de 12 de junho
Os espaços florestais ocupam cerca de 35 % do território continental e são fornecedores de diversos produtos essenciais para atividades industriais como a pasta e papel, cortiça e mobiliário, contribuindo para gerar 2 % do PIB, 12 mil postos de trabalho diretos, 8 % do PIB industrial e 5,6 % das exportações, havendo estimativas que apontam para 2907 milhões de euros, o valor da floresta portuguesa, segundo as contas nacionais do Instituto Nacional de Estatística, I. P., relativas a 2014.
Os incêndios florestais colocam em causa esta riqueza afetando a sustentabilidade de 64 % do território coberto por florestas e matagais. No intervalo 1980-2006 e segundo dados oficiais, foram consumidos por incêndios florestais mais de 3 milhões de hectares. A área ardida durante os últimos anos foi ainda mais expressiva da devastação da floresta.
Os incêndios são, portanto, não só um problema da política florestal e da sustentabilidade desta mas também uma preocupação da proteção civil na dupla vertente da defesa da integridade física das populações e igualmente da preservação dos seus meios de subsistência e bens patrimoniais.
O Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (PNDFCI), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 65/2006, de 26 de maio, preconiza intervenções em domínios prioritários como sejam a prevenção estrutural, vigilância, combate e eixos estratégicos de atuação, envolvendo, nomeadamente, o aumento da resiliência do território aos incêndios florestais, a redução da incidência dos incêndios, a melhoria da eficácia do ataque e da gestão dos incêndios, a recuperação e reabilitação dos ecossistemas e a adaptação de uma estrutura orgânica e funcional eficaz.
No quadro deste conjunto de medidas do PNDFCI, o Governo lançou no mesmo ano de 2006 procedimentos de concurso público visando a construção e exploração de centrais dedicadas a biomassa florestal residual abrangendo uma potência total de injeção na rede de 100 MW, a localizar em áreas de rede escolhidas numa ótica de sustentabilidade do abastecimento do recurso florestal e risco de incêndio.
Esta potência não chegou a ser totalmente mobilizada pela iniciativa privada ficando por instalar uma percentagem na ordem dos 50 % da potência de injeção então colocada a concurso e que agora importa atribuir, reconhecendo, assim, o contributo que estas centrais podem ter para a dinamização do mercado dos sobrantes florestais e indiretamente o fomento das boas práticas de gestão e exploração florestal sustentável, e ainda a economia local, objetivos que integram os eixos da política florestal do Programa do XXI Governo Constitucional, na vertente do «reforço do ordenamento florestal e da produtividade das principais fileiras silvoindustriais» e da «primazia da proteção da floresta face aos incêndios».
Compreendendo o papel que os municípios devem ter na dinamização deste esforço, o presente decreto-lei atribui as potências disponíveis às câmaras municipais dos concelhos que forem selecionados para acolher as novas centrais, cuja escolha deve assentar principalmente na prossecução do objetivo fundamental de defesa da floresta, do ordenamento e preservação florestais, e do combate aos incêndios, sem prejuízo da necessidade de acautelar a disponibilidade de capacidade de receção da potência de injeção.
Neste âmbito, a concreta potência de injeção a atribuir terá de ser solicitada à Direção-Geral de Energia e Geologia, dentro dos limites máximos definidos, no intuito de prevenir a instalação de unidades produtivas de grande dimensão, devendo ser privilegiadas unidades de autossubsistência ou de pequena dimensão, numa escala mais local, e tidos em conta pontos de receção ou licenças que se revelem necessárias nos termos do regime jurídico da produção de eletricidade de fonte renovável e sem prejuízo da aplicação de outros regimes jurídicos, nomeadamente da área do ambiente e resíduos.
O presente decreto-lei foi precedido, no período compreendido entre 7 de novembro de 2016 e 31 de janeiro de 2017, de ampla discussão pública.
Foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
1 - O presente decreto-lei define um regime especial e extraordinário para a instalação e exploração, por municípios ou, por decisão destes, por comunidades intermunicipais ou por associações de municípios de fins específicos, de novas centrais de valorização de biomassa, definindo, ao mesmo tempo, medidas de apoio e incentivo destinadas a assegurar a sua concretização, com o objetivo fundamental da defesa da floresta, do ordenamento e preservação florestais, e do combate aos incêndios.
2 - A potência de injeção na rede elétrica de serviço público a atribuir ao abrigo do presente decreto-lei é limitada, não podendo exceder, no continente, 60 MW, e por cada central um máximo de 15 MW.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:
a) «Biomassa» a biomassa agrícola, a biomassa florestal residual e a resultante de culturas energéticas, nos seguintes termos:
i) «Biomassa agrícola», o material residual da atividade agrícola e da indústria agroalimentar, onde se incluem nomeadamente sobrantes das cadeias de valor de cereais (milho, trigo, cevada, girassol, etc.), do arroz, dos pomares, do olival, da vinha, e de outras atividades agroindustriais (desde que resultantes da preparação da matéria-prima) e ainda os provenientes das explorações pecuárias;
ii) «Biomassa florestal residual», a fração biodegradável dos produtos e desperdícios resultantes da instalação, gestão e exploração florestal (cepos, toiças, raízes, folhas, ramos e bicadas), do material lenhoso resultante de cortes fitossanitários e de medidas de defesa da floresta contra os incêndios, e do controlo de áreas com invasoras lenhosas, excluindo os sobrantes das indústrias transformadoras da madeira (designadamente cascas, restos, aparas e serradura);
iii) «Culturas energéticas», as culturas florestais de rápido crescimento, cuja produção e respetiva silvicultura preveja rotações inferiores a seis anos e cuja transformação industrial seja dedicada à produção de energia elétrica ou térmica;
b) «Central a biomassa» a instalação destinada à produção de eletricidade ou de energia elétrica e térmica, incluindo a produção em cogeração, que utilize como combustível biomassa, podendo incorporar uma percentagem máxima de 5 % de combustível fóssil como combustível auxiliar e de arranque, em cômputo anual;
c) «Zonas críticas» as zonas críticas tal como definidas nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei 124/2006, de 28 de junho, alterado pelos Decretos-Leis 15/2009, de 14 de janeiro, 17/2009, de 14 de janeiro, 114/2011, de 30 de novembro e 83/2014, de 23 de maio.
Artigo 3.º
Instalação das centrais a biomassa
1 - As centrais a biomassa devem ficar localizadas nos concelhos designados em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da proteção civil, das autarquias locais, da energia, do ambiente e das florestas.
2 - A escolha dos concelhos de localização das centrais e das respetivas potências deve ter em conta os seguintes critérios:
a) A proximidade com zonas críticas de incêndio ou com povoamentos florestais;
b) A existência de capacidade de receção de potência nas redes;
c) A proximidade em relação a outras centrais a biomassa florestal ou outras indústrias do setor florestal, consumidoras de biomassa florestal;
d) A possibilidade de implantação, preferencialmente, em zonas ou parques industriais, áreas de localização empresarial ou outras zonas que permitam ou propiciem, complementarmente, o aproveitamento da energia térmica.
3 - Cabe aos municípios dos concelhos designados nos termos do número anterior proceder à instalação e exploração das centrais nos termos do presente decreto-lei.
4 - A instalação e exploração das centrais a biomassa pode ser transmitida pelas entidades previstas no n.º 1 do artigo 1.º a entidade pública ou privada distinta destas, nos termos da lei.
Artigo 4.º
Emissão de ponto de receção e licenças
1 - Os municípios designados nos termos do n.º 1 do artigo anterior devem solicitar a emissão de ponto de receção da potência a injetar na rede e da licença para a produção das centrais regidas pelo presente decreto-lei, nos termos previstos em portaria aprovada pelo membro do Governo responsável pela área da energia.
2 - Compete à Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) proceder à emissão dos pontos de receção e das licenças previstas no número anterior e aprovar os respetivos projetos técnicos das centrais.
Artigo 5.º
Integração de procedimentos
1 - Para efeitos do presente decreto-lei, concluída a instalação da central de biomassa, o município apresenta comunicação prévia com prazo à DGEG, com vista a dar início à atividade de exploração.
2 - A DGEG realiza a vistoria no prazo máximo de 30 dias, nos termos legais aplicáveis.
3 - Findo o prazo referido no número anterior, caso não tenha ocorrido a vistoria, o município pode recorrer a vistoria por entidade acreditada e iniciar a exploração após comunicação do resultado da mesma à DGEG e pagamento das taxas devidas, quando aplicável.
4 - A comunicação prévia com prazo de 30 dias referida no presente artigo substitui para todos os efeitos legais a licença de exploração da central de biomassa.
5 - Por portaria do membro do Governo responsável pela área da energia são fixados os elementos instrutórios da comunicação prévia com prazo, ficando o município dispensado de apresentar aqueles que já constem do pedido de ponto de receção e da licença de produção, bem como de outros que estejam na posse da Administração Pública e que possam ser obtidos através de sistemas de interoperabilidade da Administração Pública.
Artigo 6.º
Medidas de apoio à venda da eletricidade
1 - As centrais licenciadas nos termos do presente decreto-lei podem beneficiar de medidas de apoio à venda da eletricidade, nos termos dos números seguintes.
2 - O membro do Governo responsável pela área da energia, mediante portaria, define os termos a observar para a aquisição pelo Comercializador do Último Recurso (CUR) da energia elétrica produzida, bem como o regime remuneratório a aplicar, tendo em conta os seguintes princípios:
a) Os termos da aquisição da energia elétrica fornecida à rede devem constar de contrato a celebrar entre o produtor e o CUR;
b) A disponibilização da energia térmica é livremente contratada pelo produtor;
c) A remuneração da eletricidade fornecida à rede beneficia de um apoio ao preço com duração definida;
d) O período de amortização da central não pode ser inferior ao prazo que for fixado nos termos da alínea anterior.
3 - O apoio ao preço não é devido durante o período em que o abastecimento da central não respeite os requisitos de aprovisionamento estabelecidos na alínea c) do artigo 2.º
4 - O produtor tem a obrigação de apresentar, nos termos previstos no Decreto-Lei 5/2011, de 10 de janeiro, alterado pelos Decretos-Leis 179/2012, de 3 de agosto e 165/2015, de 21 de agosto, um plano de ação para 10 anos visando a sustentabilidade a prazo do aprovisionamento das centrais, o qual deve estar aprovado nos termos desse mesmo diploma legal.
5 - As centrais cuja instalação ou funcionamento tenha beneficiado de apoios com a natureza de subvenção ou subsídio não reembolsáveis ficam sujeitas a uma redução ou mesmo à eliminação da tarifa garantida de que beneficiem, até à completa neutralização do impacto da subvenção não reembolsável, findo o que podem retomar a remuneração garantida pelo período remanescente de duração desta caso ainda esteja a decorrer.
6 - O apoio ao preço é suspenso durante o período em que o produtor não cumpra o disposto no n.º 4, ou as obrigações constantes nos n.os 2 e 3 do artigo seguinte.
Artigo 7.º
Controlo e fiscalização
1 - O controlo e fiscalização do aprovisionamento das centrais é assegurado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P. (ICNF, I. P.), sem prejuízo das competências próprias de outros organismos do Estado e designadamente das autoridades policiais.
2 - O produtor deve apresentar ao ICNF, I. P., e à DGEG, até 31 de março de cada ano, relatório anual descrevendo o aprovisionamento da central, identificando, designadamente, a quantidade, a natureza e a origem da biomassa consumida na central no ano anterior.
3 - O produtor deve permitir a inspeção da central, bem como a auditoria e monitorização dos consumos de biomassa florestal por parte do ICNF, I. P., ou DGEG, ou mediante solicitação destas, por entidade acreditada contratada pelo produtor.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 21 de março de 2017. - António Luís Santos da Costa - Augusto Ernesto Santos Silva - Fernando António Portela Rocha de Andrade - Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita - Paulo Alexandre dos Santos Ferreira - João Pedro Soeiro de Matos Fernandes - Luís Manuel Capoulas Santos.
Promulgado em 21 de abril de 2017.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Referendado em 3 de maio de 2017.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.