Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório 1 - Na sequência de um relatório de auditoria realizada às contas do Município de Caminha em que foi detetada a existência de pagamentos ilegais, e não obstante o pagamento voluntário das multas devidas pela responsabilidade financeira sancionatória correlativa de tais pagamentos assacada nesse relatório, o Ministério Público, ora recorrido, demandou Júlia Paula Pires da Costa, Paulo Pinto Pereira, Flamiano Gonçalves Martins, ora recorrentes, e outros, com vista à efetivação da pertinente responsabilidade financeira reintegratória. O Tribunal de Contas proferiu sentença, na qual, considerando embora ilegal a atribuição, deliberada em 3 de abril de 2006, de um subsídio a entidade privada para pagamento de dívidas à segurança social e à administração tributária, absolveu todos os demandados do pedido, com base no artigo 59.º, n.º 4, da Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas, aprovada pela Lei 98/97, de 26 de agosto (adiante referida como “LOPTC”), na redação anterior à da Lei 48/2006, de 29 de agosto, (exclusão da reposição, por inexistência de dano, quando o respetivo montante seja compensado com o enriquecimento sem causa de que a entidade pública haja beneficiado pela prática do ato ilegal ou pelos seus efeitos).
O Ministério Público recorreu desta sentença e, por acórdão de 14 de novembro de 2014, o Tribunal de Contas revogou-a, condenando os demandados ora recorrente, solidariamente, a repor a quantia de € 48 030, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde 3 de abril de 2006 (cf. fls. 86-114 - Acórdão 22/2014, da 3.ª Secção). Considerou, para o efeito, além do mais, o seguinte:
Como é sabido, os pressupostos da responsabilidade financeira reintegratória são os mesmos da responsabilidade civil, inclusive a existência de um dano, único requisito cuja existência se questiona neste recurso. Em matéria de
[r]eposições por alcances, desvios e pagamentos indevidos
», o artigo 59.º da LOPTC, na redação aqui aplicável (anterior à da Lei 48/2006, de 29 de agosto), dispõe que:
1 - Nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e ainda de pagamentos indevidos, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas pela infração, sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer.
2 - Consideram-se pagamentos indevidos para o efeito de reposição os pagamentos ilegais que causarem dano para o Estado ou entidade pública por não terem contraprestação efetiva.
Portanto, como bem sustenta o Ministério Público, o dano a reparar, pela reintegração do erário público, não é apenas material, financeiro, é também jurídico, na medida em que normas legais foram necessária e efetivamente violadas para que o subsídio fosse atribuído. A contra-alegação, acolhida na sentença, de que o investimento proporcionou um retorno para os munícipes de valor igual ou superior a €600.000 e que, por isso, houve também contrapartida para o Município, não colhe fundamento na matéria de facto provada. Com efeito, a contrapartida para a economia do Município, que o recorrente não contesta, não é automaticamente uma contrapartida compensadora da referida despesa ilegal da autarquia. Era preciso demonstrar, com factos, que nos cofres da edilidade entrou realmente de volta a importância aplicada pela Câmara naquelas dívidas da AVIVAC. Mas, como tal prova não se mostra feita, permanece tal despesa sem Tribunal de Contas 23 contrapartida, além de ilegal - nos termos do artigo 59.º, n.os 1 e 2, da LOPTC.
»Notificados deste acórdão, e na sequência de requerimento de “acla-ração, nulidades e pedido de reforma” do mesmo, pedidos estes indeferidos pelo acórdão de fls. 194-201 (acórdão 11/2015, da 3.ª secção, datado de 18 de fevereiro de 2015), os ora recorrentes apresentaram requerimento interpondo “recurso ordinário de revista (artigos 75.º, g) e h), 80.º, alínea a) da LOPTC e 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, e artigos 8.º, 10.º, e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) para o plenário” (cf. fls. 204 e ss.). Nesse requerimento, invocaram os mesmos, além do mais, o “direito de recorrer pelo menos uma vez, sob pena de violação dos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, e 671.º, n.os 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, da CRP e artigos 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”., suscitando, designadamente, a inconstitucionalidade orgânica e material do artigo 96.º, n.º 3, da LOPTC, caso se concluísse pela inadmissibilidade da revista tentada interpor. Por despacho de 13 de março de 2015, o recurso foi liminarmente indeferido pelo facto de não se mostrarem preenchidos os pressupostos do recurso previsto no artigo 75.º, alínea f), da LOPTC (fls. 232-233).
Notificados deste despacho, os recorrentes apresentaram reclamação do mesmo (fls. 244 e ss.), referindo, designadamente, que “[a] admissibilidade da revista ordinária interposta é um imperativo constitucional e a interpretação constitucional do artigo 96.º, n.º 3 da LOPTC e artigos 75.º g) e h), 80.º, alínea a), da LOPTC, 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.os 1 e 3 (a contrario) do CPC tem de ser no sentido de ser admissível o recurso de revista ordinário interposto sob pena de violação dos artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, da CRP e artigos 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem” (fls. 246, artigo 15.º)..
Por despacho de 8 de abril de 2015, o relator no Tribunal de Contas
, por inadmissibilidade legal, a interposição de recurso, com os seguintes fundamentos:
Em matéria de admissibilidade de recursos, no Tribunal de Contas, regem tãosó as pertinentes normas da LOPTC - artigos 79.º e 96.º a 104.º - e nenhuma delas prevê o recurso de revista. As alíneas g) e h) do artigo 75.º da mesma lei, que os recorrentes invocam, não atribuem ao Plenário Geral qualquer competência jurisdicional para um tal recurso. Por outro lado, as normas constitucionais e internacionais convocadas pelos recorrentes não impõem a admissão deste inusitado recurso.
Além disso, as questões agora colocadas pelos recorrentes são essencialmente as mesmas que já foram decididas, em última ins-tância, por este Tribunal supremo, do qual não cabe mais nenhum recurso ordinário.
Em consequência, por inadmissibilidade legal, indefiro esta interposição de recurso.
»(fls. 266)
2 - Subsequentemente, foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como “LTC”), dos acórdãos de fls. 86 e ss, e de fls. 194 e ss., e, bem assim, do despacho de fls. 266, em requerimento com o seguinte teor (fls. 274 e ss.):
A) Os aqui recorrentes interpuseram recurso de revista junto do Tribunal de Contas ao abrigo do disposto nos artigos 75.º, g) e h), 80.º, alínea a), 96.º da LOPTC e 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1 da CRP e artigos 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e a interpretação dos artigos 75.º, g) e h), 80.º, alínea a), 96.º da LOPTC e 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 (a contrario) do CPC.
Todo o nosso edifício jurisdicional está desenhado por forma a garantir ao cidadão o direito fundamental a um grau de recurso e, no que concerne ao recurso de revista o mesmo é assegurado desde que a alçada o permita e não haja dupla conforme (artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigo 150.º do CPTA e de acordo com a Constituição da República Portuguesa, a todos é garantido o direito à tutela jurisdicional efetiva - artigo 20.º da CRP e 6.º da CEDH).
Não havendo dupla conforme (como é o caso), aos aqui reclamantes, tem de ser assegurada a possibilidade de recorrerem ordinariamente pelo menos uma vez, da decisão que lhes foi desfavorável, logo, assiste aos recorrentes o mesmo direito de recorrer pelo menos uma vez, sob pena de violação dos artigos 75.º, g) e h), 80.º, alínea a), 96.º da LOPTC e 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1 da CRP e artigos 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A admissibilidade da revista ordinária interposta é um imperativo constitucional e a interpretação constitucional do artigo 96.º, n.º 3 da LOPTC e artigos 75.º, g) e h), 80.º, alínea a), da LOPTC, 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 (a contrario) do CPC tem de ser no sentido de ser admissível o recurso de revista ordinário interposto sob pena de violação dos artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1 da CRP e artigos 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
É inconstitucional a interpretação dada pelo Tribunal de Contas aos artigos 79.º, 96.º a 104.º e 75.º g) e h) da Lei Orgânica do Processo do Tribunal de Contas e aos artigos 96.º, n.º 3, 75.º, g) e h) e 80.º, alínea a) da LOPTC e artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 (a contrario) do CPC, 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1 da CRP e 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no sentido de que não é admissível o recurso ordinário de revista interposto e de que o Plenário Geral não tem competência para o recurso ordinário de revista, O artigo 96.º, n.º 3 da LOPTC padece de inconstitucionalidade orgânica e material, havendo, neste caso violação dos artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1 da CRP e artigos 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Assim e, também por força do artigo 32.º, n.º 1 da CRP, a interpretação normativa que se possa fazer no sentido da não admissão do recurso de revista ordinário, será inconstitucional. B) Perante a inexistência de dano material a interpretação da norma prevista no n.º 4 do artigo 59.º, n.º 4 da Lei 98/97, de 26 de agosto com as demais alterações (LOPTC), no sentido de que basta haver dano jurídico para efeitos de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade reintegratória é inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, 3.º, 12.º, 13.º, 20.º, 202.º, 203.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e por violação dos princípios do processo legal, igualdade, legalidade e da tutela jurisdicional efetiva.
C) A interpretação das normas previstas nos artigos 371.º, n.º 1 do Código Civil, (392.º, 393.º e 394.º do Código Civil e 413.º e 415.º do Código de Processo Civil) e dos artigos 152.º, 662.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), no sentido de que uma ata de uma reunião de câmara (que não foi impugnada) tem força probatória plena, e, nesse caso, o teor das afirmações que dele constam são insuscetíveis de ser objeto de interpretações. Uma coisa é um documento que não foi impugnado, coisa bem diferente é o conteúdo desse documento, pois o que fica assente é apenas que nesse documento está escrito o que lá está escrito, mas, evidentemente que o que está escrito é suscetível de ter mais do que uma explicação/interpretação e a entendimento em sentido contrário é inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 3.º, 12.º, 13.º, 20.º, 202.º, 203.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e por violação dos princípios do processo legal, igualdade, legalidade e da tutela jurisdicional efetiva.
D) A interpretação das normas previstas nos artigos 94.º, n.os 1 e 2 da LOPTC e 371.º, n.º 1 do Código Civil e artigos 152.º, 662.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC) e/ou com o entendimento que não se encontra violado o artigo 615.º, n.º 1 alíneas d) e e) do CPC, quando o Tribunal de Recurso decide para além do objeto do recurso (alterando matéria de facto quando o recurso é apenas sobre matéria de direito) e/ou condena para além do pedido, é inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 32.º, 12.º, 13.º, 20.º, 202.º, 203.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e por violação dos princípios do processo legal, igualdade, legalidade e da tutela jurisdicional efetiva.
III - As questões das inconstitucionalidades supra referidas em A) foram suscitadas nos autos a fls., incluindo no requerimento de interposição de recurso ordinário de revista de fls., nas alegações de fls. sob a epígrafe “Objeto” pág. 1 e “a Admissão do Recurso” págs. 1, 2 e 3, nas respetivas conclusões 1 a 6 e artigo 3,º 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 19.º, 20.º, 22.º e 24.º da reclamação apresentada a fls. e respetivas conclusões 1, 3, 4, 5, 6, 8, 9 e 11 a fls. e da reclamação apresentada a fls. artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 8.º e 9.º e respetivas conclusões 1, 2, 3, 4, 7 e 8 a fls. e constam ainda da decisão de 08.04.2015 a fls. 266, a qual não admitiu o recurso interposto.
IV - As questões das inconstitucionalidades supra referidas em B), C) e D) foram suscitadas no autos a fls., incluindo os artigos 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 74.º, 75.º, 76.º,77.º, 78.º, 79.º, 80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 87.º, 88.º, 89.º, 90.º, 91.º e conclusões 3, 4, 5, 6, 7, 8, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 25 do pedido de nulidade e reforma a fls., constam ainda da pág. 7 do douto acórdão 11/2015 de 18.02.2015 a fls. e de págs. 3 a 9 do recurso de revista e respetivas conclusões 7 a 17 a fls..
»(fls. 269-273)
Por despacho de fls. 290 foi apenas admitido o recurso de constitucionalidade interposto do despacho de 8 de abril de 2015, a fls. 266.
3 - Subidos os autos a este Tribunal Constitucional, o relator proferiu despacho, ao abrigo do disposto no artigo 75.º-A, n.os 5, 6 e 7, da LTC, convidando os recorrentes a indicar, em termos claros, precisos e concisos, a interpretação normativa referida na alínea A) do requerimento de recurso cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada (fls. 473-474). Estes responderam indicando as seguintes normas (fls. 479-481):
- A interpretação dada pelo tribunal recorrido aos artigos 79.º e 96.º a 104.º da LOPTC, segundo a qual “é inadmissível, no Tribunal de Contas, o recurso de revista previsto nos artigos 627.º, 629.º e 671.º do C.P.C., aplicáveis por força do disposto no artigo 80.º do LOPTC”
;
- A “interpretação dada ao artigo 75.º do LOPTC no sentido de que esta norma, conjugada com o disposto nos artigos 671.º, n.os 1 e 3 e 629.º do C.P.C., aplicáveis por força do artigo 80.º do LOPTC, não atribui ao Plenário Geral do Tribunal de Contas competência para conhecer e decidir de eventuais recursos de revista”.
Seguidamente foi proferido despacho a ordenar a produção de alegações, advertindo-se os recorrentes para a eventualidade de somente se conhecer do mérito do recurso quanto às duas aludidas questões de inconstitucionalidade, pela seguinte ordem de razões:
[O] despacho de fls. 289-290 apenas admitiu o recurso de constitucionalidade interposto do despacho de 8 de abril de 2015, a fls. 266, considerando que, quanto aos dois arestos anteriormente proferidos, o requerimento de recurso se apresentava extemporâneo. Significa isto que, nos presentes autos, só poderão ser conhecidas questões de constitucionalidade respeitantes a normas ou interpretações de normas convocadas e aplicadas pelo tribunal recorrido nesse despacho de fls. 266, pois só desse modo estaremos perante normas que tenham sido aplicadas pela decisão recorrida. Tal despacho - que constitui, assim, o objeto imediato do presente recurso-, recorde-se, não admitiu o
(fls. 483)
4 - Tanto os recorrentes como o Ministério Público alegaram. 4.1 - São as seguintes as conclusões da alegação dos recorrentes:
1 - A interpretação dada aos Artigos 79.º e 96.º a 104.º do LOPTC pelo Tribunal recorrido no sentido de que é inadmissível, no Tribunal de Contas, o recurso de revista previsto nos artigos 627.º, 629.º e 671.º do C.P.C., aplicáveis por força do disposto no artigo 80.º do LOPTC, é inconstitucional por violação do Principio da Igualdade, do direito a um processo justo e equitativo e do direito ao recurso - cf. os artigos 13º, 20.º, 32º, n.º 1, 202.º, 203.º e 205.º da Constituição e os artigos 8.º, 10.º, 11.º e da DUDH e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
2 - É igualmente inconstitucional a interpretação dada ao artigo 75.º do LOPTC no sentido de que esta norma, conjugada com o disposto nos artigos 671.º, n.os 1 e 3 e 629.º do C.P.C., aplicáveis por força do artigo 80.º do LOPTC, não atribui ao Plenário Geral do Tribunal de Contas competência para conhecer e decidir de eventuais recursos de revista por violação do Princípio da Igualdade, do direito a um processo justo e equitativo e do direito ao recurso previstos nos artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 202.º, 203.º e 205.º da CRP e os artigos 8.º, 10.º e 11.º da DUDH e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
3 - O processo de responsabilidade financeira junto do Tribunal de Contas é um processo de natureza sancionatória, ou pelo menos, tem uma natureza mista com um forte cariz punitivo.
4 - O artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa estatui que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
5 - A interpretação dada aos Artigos 79.º e 96.º a 104.º do LOPTC pelo Tribunal recorrido no sentido de que é inadmissível, no Tribunal de Contas, o recurso de revista previsto nos artigos 627.º, 629.º e 671.º do C.P.C., aplicáveis por força do disposto no artigo 80 do LOPTC, não assegura todas as garantias de defesa dos Recorrentes e, é violadora do artigo 32.º, n.º 1 da CRP e pelo mesmo motivo e fundamento (artigo 32.º, n.º 1 da CRP), é igualmente inconstitucional a interpretação dada ao artigo 75.º do LOPTC no sentido de que esta norma, conjugada com o disposto nos artigos 671.º, n.os 1 e 3 e 629.º do C.P.C., aplicáveis por força do artigo 80.º do LOPTC, não atribui ao Plenário Geral do Tribunal de Contas competência para conhecer e decidir de eventuais recursos de revista.
6 - Esta situação à luz do nosso sistema jurisdicional e das garantias que o mesmo tem de dar para que, não se viole o princípio da igualdade e de um processo justo e equitativo e da tutela jurisdicional efetiva, tem a seguinte tradução:
*No domínio do processo civil, e, por força do disposto nos artigos 627.º, 629.º e 671.º do C.P.C. (os quais aliás se aplicam subsidiariamente atento do disposto no artigo 80.º a) da LOPTC) a circunstância de numa ação de valor superior ao da alçada da relação, ser proferido acórdão pela Relação em sentido inverso ao da Sentença da primeira instância, confere, o direito ao recurso de revista para o STJ.
*No domínio do contencioso administrativo, também se admite recurso ordinário de revista, ao abrigo do disposto nos artigos 150.º e segs. do CPTA, sendo que, aqui o legislador até foi mais longe pois é possível a revista ser admitida mesmo em situações de dupla conforme.
*No domínio do processo penal, a regra é idêntica, ou seja, se alguém é absolvido na primeira instância e, posteriormente, em sede de recurso, a Relação condena o arguido a pena de prisão, assistelhe direito a recurso para o STJ
7 - Na interpretação normativa em causa há violação do princípio de coerência do sistema, dos princípios da igualdade, do direito a um processo justo e equitativo e, do direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
8 - O sistema jurisdicional Português assenta, assim, e bem, no princípio garantístico de que, não havendo dupla conforme, há que se assegurar a possibilidade de recurso e pela relevância para o caso e naquilo que é aqui aplicável louvamonos no recente Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 412/2015, Processo 1002/14, 1.ª Secção, Relator:
Conselheira Maria de Fátima MataMouros. 9 - Estamos perante o Tribunal de Contas, que é um Tribunal algo diferente dos Tribunais comuns, com um processo de natureza sancionatória e porquanto, a mesma instituição assume a posição de investigador/acusador e de julgador. Pelo que, em nome da independência, da transparência, da unidade do sistema, da igualdade, do direito a um processo justo e equitativo, impõe-se que a interpretação dos artigos 79.º e 96.º a 104.º do LOPTC vá no sentido de que é admissível, no Tribunal de Contas, o recurso de revista previsto nos artigos 627.º, 629.º e 671.º do C.P.C., aplicável por força do disposto no artigo 80.º do LOPTC.
10 - E, pelo facto de ser um Tribunal diferente, e na ausência de um Supremo Tribunal de Contas, a interpretação dada ao artigo 75.º do LOPTC vai no sentido de que esta norma, conjugada com o disposto nos artigos 671.º, n.os 1 e 3 e 629.º do C.P.C., aplicáveis por força do artigo 80.º do LOPTC, atribui ao Plenário competência para apreciar a revista.
11 - Percorrido o quadro normativo da LOPTC, nada resulta, no sentido de que existe norma expressa que impeça a aplicação do regime do processo civil de admissibilidade de recurso de revista, em casos, em que não há dupla conforme, pelo que, e até atento o disposto no artigo 9.º, 10.º e 11.º do Código Civil, a coerência do sistema, a igualdade e o direito a um processo justo e equitativo justificam a admissão do recurso de revista quando o Tribunal de Contas proferiu uma sentença absolutória e depois em sede e recurso do MP, decide em sentido inverso.
12 - A não ser assim como defendemos, o sistema ficaria refém de um situação altamente perniciosa, perigosa e potencialmente geradora de decisões manifestamente injustas, pois, o Juiz do recurso, sabendo que a sua decisão não podia ser sindicada, podia, facilmente, decidir em sentido contrário ao Juiz da primeira instância, abusando até dos seus poderes e prerrogativas.
13 - O Ministério Público (MP) demandou os aqui Recorrentes e foi proferida sentença na 1.ª instância que absolveu os aqui Recorrentes. O MP não se conformou, interpôs recurso mas no recurso “reduziu” o seu pedido para que fosse relevada a conduta dos Recorrentes, ora, o Juiz relator do recurso, para calçar o “pré-juizo” não só “calçou” a sua decisão alterando o que as testemunhas disseram como foi mais “policia” que o MP, pois condenou os Recorrentes em mais do que o próprio MP havia pedido. (o MP havia começado por pedir a condenação à restituição de 40.000,00€, para depois em sede de recurso se ficar pela relevação da pena, condenando o Juiz de recurso em 40,000,00 mais juros, juros esses que nunca haviam sido sequer peticionados)
14 - A permanecer a interpretação dada aquelas normas do LOPTC de que não há recurso de revista mesmo quando não há dupla conforme, os Recorrentes ficam impedidos ver garantido o seu direito a um processo justo e equitativo, e como se diz no acórdão supra citado “Sendo assim, imperioso é concluir que a irrecorribilidade da decisão condenatória, em segunda instância e em revogação da absolvição proferida em primeira instância, viola as garantias de defesa do arguido, em especial o seu direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição”.
15 - O Ministério Público, perante uma decisão (a sentença da primeira instância) que lhe foi desfavorável, teve o direito de recorrer pelo menos uma vez.
16 - Assiste aos Recorrentes o mesmo direito de recorrer pelo menos uma vez, sob pena de violação dos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigos 9.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1 da CRP e artigos 8.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ainda para mais, quando no caso, nem sequer há dupla conforme.
17 - Na ausência de dupla conforme, a admissão do recurso justifica-se pois, caso contrário, não se garante um sistema de fiscalização das decisões judiciais justo, equitativo e garante dos direitos de defesa e da tutela jurisdicional efetiva.
18 - A admissibilidade da revista é desta feita um imperativo constitucional e a interpretação do artigo 96.º, n.º 3 da LOPTC, tem de respeitar os artigos 75.º, g) e h), 80.º, alínea a), 96.º da LOPTC e 627.º, 629.º, n.º 1, 671.º, n.º 1 e 3 (a contrario) do CPC e artigos 92.º, b), 12.º, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1 da CRP e artigos 89.º, 10.º e 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, acresce que, como já dissemos estes processos de responsabilidade financeira, têm uma génese de natureza sancionatória, pelo que, justifica-se assegurar as garantias de defesa e de recurso, e, também por aqui e por força do artigo 32.º, n.º 1 da CRP, a interpretação normativa que se possa fazer no sentido da não admissão do recurso, será inconstitucional.
19 - Ao interpretar-se aquelas normas no sentido de não se admitir revista, fica a porta “escancarada” para que a decisão de mérito final fique irremediavelmente perdida, imbricada numa solução injusta, manifesta e ostensivamente errada.
20 - O direito de acesso aos tribunais não pode ser entendido num sentido formal (apenas como o direito de acesso aos tribunais), tem de ser entendido numa aceção mais ampla, como o direito efetivo a uma jurisdição em termos equitativos. Esta ação mais ampla levou à consagração constitucional do direito a um processo equitativo ou justo no artigo 20.º n.º 4 da CRP, derivado do art. 10 da Declaração Universal dos direitos do Homem.
21 - O artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa foi também influenciado pelo artigo 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem e pelo artigo 15.º do pacto sobre os direitos civis e políticos da Organização Mundial da Nações Unidas e o trabalho jurisprudencial efetuado pelo tribunal Europeu dos Direitos do Homem constitui uma referência fundamental na criação de um conceito de direito a um processo equitativo no qual caberia não só o julgamento justo perante os tribunais mas o próprio direito de acesso aos tribunais para exame de uma causa enquanto garantia fundamental da justiça.
22 - Um processo justo é entendido como aquele em que há imposição de meios de defesa idênticos às partes controvertidas. A constitucionalização do conceito de processo justo visa proteger e garantir um direito fundamental inviolável no acesso as tribunais onde haja respeito pelos direitos liberdades e garantias dos cidadãos e permite também uma fiscalização mais rigorosa do Tribunal Constitucional sobre a atuação jurisdicional como garante do respeito deste princípio.
23 - O artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa traduz-se numa expressão direta do acesso à Justiça, que decorre diretamente do princípio do Estado de direito e da dignidade da pessoa Humana e, o processo para ser equitativo tem, desde o momento do impulso da ação até a execução da decisão judicial que ter presentes princípios materiais da justiça. Resulta também do princípio do processo justo o direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso e o direito a um processo orientado para a justiça material e a transparência e a justeza das mesmas.
24 - Também decorre daqui e do artigo 13.º da CRP o direito à igualdade de armas o que impõe um estatuto de igualdade substancial das partes, ora, por um lado, como já dissemos, em todos os demais processos resulta o direito ao recurso de revista quando não há dupla conforme, por outro lado, e como se viu, o MP teve direito a interpor recurso da decisão que lhe foi desfavorável, pelo que, igual direito tem de assistir aos recorrentes.
25 - Um processo equitativo, que assegure efetivamente um direito de defesa, não pode permitir que uma parte possa recorrer e outra parte não quando se deparam com decisões jurisdicionais desfavoráveis, por isso, louvandonos no aresto supra citado reiteramos “situação de contradição entre a decisão de primeira e segunda instância, recusandolhe a possibilidade de reação a uma condenação, viola concretamente os seus direitos de defesa, violação que, como se depreende das palavras de Figueiredo Dias, Constitui simultaneamente
(ob. cit., pp. 80-81). Diga-se, aliás, que só esta conclusão se encontra em linha com a garantia de direito de recurso constante do artigo 14.º, n.º 5, do Pacto internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação, por Portugal, pela Lei n.-° 29/78, de 12 de junho), nos casos em que a condenação é imposta por um tribunal de recurso, após absolvição em primeira instância (cf. Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas, General Comment n.º 32, Article 14, CCPR/C/GC/32, 23 de agosto de 2002).”
Assim, 26 - A interpretação dada aos Artigos 79.º e 96.º a 104.º do LOPTC pelo Tribunal recorrido no sentido de que é inadmissível, no Tribunal de Contas, o recurso de revista previsto nos artigos 627.º, 629.º e 671.º do C.P.C., aplicáveis por força do disposto no artigo 80.º do LOPTC, é inconstitucional por violação do Princípio da Igualdade, do direito a um processo justo e equitativo e do direito ao recurso, e viola os artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, da Constituição e os artigos 8.º, 10.º, 11.º e da DUDH e o artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
27 - É igualmente inconstitucional a interpretação dada ao artigo 75.º do LOPTC no sentido de que esta norma, conjugada com o disposto nos artigos 671.º, n.os 1 e 3 e 629.º do C.P.C., aplicáveis por força do artigo 80.º do LOPTC, não atribui ao Plenário Geral do Tribunal de Contas competência para conhecer e decidir de eventuais recursos de revista por violação do Princípio da Igualdade, do direito a um processo justo e equitativo e do direito ao recurso e viola os artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 202.º, 203.º e 205.º da CRP e os artigos 8.º, 10.º e 11.º da DUDH e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Termos em que Vossas Excelências julgando procedente e concedido provimento ao presente recurso por:
i) inconstitucionalidade da interpretação dada aos artigos 79.º e 96 a 104.º do LOPTC no sentido de que é inadmissível, no Tribunal de Contas, o recurso de revista previsto nos artigos 627.º, 629.º e 671.º do C.P.C., aplicáveis por força do disposto no artigo 80.º do LOPTC, por violação do princípio da igualdade, do direito a um processo justo e equitativo e do direito ao recurso, e viola os artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 202.º, 203.º e 205.º da Constituição e os artigos 8.º, 10.º, 11.º e da DUDH e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
ii) inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 75.º do LOPTC no sentido de que esta norma, conjugada com o disposto nos artigos 671.º, n.os 1 e 3 e 629.º do C.P.C., aplicáveis por força do artigo 80.º do LOPTC, não atribui ao Plenário Geral do Tribunal de Contas competência para conhecer e decidir de eventuais recursos de revista por violação do Princípio da Igualdade, do direito a um processo justo e equitativo e do direito ao recurso e viola os artigos 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, 202.º, 203.º e 205.º da CRP e os artigos 8.º, 10.º e 11.º da DUDH e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
»(fls. 546-554)
4.2 - O Ministério Público concluiu a sua contraalegação nos termos seguintes:
1.ª Os Demandados interpuseram recurso de constitucionalidade, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LOFPTC, do despacho proferido no processo 8 RO-JC/2014 da 3.ª Secção do Tribunal de Contas, de 8 de abril de 2015, que não admitiu o recurso para o Plenário Geral do Acórdão do Plenário da mesma Secção (Acórdão de 14 de novembro de 2014, firmado em 18 de fevereiro de 2015).
2.ª O objeto do recurso vem delimitado às seguintes questões normativas de constitucionalidade:
(i)
.
3.ª A arguição de inconstitucionalidade vem fundada, relativamente a ambas as questões, na
.
4.ª As duas questões suscitadas pelos Recorrentes unificadamente confluem na censura, em termos de constitucionalidade, quanto à admissibilidade de um único grau de recurso ordinário das decisões jurisdicionais do Tribunal de Contas, independentemente da não verificação de dupla conforme.
5.ª A violação dos arts. 202.º, 203.º e 205.º da Constituição (função, independência e decisões dos tribunais), adjuvantemente invocada pelos Recorrentes, não vem por estes motivada, nem de algum modo densificada.
6.ª Os Recorrentes centram a invocação da inconstitucionalidade da interpretação normativa dos arts. 75.º, 79.º e 96.º a 104.º da LOPTC na violação do direito ao recurso e do direito de defesa, garantidos no processo criminal pelo artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, na interpretação do mesmo dada no Acórdão do TC 412/15, enquanto julgou que
.
7.ª Paradoxalmente os recorrentes não conjugam os citados preceitos da LOPTC com normas penais ou processuais penais, mas com disposições do Código de Processo Civil, em termos de recurso de revista.
8.ª A asserção ganhará inteligibilidade com o encadeamento do segmento constante do corpo da alegação, não expresso nas conclusões:
E, o n.º 4 do artigo 67 da LOPTC prevê que “[a]o regime substantivo da responsabilidade financeira sancionatória aplica-se, subsidiariamente, o disposto nos títulos I e II da parte geral do Código Penal”
».
9.ª O n.º 4 do artigo 67.º da LOPTC, aditado pelo artigo 2.º da Lei 20/2015, de 9 de março - no presente processo cuida-se da aplicação da LOPTC, na redação anterior à Lei 48/2006, de 29 de agosto -, podendo atribuir-se-lhe uma natureza interpretativa, circunscreve-se à atividade jurisdicional do tribunal em matéria de responsabilidade sancionatória, de aplicação de multas (arts. 65.º e ss. da LOPTC). 10.ª O presente processo não versa sobre a responsabilidade sancionatória para aplicação de multas aos ora recorrentes.
11.ª Discute-se jurisdicionalmente no presente processo - é a única questão aqui em causa - o apuramento da responsabilidade financeira reintegratória, nos termos dos arts. 59.º e ss. da LOPTC. 12.ª Não tendo as disposições normativas constantes dos arts. 75.º, 79.º e 96.º a 104.º da LOPTC sido aplicadas em processo criminal ou de natureza confinante, designadamente em
, ou de
, não pode, consequentemente, a aplicação que delas é processualmente feita ser aferida à luz do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, que incide sobre o direito ao recurso e o direito de defesa em processo criminal.
13.ª Argumentam os Recorrentes que, mesmo fora do processo criminal, a garantia de recurso, quando se não verifique a dupla conforme, integra o direito a um processo justo e equitativo (artigo 20.º da Constituição; artigo 6.º da CEDH e arts. 8.º, 10.º e 11.º da DUDH). 14.ª Tal argumentação não tem suporte na jurisprudência constitucional:
vai esta uniformemente no sentido de que
(Ac. 151/15).
15.ª Nem o direito a um processo equitativo necessariamente comporta a garantia de recurso, mas implicando que
Todo o processo - desde o momento de impulso da ação até ao momento da execução - deve estar informado pelo princípio da equitatividade através da exigência do processo equitativo [...] o due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa [...] mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais
». 16.ª No caso do Tribunal de Contas, diferentemente dos tribunais judiciais e dos tribunais da ordem administrativa e fiscal, a Constituição não estabelece uma hierarquia de tribunais (arts. 208.º, n.º 1, 210.º, n.º 1, 212.º, n.º 1 e 214.º).
17.ª A aplicação que no processo é feita dos arts. 75.º, 79.º e 96.º a 104.º da LOPTC, no sentido de não ser admitido um segundo grau de recurso, mesmo em caso de não verificação de dupla conforme, por oposição ao regime facultado nos tribunais da ordem administrativa e fiscal e nos tribunais judiciais (em ação de valor superior ao da alçada da Relação), determinaria, no entender dos Recorrentes, violação do princípio de igualdade.
18.ª A singularidade do Tribunal de Contas vem diretamente fundada na Constituição [artigo 209.º, n.º 1, alínea c) e 214.º], nela vindo garantido o seu estatuto de independência, como órgão jurisdicional. 19.ª Tratando-se de um único tribunal, dimensionando e racionalizando na sua estrutura interna o sistema de recursos, tal como previsto nos arts. 75.º, 79.º e 96.º a 104.º (103.º) da LOPTC, a inexistência de um segundo grau de recurso ordinário, presente a ampla liberdade de conformação na matéria pelo legislador, não traduz uma limitação arbitrária, a merecer censura em termos de constitucionalidade.
20.ª O sistema de recursos previsto nos artigos em causa assegura a igualdade de armas, relativamente ao Ministério Público e aos demandados:
obviamente, havendo um único grau de recurso, o
. (fls. 571-576)
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação A) Delimitação do objeto do recurso 5 - Importa, em primeiro lugar, delimitar o objeto material do pre-sente recurso. O mesmo é definido, desde logo, pelos termos do requerimento de interposição de recurso.
Tem sido entendimento constante deste Tribunal que ao definir no citado requerimento a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende sindicar, o recorrente delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, com exceção de uma eventual redução do pedido, nomeadamente, no âmbito da alegação que produza. É o que ocorre no caso presente atenta as conclusões das alegações dos recorrentes. De resto, a parte do recurso de constitucionalidade não admitida pelo despacho de fls. 290, veio a ser objeto de reclamação prevista no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, a qual foi decidida pelo Acórdão 543/2015 (disponível, assim como os demais adiante citados, em http:
//www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
Por outro lado, os poderes de cognição deste Tribunal, nos recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, estão limitados à norma que a decisão recorrida tenha aplicado (cf. o artigo 79.º-C da mesma Lei). Ora, apesar de os recorrentes autonomizarem duas normas, a verdade é que, conforme resulta claramente do despacho recorrido de fls. 266 e é justamente evidenciado na 4.ª conclusão da contraalegação apresentada pelo Ministério Público, o que vem questionado é a admissibilidade de um único grau de recurso ordinário das sentenças proferidas pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas em processos de efetivação de responsabilidades financeiras.
6 - Além disso, e não obstante a norma sindicada revestir natureza processual - devendo ser considerada tal como conformada pela legislação processual aplicável no momento da sua aplicação (cf., designadamente, as normas de direito transitório constantes, respetivamente, dos artigos 2.º e 6.º das Leis 48/2006, de 29 de agosto e 20/2015, de 9 de março)- , importa tomar em consideração a matéria substantiva a que tal norma adjetiva foi aplicada, já que, do ponto de vista constitucional, as exigências garantísticas formuladas em relação ao processo jurisdicional são diferentes consoante a maior ou menor potencialidade lesiva de direitos fundamentais:
maiores no processo penal e nos demais processos sancionadores; menores nos processos de outra natureza. In casu, considerando a existência legal de referências a dois tipos de responsabilidades financeiras - a reintegratória (artigos 59.º e 60.º da LOPTC) e a sancionatória (artigo 65.º do mesmo diploma), com regimes substantivos e procedimentais distintos (cf. os artigos 64.º, 67.º, 69.º, 70.º e 80.º, alíneas a) e c), da LOPTC, nas suas diferentes redações) -, importa atentar na modalidade concreta de responsabilidade financeira em causa no presente processo, pois não pode excluir-se à partida a necessidade de ponderações distintas relativamente à recorribilidade das decisões destinadas cada um daqueles tipos de responsabilidade financeira. Conforme se referiu, está em causa nestes autos a efetivação de responsabilidade financeira reintegratória por pagamento indevido, pelo que apenas com referência a este tipo de responsabilidade se justifica analisar as questões suscitadas pelos recorrentes, já que só em relação à mesma é que a decisão deste Tribunal se poderá repercutir no caso concreto apreciado no processobase. Acresce que uma eventual autónoma dimensão sancionatória se encontra fora do quadro de ponderações do processobase, porquanto não foi questionada nem a ilegalidade dos pagamentos efetuados por determinação dos recorrentes, nem a correspondente infração financeira, nem, tãopouco, a aplicação da pertinente multa, nos termos do artigo 65.º, n.º 1, da LOPTC, a qual, de resto, foi paga ainda antes de iniciado o citado processo.
Por outras palavras, no caso vertente, a autónoma consideração da responsabilidade financeira reintegratória é uma consequência do modo como o litígio se desenvolveu e estruturou no processobase, o qual as-sentou já no pressuposto da existência de uma infração financeira punível com multa não questionada pelos próprios interessados. Deste modo, a questão a decidir nos presentes autos é independente da discussão dogmática relativa à autonomia recíproca daquelas duas modalidades de responsabilidade financeira, impulsionada, sobretudo, pela evolução legislativa, nomeadamente em razão das modificações introduzidas na LOPTC pela Lei 48/2006, de 29 de agosto (cf. ANTÓNIO CLUNY, Responsabilidade Financeira e Tribunal de Contas, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, passim, mas, em particular, pp. 114-118 e 151-156; para o período anterior a essa Lei, v., por exemplo, os Pareceres do Conselho Consultivo da ProcuradoriaGeral da República n.os 14/2000 e 14/2004, disponíveis em http:
//www.dgsi.pt/pgrp.nsf/Internet?OpenView); e pela Lei 20/2015, de 9 de março (cf., em especial, a nova redação dada aos artigos 67.º, n.º 4, e 80.º e o afastamento da possibilidade de conversão da reposição em pagamento de multa de montante pecuniário inferior ao valor a repor anteriormente prevista - cf. o artigo 65.º, n.º 7, da LOPTC, na redação dada pela Lei 35/2007, de 13 de agosto).
7 - Assim, pelas razões expostas, o objeto do presente recurso reconduz-se à questão da inconstitucionalidade da norma extraída dos artigos 75.º, alíneas g) e h), 79.º, 80.º e 96.º a 104.º, todos da LOPTC, segundo a qual, os acórdãos do plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas que decidam recursos interpostos de sentenças relativas a processo de efetivação de responsabilidade financeira reintegratória não são recorríveis para o plenário geral do mesmo Tribunal, nos termos do artigo 671.º do Código de Processo Civil.
B) Apreciação do objeto do recurso 8 - A responsabilidade financeira reintegratória tem pressupostos específicos e é apurada no âmbito de um processo jurisdicional próprio a cargo do Tribunal de Contas.
Este último é, nos termos do artigo 214.º, n.º 1, da Constituição, o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas, correspondendolhe a natureza de órgão constitucional judicial (cf. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anots. I e II ao artigo 214.º, p. 575). A efetivação da responsabilidade por infrações financeiras prevista na alínea c) do citado artigo 214.º, n.º 1, é uma consequência natural da competência para julgar as contas públicas e distingue-se de responsabilidades de outro tipo, designadamente da responsabilidade penal, a efetivar pelos tribunais judiciais (cf. o artigo 211.º, n.º 1, da Constituição e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, cit., anot. VIII ao artigo 214.º, pp. 578-579).
Nesse sentido, estatui a LOPTC, no seu artigo 58.º, desde antes da Lei 48/2006, de 29 de agosto, que a efetivação de responsabilidade emergente de infrações financeiras - tanto na sua vertente reintegratória, como na vertente sancionatória - tem lugar mediante processos de julgamento de contas (na sequência de verificação externa de contas) e de responsabilidades financeiras (na sequência de ações de controlo realizadas pelo Tribunal fora do processo de verificação externa, ou, posteriormente à citada Lei, em relação a infrações financeiras evidenciadas em relatórios de órgãos de controlo interno dos serviços e organismos da Administração).
A responsabilidade financeira reintegratória pressupõe o alcance, o desvio de dinheiros ou valores públicos, o pagamento indevido ou, ainda, a não arrecadação de receitas, e traduz-se na condenação do responsável a repor as importâncias abrangidas pela infração, “sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer” (incluindo a responsabilidade financeira sancionatória) e só ocorre se o responsável tiver agido com culpa (cf. os artigos 59.º, 60.º, 61.º, n.º 5, e 64.º, da LOPTC, nas redações anterior e posterior à Lei 48/2006, de 29 de agosto).
Pelo seu lado, a responsabilidade financeira sancionatória corresponde à condenação ao pagamento de uma multa pela prática culposa ou dolosa de certos factos previstos na lei, não precludindo as reposições que eventualmente forem devidas a título de responsabilidade financeira reintegratória:
está em causa sancionar o incumprimento de regras relativas à legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas e à boa gestão financeira (artigo 65.º da LOPTC, nas suas várias versões; as multas do artigo 66.º têm uma natureza diferente e também podem ser aplicadas pela 1.ª e pela 2.ª Secções - cf. os artigos 77.º, n.º 4, e 78.º, n.º 2, alínea e), da LOPT, na redação posterior à Lei 48/2006, de 29 de agosto; sobre a diferença entre os dois tipos de multas em apreço, v. o Acórdão 778/2014, n.º 2.1. e, bem assim, ANTÓNIO CLUNY, Responsabilidade Financeira…, cit., pp. 77, 118 e 271-272). O valor da multa é graduado de acordo com um regime próprio (artigo 67.º da LOPTC, nas suas várias versões). A 1.ª e a 2.ª Secções do Tribunal de Contas podem, em determinadas circunstâncias, relevar a responsabilidade por infrações financeiras apenas passíveis de multa (artigo 65.º, n.º 8, da LOPTC, nas redações anterior e posterior à Lei 48/2006, de 29 de agosto; e artigo 65.º, n.º 9, da mesma Lei, na redação dada pela Lei 20/2015, de 9 de março). Além disso, o procedimento por responsabilidade financeira sancionatória extingue-se pelo pagamento voluntário (artigo 69.º, n.º 2, alínea d), da LOPTC, nas diferentes redações).
Os processos relativos à efetivação de responsabilidades financeiras reintegratória ou sancionatória têm natureza jurisdicional (artigos 89.º a 95.º da LOPTC, nas suas várias versões - v., a propósito, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., anot. V ao artigo 214.º, p. 577:
“o processo judicial definido na lei (cf. L n.º 98/97, arts. 89.º e ss.) garante as dimensões básicas do due process of law”), competindo a respetiva preparação e o seu julgamento exclusivamente à 3.ª Secção do Tribunal de Contas:
em 1.ª instância, por um só juiz; em recurso, pelo plenário daquela Secção, não podendo o juiz autor da decisão recorrida intervir no respetivo julgamento (artigos 79.º e 97.º, n.º 2, da LOPTC, desde a redação originária). Os responsáveis podem constituir advogado; nos recursos jurisdicionais, tal constituição é obrigatória (artigos 13.º, n.º 6, e 97.º, n.º 6, da LOPTC, desde a redação originária).
9 - Alegam os recorrentes que a irrecorribilidade dos acórdãos do plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas que decidam recursos interpostos de sentenças relativas a processo de efetivação de responsabilidade financeira reintegratória para o plenário geral do mesmo Tribunal, diferentemente do que atualmente se encontra previsto no artigo 671.º do Código de Processo Civil, nomeadamente nos casos em que, relativamente a tal matéria, o plenário da 3.ª Secção revogue a decisão tomada em 1.ª instância (cf. a conclusão 17. da respetiva alegação de recurso:
“ausência de dupla conforme”
; v. também as conclusões 8. e 11.), é inconstitucional a vários títulos:
- Por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição) - v., em especial, as conclusões 6., 7., 15., 16. e 24. da alegação de recurso e seu remate;
- Por violação do direito a um processo justo e equitativo (artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição) - v., em especial, as conclusões 14., 17., 18. e 25. da alegação de recurso e seu remate;
- Por violação do direito ao recurso (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição) - v., em especial, as conclusões 18. e 20. a 23. da alegação de recurso e seu remate.
Dado que a norma impugnada respeita ao direito ao recurso enquanto direito de defesa contra atos jurisdicionais, justifica-se seguir uma ordem de apreciação das alegadas inconstitucionalidades diversa da indicada. Começar-se-á pelo enquadramento constitucional do direito ao recurso e às exigências em matéria de processo equitativo, seguindo-se depois a apreciação da alegada desigualdade e incoerência sistemática.
10 - Decorrem do texto constitucional, explícita ou implicitamente exigências impreteríveis quanto à conformação e organização dos processos jurisdicionais em geral, as quais são um direto corolário da ideia de Estado de direito democrático, porquanto um dos elementos estruturantes deste modelo de Estado é justamente a observância de um due process of law na resolução dos litígios que no seu âmbito deva ter lugar (cf. o Acórdão 271/95). Com efeito, sendo através do processo que os tribunais desempenham a função jurisdicional, e sendo também por intermédio dele que os cidadãos têm acesso à tutela estadual dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podem as normas que o conformam deixar de refletir princípios que estruturam todo o sistema da Constituição.
Como se afirmou no Acórdão 243/2013:
[9.] O direito de acesso aos tribunais, enquanto fundamento do direito geral à proteção jurídica, traduz-se na possibilidade de deduzir junto de um órgão independente e imparcial com poderes decisórios uma dada pretensão (o pedido de tutela jurisdicional para um direito ou interesse legalmente protegido), pelo que implica uma série de interações entre quem pede (autor), quem é afetado pelo pedido (réu) e quem decide (juiz), a que corresponde o processo. E a disciplina deste último - o processo em sentido normativo - encontra-se submetida à exigência do processo equitativo:
o procedimento de conformação normativa deve ser justo e a própria conformação deve resultar num “processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais” (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. XVI ao artigo 20.º, p. 415). Se tal exigência não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, a mesma “impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo (Ac. n.º 632/99). Um processo equitativo postula, por isso, a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas” (cf. Rui Medeiros in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao artigo 20.º, p. 441). [...]
Nessa linha, entendendo-se a exposição das razões de facto e de direito de uma dada pretensão, com sujeição ao contraditório da parte contrária, perante o tribunal antes que este tome a sua decisão como uma manifestação do direito de defesa dos interessados perante os tribunais, tal direito, juntamente com o princípio do contraditório, não pode deixar de ser visto como “uma decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão imparcial e independente. Por isso, embora só estejam [- o direito de defesa e o princípio do contraditório -] expressamente consagrados na Constituição no âmbito do processo penal, [os mesmos] apresentam-se como normas de alcance geral” (cf. Rui Medeiros, ob. cit., anot. XX ao artigo 20.º, pp. 442-443). [...]
10 - Como o Tribunal Constitucional afirmou no seu Acórdão 287/90, embora a garantia da via judiciária do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição se traduza prima facie no direito de recurso a um tribunal para obter dele uma decisão sobre a pretensão perante o mesmo deduzida, deve incluir-se ainda na mesma garantia a proteção contra atos jurisdicionais. Isto é, o direito de ação incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra atos jurisdicionais, o qual, obviamente, só pode ser exercido mediante o recurso para (outros) tribunais:
“o direito (subjetivo) de recorrer visa assegurar aos particulares a possibilidade de impugnarem atos jurisdicionais e ainda tornar mais provável, em relação às matérias com maior dignidade, a emissão da decisão justa, dada a existência de mais do que uma instância”.
No mesmo aresto, todavia, este Tribunal também advertiu que daquela proposição não decorre a existência de um ilimitado direito de recurso, extensivo a todas as matérias, o que implicaria a inconstitucionalidade do próprio estabelecimento de alçadas. O Tribunal considerou, então, que, com ressalva da matéria penal, atendendo ao que dispõe o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, tal direito não é um direito absoluto - irrestringível. Diferentemente, o que se pode retirar, inequivocamente, das disposições conjugadas dos artigos 20.º e [atual] 210.º da Constituição, em matérias diversas da penal, é que existe um genérico direito de recurso dos atos jurisdicionais, cujo preciso conteúdo pode ser traçado, pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude. Ao legislador ordinário estará vedado, exclusivamente, abolir o sistema de recursos in toto ou afetálo substancialmente. Esta orientação foi posteriormente reafirmada por diversas vezes (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98, 276/98, 638/98, 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007).
No Acórdão 40/2008 admitiu-se ainda que, para além dos casos que relevam do direito de defesa do arguido em processo penal, seria também sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer atos lesivos dos direitos dos cidadãos (maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses atos provenientes de particulares ou de órgãos do Estado, se garantisse o direito à impugnação judicial de atos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou atuações materiais) que constituíssem a causa primeira e direta da afetação de tais direitos. Considerou-se, então, que quando a atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deveria ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação; mas quando a afetação do direito fundamental do cidadão tivesse tido origem numa atuação da Administração ou de particulares e esta atuação já tivesse sido objeto de controlo jurisdicional, então não seria em todos os casos constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão de controlo (cf., no mesmo sentido, os Acórdãos n.os 44/2008 e 197/2009).
Por outro lado, fora do âmbito em que se considera constitucionalmente imposto que o legislador ordinário consagre um segundo grau de jurisdição, se este decidir prever esse segundo grau em determinadas situações, daí não se segue que o legislador tenha irrestrita liberdade na regulação desse recurso. O Tribunal Constitucional sempre tem entendido que se o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição, na respetiva regulamentação não lhe é consentido adotar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerar-se vinculado ao respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cf. o Acórdão 197/2009). Como se referiu no Acórdão 628/2005, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso, pois “tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer - mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 1229/96 e 462/2003) [...]”.
»Ou seja, e seguindo a síntese da jurisprudência uniforme e reiterada deste Tribunal em matéria de direito ao recurso formulada no Acórdão 151/2015:
[F]ora do processo penal e quando não esteja em causa a violação pela decisão jurisdicional de direitos fundamentais a Constituição não impõe a consagração do direito ao recurso, dispondo o legislador do poder de regular, com larga margem de liberdade, a recorribilidade das decisões judiciais.
Contudo, quando crie um qualquer meio recursório, designadamente em processo civil, destinado a permitir que os interessados impugnem as decisões proferidas por um tribunal para outro tribunal hierarquicamente superior, o legislador está obrigado a regular a utilização desse meio processual, com respeito pelos imperativos constitucionais.
»(itálico aditado)
Por outro lado, no processo penal, o Tribunal Constitucional tem sido firme no entendimento de que não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição o direito a um duplo grau de recurso correspondente a um terceiro grau jurisdição (ver, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 189/2001, 336/2001, 369/2001, 49/2003, 377/2003, 495/2003 e 102/2004; e mais recentemente, e com referência às alíneas e) e f) do artigo 400.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, os Acórdãos n.os 276/2015 e 298/2015). Mas é também verdade que, a propósito do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, o Acórdão 412/2015, invocado pelos recorrentes, veio considerar constitucionalmente exigível um terceiro grau de jurisdição no domínio processual penal em circunstâncias muito particulares, designadamente no caso de a relação, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condenar o arguido em pena de prisão efetiva. Colhe-se da fundamentação deste aresto que pesaram decisivamente, não apenas o valor fundamental da liberdade, como a própria evolução da legislação infraconstitucional aplicável.
11 - No caso vertente, que - recorde-se - respeita exclusivamente à efetivação de responsabilidade financeira reintegratória, não está em causa o juízo sobre um ilícito sancionatório (qualificando a responsabilidade financeira sancionatória como um
, v. o Acórdão 635/2011). Quando muito, poder-se-á falar de uma responsabilidade conexa, porventura análoga à obrigação de indemnizar as perdas e danos emergentes de ilícito penal, e que é regulada por lei diferente daquela que pune tal ilícito (cf. o artigo 129.º do Código Penal). A norma sindicada situa-se, por isso, fora do âmbito de aplicação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Em consonância, não há lugar à aplicação imediata ou subsidiária nem do direito penal nem do direito processual penal (cf., desde logo, o artigo 80.º da LOPTC, nas suas diversas redações; v. também, o artigo 67.º, n.º 4, da mesma Lei, na redação dada pela Lei 20/2015, de 9 de março).
Inexistem, deste modo, razões que justifiquem a discussão in casu seja do mérito da doutrina sufragada no citado Acórdão 412/2015, seja da sua eventual transposição para outros domínios sancionatórios. E de qualquer modo, quanto a este último aspeto, e tal como recentemente assinalado no Acórdão 373/2015, “importa ter em atenção que o conteúdo das garantias processuais é diferenciado, consoante o domínio do direito punitivo em que se situe a sua aplicação[, já que], atendendo à diferente natureza do ilícito de mera ordenação e à sua menor resso-nância ética, em comparação com o ilícito criminal, é menor o peso do regime garantístico, pelo que as garantias constitucionais previstas para os ilícitos de natureza criminal não são necessariamente aplicáveis aos ilícitos contraordenacionais ou a outros ilícitos no âmbito de direito sancionatório (cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos n.os 158/92, 50/99, 33/2002, 659/2006, 99/2009 e 135/2009)”.
O Tribunal entende, isso sim, dever reafirmar a sua jurisprudência em matéria de direito ao recurso fora do âmbito do processo penal (cf. os já citados Acórdãos n.os 287/90, 40/2008, 197/2009 e 151/2015). A particularidade que existe nos recursos interpostos de decisões de efetivação de responsabilidade financeira reintegratória tomadas em primeira instância pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas reside na circunstância de tais recursos serem julgados pelo plenário dessa mesma Secção, ainda que sem a intervenção do juiz que tomou a decisão recorrida (cf. os artigos 79.º, n.º 1, alínea a), e 97.º, n.º 2, da LOPTC). Esta especialidade é, todavia, indissociável - e, desse modo, plenamente justificada - da natureza constitucional do Tribunal de Contas como órgão jurisdicional supremo de “fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento de contas” com competência para “efetivar a responsabilidade por infrações financeiras” (cf. o artigo 214.º, n.º 1, alínea c), da Constituição). Com efeito, e sem prejuízo do recurso de constitucionalidade, as decisões do Tribunal de Contas não são recorríveis para qualquer outro tribunal da ordem jurídica portuguesa.
12 - Relativamente ao parâmetro do direito a um processo justo e equitativo, invocam os recorrentes que tal direito implica um
, não sendo admissível, por isso, “que uma parte possa recorrer e outra parte não quando se deparam com decisões jurisdicionais desfavoráveis” e louvam-se, uma vez mais, no já referido Acórdão 412/2015 (cf., em especial, a conclusão 25. da sua alegação de recurso). No tocante a outras dimensões do processo equitativo, nomeadamente o contraditório, o direito à prova ou os prazos para alegar e para decidir, os recorrentes nada de censurável apontam ao regime constante dos artigos 96.º a 100.º da LOPTC.
Sobre o entendimento do direito a um processo equitativo e justo, defende este Tribunal, na síntese formulada no Acórdão 778/2014:
O artigo 20.º da Constituição, sob a epígrafe
Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva
», garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente:
(a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional;
(b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada;
(c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa;
(d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão 440/94).
Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios:
(1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias;
(2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras;
(3) direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos;
(4) direito à fundamentação das decisões;
(5) direito à decisão em prazo razoável;
(6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier);
(7) direito à prova;
(8) direito a um processo orientado para a justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, Volume I, págs. 415 e 416).
Importa ainda salientar que a exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. No entanto, no seu núcleo essencial, tal exigência impõe que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.
»Ora, como se viu a propósito do direito ao recurso, a limitação dos graus de jurisdição, nomeadamente a não previsão de um segundo grau de recurso, é uma opção que resulta da “liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo”. No caso da efetivação de responsabilidade financeira reintegratória, a lei previu um grau de recurso aberto a qualquer uma das partes (cf. o artigo 96.º, n.º 3, da LOPTC, desde a redação originária). A limitação a esse grau de recurso não se afigura arbitrária nem desrazoável ou desproporcionada e, sobretudo, não põe em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.
Tem este Tribunal entendido que a disciplina do direito ao recurso em geral deve conciliar, por um lado, a garantia de defesa dos direitos das partes e de uma maior qualidade da justiça; e, por outro lado, a garantia de eficiência do sistema judiciário. Nesse sentido, e verificando a previsão constitucional de uma hierarquia de tribunais que distingue entre diversos graus de jurisdição (artigo 210.º da Constituição), importa articular esta última com aquele direito. Assim, no Acórdão 49/2003, considerou-se que, sendo os fundamentos do direito ao recurso:
(i) a redução do risco de erro judiciário;
(ii) a garantia de melhor qualidade da decisão em virtude de esta vir a ser proferida por uma instância superior; e (iii) uma nova oportunidade para a defesa dos direitos das partes, “os fundamentos do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição”. Por outro lado, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, “há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição”, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões desfavoráveis, correspondendo tais fundamentos à intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação” (cf. ibidem).
No caso do Tribunal de Contas, e em particular no domínio das decisões de efetivação da responsabilidade financeira reintegratória, o terceiro grau de jurisdição teria de ser assegurado pelo plenário geral do Tribunal, na sequência de recurso interposto de acórdão do plenário da 3.ª Secção (cf. os artigos 14.º, 75.º e 79.º, n.º 1, alínea a), da LOPTC - a respetiva redação originária não foi objeto de modificação posterior). Ora, para além do aludido risco de paralisação do mencionado plenário geral, aqui também invocável como fundamento de limitação dos graus de jurisdição, a verdade é que a própria estrutura e o modo de funcionamento do Tribunal de Contas não garantem à partida que a decisão do plenário geral fosse de qualidade superior ou menos atreita ao risco de erro judiciário.
Em primeiro lugar, porque as secções do Tribunal de Contas são especializadas, competindo à 3.ª Secção os processos jurisdicionais e a respetiva decisão - esta Secção é frequentemente designada de secção jurisdicional ou de julgamento, por confronto com as secções de visto (a 1.ª) e de auditoria (a 2.ª) (cf. os artigos 15.º e 79.º, n.os 1, alínea a), e 2, da LOPTC, nas suas diferentes redações; quanto às designações, v., por exemplo, ANTÓNIO CLUNY, Responsabilidade Financeira…, cit., pp. 63 e 202; e NAZARÉ DA COSTA CABRAL e GUILHERME W. D’OLIVEIRA MARTINS, Finanças Públicas e Direito Financeiro - Noções Fundamentais, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2014, pp. 440 e ss.). Por isso mesmo, devem prioritariamente ser colocados na 3.ª secção os juízes do Tribunal de Contas oriundos das magistraturas (artigo 15.º, n.º 4, antes da redação dada pela Lei 20/2015, de 9 de março; n.º 5, na redação dada por esta última).
Em segundo lugar, porque, diferentemente do que sucede em relação aos recursos de decisões proferidas em 1.ª instância no quadro das secções - em que o juiz relator da decisão recorrida não pode intervir no julgamento do recurso que dela tenha sido interposto -, nas decisões a adotar pelo plenário geral participam todos os juízes do Tribunal de Contas e, portanto, também aqueles que integram o plenário da 3.ª Secção (cf. o artigo 97.º, n.º 2, e o regime dos recursos extraordinários previsto nos artigos 101.º a 103.º, todos da LOPTC - a respetiva redação originária não foi objeto de modificação posterior).
Finalmente, também não pode ser desconsiderado o interesse na obtenção de um desfecho célere do litígio judicial. Na verdade, e como mencionado, a celeridade processual é, ela própria, uma componente não negligenciável do processo equitativo (
).
Pelo exposto, um eventual terceiro grau de jurisdição no âmbito do Tribunal de Contas não seria nunca comparável ao terceiro grau de jurisdição que existe no âmbito dos tribunais judiciais:
se se pode divisar algum paralelismo entre juiz da 3.ª Secção do Tribunal de Contas, a decidir em primeira instância, e plenário da mesma Secção, como instância de recurso, e tribunal judicial de primeira instância e relação; o mesmo paralelismo não existe no tocante ao confronto entre plenário geral do Tribunal de Contas e Supremo Tribunal de Justiça. Daí ser materialmente justificada a limitação a dois graus de jurisdição da apreciação e decisão referente a matérias de efetivação de responsabilidade financeira reintegratória.
13 - A aludida especificidade da estrutura e modo de funcionamento do Tribunal de Contas justifica também a não comparabilidade do sistema de recursos neste Tribunal com o existente noutras ordens de tribunais, como sejam as dos tribunais judiciais ou dos tribunais administrativos e fiscais, o que retira fundamento à invocada violação do princípio da igualdade num plano sistémico.
De todo o modo, e no tocante ao processo administrativo, cumpre ter presente que, por regra, e ao contrário do que parecem sustentar os recorrentes na conclusão 6. da sua alegação de recurso, não há lugar a recurso para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões dos tribunais centrais administrativos proferidas em segunda instância. A admissibilidade da revista, embora seja um recurso ordinário - uma vez que não pressupõe o trânsito em julgado da decisão recorrida -, não só não pressupõe a inexistência de dupla conforme, como só é admissível, “excecionalmente” - salienta o legislador -, “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” (cf. o artigo 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação dada pelo Decreto Lei 214-G/2015, 20 de outubro; sobre a admissibilidade constitucional da solução, v. o Acórdão 513/2015).
Mas, decisivamente, e ainda que se pudesse considerar existir uma incongruência entre o sistema de recursos aplicável nos processos jurisdicionais da competência do Tribunal de Contas e o sistema de recursos existente no âmbito de outras ordens jurisdicionais - e já se viu não ser esse o caso-, a verdade é que tal incoerência não relevaria como violação do princípio da igualdade, conforme se afirmou no Acórdão 546/2011:
[O] n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto - e veja-se, por exemplo, o Acórdão 232/2003 [...] - que o caráter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” - isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir - é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circuns-tâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso - e desrazoavlmente diverso, no sentido acima exposto - de posições jurídicosubjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (ar-tigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis.
»Por último, cabe refutar a ideia de que a norma sindicada trata desigualmente as partes no processo (cf., em especial, as conclusões 15., 16. e 24. da alegação de recurso dos recorrentes). Inexiste qualquer desigualdade de tratamento:
a parte que fique vencida no julgamento em primeira instância, seja ela o demandante ou demandado, pode recorrer para o plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas; e a decisão de tal recurso, seja ela qual for, e com ressalva da oposição de julgados, não é recorrível para o plenário geral do Tribunal de Contas.
In casu sucedeu que o demandante ficou vencido na decisão tomada em primeira instância, a qual, após recurso, foi revogada. Consequentemente, a lide terminou com uma decisão favorável ao demandante inicial. Mas na situação inversa - procedência da ação em primeira instância e revogação da decisão favorável ao demandante pelo acórdão do plenário da 3.ª Secção - o tratamento seria idêntico:
a decisão final favorável ao demandado também não seria recorrível. Ou seja, e conforme referido, inexiste desigualdade de tratamento, uma vez que a lei processual aplicável assegura a ambas as partes - demandante e demandado - um único grau de recurso, independentemente de a decisão em primeira instância ser favorável a uma ou a outra.
III. Decisão Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 75.º, alíneas g) e h), 79.º, 80.º e 96.º a 104.º, todos da Lei da Organização e Processo do Tribunal de Contas, aprovada pela Lei 98/97, de 26 de agosto, segundo a qual, os acórdãos do plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas que decidam recursos interpostos de sentenças relativas a processo de efetivação de responsabilidade financeira reintegratória não são recorríveis para o plenário geral do mesmo Tribunal, nos termos do artigo 671.º do Código de Processo Civil; e, em consequência, b) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UC, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto Lei 303/98, de 7 de outubro (cf. o artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Lisboa, 24 de fevereiro de 2016. - Pedro Machete - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Fernando Vaz Ventura - Joaquim de Sousa Ribeiro.
209534116