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Acórdão 409/2014, de 5 de Junho

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Sumário

Decide negar provimento ao recurso da deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE) que ordenou a reposição do material de propaganda política removida pela Câmara Municipal do Porto.

Texto do documento

Acórdão 409/2014

Processo 538/14

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - O mandatário distrital do Porto da candidatura da CDU - Coligação Democrática Unitária PCP-PEV às eleições para o Parlamento Europeu, dirigiu à Comissão Nacional de Eleições (doravante CNE) participação, referente à retirada sem audição prévia por funcionários da Câmara Municipal do Porto de vários pendões daquela candidatura, afixados em diversas artérias da cidade do Porto.

2 - A CNE decidiu, por deliberação tomada com caráter de urgência no dia 9 de maio de 2014, por intermédio de comunicações eletrónicas mantidas entre os membros daquele órgão administrativo, nos termos permitidos pelo artigo 5.º do respetivo Regimento, notificar o Presidente da Câmara Municipal do Porto para ordenar a reposição imediata do material de propaganda da coligação de partidos PCP-PEV referido na participação.

3 - Notificada tal deliberação, por ofício enviado em 9 de maio (sexta feira), na segunda feira seguinte, dia 12 de maio, o Município do Porto dela apresentou recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B da Lei 28/82, de 15 de novembro, pedindo que se declare a sua invalidade. Extraiu das alegações a seguinte síntese conclusiva:

"i) A CNE não possui quanto à propaganda política afixada fora do período de campanha eleitoral qualquer tipo de poderes.

ii) Não se vislumbra no nosso ordenamento jurídico nenhuma disposição legal da qual decorra habilitação da CNE para o exercício de poderes/competências fora do período de campanha eleitoral:

- Nem da lei orgânica da CNE;

- Nem das leis eleitorais;

- Nem da lei 97/88, de 17 de agosto, que regula a afixação de mensagens publicitárias e propagandísticas;

- Nem da Lei 19/2003, de 20 de junho, referente às despesas de campanha eleitoral,

- Nem da Lei 26/99, de 3 de maio, que alarga a aplicação dos princípios reguladores da propaganda e a obrigação da neutralidade das entidades públicas à data da marcação das eleições ou do referendo,

- Nem da Lei 28/82, de 15 de novembro, que é a Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,

iii) Nenhum destes diplomas ou qualquer outro (em matéria eleitoral ou não) estende ou alarga as competências da CNE para lá daquilo que é estabelecido na lei orgânica desta e que se reporta direta e exclusivamente ao período de campanha eleitoral.

iv) O conceito de campanha eleitoral tem legalmente um significado técnico-jurídico próprio e específico (aliás coincidente com aquele que lhe é dado na linguagem corrente), mais propriamente, concretizado pela lei eleitoral referente a cada ato eleitoral.

v) Sendo raros e bastante circunscritos os diplomas legais que, sob as várias perspetivas, compõem o direito eleitoral e, como tal, recorrem ao conceito de campanha eleitoral, estranho seria que esse conceito não tivesse um significado unívoco e uniforme no contexto de todos esses diplomas.

vi) Se o legislador quisesse reconhecer à CNE poderes e competências fora do período de campanha eleitoral não teria invocado expressamente esse conceito, antes reportando-se ao processo eleitoral ou, ao menos, aludindo também ao período de pré-campanha.

vii) É inusitado e inclusivamente forçado buscar uma interpretação do conceito de campanha eleitoral constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 71/78, de 27 de dezembro, que ignore e se diferencie da sua única definição legal e que é a especificada em cada lei eleitoral.

viii) A competência não se presume e exige sempre habilitação legal expressa, sendo juridicamente inaceitável o tipo de atos de controlo a que a CNE no caso arroga para si se fundamente numa espécie de competência implícita, interpretação extensiva ou num simples costume.

ix) O princípio da unidade do procedimento eleitoral não é posto em causa pela ausência de competências da CNE fora do período de campanha eleitoral, antes significando que o escrutínio das atuações que tenham lugar nesse período não foi, nem está, pela lei, entregue à CNE.

x) Reconhecer à CNE competências a[o] longo de todo o processo eleitoral poderá porventura compreender-se de iure constituendo, do direito a constituir, mas não de iure constituto, do direito constituído, tal como o é e vigora hoje.

xi) Não se concebe como é que pode a CNE pretender que os municípios se atenham a limites legais (r)estritos de intervenção em matéria de propaganda e, ao mesmo tempo, ela própria se arrogue competente para intervir nesse âmbito para lá de limites que lhe são legalmente fixados.

xii) À data da deliberação da CNE, 9 dia de maio de 2014, não está em curso qualquer período de campanha eleitoral.

xiii) Relativamente ao próximo ato eleitoral - eleições para o Parlamento Europeu - que está marcado para o dia 25 de maio, a campanha eleitoral, de acordo com a lei eleitoral respetiva, iniciar-se-á no 12.º dia anterior do dia designado para as eleições e finda às 24 horas da antevéspera desse mesmo dia: isto é, iniciar-se-á somente no dia 13 de maio, prolongando-se até às 24 horas do dia 23 do mesmo mês.

xiv) [A] ausência de competência da CNE para fiscalizar as alegadas violações, pelo Município do Porto, das regras de afixação de propaganda política fora do período de campanha eleitoral importa a nulidade, por falta de atribuições, da deliberação da CNE que determina ao Município do Porto a reposição imediata desse[s] cartazes.

xv) O nosso ordenamento jurídico, mais propriamente, o Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), nos seus artigos 109.º e seguintes, estabelece um processo urgente destinado à proteção dos direitos, liberdades e garantias,

xvi) Expediente que - constituindo a afixação de propaganda política fora da campanha eleitoral, direito, liberdade e garantia - aquele que juridicamente teria de ter sido mobilizado in casu.

xvii) O prazo de 24 horas fixado pela CNE ao Município do Porto para se pronunciar sobre a participação da CDU bem se compreenderia caso se estivesse, que não se está, em período de campanha eleitoral, mas fora desse período apresenta-se excessivamente exíguo.

xviii) O prazo para o exercício do contraditório no âmbito da intimação urgente para a proteção de direitos, liberdades e garantias prevista no CPTA, é de 7 dias após a citação da entidade requerida.

xix) A deliberação da CNE deverá ser anulada por padecer do vício de violação de lei, como seja, dos artigos 109.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

xx) O elevado número de pendões colocado pela entidade participante prejudica e viola a fruição do património cultural que integra o Centro Histórico do Porto, em violação do artigo 78.º n.os 1 e 2, alíneas c) da Constituição e do disposto no n.º 2 do artigo 3.º e nas alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto.

xxi) Noutros casos, a altura a que a coligação participante afixou os seus pendões, que constitui lugar bastante mais baixo do que é usual fazer, coincide exatamente com a altura a que se situam os sinais e indicações de trânsito e das indicações, o que na perspetiva de transeuntes e condutores é suscetível de prejudicar a normal visualização e identificação das indicações e dos sinais mais próximos, como se atesta pelas fotografias adiante juntas como documentos n.º 1 a 5.»

O recorrente remeteu com as alegações cinco documentos.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

4 - Mostram-se assentes, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

a) Pelo Decreto do Presidente da República n.º 24/2014, de 21 de março, as eleições para o Parlamento Europeu foram marcadas para o próximo dia 25 de maio de 2014;

b) A CDU - Coligação Democrática Unitária - PCP-PEV foi admitida como candidata à eleição de deputados ao Parlamento Europeu, pelo Acórdão 341/2014 deste Tribunal, proferido em 22 de abril;

c) Em data não concretamente determinada, a CDU - Coligação Democrática Unitária - PCP-PEV, colocou pendões alusivos à sua candidatura à eleição para o Parlamento Europeu na Avenida dos Aliados, na Praça da Liberdade, na Trindade, na Rua de Santa Catarina, na Rua Sá da Bandeira, nas imediações do Mercado do Bolhão, na Praça D. João I, na Avenida Vímara Peres, na Praça da Batalha, no Viaduto Duque de Loulé, na Rua Alexandre Herculano, na Rua Pinto Bessa, na Alameda do Dragão, na Alameda 25 de Abril, no Campo 24 de Agosto, na Avenida Fernão de Magalhães e na Praça Francisco Sá Carneiro, todos na cidade do Porto;

d) Os pendões colocados nesses locais foram removidos por funcionários da Câmara Municipal do Porto;

e) Em 5 de maio, a CDU - Coligação Democrática Unitária - PCP-PEV apresentou participação na CNE, dizendo que:

"A Câmara Municipal do Porto procedeu ilegalmente à retirada de vários pendões CDU referentes às próximas eleições para o Parlamento Europeu. Tais pendões estavam afixados nos termos da Lei, sem por em causa qualquer monumento ou edifício histórico, a circulação de veículos e peões ou a segurança dos transeuntes. Esta retirada de propaganda eleitoral não foi precedida de notificação ou contacto com a nossa candidatura.

Os pendões retirados encontravam-se afixados na Av. dos Aliados, Pr. Da Liberdade, Trindade, Rua Sta Catarina, Rua Sá da Bandeira, imediações do Mercado do Bolhão, Pr. D. João I, Av. Vím[a]ra Peres, Pr. Da Batalha, Viaduto Duque de Loulé, Rua Alexandre Herculano, Rua Pinto Bessa, Alameda do Dragão, Alameda 25 de Abril, Campo 24 de Agosto, Av. Fernão de Magalhães e Pr. Francisco Sá Carneiro.

Pelo exposto, nos termos da Constituição da República Portuguesa e da legislação eleitoral, a Candidatura [...] da CDU - Coligação Democrática Unitária às Eleições do Parlamento Europeu vem por este meio solicitar que a Comissão Nacional de Eleições tome as diligências necessárias para garantir o exercício da liberdade de propaganda eleitoral»;

f) Por ofício remetido por correio eletrónico em 6 de maio, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal do Porto, com cópia da participação apresentada, foi o Município do Porto notificado pela CNE para se pronunciar, querendo, no prazo de 24 horas, sobre os factos nela referidos e também do "entendimento da CNE em matéria de propaganda político eleitoral", que foi explicitado, concluindo que "face ao que se acaba de expor e considerando que se encontra em curso o processo eleitoral e compete à CNE acautelar a normal atividade de propaganda eleitoral, fica V. Exa notificado, a serem verdade os factos alegados pelo participante, para ordenar a reposição imediata de toda a propaganda removida".

g) Em 7 de maio, o Município apresentou resposta, sustentando que a competência da CNE versa unicamente os atos praticados nos períodos de campanhas eleitorais; quanto aos factos referidos na participação, disse que:

"18 - O Município do Porto não fará, nesta oportunidade - até porque não lhe [é] possível fazer cabalmente em prazo - uma pronúncia aturada à participação do PCP.

19 - Para lá do mero esclarecimento de que a remoção levada a cabo foi uns casos motivada por questões de segurança - os pendões removidos poderiam interferir com os sinais de trânsito - e noutros por se encontrarem afixados em área do Centro Histórico do Porto classificada como Património Mundial da Humanidade,

20 - Sublinhado que, num procedimento organizado conforme à Constituição e à lei, apresentará a sua contestação específica aos supostos factos».

h) Em 9 de maio de 2008, a CNE tomou, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Regimento da Comissão, a seguinte deliberação:

"Dos elementos do processo resulta que a Câmara Municipal procedeu à remoção de pendões da coligação de partidos PCP-PEV motivada por questões de segurança - os pendões removidos "podiam interferir com os sinais de trânsito» - e, em outros casos, por os pendões se encontrarem afixados na área do Centro Histórico do Porto;

De acordo com a coligação de partidos PCP-PEV, em nenhuns dos casos notificou previamente aquela candidatura, dando nota dos motivos de facto e de direito que justificavam aquela ação;

Note-se que tal situação não é contraditada pela autarquia na resposta apresentada;

Neste domínio, é relevante notar que os critérios estabelecidos no artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto são definidos, não como proibições absolutas, mas antes como objetivos a prosseguir pelos interessados no exercício das atividades de propaganda (cf. proémio do artigo 4.º);

A tudo isso acresce que, conforme resulta do artigo 6.º do diploma legal supra citado, a decisão de remoção de materiais e suportes de propaganda utilizados está sujeita, não só a prévia audiência dos interessados, como também a certas cláusulas acessórias, como seja a definição dos "prazos e condições de remoção»;

A esse propósito e conforme refere o Tribunal Constitucional no Acórdão 209/2009, "esses são pressupostos do exercício da competência decisória, o que faz supor uma certa permeabilidade na adoção de medidas restritivas, que é justificada pelo interesse prevalecente da liberdade de propaganda».

Quanto à localização dos pendões de propaganda em causa, afigura-se que nenhum dos argumentos aduzidos pela autarquia pode considerar-se procedente à luz das normas que regulam a atividade de propaganda, porquanto os locais onde a mesma foi realizada são públicos e não constam do elenco de locais proibidos;

Senão vejamos.

Da remoção de pendões de propaganda afixados em locais que "poderiam interferir com sinais de trânsito"

Quanto aos sinais de trânsito, a autarquia apenas indica genericamente e sem referência à situação factual de cada um desses materiais de propaganda que os pendões removidos "poderiam interferir com os sinais de trânsito»;

Pressupõe-se, pela descrição utilizada na resposta aduzida pela autarquia que esses mesmos pendões não se encontravam afixados nos próprios sinais de trânsito;

Com efeito, e não podendo caracterizar-se, nesse circunstancialismo, pelo menos de uma forma precisa, uma situação de perigo para a segurança rodoviária, não se afigura justificada a remoção operada pela autarquia no caso em concreto;

A este propósito, cumpre, ainda, chamar à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 209/2009 em que aquele Tribunal admitiu em face de circunstâncias concretas a afixação de propaganda nos próprios sinais de trânsito:

Da remoção de pendões de propaganda afixados em "área do Centro Histórico do Porto"

Relativamente à afixação de propaganda em centros históricos, importa fazer referência ao disposto no n.º 4 do artigo 66.º da Lei 14/79, de 16 de maio, aplicável ao processo eleitoral dos Deputados ao Parlamento Europeu por força da remissão do artigo 1.º da Lei 14/87, de 29 de abril, e ao artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto:

[...]

Se atendermos ao conteúdo destas duas disposições legais, verifica-se que as ações de afixação e de inscrição de mensagens de propaganda são tratadas de forma distinta pelo legislador e que a proibição de propaganda em centros históricos apenas está circunscrita, pelo menos de forma absoluta, no que o legislador define como "inscrições ou pinturas murais" - cf. n.º 3 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto;

Sobre este aspeto, importa referir que a resposta apresentada pela autarquia limita-se a referir que alguns pendões de propaganda da coligação de partidos se encontravam afixados "em área do Centro Histórico do Porto classificada como Património Mundial da Humanidade»;

Sobre a afixação de propaganda em áreas de centro histórico e à ponderação que deve ser feita quanto ao n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto, importa fazer uma alusão ao recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 475/2013 onde é avaliada uma situação relacionada com propaganda afixada dentro do perímetro da Vila de Óbidos;

É referido naquele Acórdão a esse propósito o seguinte: "... cabe referir que a invocada alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/[8]8, de 17 de agosto, se limita a enunciar, como critério teleológico de exercício das atividades de propaganda, o respeito pela "beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros suscetíveis de ser classificados pelas entidades públicas», apenas estando vedado, "em qualquer caso», a realização de inscrições ou pinturas murais em específicos locais, como sejam monumentos nacionais e centros históricos como tal declarados (n.º 3 do citado normativo legal).

Por outro lado, também não decorre do regime consagrado nas disposições conjugadas dos artigos 41.º e 43.º da Lei 107/2001, de 8 de setembro, que o recorrente invoca em fundamento da legalidade da decisão camarária de remoção dos equacionados dispositivos de propaganda eleitoral, qualquer indicador normativo que permita concluir no sentido de que está absolutamente vedado às candidaturas exercer o seu direito de expressão política, mediante a afixação de cartazes de propaganda política e/ou outdoor, em local ou zona classificada.

O que se prevê no n.º 2 do primeiro dos citados normativos legais, em coerência sistémica, é que "a lei pode condicionar a afixação ou instalações de [...] anúncios ou de cartazes, qualquer que seja a sua natureza e conteúdos, nos centros históricos e outros conjuntos urbanos legalmente reconhecidos, bem como nos locais onde possa prejudicar a perspetiva dos imóveis classificados», não decorrendo, por outro lado, dos restantes preceitos legais invocados incontroversos subsídios interpretativos nesta matéria.

Fora das hipóteses de proibição absoluta, como as previstas no referido n.º 3 do artigo 4.º da Lei 97/[8]8, impor-se-á, sempre, pois, a avaliação casuística de cada dispositivo de propaganda eleitoral instalado, em ordem a apurar se, no caso concreto, o exercício da atividade de propaganda particularmente desenvolvido compromete ou prejudica, em termos relevantes, os valores tutelados pelas diversas hipóteses normativas constantes do n.º 1 do citado preceito legal" [...].

Ora, no caso vertente e dos elementos carreados não resultam elementos que possam sustentar a existência de um qualquer tipo de avaliação casuística de cada dispositivo de propaganda eleitoral instalado, em ordem a apurar se, no caso concreto, o exercício da atividade de propaganda particularmente desenvolvido compromete ou prejudica os valores tutelados pelo disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88;

Assim e por se entender não justificada essa avaliação, não se afigura justificada a remoção operada pela autarquia no caso em concreto dos pendões localizados em área do centro histórico.

Assim, tendo presente que no exercício das suas competências a CNE tem sobre os órgãos e agentes da Administração os poderes necessários ao cumprimento das suas funções (artigo 7.º da Lei 71/78, de 27 de dezembro), fica o Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto notificado para ordenar a reposição imediata de propaganda da coligação de partidos PCP-PEV a que se refere a participação em apreço, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal.»

5 - Apreciando a matéria do recurso, importa ter em atenção, em primeiro lugar, a questão competencial colocada pelo recorrente.

Tal como havia feito na pronúncia dirigida à CNE, o recorrente sustenta no recurso que aquele órgão carece de quaisquer poderes de controlo ou de polícia administrativa fora do período de campanha eleitoral, não dispondo, então, de habilitação legal para proferir a deliberação em apreço. Na sua ótica, porque os factos que lhe foram imputados não decorreram entre os dias 13 e 23 de maio - período da campanha eleitoral para o sufrágio para os deputados ao Parlamento Europeu - a deliberação impugnada encontra-se viciada de nulidade, por "falta de atribuições".

O Tribunal Constitucional foi já diversas vezes chamado a pronunciar-se sobre o quadro de atuação da CNE como órgão de administração eleitoral em períodos não compreendidos em campanha eleitoral, mormente naquele que, como aqui sucede, corresponde à fase de pré-campanha, pois, estando marcada a data para o sufrágio e em curso o procedimento eleitoral correspondente, todavia ainda não se iniciou o período definido legalmente como de campanha eleitoral.

Embora com fundamentos nem sempre coincidentes, a orientação seguida assenta na consideração de que "o princípio da unidade do procedimento eleitoral - considerando que ele inclui o ato eleitoral e os atos preparatórios das eleições, todos eles informados pelos princípios gerais de direito eleitoral consagrados em diversas disposições constitucionais (artigos 10.º, 49.º e 113.º) - pode [...] conduzir a uma interpretação extensiva do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea d), da Lei 71/78, em termos de considerar que o conceito de campanha eleitoral aí descrito pode abranger todos os atos de propaganda eleitoral que se realizem já após a marcação da data das eleições" (cf. Acórdão 209/2009, acessível, como os demais referidos, em www.tribunalconstitucional.pt).

Esse entendimento foi reafirmado recentemente, através do Acórdão 475/2013, nos seguintes termos:

"No âmbito do contencioso eleitoral, compete especificamente ao Tribunal Constitucional julgar os recursos contenciosos interpostos de atos administrativos definitivos e executórios praticados pela Comissão Nacional de Eleições (artigo 8.º, alínea f), da LTC). O artigo 102.º-B da LTC, regulando tais recursos, expressamente os qualifica como "recurso[s] de atos de administração eleitoral», pelo que se impõe preliminarmente aferir se a deliberação da CNE, ora em recurso, configura ato de administração eleitoral judicialmente impugnável através do meio processual previsto no citado artigo 102.º-B da LTC.

Como este Tribunal Constitucional já teve oportunidade de sublinhar, em densificação do conceito de "atos de administração eleitoral» previsto na referida norma adjetiva, "[...] a determinação exata do âmbito deste conceito, neste específico contexto normativo, não pode ser feita à margem das razões atributivas dessa competência, nem do regime processual do recurso previsto artigo 102.º-B da LTC. As eleições, em particular as diretas, por sufrágio universal, constituem um procedimento complexo, integrado por uma pluralidade de atos que se sucedem no tempo. E é bem certo que a administração eleitoral tem um objeto mais amplo do que o ato eleitoral em sentido estrito, entendido como o processo de votação e apuramento do seu resultado. Há todo um conjunto de operações, jurídicas e materiais, que antecedem (a partir da marcação de eleições) e se sucedem a esse ato, e que a ele estão teleologicamente ligadas. Todas são matéria eleitoral, em sentido amplo» (acórdão 471/08).

É certo que nem todas as matérias eleitorais se incluem no âmbito do poder jurisdicional que o citado artigo 102.º-B expressamente atribui ao Tribunal Constitucional, como também se afirma no referido aresto, fundando-se o correspondente poder, "em última instância, na defesa dos valores constitucionais da 'regularidade e validade dos atos de processo eleitoral'. Como se escreveu no Acórdão 14/98, em orientação retomada pelo Acórdão 472/98: 'a intervenção do Tribunal Constitucional no processo eleitoral visa, fundamentalmente, assegurar a genuinidade da expressão da vontade política dos eleitores no ato eleitoral [...]. Obtida essa expressão, ou, dito de outro modo, apurado o resultado final da votação, não subsistem razões para persistir a intervenção do Tribunal Constitucional no processo eleitoral, tudo se reconduzindo aos parâmetros normais do contencioso administrativo'. O que se tem em vista é garantir que o ato eleitoral produza os efeitos que a vontade popular determinou.»

Ora, independentemente da forma mais ou menos convergente como o Tribunal Constitucional tem vertido uma tal perspetiva de análise nos diversos casos concretos colocados à sua apreciação (cf., entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 14/98, 472/98, 312/08, 180/09 e 492/09), o certo é que, estando em causa, como é o caso, princípios gerais de direito eleitoral constitucionalmente consagrados, como a liberdade de propaganda política e o dever de neutralidade e imparcialidade das autoridades políticas perante as candidaturas (artigos 37.º e 113.º, n.º 3, alíneas a) e c), da Constituição) cuja operatividade vinculante necessariamente extravasa os períodos de campanha eleitoral propriamente ditos (artigos 38.º, 40.º e 41.º da LEOAL), afigura-se ser de conhecer do recurso apesar do facto de ainda se não ter iniciado formalmente o período legal de campanha eleitoral (artigo 47.º da LEOAL e decreto 20/2013 de 25 de junho), sendo evidente a conexão material e temporal das questões que integram o objeto do presente recurso (afixação de propaganda política em período de pré-campanha eleitoral) com os valores cuja tutela justifica a intervenção reguladora da CNE (artigo 5.º, n.º 1, alínea d), da Lei 71/78, de 27 de dezembro) e a possibilidade de a ver sindicada pelo Tribunal Constitucional nos parâmetros adjetivos definidos pelo artigo 102.º-B da LTC (cf., neste sentido, ainda que em diferente contexto factual, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 209/2009; em sentido aparentemente diferente, mas condicionado por pressupostos de facto que não são reconduzíveis à situação sub judicio, cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 180/2009).

Com efeito, a mensagem publicitada pelos dispositivos de propaganda ora em causa assumem, com toda a evidência, atento o respetivo teor e a proximidade com a data designada para as eleições autárquicas, o conteúdo de mensagem destinada a influenciar diretamente o eleitorado quanto ao sentido do voto. De modo que, estando em causa a sua remoção, ainda que iminente, é objetivamente justificada a intervenção da Comissão Nacional de Eleições, no exercício das competências legais que, em matéria eleitoral, lhe estão cometidas (artigo 5.º, n.º 1, alínea d), da citada Lei 71/78, de 27 de dezembro), configurando a deliberação recorrida "ato de administração eleitoral» e, como tal, passível de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artigo 102.º-B da LTC.»

Não existem razões para nos afastarmos desse entendimento. A circunstância de não estar aqui em questão a iminência da remoção de mensagem de propaganda, antes a sua efetiva remoção, mais adensa a necessidade do controlo cometido à Comissão Nacional de Eleições, enquanto órgão independente com competência para "assegurar a igualdade de oportunidades de ação e propaganda das candidaturas durante as campanhas eleitorais" (alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 71/78, de 27 de dezembro, e artigo 16.º da Lei 14/87, de 29 de abril), teleologicamente entendida como aplicável também às pré-campanhas eleitorais. Pese embora a Constituição não defina o conceito de propaganda eleitoral, na esfera de aplicação do princípio da liberdade de propaganda, acolhido na alínea a) do n.º 3 do artigo 113.º, como princípio de direito eleitoral, haverá que abranger "todas as atividades que, direta ou indiretamente, tenham como finalidade a promoção das candidaturas" (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, 2010, p. 85), o que implica a extensão do controlo administrativo eleitoral atribuído à CNE ao período imediatamente antecedente ao da campanha eleitoral. Acresce que, no caso em apreço, não existe disputa quanto ao conteúdo da mensagem propagandística: trata-se de conteúdo direcionado inequivocamente para as eleições para os deputados ao Parlamento Europeu e para a promoção de candidatura já admitida.

Face ao exposto, cumpre concluir que a deliberação impugnada foi proferida no âmbito da competência administrativa conferida à CNE pela alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei 71/78, de 27 de dezembro, aplicável às eleições de deputados ao Parlamento Europeu por força do artigo 16.º da Lei 14/87, de 29 de abril, constituindo ato de administração eleitoral, passível de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artigo 102.º-B da LTC.

6 - Numa segunda linha argumentativa, o recorrente parte do postulado de que os atos que lhe foram imputados na participação apresentada pela CDU - Coligação Democrática Unitária PCP-PEV seriam suscetíveis tão somente de impugnação no âmbito da justiça administrativa, designadamente através de processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, nos termos previstos nos artigos 109.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), vindo a concluir que a inobservância da tramitação aí prevista, em especial do prazo de sete dias para a sua resposta (artigo 110.º, n.º 1 do CPTA), fere a deliberação do vício de anulabilidade.

Desde logo, e como se viu, não assiste razão ao recorrente quando sustenta a incompetência da CNE, o que retira propriedade à convocação, mesmo como termo de comparação, do prazo para o exercício do contraditório previsto no CPTA, o qual, observe-se, pode ser encurtado em situações de especial urgência, nos termos do artigo 111.º do CPTA.

O prazo de vinte e quatro horas concedido ao recorrente encontra-se previsto no n.º 1 do artigo 13.º-A e n.º 2 do artigo 13.º-B do Regimento da CNE, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 236, de 12 de dezembro de 2011 (alterado pela declaração de retificação n.º 1942/2011, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 243, de 21 de dezembro de 2011), o qual, na sua curta duração, responde às exigências de forte celeridade, e até de urgência, que dominam o contencioso eleitoral, incluindo quanto ao prazo de interposição de recurso de atos de administração eleitoral fixado pelo n.º 2 do artigo 102.ºB, da LTC, fixado em um dia. Urgência que, no caso, norteou a atuação procedimental da CNE e encontra justificação na ponderação de que a remoção da mensagem de propaganda acarreta efeito lesivo cumulativo e irreversível, pela ablação da promoção eleitoral por todo o tempo em que se prolongue a remoção do material afixado pela CDU.

Também por esta via, não existem razões para considerar que a deliberação da CNE deverá ser anulada, por vício de violação da lei, como peticiona o recorrente.

7 - O terceiro plano argumentativo esgrimido pelo recorrente é votado a demonstrar que a remoção da propaganda afixada pela CDU que levou a efeito obedeceu às normas constitucionais e legais pertinentes. Por um lado, invoca o direito à fruição cultural e o dever de salvaguarda e valoração do património, com consagração no artigo 78.º, n.os 1 e 2, alínea c), da Constituição, em função da classificação das "áreas em causa" como conjunto de interesse público pelo Igespar, nos termos das Portarias n.º 582/2011 (Diário da República, 2.ª série, n.º 113, de 14 de junho de 2011), e n.º 714/2012 (Diário da República, 2.ª série, n.º 237, de 7 de dezembro de 2012) e da proteção dada ao Centro Histórico do Porto, classificado pela Unesco como Património Mundial da Humanidade. Por outro, sustenta que, "noutros casos", os pendões foram removidos "com fundamento na segurança das pessoas e das coisas, mormente na circulação rodoviária". Vejamos cada um desses fundamentos, em que se procura alicerçar não apenas a licitude da remoção de propaganda eleitoral gráfica, como também a satisfação de dever de proteção determinante de tal comportamento.

7.1 - No que tange à salvaguarda do património cultural, o recorrente sublinha que não pretende defender a proibição integral de afixação de cartazes ou pendões na área do Centro Histórico do Porto; antes considera legítimo "impedir que por via da 'inundação' dessa zona com propaganda política, a mesma fique absolutamente desvirtuada, em violação do direito à fruição cultural previsto no artigo 78.º, n.os 1 e 2, alínea c) da Constituição". No plano dos factos, afirma que foram colocados pela CDU "cerca de 350 cartazes", o que implica, no seu conjunto, uma violação do n.º 2 do artigo 3.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto (com as alterações introduzidas pela Lei 23/2000, de 23 de agosto, e pelo Decreto Lei 48/2011, de 1 de abril). Essa violação decorre, então, na posição veiculada nas alegações, não da colocação de cada um dos pendões que foram retirados, singularmente considerados, mas do impacto global da colocação pela CDU de elevado número de pendões no Centro Histórico.

Acontece que os dados de factos oferecidos em tal alegação são inteiramente inovadores. Contrariamente ao que sustenta o recorrente, em ponto algum da pronúncia apresentada junto da CNE - por esta ponderada na deliberação em apreço - surge articulada a afixação de 350 pendões ou aplicação de critério de atuação de que tome parte o número ou o volume do material afixado, ou o impacto estético ou ambiental que comportavam, na globalidade, para o Centro Histórico do Porto, ao ponto de o desvirtuarem. Apenas se diz, em contraponto aos pendões removidos por outro motivo, que outros, sem qualquer quantificação, foram removidos "por se encontrarem afixados em área do Centro Histórico do Porto classificada como Património da Humanidade".

Também no que respeita à afixação de propaganda eleitoral em área urbana especialmente protegida, teve este Tribunal oportunidade de se pronunciar, através do Acórdão 475/2013 - tendo aí em atenção a Vila de Óbidos, classificada como monumento nacional - cuja doutrina é transponível para os presentes autos:

"Invoca, o recorrente, como fundamento de impugnação da validade da deliberação da CNE recorrida, o facto de as ordens nela contidas (reposição/abstenção de remoção dos dispositivos de propaganda eleitoral instalados pelo interessado Partido Socialista em locais situados no interior da Vila de Óbidos e alteração do edital relativo aos locais destinados à afixação de propaganda eleitoral) constituírem violação das disposições conjugadas dos artigos 41.º e 43.º da Lei 107/2001, de 8 de setembro, e artigos 3.º, n.º 2, in fine, e 4.º, n.º 1, alínea b) da Lei 97/88, de 17 de agosto, na redação introduzida pela Lei 23/2000, de 23 de agosto, sendo, em contraponto, legítima a deliberação do Presidente da Câmara do Município de Óbidos, que ordenou tal remoção, atenta a localização dos referidos dispositivos de propaganda, que se situam no interior do conjunto urbano da Vila de Óbidos, qualificada por lei, a par do Castelo de Óbidos, como monumento nacional (Decreto 38:147, de 5 de janeiro de 1951) como legítimo o edital através do qual a referida Câmara Municipal, no uso dos poderes que lhe são legalmente atribuídos (artigo 7.º da Lei 97/88, de 17 de agosto), regulou os termos de afixação de propaganda eleitoral de modo a assegurar o respeito pelo património cultural em causa.

Surpreende-se na matéria em discussão nos autos linhas de valoração que, assumindo evidente projeção constitucional, implicam a ponderação e conciliação de direitos e liberdades potencialmente conflituantes: de um lado, o direito à fruição cultural, a que corresponde o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural, competindo especificamente ao Estado promover a salvaguarda e a valorização do património cultural (artigo 78.º, n.os 1 e 2, alínea c), da Constituição); do outro, a liberdade de expressão e a liberdade de propaganda política, que nela radica (artigos 37.º, n.os 1 e 2, e 113.º, n.º 3, da mesma Lei Fundamental).

É, pois, nesse específico ângulo de análise que se deverá perspetivar, não apenas a concreta questão sub judicio, como todo o quadro legal aplicável, sendo certo que claramente decorre da diversidade dos diplomas legais relevantes para a sua apreciação linhas de força comuns que, pese embora a sua aparente dispersão, lhe conferem uma identidade comum, traduzindo, pois, a final, soluções de compatibilização que não afetem o núcleo essencial de cada um dos direitos em confronto.

O artigo 40.º da LEOAL expressamente reconhece a todos os candidatos, partidos políticos, coligações e grupos proponentes "o direito a efetuar livremente e nas melhores condições a sua propaganda eleitoral», que inclui toda a atividade destinada, direta ou indiretamente, "a promover candidaturas, seja dos candidatos, dos partidos políticos, dos titulares dos seus órgãos ou seus agentes, das coligações, dos grupos de cidadãos proponentes ou de quaisquer outras pessoas, nomeadamente a publicação de textos ou imagens que exprimam ou reproduzam o conteúdo dessa atividade» (artigo 39.º). Por outro lado, recai sobre as entidades públicas um especial dever de neutralidade e imparcialidade no decurso do processo eleitoral (artigos 38.º e 41.º), sendo-lhes particularmente exigível, nesse período, a não adoção de comportamentos suscetíveis de obstar à efetivação dos princípios imperantes em matéria eleitoral, designadamente no domínio da propaganda eleitoral.

O exercício da liberdade de expressão, enquanto meio de manifestação da mensagem política (propaganda política), assumindo um relevo particularmente sensível no quadro de um Estado de Direito Democrático, está, contudo, sujeito a condicionalismos impostos pela necessidade de salvaguarda de outros direitos e valores constitucionais. Assim, a Lei 97/[8]8, de 17 de agosto, que regula a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda, expressamente condiciona a sua admissibilidade, mesmo em locais ou espaços de propriedade particular, à observância das "normas em vigor sobre proteção do património arquitetónico e do meio urbanístico, ambiental e paisagístico» (artigo 3.º, n.º 2).

Dispõe, por seu lado, o n.º 1 do artigo 4.º do citado diploma legal, na parte relevante, que o exercício das atividades de propaganda deve prosseguir os seguintes objetivos: "a) Não provocar obstrução de perspetivas panorâmicas ou afetar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem; b) Não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros suscetíveis de ser classificados pelas entidades públicas [...]», sendo proibido, "em qualquer caso, a realização de inscrições ou pinturas murais em monumentos nacionais, edifícios religiosos, sedes de órgãos de soberania, de regiões autónomas ou de autarquias locais, tal como sinais de trânsito, placas de sinalização rodoviária, interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos e centros históricos como tal declarados ao abrigo da competente regulamentação urbanística».

Volvendo ao caso concreto, considera o recorrente que os dispositivos de propaganda eleitoral instalados pelo partido político visado pela decisão de remoção, ora em discussão, e a deliberação recorrida, que, além do mais, ordenou a sua manutenção, violam precisamente o preceituado nas disposições conjugadas dos referidos artigos 3.º, n.º 2, in fine, e 4.º, n.º 1, alínea b), da Lei 97/[8]8, de 17 de agosto, e, bem assim, o disposto nos artigos 41.º e 43.º da Lei 107/2001, de 8 de setembro (bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural) - que expressamente consagram um regime de proteção especial aos imóveis classificados como monumentos nacionais -, porquanto se localizam no centro urbano da Vila de Óbidos, que foi legalmente classificado como monumento nacional.

E apurou-se, com efeito, que ambos os dispositivos de propaganda eleitoral instalados pelo partido socialista se situam adentro do perímetro da Vila de Óbidos. A questão que cumpre apreciar é se tal circunstância, isoladamente considerada, implica, só por si, a proibição absoluta de afixação de propaganda eleitoral, independentemente da natureza dos suportes materiais usados para esse efeito, do específico imóvel em que assenta e do seu particular posicionamento no contexto urbanístico e ambiental em que se enquadra.

A este propósito, cabe referir que a invocada alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/[8]8, de 17 de agosto, se limita a enunciar, como critério teleológico de exercício das atividades de propaganda, o respeito pela "beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros suscetíveis de ser classificados pelas entidades públicas», apenas estando vedado, "em qualquer caso», a realização de inscrições ou pinturas murais em específicos locais, como sejam monumentos nacionais e centros históricos como tal declarados (n.º 3 do citado normativo legal).

Por outro lado, também não decorre do regime consagrado nas disposições conjugadas dos artigos 41.º e 43.º da Lei 107/2001, de 8 de setembro, que o recorrente invoca em fundamento da legalidade da decisão camarária de remoção dos equacionados dispositivos de propaganda eleitoral, qualquer indicador normativo que permita concluir no sentido de que está absolutamente vedado às candidaturas exercer o seu direito de expressão política, mediante a afixação de cartazes de propaganda política e/ou outdoors, em local ou zona classificada.

O que se prevê no n.º 2 do primeiro dos citados normativos legais, em coerência sistémica, é que "a lei pode condicionar a afixação ou instalação de [...] anúncios ou de cartazes, qualquer que seja a sua natureza e conteúdos, nos centros históricos e outros conjuntos urbanos legalmente reconhecidos, bem como nos locais onde possa prejudicar a perspetiva dos imóveis classificados», não decorrendo, por outro lado, dos restantes preceitos legais invocados incontroversos subsídios interpretativos nesta matéria.

Fora das hipóteses de proibição absoluta, como as previstas no referido n.º 3 do artigo 4.º da Lei 97/[8]8, impor-se-á, sempre, pois, a avaliação casuística da cada dispositivo de propaganda eleitoral instalado, em ordem a apurar se, no caso concreto, o exercício da atividade de propaganda particularmente desenvolvido compromete ou prejudica, em termos relevantes, os valores tutelados pelas diversas hipóteses normativas constantes do n.º 1 do citado preceito legal.

Ora, no caso vertente, decorre dos autos que o partido socialista procedeu à identificação da sua sede de campanha num armazém situado junto de um aqueduto e à colocação de um outdoor em edifício privado, em termos que melhor constam de fls. 9 e 12, ambos situados em zona externa à cintura muralhada.

Dessa factualidade não decorre, contudo, qualquer indício que permita sustentadamente considerar que, desse modo, se causou prejuízo à "beleza ou enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros suscetíveis de ser classificados pelas entidades públicas».

Acresce que, não se questionando o relevo cultural da Vila de Óbidos, confirmado pelos sucessivos atos de reconhecimento, proteção e valorização que a visaram, no âmbito da defesa do património cultural, o certo é que qualquer decisão que vede, em absoluto, o exercício da liberdade de propaganda política, pelos meios ora em discussão - que não se afiguram, só por si, suscetíveis de causar ofensa aos correspondentes valores - configura uma restrição desnecessária e desproporcional a um direito fundamental (liberdade de expressão e propaganda política), assumindo um efeito prático verdadeiramente ablativo que afeta o núcleo essencial de um tal direito, incompatível com a sua particular fisionomia jusconstitucional.

Como salientou o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 636/95, o direito de expressão, sobretudo quando se assume como meio de expressão de mensagem política (propaganda política), "apresenta uma dimensão essencial de defesa ou liberdade negativa: é, desde logo, um direito ao não impedimento de ações, uma posição subjetiva fundamental que reclama espaços de decisão livres de interferências, estaduais ou privadas». Mas, por outro lado, assume, ainda, uma inquestionável "dimensão funcional ou institucional que o liga aos desafios de legitimidade-legitimação da ordem constitucional-democrática». Como se conclui no citado acórdão, "[a] liberdade de expressão (e a de propaganda política que nela se radica) constitui mesmo um momento paradigmático de afirmação do duplo caráter dos direitos fundamentais, de direitos subjetivos e de elementos fundamentantes de ordem objetiva da comunidade. [...] Elementos constitutivos desta ordem, como a legitimação do domínio político através de um processo de escolha livre e aberto, igual oportunidade das minorias de acesso a esse domínio e a pluralidade crítica de uma 'opinião pública racionante', recebem em grande medida o seu conteúdo da normação do direito fundamental de liberdade de expressão».

Retomando o caso em apreço, pese embora aponte a violação do n.º 2 do artigo 3.º da Lei 97/88, de 17 de agosto, o recorrente não especifica, para além da menção do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 4.º do mesmo diploma, quaisquer "normas em vigor sobre a proteção do património arquitetónico e do meio urbanístico e paisagístico" infringidas pela propaganda eleitoral afixada pela CDU.

Do mesmo jeito, a invocação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto, também não encontra procedência. O recorrente não identifica qualquer afetação da beleza ou do enquadramento de monumento nacional, de edifícios de interesse público ou outros suscetíveis de ser classificados pelas entidades públicas, suscetível de ser subsumida ao apontado preceito. Invariavelmente, o objeto de proteção no domínio do património cultural é referido à área do Centro Histórico do Porto, como tal classificado, e não a qualquer monumento ou edifício individual.

Ora, a única limitação que emerge do texto legal quanto aos centros históricos encontra-se, como se diz na deliberação recorrida, no n.º 3 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto, e proíbe tão somente "inscrições ou pinturas murais" nessa área urbana. Nenhuma limitação emerge do texto legal relativamente a distintas formas de propaganda eleitoral, como seja a que se consubstancia na afixação de cartazes ou pendões.

Resta a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto, que estipula para as atividades de propaganda o objetivo de "não provocar obstrução de perspetivas panorâmicas ou afetar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem".

Pode, efetivamente, a propaganda eleitoral atingir tal volume e concentração que o impacto visual decorrente seja incompatível com a fruição da harmonia urbana e paisagística, eventualidade que o recorrente perspetiva quando refere "[p]ense-se na hipótese absurda que seria se todos os 16 partidos candidatos às eleições europeias decidissem colocar o mesmo número de pendões na zona abrangida pela proteção do Património Mundial!".

Porém, não se encontra minimamente evidenciado nos autos que os pendões colocados pela CDU - Coligação Democrática Unitária PCP-PEV tenham atingido qualquer desses efeitos, quer isoladamente, que na sua globalidade, em termos de justificar a prevalência da proteção do bem cultural sobre a liberdade de propaganda eleitoral. Mais uma vez, o recorrente não identifica qual a perspetiva panorâmica obstruída, nem quais os locais ou paisagens que, no âmbito do Centro Histórico do Porto - reconhecidamente com área territorial alargada e tipologia diversificada - viram a sua estética ou ambiente relevantemente afetados.

É certo que, contrariamente ao que aconteceu na pronúncia perante a CNE, o recorrente vem distanciar-se da aplicação de critério meramente geográfico, de afixação de propaganda eleitoral gráfica em qualquer ponto do Centro Histórico do Porto, apresentando agora como racional da sua atuação ponderação que conjuga a qualidade da zona de afixação e a quantidade de propaganda eleitoral colocada no espaço público, medida globalmente e por candidatura eleitoral. Permanece, porém, perante tal critério compósito, por saber qual o padrão quantitativo aplicado e as suas razões.

Ora, no caso em apreço, e independentemente do concreto número de pendões efetivamente afixados no interior da área do Centro Histórico do Porto, não se evidencia dos elementos carreados para os autos que tenha sido exercido pelo Município do Porto qualquer tipo de avaliação, individual ou conjunta, de acordo com o critério material enunciado, em ordem a determinar se, em concreto, estavam atingidos, ou mesmo comprometidos, os bens jusculturais tutelados pela alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto, legitimadores da remoção - integral, note-se - dos materiais de propaganda eleitoral afixados pela CDU - Coligação Democrática Unitária PCP-PEV.

Face ao exposto, cumpre manter o entendimento da decisão recorrida, no sentido da ausência de justificação para a remoção operada pela autarquia de pendões de propaganda afixados "em área do Centro Histórico do Porto", e da ausência de violação do disposto no n.º 2 do artigo 3.º e nas alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto.

7.2 - Por último, verifica-se que o recorrente, também na vertente da segurança rodoviária, inscreve no recurso a alegação de factos que não constam da pronúncia apresentada perante o órgão recorrido - a altura dos pendões -, para além de que junta apenas em fase de recurso documentos que, porque procuram representar fotograficamente a posição de cinco pendões antes da respetiva remoção, é de presumir que estavam em seu poder, ou ao seu alcance, no momento em que foi exercido o contraditório pela CNE.

De qualquer modo, as fotografias apresentadas não evidenciam os factos agora aduzidos. A única perspetiva representada e a deficiente qualidade das imagens remetidas não são idóneas a comprovar que a altura e posição em que foram colocados os cinco pendões fotografados - dentre os cerca de 350 que o recorrente alega terem sido colocados e removidos - constituísse obstáculo à perceção de sinais verticais de trânsito existentes nas zonas contíguas, em termos de importar perigo para a segurança da circulação rodoviária, nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 97/88, de 17 de agosto. Como, igualmente, caso verificada situação de risco, não são apresentadas razões de urgência que justificassem a não audição prévia da candidatura eleitoral interessada, bem como a definição de prazos e condições de remoção - caso inviável a hipótese de recolocação dos pendões em altura superior -, nos termos impostos pelo n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma (cf. Acórdão 209/2009).

Também neste ponto, não procede a justificação apresentada para a remoção operada pela recorrente, falecendo razões para concluir pela existência de erro na ponderação e valoração dos interesses públicos em presença por parte do órgão recorrido.

III. Decisão

Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo Município do Porto da decisão da Comissão Nacional de Eleições de 9 de maio de 2014.

Lisboa, 19 de maio de 2014. - Fernando Vaz Ventura - Maria Lúcia Amaral - José da Cunha Barbosa - Lino Rodrigues Ribeiro - Maria de Fátima Mata-Mouros - Catarina Sarmento e Castro - João Cura Mariano (com a declaração que não acompanho a fundamentação do acórdão quando estabelece como marco para a intervenção da C.N.E o dia da marcação das eleições pelas razões constantes da declaração de voto aposta pelo Conselheiro Mário Torres no acórdão 209/2009) - Maria José Rangel de Mesquita - Pedro Machete - Ana Guerra Martins - João Caupers - Joaquim de Sousa Ribeiro.

207857417

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/317348.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1913-12-23 - Lei 97 - Ministério do Interior - Direcção Geral de Administração Política e Civil

    Autoriza a Câmara Municipal de Pombal a aplicar parte do seu fundo de viação a obras de saneamento da vila.

  • Tem documento Em vigor 1978-12-27 - Lei 71/78 - Assembleia da República

    Cria a Comissão Nacional de Eleições e estabelece a sua natureza, composição e competências.

  • Tem documento Em vigor 1979-05-16 - Lei 14/79 - Assembleia da República

    Aprova a lei eleitoral para a Assembleia da República.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-04-29 - Lei 14/87 - Assembleia da República

    Aprova a Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu.

  • Tem documento Em vigor 1988-08-17 - Lei 97/88 - Assembleia da República

    Regula a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda.

  • Tem documento Em vigor 1999-05-03 - Lei 26/99 - Assembleia da República

    Alarga a aplicação dos princípios reguladores da propaganda e a obrigação da neutralidade das entidades públicas à data da marcação das eleições ou do referendo.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-23 - Lei 23/2000 - Assembleia da República

    Primeira alteração às Leis 56/98, de 18 de Agosto (financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais), e 97/88, de 17 de Agosto (afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda).

  • Tem documento Em vigor 2001-09-08 - Lei 107/2001 - Assembleia da República

    Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2011-04-01 - Decreto-Lei 48/2011 - Presidência do Conselho de Ministros

    Simplifica o regime de acesso e de exercício de diversas actividades económicas no âmbito da iniciativa «Licenciamento zero», no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 49/2010, de 12 de Novembro, e pelo artigo 147.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e cria um balcão único electrónico, designado «Balcão do empreendedor».

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