deixa em branco (artigo 115.º, n.º 1, da Constituição);
E é certo que esse preenchimento se faz à custa de matéria fiscal, cujo âmbito integra matéria da exclusiva competência parlamentar.
2 - Em conformidade com o disposto no artigo 54.º da Lei 28/82 foi notificado o Presidente da Assembleia Regional dos Açores, havendo na competente resposta sido sustentada a conformidade constitucional da norma questionada, além de outras, com base nas seguintes considerações:
O Decreto-Lei 134/83, de 19 de Março, que aprovou o Regulamento do Imposto de Turismo (RIT), confere às regiões autónomas a faculdade de aplicarem o imposto de turismo nos respectivos territórios;
Assim, a aplicação ou não do imposto de turismo na Região Autónoma dos Açores é uma faculdade dos seus órgãos de governo próprio, podendo ser exercida em qualquer altura da vigência do referido imposto e a todo o tempo podendo cessar;
Por outro lado, o artigo 2.º do Decreto-Lei 134/83 faz depender a sua aplicação às regiões autónomas de decretos legislativos regionais;
Em obediência a esta disposição, foi primeiramente editado o Decreto Legislativo Regional 36/83/A, de 2 de Dezembro, e depois o Decreto Legislativo Regional 35/84/A, que daquele constitui mero complemento;
Se estes diplomas regionais não existissem, o imposto de turismo não poderia ser cobrado na Região Autónoma dos Açores, condicionada como está essa cobrança à aprovação legislativa a que se alude no Decreto-Lei 134/83;
Aliás, se alguma constitucionalidade se pode discutir é a do artigo 2.º do Decreto-Lei 134/83, e não a do Decreto Legislativo Regional 35/84/A, que ao seu abrigo se editou;
Acresce que o Decreto Legislativo Regional 36/83/A manda aplicar o imposto de turismo na Região Autónoma com as adaptações decorrentes das especificidades regionais;
Ao contrário do que se afirma na petição, não foi alterada nem devolvida a um órgão administrativo regional a definição da incidência real do imposto de turismo;
Quer no continente, quer no âmbito regional, o imposto de turismo incide sobre os serviços prestados relativamente às mesmas actividades;
Aquele diploma regional, suprindo a falta das regiões de turismo ou zonas de turismo na Região Autónoma dos Açores, apenas adaptou à realidade regional os requisitos de tributação;
Com efeito, no território do continente só estão sujeitos à incidência do imposto de turismo os serviços prestados na área dos municípios integrados em regiões de turismo ou em zonas de turismo, o que não poderia valer no plano da Região Autónoma, por aqui não existirem regiões ou zonas de turismo nem os respectivos órgãos de gestão, as comissões regionais de turismo;
Assim, nem todos os estabelecimentos hoteleiros e similares no território continental se acham sujeitos à incidência do imposto de turismo, que apenas se reporta àqueles que estão integrados em zonas ou regiões de turismo;
O Decreto Legislativo Regional 35/84/A veio dispor que apenas os serviços prestados por estabelecimentos hoteleiros classificados pela Direcção Regional de Turismo (DRT) ficavam sujeitos ao imposto de turismo;
Através dele apenas se delimitou o campo territorial de aplicação do imposto de turismo, não havendo qualquer intromissão no âmbito da definição da sua incidência real;
Aliás, também no território continental as regiões de turismo são criadas por acto administrativo (artigo 1.º, n.º 4, do Decreto-Lei 327/82, de 16 de Agosto), constituindo este o pressuposto de aplicação do imposto de turismo;
A previsão do Decreto Legislativo Regional 36/83/A de que o diploma agora contestado constitui mero complemento não é substancialmente distinta da que vigora no continente, não enfermando de qualquer vício de inconstitucionalidade;
Ademais, a aplicação do imposto de turismo cessa no dia 1 de Janeiro de 1986, com a entrada em vigor do imposto sobre o valor acrescentado.
3 - Anteriormente à data da apresentação do pedido do Primeiro-Ministro já o artigo 2.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei 394-B/84, de 26 de Dezembro - diploma que aprovou o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) -, viera determinar que ficava abolido, a partir da entrada em vigor do mesmo Código, «o imposto de turismo, regulamentado pelo Decreto-Lei 134/83, de 19 de Março».
O artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei 394-B/84 fixara em 1 de Julho de 1985 a data da entrada em vigor do CIVA, sem prejuízo da imediata vigência, decorrido o prazo ordinário de vacatio legis, das normas respeitantes ao registo de contribuintes, expressamente referidas no Decreto-Lei 394-A-84, de 26 de Dezembro.
Simplesmente, a Assembleia da República, no uso da faculdade conferida pelo artigo 172.º, n.º 2, da Constituição, através da Resolução 17/85, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 145, de 27 de Junho de 1985, suspendeu a vigência do Decreto-Lei 394-B/84 até à publicação da lei que o viesse alterar ou até à rejeição das propostas de alteração.
A Lei 42/85, de 22 de Agosto, concedeu nova redacção a diversos preceitos do Decreto-Lei 394-B/84, nomeadamente ao seu artigo 10.º, por força da qual o CIVA entraria «em vigor em 1 de Janeiro de 1986, sem prejuízo da aplicação, para efeitos de registo de contribuintes, das normas nele contidas, que são as referidas no Decreto-Lei 394-A/84, de 26 de Dezembro».
Por força das disposições conjugadas deste preceito e do artigo 2.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei 394-B/84, o imposto de turismo foi abolido a partir do dia 1 de Janeiro de 1986.
A norma posta em causa no pedido integra a regulamentação do imposto de turismo na Região Autónoma dos Açores, havendo assim forçosamente de se entender que a sua vigência cessou no primeiro dia do ano de 1986.
4 - Tendo em vista o exposto, cabe desde logo averiguar se na hipótese em presença existe interesse jurídico relevante na emissão de uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
A resposta deve, manifestamente, ser de sinal positivo.
De um lado, porque existem pendentes, por certo, muitas situações materiais constituídas ao abrigo da norma impugnada; de outro lado, porque o artigo 2.º, n.º 3, do Decreto-Lei 394-B/84 expressamente dispõe que a abolição do imposto de turismo «não prejudica a punição das infracções cometidas até à data da entrada em vigor do CIVA, continuando a aplicar-se as normas relativas a penalidades contidas nos diplomas reguladores dos impostos abolidos», nada impedindo que o Estado, face a ocorrências de fraude e evasão fiscal, no domínio do imposto de turismo, possa proceder à sua cobrança coerciva, a menos que entretanto se tenha verificado a extinção das respectivas dívidas.
Aliás, o Tribunal Constitucional perfilhou já este entendimento em situações similares à presente (cf. Acórdão 236/86, in Diário da República, 2.ª série, de 12 de Novembro de 1986).
Transposta a questão prévia que vem de se dilucidar, cabe agora entrar na apreciação do mérito do pedido.
II - A fundamentação. - 1 - O artigo 55.º da Lei 40/81, de 31 de Dezembro (Orçamento Geral do Estado para o ano de 1982), autorizou o Governo «a rever a incidência, isenções, taxa, garantias dos contribuintes e regime de cobrança do imposto de turismo».
Ao abrigo desta credencial parlamentar foi editado o Decreto-Lei 134/83, de 19 de Março, aprovando no seu artigo 1.º o RIT e preceituando depois, no artigo 2.º, que as suas disposições «poderão ter aplicação às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira mediante decretos legislativos regionais».
No plano de incidência do imposto de turismo, o artigo 1.º, alínea a), daquele Regulamento, norma que agora importa assinalar, rezava assim:
«1 - Estão sujeitos ao imposto de turismo os serviços prestados na área dos municípios integrados em regiões de turismo relativamente às actividades exercidas:
a) Em estabelecimentos hoteleiros e similares, independentemente da entidade competente para o seu licenciamento, incluindo os aldeamentos e apartamentos turísticos, e em conjuntos turísticos.» O Decreto Legislativo Regional 36/83/A, de 2 de Dezembro, depois de ponderar nas suas considerações preambulares que «a aplicação à Região do Decreto-Lei 134/83, de 19 de Março, no exercício do poder tributário próprio conferido à Região Autónoma pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, vem permitir colmatar o vazio legislativo em matéria de imposto de turismo e que desde 1980 tem impossibilitado a cobrança daquele imposto», tornou aplicável à Região Autónoma dos Açores o RIT aprovado pelo Decreto-Lei 134/83, com as adaptações constantes do respectivo articulado.
Tocantemente à matéria em apreço, o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), daquele diploma regional dispunha assim:
«1 - O imposto de turismo incide sobre os serviços prestados na Região Autónoma dos Açores relativamente às actividades exercidas:
a) Em estabelecimentos hoteleiros e similares, independentemente da entidade competente para o seu licenciamento, incluindo os aldeamentos e apartamentos turísticos, e em conjuntos turísticos.» Atendo-se à consideração de que a aplicação do Decreto Legislativo Regional 36/83/A «tem suscitado algumas dúvidas, muito em especial o objecto da sua incidência», mostrando-se «conveniente clarificá-lo, por forma que os objectivos do referido diploma sejam atingidos na sua plenitude», a Assembleia Regional dos Açores aprovou o Decreto Legislativo Regional 35/84/A, cujo artigo único contém a seguinte formulação:
«Por estabelecimentos hoteleiros e similares referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 36/83/A, de 2 de Dezembro, deverão entender-se estabelecimentos hoteleiros e similares classificados pela DRT.» Importa destacar que todas as comissões regionais de turismo existentes nos Açores (São Miguel, Santa Maria, Terceira e Horta) foram extintas, transitando as suas atribuições e competência para o Governo Regional, ficando afectas à Secretaria Regional dos Transportes e Turismo (cf. artigos 1.º e 2.º do Decreto Regional 13/78/A, de 27 de Setembro).
Por seu turno, o Decreto Regulamentar Regional 25/78/A, de 27 de Dezembro, estruturou os serviços de turismo a nível regional e, na sequência da extinção das comissões regionais de turismo, estabeleceu na DRT serviços externos (delegações e postos de turismo) destinados a operar em todas as ilhas da Região Autónoma.
2 - Tendo em atenção o quadro normativo que vem de se expor, pode afirmar-se, como o faz o peticionante, que o diploma impugnado invadiu a reserva da competência da Assembleia da República e devolveu a um órgão administrativo regional a definição da incidência real do imposto de turismo, preenchendo por via administrativa o conteúdo de uma norma que deixa em branco? Acaso disporá a Assembleia Regional de competência para editar a norma em controvérsia? Da conjugação do disposto nos artigos 234.º, 229.º, alínea a), e 115.º, n.º 3, da Constituição, pode dizer-se que as assembleias regionais, no exercício da sua competência legislativa, hão-de mover-se nos limites desta moldura referencial: as matérias a tratar hão-de ser de interesse específico para a Região; não podem integrar a reserva de competência da Assembleia da República ou do Governo; para além de obedecerem à Constituição, não podem estabelecer disciplina que contrarie as leis gerais da República.
Seja qual for o entendimento da locução «matérias de interesse específico para as regiões» utilizada no artigo 229.º, alínea a), do texto constitucional, e há-de reconhecer-se que a questão, na sua aparente singeleza, esconde complexas dificuldades (cf. sobre a matéria os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 91/84 e 42/85, in Diário da República, 1.ª série, de, respectivamente, 6 de Outubro de 1984 e 6 de Abril de 1985, bem como a jurisprudência e a doutrina ali assinaladas), no caso em presença, dada a incidência regional do imposto em causa, não pode recusar-se aquela especificidade.
Simplesmente, como já se salientou, a acção legislativa das assembleias regionais para deter conformidade constitucional carece, além deste e em acumulação, de outros requisitos essenciais.
3 - O artigo único do Decreto Legislativo Regional 35/84/A veio dispor que por estabelecimentos hoteleiros e similares referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional 36/83/A deverão entender-se estabelecimentos hoteleiros e similares classificados pela DRT.
Deste modo, o imposto de turismo deixou de incidir sobre os serviços prestados por todos os estabelecimentos hoteleiros e similares, independentemente da entidade competente para o seu licenciamento [artigos 1.º, n.º 1, alínea a), do RIT e 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto Legislativo Regional 36/83/A], passando a abranger apenas os serviços prestados em estabelecimentos hoteleiros e similares classificados pela administração regional, sendo assim patente o estreitamento das dimensões do campo da respectiva incidência.
Ora, é consabido que o artigo 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição estabelece uma reserva parlamentar em matéria de criação de impostos e sistema fiscal e outros sim que o artigo 106.º, n.º 2, do mesmo compêndio normativo, consagrando o princípio da tipicidade dos impostos, estabelece uma reserva de lei formal no domínio dos seus elementos essenciais, isto é, no que respeita à incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes.
A norma impugnada, ao alterar a incidência de um imposto nacional, o imposto de turismo, nos termos e condições expostos, não pode deixar de se haver como violadora dos preceitos constitucionais que vêm de se invocar.
Esta conclusão não é infirmada com o apelo ao disposto na alínea f) do artigo 229.º da Constituição, onde se conferem às assembleias regionais poderes para legislar no exercício de um «poder tributário próprio».
Tem-se por seguro que os estatutos das regiões autónomas não podem consagrar autorizações de derrogação de «leis gerais da República», nem deve ser esse o entendimento a conceder ao disposto em matéria fiscal pelos artigos 9.º e 27.º, alínea jj), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), vigente na data em que o diploma aqui controvertido foi editado.
De facto, como se escreveu no citado Acórdão 91/84, «o carácter unitário do Estado e os laços de solidariedade que devem unir todos os portugueses exigem que a legislação sobre matérias com relevo imediato para a generalidade dos cidadãos seja produzida pelos órgãos de soberania (Assembleia da República ou Governo), devendo ser estes a introduzir as especialidades ou derrogações que se mostrem necessárias, designadamente por, no caso, concorrerem interesses insularmente localizados: para isso servirá, então, o poder de iniciativa legislativa de que as regiões autónomas dispõem [v. artigo 229.º, alínea c)]. Aliás, recorda-se, o artigo 115.º, n.º 3, da Constituição preceitua que os decretos legislativos regionais não podem dispor contra leis gerais da República - o que sempre excluiria a possibilidade de os estatutos regionais consagrarem aquela possibilidade de derrogação de leis gerais».
A história da formação do preceito, nesta parte, aditado pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, e os elementos interpretativos que se colhem dos debates parlamentares [Diário da Assembleia da República, 2.ª série, suplemento ao n.º 64, de 10 de Março de 1982, pp. 1232-(49) a 1232-(62), suplemento ao n.º 90, de 11 de Maio de 1982, p. 1676-(4), e suplemento ao n.º 136, de 3 de Agosto de 1982, p. 2438-(8)] apontam manifestamente no sentido de às regiões autónomas não pertencer o poder de alterar o sistema fiscal da República, extinguindo ou modificando impostos nacionais, mas tão-só o de criar e modificar impostos de natureza e incidência regional, e ainda assim nos termos de lei da Assembleia da República.
Não se ignora que a Lei 9/87, de 26 de Março, que procedeu à primeira revisão do EPARAA, concedeu nova redacção e introduziu aditamentos em diversos preceitos respeitantes ao sistema fiscal, nomeadamente às disposições dos artigos 9.º e 26.º, alínea cI), e n.º 5, alíneas a) e b). Neste último normativo refere-se expressamente competir à Assembleia Regional, no exercício do poder tributário próprio que lhe pertence, «estabelecer, quando o interesse específico da Região o justificar, condições complementares de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes de harmonia com a lei quadro de adaptação do sistema fiscal a aprovar pela Assembleia da República» [alínea a)] e «legislar, para além do disposto na alínea anterior, sobre os impostos e taxas vigentes apenas na Região» [alínea b)].
Como não se ignora também um artigo doutrinal publicado pelo Prof. Teixeira Ribeiro, no qual, ao menos em parte, se manifesta discordância da solução jurisprudencial fixada no citado Acórdão 91/84 (cf. «Criação de impostos pelas regiões autónomas», in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119.º, n.º 3743, de 1 de Junho de 1986).
Simplesmente, não cabe no âmbito do presente processo averiguar do rigor constitucional daquela solução legislativa, pois que, por força da data da sua emissão, não tem de ser considerada na situação material posta no pedido.
4 - Ademais, importa acentuar, para além do exposto, que a exigência constitucional de uma lei para definir o conteúdo do poder tributário próprio das regiões autónomas - «exercer poder tributário próprio, nos termos da lei» [artigo 229.º, alínea f)] - exclui a lei estatutária, dirigindo-se apenas à lei comum da Assembleia da República (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª edição, 2.º volume, p. 362, e Acórdão 91/84).
Nesta conformidade, sempre se verificaria, no caso em presença, a ausência de lei que consentisse ao acto normativo regional a alteração de elementos essenciais de um imposto nacional.
É que o Decreto-Lei 134/83 apenas permitiu que as suas disposições pudessem ter aplicação às regiões autónomas mediante decretos legislativos regionais, não consentindo, por desde logo isso lhe ser constitucionalmente vedado, que nelas, enquanto se disciplinam os elementos essenciais do imposto de turismo, as assembleias regionais introduzissem modificações.
E em verdade foi isso o que sucedeu.
Ao contrário do que se sustenta na resposta do órgão autor da norma, o artigo único do Decreto Legislativo Regional 35/84/A, o único que aqui cabe considerar (não existindo na Região Autónoma dos Açores regiões de turismo e zonas de turismo e estando condicionada por tal facto a incidência do imposto nos termos do artigo 1.º do seu Regulamento, podia desde logo contestar-se o rigor da sua aplicação regional operada pelo Decreto Legislativo Regional 36/83/A), não veio delimitar o campo territorial de aplicação do imposto de turismo, mas antes fixar a base da sua incidência, através da classificação administrativa dos estabelecimentos hoteleiros e similares.
E a esta luz não pode deixar de se reconhecer a sua inconstitucionalidade.
III - A decisão. - Nestes termos, declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo único do Decreto Legislativo Regional 35/84/A, de 16 de Novembro, por violação do disposto nos artigos 106.º, n.º 2, 115.º, n.º 3, 168.º, n.º 1, alínea i), e 229.º, alínea f), da Constituição.
Lisboa, 8 de Julho de 1987. - Antero Alves Monteiro Dinis - Messias Bento - Luís Nunes de Almeida - José Martins da Fonseca - Mário Afonso - Mário de Brito - José Magalhães Godinho - Raul Mateus - José Manuel Cardoso da Costa (com declaração) - Vital Moreira (votei a conclusão apenas pelas razões constantes do § 4.º do capítulo II do acórdão, acrescentando, aliás, que sempre seria necessária uma lei da Assembleia da República ou um decreto-lei especificamente credenciado por lei da Assembleia da República - e não um decreto-lei sem habilitação expressa para o efeito -, a consentir expressamente a intervenção legislativa regional na área fiscal e a definir os termos dessa intervenção) - Armando Manuel Marques Guedes.
Declaração de voto. - Votei o acórdão apenas com uma reserva quanto a parte da sua fundamentação. É que, repensando o significado e o alcance do artigo 229.º, alínea f), da Constituição e a doutrina do Acórdão 91/84, que subscrevi, afigura-se-me hoje não ser de excluir em absoluto que o poder tributário próprio das regiões autónomas possa traduzir-se na introdução de modificações a leis fiscais votadas pelos órgãos da República - nos termos, obviamente, que o legislador nacional previamente definir.
Tendo de abster-me - brevitatis causa - de especificar quer as razões susceptíveis de invocar-se em prol desse entendimento, quer a extensão com que será de admitir a aludida possibilidade, quer a natureza e o grau de intensidade de que deverá revestir-se a intervenção do legislador da República que a consinta, limitar-me-ei a acrescentar o seguinte: por um lado, que me parece particularmente relevante, no contexto da questão a que me refiro, justamente a exigência desta intervenção do legislador da República; por outro, que não vai no que digo nenhum juízo (que por inteiro reservo) sobre a conformidade constitucional do artigo 32.º, n.º 5, do EPARAA, na sua nova redacção. - José Manuel Cardoso da Costa.