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Acórdão 412/2015, de 6 de Outubro

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Sumário

Julga inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, resultante da revisão introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos

Texto do documento

Acórdão 412/2015

Processo 1002/14

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes Avelino Abel Vaz Maia e Hugo Rafael Rebelo Isidro e são recorridos o Ministério Público e Manuel Santos do Val, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro [LTC]).

2 - Os ora recorrentes foram absolvidos, em primeira instância, dos crimes de que eram acusados bem como do pedido de indemnização cível contra si deduzido.

Interposto recurso pelo assistente e demandante, por acórdão de 28 de janeiro de 2013, o Tribunal da Relação de Lisboa, julgando parcialmente procedente o recurso, decidiu alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância e condenar os arguidos do seguinte modo:

i) O arguido Hugo Isidro, na pena de um ano e seis meses de prisão pelo crime de dano e na pena de dois anos e seis meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida e, em cúmulo jurídico, na pena única de três anos e três meses de prisão;

ii) O arguido Avelino Abel Vaz Maia, na pena de um ano de prisão pelo crime de dano e na pena de dois anos de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, e em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e seis meses de prisão.

Interpuseram, então, os arguidos recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por despacho proferido no Tribunal da Relação de Lisboa em 17 de março de 2013, por “dúvidas acerca da constitucionalidade da nova redação dada [pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro] à norma em causa [a alínea e) do n.º 2 do artigo 400.º do CPP], atento o disposto no art. 32.º, n.º 1 da CRP, estando em causa as garantias de defesa do arguido que, após uma decisão absolutória da primeira instância, se vê confrontado, pela primeira vez, com uma decisão condenatória, em pena de prisão efetiva, sem ter tido oportunidade de questionar a medida desta”, foi decidido admitir o recurso, “deixando ao Supremo Tribunal de Justiça a primazia na tomada de posição sobre aquela controvérsia”.

O Ministério Público respondeu, sustentando tanto a admissibilidade do recurso (“como única forma de respeitar o direito ao recurso constitucionalmente consagrado”) como a sua procedência (no sentido da suspensão das penas únicas aplicadas aos arguidos). Diferente parecer emitiu o Procurador-Geral-Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça, que se pronunciou no sentido da inadmissibilidade legal do recurso.

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o recurso viria a ser rejeitado, inicialmente, por decisão sumária e, após reclamação desta, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de setembro de 2014, que a indeferiu.

É deste acórdão que vem agora interposto o presente recurso de constitucionalidade.

3 - Indicam os recorrentes, no requerimento de recurso, que este é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1, do artigo 70.º da LTC,

«

por inconstitucionalidade material da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, ao não consagrar a exceção do recurso de condenação em pena de prisão efetiva após absolvição em 1.ª Instância

»

, explicando que

«

tal omissão inviabiliza assim aos arguidos o uso da plenitude dos direitos de defesa e o uso do direito ao recurso, coartando esse mesmo direito ao não permitir que os mesmos vejam uma sua condenação ser apreciada em 2.º grau de jurisdição

»

.

Mais referem:

«

Nestes termos, a interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP no sentido de ser a presente decisão que condenou os arguidos em penas de prisão efetivas irrecorrível após os mesmos terem sido absolvidos em 1.ª Instância (essa decisão então também irrecorrível para aqueles nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º do CPP), gera a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, segundo a qual, aquele artigo, com a redação dada por esta lei, constitui norma interpretativa do mesmo artigo com a redação anterior - ou seja, a que lhe foi dada pela Lei 48/2007, de 29 de agosto - sendo, por isso, violadora do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)

»

.

4 - Prosseguindo o processo para alegações, os recorrentes alegaram concluindo do seguinte modo:

«

1 - A interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP no sentido de ser a presente decisão que condenou os arguidos em penas de prisão efetivas irrecorrível após os mesmos terem sido absolvidos em 1.ª Instância (essa decisão então também irrecorrível para aqueles nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º do CPP), gera a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, segundo a qual, aquele artigo, com a redação dada por esta lei, constitui norma interpretativa do mesmo artigo com a redação anterior - ou seja, a que lhe foi dada pela Lei 48/2007, de 29 de agosto - sendo, por isso, violadora do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa);

2 - Pois tal interpretação delimita as garantias de defesa e o direito ao recurso de arguido em processo criminal, impedindo que o arguido veja uma decisão que o condena ser sindicada por um outro tribunal, ficandolhe assim vedado o direito a um único recurso;

3 - O espírito da lei na redação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP apenas poderá ser o da sua aplicação no caso de “dupla con-forme”, sendo inaplicável no caso de não existir “dupla conforme”

;

4 - Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso

»

.

5 - Contraalegou apenas o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões:

«

1 - A decisão recorrida é o acórdão proferido em conferência no Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação da decisão sumária que, por inadmissibilidade, rejeitou os recursos interpostos pelos arguidos.

2 - Como a interpretação normativa identificada no requerimento de interposição do recurso - onde se fixa o objeto - não coincide integralmente com aquela que foi identificada quando da suscitação da questão, na reclamação para a conferência, não deve tomar-se conhecimento do objeto do recurso.

3 - Tendo a decisão da 1.ª instância sido proferida, encontrando-se em vigor o artigo 400.º, n.º 1, aliena e), do CPP, na redação dada pela Lei 20/2013, de 20 de fevereiro, é esse o regime aplicável, como decorre do acórdão de fixação de jurisprudência 4/2009, tendo sido esse o aplicado.

4 - Desta forma, não se colocam questões quanto à aplicação da lei processual no tempo, como também não tem pertinência invocar a violação do princípio da legalidade, diferentemente do que ocorria quando da redação anterior.

5 - De acordo com a uniforme jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o direito ao recurso em processo penal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redação dada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da Relação proferido em recurso interposto da decisão absolutória da 1.ª instância, que condene os arguidos em pena de prisão não superior a 5 anos, não é inconstitucional.

6 - Termos em que, a conhecer-se de mérito, deve ser negado provimento ao recurso

»

.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

a) Delimitação do objeto do recurso 6 - Importa em primeiro lugar decidir a questão prévia suscitada pelo Ministério Público. Com efeito, nas contraalegações que apresentou, o Ministério Público levantou a questão da inadmissibilidade do presente recurso uma vez que

«

não há absoluta coincidência

» entre a formulação da questão colocada perante o tribunal recorrido e a questão indicada como objeto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

Questiona, assim, o Ministério Público, a verificação de suscitação prévia e adequada da mesma questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, respeitante ao pressuposto “legitimidade” do recurso da alínea b) do artigo 70.º da LTC, que vem previsto no n.º 2 do seu artigo 72.º Com efeito, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Conhecendo o Tribunal Constitucional, na fiscalização concreta da constitucionalidade, em via de recurso, visa-se permitir que o tribunal recorrido se pronuncie previamente sobre a questão de inconstitucionalidade normativa levantada.

7 - Vejamos, então, o caso dos presentes autos:

Na reclamação para a conferência, os ora recorrentes concluíram que

«

a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea b) do n.º 1 do art. 432.º e da alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na redação da Lei 20/2013, de 21/02, segundo o qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas Relações, em recurso, que condena em pena de prisão efetiva, quando o tribunal de 1.ª Instância tenha absolvido, [é] violadora do princípio da legalidade em matéria criminal e do direito ao recurso (art. 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, ambos da CRP)

»

.

Segundo o Ministério Público, naquele primeiro momento, a questão de constitucionalidade suscitada foi a

«

inconstitucionalidade da norma dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, enquanto estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão não superior a cinco anos

»

. Já no segundo momento, isto é, no aquando da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional,

«

o acento tónico é colocado em a redação vigente, introduzida pela Lei 48/2013, de 21 de fevereiro, constituir “norma interpretativa do mesmo artigo na redação anterior”

»

.

Conforme os recorrentes indicam no requerimento de interposição, o recurso vem interposto

«

por inconstitucionalidade material da alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do Código de Processo Penal, ao não consagrar a exceção do recurso de condenação em pena de prisão efetiva após absolvição em 1.ª Instância

»

(fls. 842), explicando de seguida que tal omissão inviabiliza os direitos de defesa e o direito ao recurso por parte dos arguidos, ao não permitir que os mesmos vejam a sua condenação apreciada em 2.ª grau de jurisdição.

A alusão também feita, na parte final daquele requerimento, à natureza interpretativa da norma encontra explicação na dualidade de planos com que os recorrentes reagiram à decisão de inadmissibilidade do recurso, com fundamento na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal (CPP), como, de resto, é explicado na decisão recorrida (fls. 833):

i) o plano da violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição); e ii) o plano da violação do direito ao recurso (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição). Nesse sentido, pode-se constatar que, embora sejam colocadas duas diferentes questões de constitucionalidade, a norma em causa é uma mesma norma.

De facto, ambas as questões foram abordadas pela decisão recorrida. A questão de constitucionalidade invocada no que diz respeito à alegada violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32.º da Constituição pela não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos condenatórios da Relação que revogaram sentenças absolutórias de 1.ª instância foi conhecida e refutada. A invocação da violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigo 29.º, n.os1 e 3, da Constituição) viria, porém a ser considerada impertinente ao olhos do tribunal a quo, uma vez que ao caso é já aplicável

«

a redação que à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP foi dada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro

» pelo que não faz sentido
«

invocar que a interpretação normativa resulta da conjugação das normas da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redação da Lei 20/2013, de 21/02, [...] viola o princípio da legalidade em matéria criminal. Esta interpretação, na redação que à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP foi dada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, contém-se, precisamente, no sentido das palavras da lei, de maneira nenhuma ultrapassando o sentido literal possível

»

.

Esta formulação decisória explica simultaneamente porque é que, comparada a formulação normativa objeto do recurso e a apresentada perante o tribunal a quo, existe uma redução dos preceitos legais invocados como suporte da norma enunciada (desaparecendo, no requerimento de recurso, a referência ao n.º 1 do artigo 432.º do CPP). Esta redução não implica, todavia, consequências ao nível do enunciado normativo a apreciar, concluindo-se, assim, que no seu conteúdo relevante, a norma a sindicar permanece a mesma que foi suscitada perante o tribunal recorrido e foi, de resto, objeto de apreciação na decisão recorrida:

a norma que estabelece a inadmissibilidade do recurso com fundamento na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redação dada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, concretamente, a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância condena os arguidos em pena de prisão efetiva, designadamente em pena de prisão não superior a cinco anos.

De todo o modo, tal como o Ministério Público não deixa de reconhecer,

«

porque a sucessão de regimes e interpretações com ela relacionadas, já poderá ter a ver com o mérito do recurso e não exclusivamente com a definição do seu objeto

»

, remetemos a avaliação da pertinência da invocação do parâmetro da legalidade em matéria criminal para a apreciação dos fundamentos do recurso.

b) Do mérito do recurso 8 - Definida a norma a apreciar importa entrar na apreciação do São dois os parâmetros em que os recorrentes fundam a inconstitumérito. cionalidade da norma:

(i) A violação do princípio da legalidade em matéria criminal

(artigo 29.º, n.º 1 da Constituição)

(artigo 32.º, n.º 1 da Constituição)

(ii) A violação do direito ao recurso e garantias do direito de defesa

Analisam-se, de seguida, estas questões de constitucionalidade face à norma que estabelece a inadmissibilidade do recurso com fundamento na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na redação dada pela Lei 20/2013, especificamente, a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância condena os arguidos em pena de prisão efetiva, designadamente em pena de prisão não superior a cinco anos.

i) Invocação da violação do princípio da legalidade em matéria criminal

9 - Vejamos em primeiro lugar a invocação da violação do princípio da legalidade em matéria criminal.

Sustentam os recorrentes, num primeiro momento, que a aplicação da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, com a redação dada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, viola o princípio da legalidade em matéria criminal (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição).

Na base de uma tal invocação está a consideração do seguinte pressuposto:

a norma hoje constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP tem natureza interpretativa da norma que resultava da redação anterior do mesmo preceito legal (redação dada pela Lei 48/2007, de 29 de agosto).

10 - Na verdade, a solução legal hoje inscrita no citado preceito - de acrescentar aos casos de não admissão de recurso dos acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa da liberdade também os acórdãos proferidos em recurso, pelas mesmas Relações que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos - era já a regra anteriormente aplicada por muitos tribunais, em interpretação conjugada dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, no seguimento de orientação construída em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Esta norma jurisprudencial veio a ser julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão 324/2013 (disponível em www.tribconstitucional.pt, assim como os demais arestos deste Tribunal adiante citados sem indicação de origem de proveniência), por violação do princípio da legalidade criminal.

A discussão em torno da natureza interpretativa da norma não apre-senta, porém, relevo na apreciação da norma impugnada no presente recurso. Esta encontra acolhimento literal no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro. Ora, tendo a decisão recorrida identificado a Lei 20/2013 como sendo a lei processual aplicável ao processo em matéria de recursos, por ser aquela que vigorava já no momento em que foi proferida a decisão de primeira instância, irrelevante se torna determinar se a redação do preceito em causa por ela introduzida tem, ou não, natureza de norma interpretativa por não haver qualquer questão sobre sucessão de regimes a equacionar.

Eis quanto basta para afastar pertinência à convocação do princípio da legalidade em matéria criminal, pelo menos nos moldes em que o foi, para julgar a conformidade constitucional da norma impugnada.

Diferentemente do pretendido pelos recorrentes, não se mostra, assim, transponível para o presente recurso a doutrina do Acórdão 399/2014, em que a decisão recorrida se fundara na expressa determinação da aplicabilidade imediata, nos autos, do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação de 2013, acolhendo a perspetiva de que a redação conferida pela Lei 20/2013 ao citado preceito do CPP não era inovadora - mas simplesmente interpretativa.

ii) Invocação da violação do direito ao recurso e garantias do direito de defesa

11 - Cumpre, finalmente, entrar na análise da questão de constitucionalidade que constitui o objeto central do presente recurso:

a alegada violação do direito ao recurso e garantias do direito de defesa

(artigo 32.º, n.º 1 da Constituição) pela norma segundo a qual não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação, proferido em recurso interposto de decisão absolutória da primeira instância, que condene o arguido em pena de prisão não superior a cinco anos (artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação dada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro).

12 - Quanto a este aspeto, deve começar por se referir que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal, como tem sido invariavelmente repetido na jurisprudência do Tribunal Constitucional, mesmo antes do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição ter passado a especificar expressamente o recurso como uma das garantias de defesa a observar.

A identificação expressa no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição do direito ao recurso como garantia de defesa, resultante da revisão constitucional de 1997, não tendo implicado novidade relativamente ao entendimento que anteriormente vinha já sendo feito pelo Tribunal Constitucional da sua redação anterior (cf., entre outros, Acórdãos n.os 8/87, 31/87, 178/88, 259/88, 401/91, 132/92, 322/93), não deixou, contudo, de representar o reconhecimento explícito da autonomia conferida a uma tal garantia no contexto geral das garantias de defesa, isto é, um valor de garantia não amortizável pelo reconhecimento de outras garantias processuais, designadamente para defesa do arguido.

Como enfatizado por Figueiredo Dias, a consagração constitucional do direito ao recurso entre as garantias de defesa do arguido

«

significa que o direito a um recurso é manifestação jurídicoconstitucionalmente vinculante de um direito, liberdade e garantia pessoal da defesa. Ela não pode ser posta em causa em hipótese alguma, mesmo sob a alegação de que se verifica in concreto uma qualquer outra garantia de defesa sucedânea legalmente admissível. Sempre que, num concreto caso judicial de qualquer espécie, a lei denegue ao arguido condenado o direito a um recurso, a lei é materialmente inconstitucional e não pode, como tal, ser aplicada

»

(Jorge de Figueiredo Dias, “Por onde vai o Processo Penal Português”, As Conferências do Centro de Estudos Judiciários, Almedina, 2014, p. 80).

É esta contextualização processual com vista à compreensão da globalidade do regime jurídico aplicável aos recursos em processo penal que se fará de seguida.

13 - Com esse objetivo, é necessário atender à fluidez de regimes dos recursos em processo penal, que sofreu um número considerável de alterações. Efetivamente, o enquadramento normativo do regime de recursos em processo penal e a limitação do acesso aos tribunais superiores conheceu uma evolução significativa desde a aprovação do Código de Processo Penal atual em 1987. Vejamos:

13.1 - No Código de Processo Penal de 1987 só era admitido um grau de recurso, estabelecendo-se uma divisão “horizontal” de competências entre as Relações e o Supremo Tribunal de Justiça:

do tribunal singular recorria-se para as primeiras; do tribunal coletivo e do tribunal de júri recorria-se para o Supremo (artigos 427.º e 432.º). Mais se consagrava a configuração do recurso restrito à matéria de Direito (quer para as Relações, quer para o Supremo Tribunal de Justiça) como um recurso alargado (artigos 433.º e 410.º, n.os 2 e 3). Esta revista alargada podia ter também como fundamento a insuficiência para a decisão da matéria de facto, a contradição insanável, o erro notório na apreciação da prova e a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada (artigos 433.º e 410.º). No recurso de facto, apenas previsto para as decisões do juiz singular, consagrava-se a possibilidade da renovação de prova na 2.ª instância bem como a possibilidade de reenvio para novo julgamento.

A circunstância de o recurso ser interposto de uma decisão proferida pelo tribunal singular justificava a sua reapreciação por um tribunal colegial segundo as regras tradicionais da apelação. Diferentemente, assegurada a colegialidade do tribunal no julgamento de 1.ª instância, garantido o contraditório e obtida a imediação, o recurso reassumia a característica vincada de remédio jurídico, em que o mecanismo de reapreciação dos factos se reconduzia a uma mera válvula de segurança. Daí que se justificasse o recurso diretamente para o mais elevado órgão Assumindo a Constituição o direito ao recurso do arguido como integrando o núcleo essencial das suas garantias de defesa, a liberdade conformadora do legislador na definição do regime de recursos em processo penal não pode, assim, deixar de encontrar como limite aquele direito do arguido constitucionalmente garantido.

Ora, o Tribunal tem entendido que o núcleo essencial daquela garantia coincide com o direito de recorrer de decisões condenatórias e de atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido (cf. os Acórdãos n.os 322/93, 265/94, 610/96, 265/94, 30/2001, 189/2001). Certo é que a identificação das garantias de defesa do arguido, designadamente no âmbito de uma condenação proferida em 2.ª instância, na sequência de absolvição pelo tribunal recorrido, não pode alhear-se do contexto processual em que são convocadas, o que exige, naturalmente, a compreensão de todo o regime que o delimita. jurisdicional conferindolhe instrumento para detetar e diligenciar pela correção de situações indicadoras de verificação de erro judiciário (sobre a temática, v. José Narciso da Cunha Rodrigues, “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal, O novo Código de Processo Penal, Almedina, 1989, pp.. 393-394). Certo é que a renovação da prova apenas era con-sentida nas Relações, quando se verificasse insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova e houvesse razões para crer que a renovação da prova pudesse evitar o reenvio (artigo 430.º, n.º 1), sendo o próprio tribunal ad quem que fixava, sem possibilidade de recurso, os termos e a extensão com que a prova produzida em primeira instância podia ser renovada (artigo 430.º, n.º 2).

Em consequência deste regime, fixada a matéria de facto em 1.ª instân-cia, apenas deficiências muito graves e improváveis verificadas na interpretação jurídica poderiam transmutar uma absolvição numa condenação (e muitas vezes apenas por via do reenvio), o que justificava a reduzida expressão que tinha o recurso em matéria de facto e tornava improvável uma inversão do sentido da decisão pelas Relações (v. Sandra Oliveira e Silva, “As alterações em matéria de recursos, em especial a restrição de acesso à jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça - Garantias de Defesa em perigo?”, in As alterações de 2013 aos Códigos Penal e de Processo Penal:

uma Reforma

«

cirúrgica

»

?, organização de André Lamas Leite, Coimbra editora, 2014, p. 274, nota 31).

13.2 - A Lei 59/98, de 25 de agosto, viria alterar este regime. Visando possibilitar o recurso em matéria de facto das decisões do tribunal coletivo, introduziu o duplo grau de recurso, passando assim a admitir-se um primeiro recurso para a Relação das decisões do tribunal coletivo (incluindo a matéria de facto) e um segundo recurso da decisão de 2.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça (artigos 400.º, n.º 1, alínea f), 427.º, 428.º, n.º 1 e 432.º, alínea b) do CPP). A admissibilidade do duplo grau de recurso foi, no entanto, mitigada pela introdução de fatores de limitação do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça baseados na gravidade da pena e na regra da “dupla conforme”.

É neste contexto de contenção dos efeitos ao duplo grau de recurso, tendo em vista prevenir uma excessiva elevação de pendências no Supremo, que surge a alínea e) no elenco estabelecido no artigo 400.º, n.º 1 do CPP, excecionando da regra geral de recorribilidade (artigo 399.º) os

«

acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infrações, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3

»

. As restrições previstas à recorribilidade em segundo grau conduziram a que, apesar do aumento da possibilidade de recurso em matéria de facto, ainda pudessem considerar-se residuais as hipóteses de conversão de uma absolvição em condenação por decisão irrecorrível da Relação.

13.3 - Foi neste momento que a conformidade constitucional da irrecorribilidade de acórdão condenatório da Relação proferido em sede de recurso interposto de decisão absolutória de primeira instân-cia foi apreciada pelo Tribunal Constitucional. Ao julgar a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), na redação dada pela Lei 59/98, o Tribunal Constitucional, no Acórdão 49/2003, não encontrou qualquer violação do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição.

É este contexto histórico que importa reter na análise da norma objeto de julgamento de constitucionalidade no presente processo. Não se trata, com efeito, de uma matéria inteiramente nova, contando já com expressiva jurisprudência deste Tribunal que invariavelmente se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade de uma solução normativa em certa medida semelhante à que agora é objeto de análise, embora num contexto normativo anterior à Lei 20/2013, de 21 de fevereiro (v. Acórdãos n.os 49/2003, 255/2005, 487/2006, 682/2006, 424/2009, proferidos a propósito da redação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), anterior à revisão introduzida pela Lei 48/2007, de 29 de agosto, o Acórdão 353/2010 proferido sobre a redação do preceito introduzida com aquela revisão).

13.4 - A revisão do CPP de 2007 (Lei 48/2007, de 29 de agosto) introduziu, todavia, uma nova disciplina na arquitetura do julgamento de recurso que não pode ser ignorada no julgamento da norma impugnada. Efetivamente, o legislador de 2007, com o propósito de

«

restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal

»

, (Exposição de Motivos da Proposta de Lei 109/X, que deu origem à Lei 48/2007), além de alargar a amplitude do recurso em matéria de facto aos acórdãos do tribunal de júri (artigo 432.º, n.º 1, alínea b)), substituiu o critério para aferir a irrecorribilidade da decisão da Relação proferida em recurso baseado na “pena abstratamente aplicável” pelo critério da “pena concretamente aplicada”, tornando irrecorríveis apenas as condenações em pena não privativa da liberdade (artigo 400.º, n.º 1, alínea e)).

Para além disso, com a revisão de 2007, o tribunal de recurso passou a funcionar em três níveis:

i) Ao relator compete apreciar o recurso quando este deva ser rejeitado, exista causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade ou a questão a decidir já tenha sido apreciada antes de modo uniforme e reiterado (artigo 417.º, n.º 6, b) a d));

ii) À conferência compete decidir o recurso quando a decisão recorrida não seja uma sentença ou acórdão que conheça a final do objeto do processo e quando seja uma decisão que conheça a final do objeto do processo não tenha sido requerida a audiência (artigo 419.º, n.º 3, alíneas b) e c));

iii) O tribunal julga o recurso com a realização de audiência nos demais casos. Pode, portanto, afirmar-se que a regra é a de o recurso ser julgado pela conferência, só havendo lugar a audiência quando expressamente requerida pelo recorrente (artigo 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3). Relevante será também referir que o presidente só vota para desempatar (artigo 419.º, n.º 1). 13.5 - Em paralelo com esta instabilidade legislativa, a jurisprudência do Tribunal Constitucional evoluiu recentemente face ao regime de recursos decorrente da revisão de 2007, na matéria da norma objeto de fiscalização.

O Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação dos tribunais comuns que determinava a irrecorribilidade de acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que aplicassem pena de prisão não superior a cinco anos. Esta interpretação, sustentada numa construção desenvolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça que, tomando por base o segmento da norma extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, alargava os casos de irrecorribilidade ao acrescentar o segmento - “pena de prisão não superior a 5 anos” - ao texto daquela alínea e) dado pela Lei 59/98, de 25 de agosto, “de acordo com o princípio base do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma”. Efetivamente, apesar de ter decidido variadas vezes que aquela interpretação normativa não feria a garantia do recurso consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição (cf., e.g., Acórdãos n.os 424/2009 e 419/2010) ou as garantias constitucionais de defesa consagradas nos artigos 20.º e 32.º, n.º 1, da Constituição (Acórdão 589/2011), o Tribunal Constitucional viria, pela primeira vez, a declarála inconstitucional por violação do princípio da legalidade em matéria criminal no Acórdão 591/2012, julgamento aquele posteriormente confirmado pelo Plenário do Tribunal, no Acórdão 324/2013.

14 - Somos chegados, por fim, à revisão empreendida pela Lei 20/2013, que introduziu a norma objeto de fiscalização. Esta revisão manteve intocado o quadro da composição do tribunal e modelo de julgamento do recurso descrito, limitando-se a introduzir alterações, ainda que profundas, na disciplina da admissão de recurso em segundo grau para o Supremo Tribunal de Justiça, anunciando o propósito de resolver, em simultâneo, duas “deficiências” no sistema introduzido pela Lei 48/2007, que haviam sido diagnosticadas pela jurisprudência:

por um lado, a crescente massificação do acesso à jurisdição do Supremo e, por outro, a assimetria do regime em desfavor da defesa, na configuração do duplo grau de recurso em processo penal.

Assim, prosseguindo o desiderato a que se propusera já em 2007, de restringir o acesso ao Supremo aos casos de “maior merecimento penal” (definidos como aqueles em que tenha sido aplicada, por alguma das instâncias, pena de prisão superior a cinco anos), e respondendo à jurisprudência do Tribunal Constitucional, firmada no Acórdão 324/2013, o legislador modificou a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º, aditando expressamente à lista de decisões irrecorríveis, os acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que apliquem pena de prisão não superior a cinco anos.

Limitou-se, portanto, a levar à letra da lei a solução preconizada pelos tribunais comuns, ultrapassando o julgamento de inconstitucionalidade desta solução, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal, pelo Tribunal Constitucional. Mas, como observa Bruna Ribeiro de Sousa,

«

o mesmo não é dizer que o facto de a norma estar expressamente consagrada implica a sua conformidade constitucional

»

,

«

Da inconstitucionalidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal (na redação da Lei 20/2013, de 21 de fevereiro)

»

, in Revista do Ministério Público, ano 35, 138, p. 145).

Na análise a empreender da conformidade constitucional da norma em apreciação não podem ser ignoradas as múltiplas alterações sucessivamente introduzidas no CPP no que respeita à disciplina dos recursos. Como enfatizado por Figueiredo Dias,

«

se parte houve do Código de Processo Penal que maiores transformações sofreu, essa foi seguramente a relativa aos recursos

»

(ob. cit., p. 76). No entanto, a jurisprudência constitucional não teve ainda oportunidade de refletir esta evolução legislativa, em especial após a revisão de 2007.

15 - Efetivamente, como observado pela doutrina

«

O Acórdão 49/2003 do Tribunal Constitucional foi o primeiro, de vários, a pronunciar-se pela não inconstitucionalidade da dita alínea, na referida dimensão interpretativa. A firmeza da corrente jurisprudencial ora existente na ordem jurídica portuguesa, e inicialmente impulsionada por este aresto, poderia induzir o abandono da questão. Porém, da análise dos consecutivos acórdãos que se pronunciaram sobre a mesma, podemos facilmente apercebermonos de que estes, para fundamentar a decisão de não inconstitucionalidade, se limitaram a reafirmar os argumentos utilizados no Acórdão 49/2003, sem uma qualquer renovação do processo racionalinterpretativo que lhes subjaz, e de que a questão, pela evidente complexidade, carece

»

(Bruna Ribeiro de Sousa, ob. cit., pp. 145-156).

Com ressalva, portanto, para outras dimensões normativas resultantes da conjugação deste preceito com outros preceitos legais, no que respeita à norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP toda a jurisprudência do Tribunal Constitucional entronca, com efeito, no Acórdão 49/2003, cujos fundamentos têm sido invariavelmente repetidos ou simplesmente acolhidos nas decisões subsequentes, mesmo naquelas que tiveram por objeto normas do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP resultantes de revisões legislativas posteriores. Na verdade, mesmo após a Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, existe um acórdão do Tribunal (o Acórdão 163/2015) sobre a norma objeto do presente recurso (a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), na redação introduzida pela Lei 20/2013) que, decidindo uma reclamação para a conferência de decisão sumária com fundamento na simplicidade da questão de há muito resolvida por jurisprudência consolidada do Tribunal, pronunciou-se pela não inconstitucionalidade mais uma vez por adesão aos fundamentos daquele primeiro Acórdão 49/2003.

Contudo, como salienta ainda Figueiredo Dias, existe

«

um mal geral, mais grave e generalizado, que, desde a Revisão Constitucional de 1997, afeta muitas soluções concretas do nosso sistema de recursos em processo penal. Nesse ano, com efeito, a nova redação conferida ao art. 32.º [...] da Constituição determinou perentoriamente que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”

»

(ob. cit., pp. 80).

É certo que, como acima já indicado, o Tribunal Constitucional nunca opôs objeções à possibilidade de a condenação na Relação ser irrecorrível. Pode mesmo dizer-se que

«

o Código conviveu quase sempre, nomeadamente até 2007, com a possibilidade de uma condenação em pena de prisão efetiva ditada pela primeira vez pela Relação ficar imune à garantia do recurso

»

, sendo que,

«

confrontado com o problema no passado, o Tribunal Constitucional não divisou aí qualquer inconstitucionalidade:

cf. por outros os Acs. do TC 49/2003 e 353/2010

»

, como observa ainda Figueiredo Dias (ob cit., p. 79 e nota 32). Mas, como assinala também o ilustre professor de Coimbra,

«

não deve perder-se de vista que o contexto era então todo um outro, em especial, na primeira década de vigência do Código:

a margem para uma revisão da matéria de facto pela 2.ª instância era substancialmente menor, sendo que, no caso de julgamento por tribunal colegial, muitas vezes só seria admissível recurso de revista alargada (art. 410.º-2); e o quadro de atuação em audiência, que privilegia o contraditório e antes era a regra do julgamento em 2.ª instância, passou entretanto a ser exceção

»

(Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., loc cit.).

16 - Como já acima referido, as alterações profundas introduzidas no regime dos recursos aquando da revisão de 2007 não motivaram, quanto a este aspeto, uma reponderação pelo Tribunal Constitucional da sua jurisprudência decorrente do Acórdão 49/2003.

Sem prejuízo daquela constância jurisprudencial, a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), foi, todavia, julgada inconstitucional pelo Acórdão 324/2013 do Plenário, por violação do princípio da legalidade Ultrapassada esta questão, através da revisão de 2013, torna-se, agora, inadiável responder à seguinte pergunta:

no julgamento da norma objeto do presente recurso é de manter a jurisprudência decorrente do Acórdão 49/2003 quanto à não inconstitucionalidade da irrecorribilidade dos acórdãos da Relação que condenam em penas de prisão efetivas até cinco anos?

De facto, ao adicionar a irrecorribilidade a condenações em penas de prisão efetivas até cinco anos, a revisão de 2013 reacendeu, e agora de forma mais evidente, a problemática de saber se no quadro legislativo em vigor, em face da evolução sofrida no regime de recursos originariamente desenhado no CPP, a norma que impede o recurso do arguido de acórdão proferido pela Relação que o condena em pena de prisão não superior a cinco anos, na sequência de absolvição em primeira ins-tância, assegura devidamente as suas garantias de defesa em processo penal, nomeadamente o direito ao recurso do arguido. A questão é, neste caso, especialmente problemática pois da norma em análise resulta a inadmissibilidade de recurso de uma “condenação-surpresa” proferida pela Relação, i.e., na sequência de absolvição em primeira instância, é proferida decisão condenatória irrecorrível em pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a cinco anos proferida em recurso (artigo 400.º, n.º 1, alínea e)).

17 - No Acórdão 49/2003, o Tribunal Constitucional concluiu que não desrespeita o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal (na redação da Lei 59/98, de 25 de agosto),

«

por o acórdão da Relação consubstanciar a garantia do duplo grau de jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa

»

.

Depois de enunciar os fundamentos do direito ao recurso como sendo (i) a redução do risco de erro judiciário;

(ii) a garantia de melhor qualidade da decisão e (iii) a nova oportunidade de defesa e de entender que todos eles entroncam na garantia do duplo grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional concluiu, no citado aresto, que

«

o acórdão da Relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso

» uma vez que os acórdãos condenatórios proferidos em recurso de decisões de primeira instância
«

resultam justamente da reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa

»

.

Em conformidade com o quadro de análise descrito, o Tribunal considerou que

«

estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada

» e, em face disso, entendeu não se poder considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela norma ali objeto
«

já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas

»

.

18 - São conhecidas as críticas que têm sido feitas por alguma doutrina à confusão entre “direito ao recurso”, enquanto garantia de defesa do arguido, enunciada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, e garantia do duplo grau de jurisdição (cf., entre outros, Francisco Aguilar, “Direito ao recurso, graus de jurisdição e celeridade processual”, O Direito, ano 138, 2006;

Miguel Ângelo Lemos, “O direito ao recurso da decisão condenatória enquanto direito constitucional e direito humano fundamental”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. III).

Independentemente daquela discussão, no presente acórdão proceder-se-á a uma análise da questão de constitucionalidade colocada que procurará não se afastar do percurso argumentativo adotado na jurisprudência do Tribunal. Nesse contexto, importa determinar se o regime legal dos recursos em processo penal do CPP de 2007 permite continuar a concluir, na esteira do Acórdão 49/2003, que o

«

o acórdão da relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso

»

, permitindo a reapreciação do caso perante um tribunal superior e tendo o arguido possibilidade de exercer uma defesa informada. A questão que se coloca é, portanto, a de saber se à luz do atual regime de julgamento dos recursos em processo penal ainda é possível considerar que a mera apreciação por dois tribunais de graus distintos assegura suficientemente as garantias de defesa do arguido absolvido em primeira instância e condenado na instância de recurso de forma a permitir concluir pela não violação do direito ao recurso previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

A resposta não pode deixar de ser negativa. Na apreciação da norma impugnada não é possível ignorar as significativas alterações introduzidas pela revisão do CPP de 2007, que permitem identificar linhas diferenciadoras do regime de recursos em processo penal hoje vigente relativamente à versão do CPP que originou a jurisprudência do Acórdão 49/2003. Tãopouco podem ser esquecidas as dúvidas da doutrina sobre estas alterações na arquitetura do julgamento de recurso, nomeadamente a substancial ampliação introduzida na margem para a revisão da matéria de facto pela 2.ª instância.

19 - A revisão do CPP diminuiu de forma significativa a colegialidade das decisões dos tribunais superiores, passando a intervir na tomada de decisão apenas o presidente da secção (que, porém, só vota, para desempatar), o relator e um juizadjunto (artigos, 419.º, n.º 1 e 2, 429.º, n.º 1 e 435.º), sendo que anteriormente intervinham dois juízes-adjuntos nas audiências de julgamento dos recursos nas Relações e três juízesadjuntos no julgamento dos recursos no Supremo Tribunal de Justiça. Simultaneamente dificultou-se a existência de audiência de recurso, ao prever a sua realização apenas mediante requerimento do recorrente, especificando os pontos da motivação que pretende ver debatidos (artigo 411.º, n.º 5), passando nos demais casos o recurso a ser decidido em conferência (artigo 419.º, n.º 5), quando não o deva ser por decisão sumária do relator (artigo 417.º, n.º 6). A “oralidade” passou de regra a exceção. Como notado por Simas Santos,

«

Quer a versão originária do Código de Processo Penal, quer a revisão de 1998 fizeram uma forte profissão de fé no princípio da oralidade na estrutura dos recursos, que agora é marginalizada [...]

»

(Manuel Simas Santos, ob. cit., p. 356). Também a renovação da prova perante o tribunal de recurso é tratada como uma exceção (artigo 430.º).

Assim, na normalidade dos casos, não é realizada audiência e, nos casos em que ela tem lugar, apenas excecionalmente pode ter lugar a renovação da prova, não tendo o tribunal superior contacto direto e imediato com a prova ou com o arguido. Num tal contexto, uma absolvição decidida em primeira instância, em tribunal coletivo (por três juízes), após audiência, com a presença do arguido e com produção de prova, pode ser revogada, em recurso, por uma condenação em pena de prisão efetiva decidida, em conferência, (por dois juízes:

o relator e um juizadjunto, já que o presidente da secção apenas vota em caso de empate), sem audiência e sem renovação da prova - condenação essa irrecorrível.

20 - Apesar de, como já referido, serem excecionais, os casos em que a Relação procede à renovação de prova nos termos previstos no artigo 430.º, n.º 1, do CPP no âmbito de audiência requerida nos termos do artigo 411.º, n.º 5, importa equacionar essa hipótese no presente julgamento, uma vez que também essa via pode justificar a substituição da absolvição pela condenação no âmbito do recurso.

Ora, nestas circunstâncias, não é de todo possível afirmar que a decisão condenatória proferida na Relação tem por base o mesmo objeto da decisão recorrida. Por conseguinte, não pode concluir-se que o novo julgamento na instância de recurso acautela devidamente a oportunidade de defesa, como decorria da jurisprudência decorrente do Acórdão 49/2003. É que no momento em que o arguido contraalega (visto que não é ele o recorrente), para além de serem ainda desconhecidos os fundamentos da decisão que o irá condenar, designadamente a matéria de facto, ou a fundamentação para alterar o julgamento realizado no tribunal de julgamento, ignora-se ainda o resultado das provas objeto de renovação na Relação.

Como o Tribunal Constitucional tem também reiteradamente afirmado

«

o exercício do direito ao recurso está naturalmente dependente do integral conhecimento da decisão que se pretende impugnar

»

(Acórdão 148/2001). A tanto postula o direito de recurso, as garantias de defesa e o princípio do contraditório no âmbito do processo penal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição):

os destinatários de uma decisão jurisdicional devem ter ou poder ter conhecimento do seu conteúdo, nomeadamente para contra ela poderem reagir através dos meios processuais adequados (v. entre outros, Acórdãos n.os 183/98 e 384/98).

Se assim é, a suscetibilidade de renovação de prova em recurso não é compatível com a consideração de o direito de defesa do arguido se encontrar protegido pela simples possibilidade de contraalegar no âmbito do recurso interposto da decisão absolutória de primeira instância.

21 - A evolução verificada no regime de recursos em processo penal bastaria para afastar a transposição da jurisprudência decorrente do Acórdão 49/2003 para o julgamento da norma ora in judicio.

Existem, de todo o modo, razões adicionais para concluir de forma diferente do julgamento de constitucionalidade então realizado.

Desde logo, independentemente da verificação, ou não, de renovação de prova, o certo é que numa situação em que a uma absolvição de primeira instância sucede a condenação em pena de prisão, no tribunal de recurso, o arguido se vê necessariamente confrontado com uma pena de privação de liberdade cuja medida não tem oportunidade de questionar. Neste caso, os critérios judiciais de determinação, em concreto, da medida adequada da pena escapam a qualquer controlo, o que bem demonstra que o direito ao recurso do arguido, não se esgota na garantia do duplo grau de jurisdição. Trata-se de uma clara e evidente violação do direito ao recurso, constitucionalmente configurado como um direito fundamental, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido consagrada no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição.

Acresce que a garantia do duplo grau de jurisdição não elimina o risco de erro judiciário. Tãopouco é possível afirmar-se que conduz à sua redução em todos os casos. Na verdade, se a “dupla conforme” absolutória ou condenatória pode ser encarada como um indício seguro de inexistência de erro de julgamento, e por isso constitui um instrumento legal de limitação à recorribilidade das decisões judiciais, o cenário de divergência do sentido decisório afirmado na instância de julgamento e na instância de recurso, que ocorre neste caso, permite legitimar a dúvida sobre a justiça da decisão.

Finalmente, não se ignora que a possibilidade de recurso, neste caso, pode levar à assimetria do regime em favor da defesa. Todavia, na configuração dos graus de recurso em processo penal não deve perder-se de vista que da circunstância de o arguido não poder ter menos direitos do que a acusação, não significa que não possa ter mais. Diante da desigualdade material de partida entre a acusação, apoiada no poder institucional do Estado, e o arguido, alvo de perseguição judiciária, aceita-se

«

“uma orientação para a defesa” do processo penal

» o que
«

revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem nele um limite infrangível

»

(J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4.ª ed. revista, 2007, p. 516).

Sendo diversificadas as soluções configuráveis no sistema de recursos em processo penal com vista à harmonização do interesse na otimização dos recursos e o célere funcionamento da justiça com os direitos de defesa do arguido, designadamente o direito de recorrer de uma condenação em pena privativa da liberdade (para uma perspetiva das várias soluções avançadas pela doutrina, v. Sandra Oliveira e Silva, ob. cit., pp. 283 e ss.), indispensável é que a racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça não seja alcançada à custa do sacrifício dos direitos fundamentais de defesa do arguido.

22 - A acrescer a tudo isto, como já foi referido, o legislador de 2007 substituiu o critério para aferir a irrecorribilidade da decisão da Relação proferida em recurso baseado na “pena abstratamente aplicável” pelo critério da “pena concretamente aplicada”, para além de tornar irrecorríveis as condenações em pena não privativa da liberdade (artigo 400.º, n.º 1, alínea e)).

Como observado por Germano Marques da Silva esta

«

alteração à alínea e) alarga, por uma parte, e restringe, por outra, a admissibilidade do recurso. Antes das alterações não era admissível recurso das decisões proferidas pelas relações, em recurso, em processo por crime a que fosse aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos [...]. Agora, após a alteração, não é admissível recurso dos acórdãos da relação, proferidos em recurso, que apliquem pena não privativa da liberdade. Há, pois, um alargamento da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que o pressuposto deixa de ser a pena aplicável (prisão superior a cinco anos) para passar a ser a pena aplicada, desde que seja a prisão, mas também uma restrição porque passa a atender-se apenas à pena concretamente aplicada, só sendo admissível o recurso quando essa pena seja de prisão

»

(Germano Marques da Silva, “Sobre recursos em processo penal”, a Reforma do Sistema Penal em 2007 - Garantias e Eficácia, coordenação de Conceição Gomes e José Mouraz Lopes, Coimbra Editora, p. 53).

22.1 - O exercício do direito ao recurso exige um grau de certeza e de determinabilidade do processo, das suas fases, incidentes e prazos. Estas exigências são especialmente importantes no âmbito do processo penal, quando pode estar em causa a privação da liberdade do arguido e na medida em que o direito ao recurso se encontra constitucionalmente protegido. Ora, com a adoção do critério da “pena concretamente aplicada” para estabelecer a recorribilidade das decisões o legislador introduziu imprevisibilidade nos graus de recurso abertos ao julgamento de cada caso. De facto, passa a depender da medida da pena aplicada na decisão judicial a possibilidade de dela existir recurso. Esta imprevisibilidade é significativa ao nível da diminuição dos direitos de defesa do arguido. Não é, com efeito, indiferente à estratégia da defesa, a ponderação dos recursos admissíveis tal como não é indiferente à verificação das garantias de defesa, designadamente na vertente do direito ao recurso constitucionalmente protegido, a composição do tribunal de julgamento e o modelo de audiência adotado.

22.2 - A substituição do inciso “pena aplicável” por “pena apli-cada” acarreta ainda uma outra consequência não negligenciável:

a circunstância de a admissibilidade de recurso se encontrar, em última análise, dependente da decisão da própria instância que profere a decisão, como, de resto, tem sido já criticamente assinalado por variados autores. De facto, dependendo a recorribilidade do acórdão da medida da pena de prisão que é fixada nesse mesmo acórdão, pode colocar-se a questão de ser o tribunal a quo a determinar se cabe ou não recurso da sua própria decisão.

Como refere Damião da Cunha,

«

parece-nos de meridiana clareza que um sistema legal que estabelece que o tribunal de recurso decide da possibilidade de recurso da sua própria decisão é a “negação”, em matéria de transparência da Administração da Justiça. A cir-cunstância de a relação ter o poder de aplicar pena de 5 ou 6 anos de prisão ou então 7 ou 9 anos e, só em função disso, decidir da possibilidade de recurso da sua própria decisão [...] eis o que não parece ser muito consentâneo com um sistema judiciário “civilizado”

»

(José Manuel Damião da Cunha,

«

Aspetos da Revisão de 2013 do CPP - Algumas notas e apreciações críticas

»

, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 23, n.º 2, p. 240). As regras relativas à suscetibilidade de uma decisão ser recorrível as condições de exercício do direito ao recurso da decisão judicial devem ser fixadas, de modo transparente, por norma prévia, cognoscível e objetiva, de forma que a sua recorribilidade não fique depositada nas mãos do autor da decisão de que se pretende recorrer.

22.3 - A diferença na previsão da norma ao passar a aludir a “pena aplicada” em vez de “pena aplicável” tem também consequências ao nível de um outro argumento esgrimido no Acórdão 49/2003. Ao eleger como critério a pena concretamente aplicada para determinar a irrecorribilidade da decisão condenatória de segunda instância, antecedida de absolvição na primeira instância, o legislador permitiu a sua aplicação à condenação por qualquer crime punível com pena de prisão, inclusivamente aqueles que são puníveis com a mais grave moldura penal abstratamente aplicável. Neste quadro, continuar a falar de “crimes de gravidade menos acentuada” como elemento justificador da limitação de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça não constituirá, porventura, a melhor análise do problema. A verdade é que a norma tal como hoje se apresenta abarca na sua previsão os mais graves crimes abstratamente tipificados na ordem jurídica.

23 - Em conclusão, não é sustentável defender, hoje, perante o novo contexto do regime processual penal em que se apresenta a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, a sua não inconstitucionalidade na esteira do Acórdão 49/2003. Efetivamente, a observância do duplo grau de jurisdição não se encontra construída hoje de forma a permitir afastar a invocação das garantias constitucionais de defesa, como o direito ao recurso em processo penal, no caso da norma em análise. Esta conclusão tem por base a desconformidade da norma objeto do processo com as garantias de defesa, onde se inclui o direito ao recurso, previstas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

De facto, sendo razoável limitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça em ordem a prevenir a sua eventual paralisação, tal não deve, todavia, ser alcançado à custa das garantias de defesa do arguido. É o que acontece neste caso. O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o direito de recurso, designadamente da decisão condenatória. A consagração deste direito de recurso obriga à recorribilidade pelo arguido de acórdão condenatório em pena privativa da liberdade proferido em segunda instância, em revogação de absolvição da primeira instância. Já se explanou o porquê desta conclusão, face ao regime atual de recursos em processo penal. O direito do arguido ao recurso da sua condenação não se basta com o exercício do contraditório no recurso interposto pelo assistente da sua absolvição - o direito ao recurso é o efetivo poder de suscitar uma reapreciação da decisão jurisdicional condenatória. Para tal, o arguido tem que poder conhecer os fundamentos dessa decisão, o que não é possível garantir com a norma em apreciação, desde logo porque a decisão condenatória pode integrar matéria não abrangida pela decisão de primeira instância, designadamente no que respeita ao acervo factual relevante para a escolha e determinação da medida da pena aplicada. Mesmo que esse processo decisório se sustente apenas nos factos apurados em primeira instância, ele implicará necessariamente uma valoração assente num critério de doseamento da medida da pena que ao arguido só é revelado com a sua condenação. Só após a decisão ser proferida é que pode existir verdadeiro exercício do direito de recurso quanto a essa decisão.

Sendo assim, imperioso é concluir que a irrecorribilidade da decisão condenatória, em segunda instância e em revogação da absolvição proferida em primeira instância, viola as garantias de defesa do arguido, em especial o seu direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. De facto, a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, ao resolver contra o arguido a situação de contradição entre a decisão de primeira e segunda instâncias, recusandolhe a possibilidade de reação a uma condenação, viola concretamente os seus direitos de defesa, violação que, como se depreende das palavras de Figueiredo Dias, constitui simultaneamente

«

porventura, entre nós, uma das mais extensas e diretas - de um direito, liberdade e garantia fundamental

»

(ob. cit., pp. 80-81). Diga-se, aliás, que só esta conclusão se encontra em linha com a garantia de direito de recurso constante do artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação, por Portugal, pela Lei 29/78, de 12 de junho), nos casos em que a condenação é imposta por um tribunal de recurso, após absolvição em primeira instância (cf. Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas, General Comment n.º 32, Article 14, CCPR/C/GC/32, 23 de agosto de 2002).

24 - Em face do exposto, impõe-se concluir que a norma sindicada viola as garantias de defesa em processo penal, em especial o direito ao recurso, decorrentes do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, ao prever a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação, que invertendo o julgamento absolutório proferido pelo tribunal de julgamento em primeira instância, afirma um juízo de culpabilidade do arguido e condena-o em pena de prisão efetiva até cinco anos de prisão.

III - Decisão Em face do exposto, decide-se:

a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, resultante da revisão introduzida no Código de Processo Penal pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal (artigo 32.º, n.º 1 da constituição).

b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser reformulada em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.

Sem custas. Lisboa, 29 de setembro de 2015. - Maria de Fátima Mata-Mouros - João Pedro Caupers - Maria Lúcia Amaral (Vencida, conforme declaração que junto) - Joaquim de Sousa Ribeiro.

Declaração de voto

1 - Se há domínio no qual a jurisprudência do Tribunal sempre procurou realizar o necessário equilíbrio entre uma eficaz proteção dos direitos fundamentais das pessoas, por um lado, e a possibilidade de prossecução das tarefas essenciais do Estado, por outro, esse foi o da interpretação das normas da CRP relativas às (impropriamente chamadas)

«

constituição penal

» e
«

constituição processual penal

»

. No primeiro campo - o da chamada

«

constituição penal

»

- foi o Tribunal gradualmente definindo, desde o início da sua fundação, um sistema interpretativo que procurava conciliar as exigências básicas do Estado de direito (através, nomeadamente, da definição do princípio da culpa, do princípio da necessidade de pena e do princípio da legalidade) com a liberdade de conformação do legislador na definição das políticas criminais que entendesse necessárias, em cada tempo histórico, para a garantia de preservação de bens jurídicoconstitucionais de primeira grandeza; no segundo campo - o da chamada

«

constituição processual penal

»

- a construção gradual do sistema traduziu-se na definição de uma jurisprudência em que a tutela eficiente das garantias dos direitos de defesa do arguido em processo penal (artigo 32.º da CRP) coexistia com o assegurar da racionalidade do sistema judiciário.

O pressuposto deste equilíbrio, que a jurisprudência sempre procurou alcançar no domínio processual penal, entre a tutela de posições jusfundamentais e a tutela da racionalidade da organização dos tribunais, residia na ideia - que me parece central em Estado de direito - segundo a qual existe, inevitavelmente, uma estreita relação entre uma coisa e outra. Em Estado constitucional, o legislador não está só negativamente vinculado a respeitar as posições jusfundamentais dos cidadãos; está também positivamente obrigado a protegêlas e a promovêlas, tarefa que só será realizável através de um racional e eficiente sistema de justiça. Por isso, os dois valores constitucionais - a tutela dos direitos, por um lado, e a eficiência do sistema de justiça, por outro - formaram sempre um tandem que o Tribunal nunca deixou de ter em conta de cada vez que foi chamado a julgar normas infraconstitucionais respeitantes a matéria como esta, dotada da especial sensibilidade que o nome(que frequentemente lhe é atribuído) de direito constitucional concretizado só por si denota. E foi a permanente consideração desse tandem que assegurou, segundo creio, a realização contínua de um equilíbrio jurisprudencial, laboriosamente construído e sedimentado ao longo do tempo, que a presente decisão - em meu entender - subitamente rompe.

2 - Com efeito, através dela entende-se que a Constituição portuguesa impõe que haja sempre recurso para instância superior de qualquer primeira condenação em pena privativa de liberdade, e isto independentemente de qual seja a intensidade dessa primeira condenação e de qual seja a instância que a profira - e ainda portanto que a condenação seja proferida por tribunal superior, através de decisão que julgue recurso interposto de anterior absolvição. Ao entender-se que assim é, entende-se também que, doravante, se deve interpretar o conteúdo do

«

direito ao recurso

»

, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, de forma substancialmente diversa daquela que, até agora, tem sido a constantemente seguida pelo lastro, já antigo, da jurisprudência.

De acordo com esse lastro - paradigmaticamente definido, por exemplo, pelo Acórdão 49/2003 - a interpretação da Constituição neste domínio (relativamente ao que seja o conteúdo do

«

direito ao recurso

»

) teria antes do mais que partir do dado insofismável segundo o qual a existência de uma hierarquia de tribunais (artigo 210.º da CRP) consubstanciava também ela própria uma garantia constitucionalmente reconhecida; e que, assim sendo, a determinação de qual fosse o sentido e fundamento do direito ao recurso, enquanto direito constitucionalmente protegido, era tarefa que se não poderia empreender se se não tivesse devidamente em linha de conta este outro dado, nos termos do qual era a própria Constituição que distinguia - garantindo, portanto, a indisponibilidade dessa distinção por parte do legislador ordinário - entre tribunais de primeira instância, tribunais de segunda instância e Supremo Tribunal de Justiça. Desta premissa, que foi sempre aquela que estruturou o pensamento do Tribunal na matéria, extraía-se depois a ilação segundo a qual, estando o fundamento do direito ao recurso

«

desde logo, na ideia de redução do risco de erro judiciário

»

, o reexame do caso por um novo tribunal [propiciado, justamente, pela interposição de recurso para instância superior] viria

«

sem dúvida proporcionar a deteção de tais erros, através de um novo olhar sobre o processo

»

(Acórdão 49/2003, ponto 4); e que, se assim era em geral, também o seria em processo criminal (onde, como se sabe, o direito ao recurso adquire particular peso jus fundamental), uma vez que

«

[estando] em causa a faculdade de [o arguido] expor perante um tribunal superior os motivos - de facto e de direito - que sustentam a posição jurídicoprocessual da defesa

»

, a

«

tónica

» do direito ao recurso seria
«

posta na possibilidade de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos, ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão [pudesse] ter em consideração a argumentação da defesa

»

(ibidem). Destas duas ilações, conjuntamente tomadas, concluía-se que

«

os fundamentos do direito ao recurso [entroncavam] verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição

»

(ibidem), o que permitia a final que se proferisse a seguinte afirmação:

«

[estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamento razoável para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias

»

(idem, ponto 5).

É, portanto, esta a interpretação que agora se inverte, ao julgar-se inconstitucional, por violação do direito ao recurso

«

enquanto garantia de defesa em processo criminal

»

, a norma do Código de Processo Penal que

«

estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face a absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena privativa de prisão efetiva não superior a cinco anos

»

.

Esta inversão baseia-se na afirmação de dois argumentos que, para além de serem novos, se apresentam logicamente interligados. De acordo com o primeiro, entende-se que deve perder validade o nexo, anteriormente afirmado, entre o conceito constitucional de

«

direito ao recurso

»

, por um lado, e a ideia de

«

duplo grau de jurisdição

»

, por outro. Até agora, a jurisprudência do Tribunal sobre a matéria fundava-se na afirmação deste nexo. E fazia-o, não por entender que existisse identidade conceitual entre ambas as coisas (

«

direito ao recurso

» e
«

duplo grau de jurisdição

»

), mas por entender que a determinação do conteúdo do primeira era tarefa que se não podia empreender sem que se tivesse em linha de conta o conteúdo da segunda. Com a nova orientação, dada pelo presente julgamento, é a afirmação deste nexo que se desfaz, uma vez que se considera ser irrelevante para a determinação do que seja o sentido constitucional do direito ao recurso o facto de a (primeira) condenação em pena de prisão ser proferida em segunda instância [ou em duplo grau de jurisdição] por recurso interposto de anterior absolvição. Deste primeiro argumento outro decorre, a sustentar basicamente a nova orientação jurisprudencial. De acordo com ele, a Constituição portuguesa conferirá um peso tal ao valor da liberdade (artigo 27.º da CRP) que implicará sempre e em quaisquer circunstâncias a preponderância desse mesmo valor sobre a consideração de quaisquer outros bens e interesses constitucionalmente reconhecidos, sejam eles a garantia da existência de uma hierarquia de tribunais (artigo 210.º da CRP) - com tudo o que daí decorre para a justificação substancial, e não apenas formal, de uma distinção, constitucionalmente garantida, entre tribunais inferiores e tribunais superiores - ou a racionalidade da organização do sistema de justiça, sem a qual não pode ser garantido o direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20.º, n.º 4, da CRP). Na verdade, só através da afirmação deste argumento - segundo o qual, repete-se, o valor da liberdade, por si só, primará sobre quaisquer outros interesses e valores constitucionalmente reconhecidos - se pode compreender que se considere que a Constituição impõe que haja recurso de qualquer primeira condenação em pena de prisão efetiva, qualquer que seja a sua intensidade e qualquer que seja a instância que a profira. A imposição constitucional de um terceiro grau de jurisdição nestas circunstâncias (de primeira sentença condenatória), imposição essa que para todos os efeitos o presente Acórdão afirma existir, só pode ser justificada se se entender que, no sistema da CRP, o valor da liberdade tem um peso tal que prima sempre e por si só sobre o peso a dar aos outros valores constitucionais que, até agora - e como já se viu - a jurisprudência sempre considerou adquirirem, na matéria, especial relevância.

3 - Creio que esta nova orientação, pelas consequências que dela decorrem para a modelação do sistema de recursos em processo criminal, merece apertado escrutínio; e que esse escrutínio deve começar por ser de índole comparativa. Na verdade, não raras vezes o Tribunal, quando confrontado com questões difíceis de interpretação das normas da CRP respeitante a direitos fundamentais, tem feito apelo à comparação entre ordenamentos, por entender que de tal comparação se podem extrair elementos auxiliares para a correta determinação de sentido das normas que tem que interpretar. Foi assim, como se sabe, quer - e para referir apenas alguns exemplos - na questão da reserva da propriedade das farmácias (Acórdão 76/85, ponto 4, e Acórdão 187/2001, ponto 6), quer na questão da interrupção voluntária da gravidez (Acórdão 25/84, Parte IV, Acórdão 288/98, pontos 28-42, Acórdão 617/2006, ponto 5), quer na questão relativa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (Acórdão 359/2009, pontos 7-8 e Acórdão 121/2010, ponto 7-15.) Por outro lado, e como também se sabe, a jurisprudência constitucional tem sempre conferido especial relevo ao sistema da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) tal como ela vem sendo interpretada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). Assim, penso que será importante saber se este novo entendimento, que agora se adota, do conceito constitucional do direito ao recurso em processo criminal, tem ou não respaldo em outras ordens jusfundamentais que nos sejam próximas [ou perante as quais esteja a República por algum motivo obrigada]. Alguma indagação a este respeito se deverá empreender, tanto mais que é o próprio Tribunal que afirma, com a presente decisão, que só a nova doutrina que nela se contém

«

[...] se encontra em linha com a garantia de direito de recurso constante do artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre Direitos

Civis e Políticos [...] nos casos em que a condenação é imposta por um tribunal de recurso, após absolvição em primeira instância (cf. Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas, General Comment n.º 32, Article 14, CCPR/C/GC/32, 23 de agosto de 2002)

»

.

Ora, quanto a este ponto, valerá a pena regressar ao Acórdão cuja doutrina agora se pretende inverter (Acórdão 49/2003), e à referência, que já nele se fazia, ao sistema da CEDH.

Na verdade, e como então se dizia, tal sistema é neste domínio inequívoco, uma vez que o Protocolo 7 à Convenção dispõe como segue:

«
Artigo 2.º

(Direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal) 1 - Qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou de condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei.

2 - Este direito pode ser objeto de exceções em relação a infrações menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição

»

.

Daqui decorre que, se a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais garante a qualquer pessoa

«

declarada culpada de uma infração penal

» o direito a um reexame do processo por parte de
«

jurisdição superior

»

, no âmbito de proteção desse direito se não inclui todavia a condenação de alguém

«

no seguimento de recurso contra a sua absolvição

»

, uma vez que, de acordo com o que determina a parte final do n.º 2 deste artigo 2.º, os ordenamentos jurídicos dos Estados signatários não estão obrigados a assegurar, nestas circunstâncias, o triplo grau de jurisdição.

É a clareza desta disposição que explica que se não encontre, na jurisprudência do TEDH, qualquer controvérsia sobre a questão de saber se uma primeira condenação em segunda instância, proferida na sequência de uma decisão absolutória em primeira instância, exige ou não novo recurso para tribunal superior. O problema não está aberto à ponderação jurisprudencial pela simples razão de que já foi resolvido - e resolvido de forma inequivocamente negativa - pelo próprio texto da Convenção. Assim, o que o Tribunal de Estrasburgo tem neste domínio reiterado resume-se à afirmação segundo a qual os Estados contratantes dispõem em princípio de uma larga margem de apreciação para determinar a forma pela qual se exerce, nos seus ordenamentos, o direito, consagrado no artigo 2.º do Protocolo 7, ao duplo grau de jurisdição em matéria penal (cf. Krombach c. França, n.º 29731/96, de 13 de fevereiro de 2001, parágrafo 96;

Shvydka c. Ucrânia, n.º 17888/12, de 30 de outubro de 2014, parágrafo 49;

Dorado Baúlde c. Espanha, n.º 23486/12, de 1 de setembro de 2015, parágrafo 15).

É certo que diversa se apresenta a interpretação dada pelo Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas ao disposto no artigo 14.º, n.º 5 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), aprovado para ratificação, por Portugal, pela Lei 29/78, de 12 de junho. Neste preceito, determina o PIDCP:

«

Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença em conformidade com a lei

»

. Apesar de não decorrer do teor desta disposição que nela se imponha a recorribilidade de qualquer primeira condenação em pena de prisão, proferida em instância de recurso na sequência de uma anterior decisão absolutória, a leitura que dela tem feito o Comité dos Direitos do Homem vai, claramente, no sentido de que, se assim não for - se se não assegurar a recorribilidade dessa primeira condenação - se encontra violado o n.º 5 do artigo 14.º do Pacto [Comentário Geral n.º 32, parágrafo 47]. E, como já se disse, é nesta leitura que se estriba agora a maioria do Tribunal, para, no presente Acórdão, reverter a sua jurisprudência anterior sobre o entendimento a dar ao direito ao recurso, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da CRP.

Todavia, e sem descurar o facto de semelhante leitura dever sempre ser considerada como importante auxiliar hermenêutico na descoberta do sentido a atribuir às normas da CRP (artigo 16.º, n.º 2), não deve, a meu ver, perder-se de vista que à mesma não deve ser atribuída o valor que é próprio de interpretações adotadas por órgãos jurisdicionais, pertençam eles a sistemas nacionais de justiça constitucional ou - como é o caso do TEDH - integrem eles sistemas supranacionais de proteção de direitos. Com efeito, é bom não esquecer, as

«

constatações

» do Comité dos Direitos do Homem, feitas no âmbito do
«

mecanismo

» de apreciação de comunicações instituído pelo Protocolo Facultativo referente ao PIDCP de 16 de dezembro de 1966, apenas se referem à eventual existência de uma violação do Pacto no caso concreto; por sua vez, as
«

observações gerais

» dirigidas pelo Comité aos Estados signatários - como será o caso do referido Comentário Geral n.º 32 -, para além de estarem destituídas de valor vinculativo, não podem ser tidas como
«

interpretações autênticas

» do Pacto [artigos 40.º, 41.º e 42.º do PIDCP, e artigo 5.º, n.º 4, do Protocolo Facultativo].

Aliás, creio que convirá a este respeito prestar alguma atenção ao que tem sido a orientação constante, construída em diálogo com o disposto no n.º 5 do artigo 14.º do PIDCP, de uma jurisdição constitucional a vários títulos próxima da nossa. Interpretando o artigo 24.º da Constituição espanhola (que consagra, no seu n.º 1, o direito a uma tutela judicial efetiva, e, no seu n.º 2, o direito a um processo equitativo, que assegure todas as garantias de defesa), o Tribunal Constitucional espanhol tem dito [e transcrevo excertos que me parecem significativos destas decisões, não obstante a sua extensão] que:

«

ninguna vulneración comporta per se la declaración de un pronunciamiento condenatorio en segunda instancia, sin que por ello resulte constitucionalmente necesaria la previsión de una nueva instancia de revisión en una condena que podría no tener fin

»

(Sentença n.º 120/1999, de 28 de junho de 1999, parágrafo 4 [Boletin Oficial del Estado, BOE, n.º 181 de 30 de julho de 1999, págs. 19-24]). E ainda:

«

[l]a ausencia de un instrumento de revisión de la Sentencia condenatoria en apelación no supone la ausencia de una garantía procesal de rango constitucional. No forma parte esencial de la que incorpora el art. 14.5 PIDCP como instrumento de interpretación del derecho a un proceso con todas las garantías (art. 24.2 CE) la constituida por la existencia en todo caso tras una condena penal de la posibilidad de un pronunciamiento posterior de un Tribunal superior, pronunciamiento que podría ser el tercero en caso de que la resolución inicial fuera absolutoria o incluso en caso de que la de revisión aumentase la pena inicialmente impuesta. Lo que en este contexto exige el contenido de la garantía, que se ordena tanto al ejercicio de la defensa como a la ausencia de error en la decisión judicial, es que en el enjuiciamiento de los asuntos penales se disponga de dos instancias

»

[Sentença n.º 296/2005, de 21 de novembro de 2005, parágrafo 3 (BOE n.º 304 de 21 de dezembro de 2005, págs. 18-23)].

Para fundamentar esse seu entendimento, adotado pelo menos nestas duas decisões datadas de 1999 e de 2005, argumenta ainda o Tribunal que

«

[...] no es misión de este Tribunal proponer una regulación constitucionalmente ótima de los recursos en el procedimiento penal ni valorar la vigente en términos de mayor o menor adecuación a los valores constitucionales, sino simplemente determinar si el recurso invocado por los recurrentes constituye una garantía exigida por el art. 24.2 de la Constitución. Para la mejor comprensión de nuestra respuesta negativa a esta cuestión y de nuestra doctrina jurisprudencial al respecto es de señalar también que los instrumentos procesales que abundan en las garantías de defensa de las partes y en las de acierto judicial, como es la previsión de nuevos recursos frente a decisiones previas, pueden colisionar con otros intereses de rango constitucional, como son la seguridad jurídica y la celeridad en la Administración de la justicia, y pueden también perder parte de su virtualidad tutelar, al separar excesivamente en el tiempo el juicio y el hecho enjuiciado

»

(ibidem).

Essa doutrina, que tem sido mantida em jurisprudência posterior (v., a título de exemplo, Sentença n.º 60/2008, de 26 de maio de 2008, parágrafo 4 [BOE n.º 154 de 26 de junho de 2008, págs. 3-15] e Sentença n.º 16/2011, de 28 de fevereiro de 2011, parágrafo 3 [BOE n.º 75 de 29 de março de 2011, págs. 80-86]), assenta portanto naquelas mesmas ideias básicas que a jurisprudência constitucional portuguesa até agora sempre adotou. São elas:

(i) a determinação do conteúdo do direito ao recurso em processo criminal não pode ser feita sem que se tenha em linha de conta a ideia de duplo grau de jurisdição;

(ii) assim é porque o processo hermenêutico que conduzirá à determinação do conteúdo de tal direito não deve deixar de incluir a consideração de outros valores e interesses de

«

nível

» constitucional, tais como - dilo o TCE - a
«

segurança jurídica

»

, a

«

celeridade na administração da justiça

»

, e a garantia de que esta última não perca a sua virtualidade tutelar, ao

«

separar excessivamente no tempo o juízo e o facto submetido a julgamento

»

.

4 - É claro - e sobre o ponto não existe sequer discussão - que, estabelecendo a CEDH apenas níveis de proteção mínimos dos direitos fundamentais que consagra, nada impedirá que as constituições nacionais confiram aos mesmos direitos um nível de proteção mais elevado do que aquele que lhes é atribuído pela Convenção. Por outro lado, é também certo que a comparação com jurisprudências constitucionais estrangeiras vale aquilo que o Tribunal sempre disse que valeria:

é um instrumento importante que auxilia, mas nem por isso determina, a interpretação da Constituição portuguesa.

Dito isto, porém, parece ser igualmente seguro que, face aos dados comparados que acabámos de analisar - e perante as consequências, já assinaladas, que a presente reversão de jurisprudência não deixará de ter na modelação do nosso sistema de recursos em processo criminal - um especial ónus de argumentação deverá merecer a afirmação segundo a qual a ordem constitucional portuguesa conferirá ao direito ao recurso em processo criminal um nível de proteção superior àquele que é conferido pela ordem jusfundamental de Estrasburgo. Como uma especial exigência de fundamentação requererá a afirmação segundo a qual o valor da liberdade, em Portugal, terá um peso constitucional de tal ordem superior àquele que lhe é conferido pelo ordenamento da Convenção Europeia - ou pelo ordenamento constitucional espanhol - que primará sempre sobre quaisquer outros valores e interesses constitucionalmente protegidos, de forma a justificar a solução diferente que, a partir de agora, se pretende adotar para interpretar o sentido do direito consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da CRP. Os argumentos centrais que parecem sustentar a reversão jurisprudencial que a presente decisão contém exigem portanto, em meu entender, uma especialmente sólida demonstração. Sobretudo, exige especialmente sólida demonstração a ideia nuclear que naqueles argumentos se contém, e segundo a qual - como já se viu - se considera que perdeu validade a conexão, sempre antes feita pelo Tribunal, entre o sentido a atribuir ao direito em recurso em processo criminal e a existência de um duplo grau de jurisdição.

5 - O presente Acórdão procura fazer tal demonstração invocando as múltiplas mudanças entretanto ocorridas na modelação do julgamento que é feito em segunda instância, quando decide em recurso de decisão [absolutória] proferida por tribunal de primeira instância. É com efeito por causa dessas mudanças, expressivas da

«

volatilidade

» ou da
«

flui-dez

» do sistema de recursos em processo penal, tal como desenhado pelo legislador ordinário desde 1987 até hoje, que se entende não ser mais possível considerar-se que o sentido do direito fundamental consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da CRP depende da existência, ou não, de um duplo grau de jurisdição. É que - argumenta-se - as garantias de defesa que antes se podiam antever na simples existência de um recurso para o Tribunal da Relação (ainda que, naturalmente, interposto pelo Ministério Público ou pelo assistente no processo, uma vez que tinha sido absolutória a decisão de primeira instância) já não são mais, por causa das alterações introduzidas pelo legislador ordinário, asseguradas com o grau de intensidade suficiente que impeçam uma surpreendente, não antevista e por isso não contraargumentada, reversão da absolvição em condenação; e, assim sendo - conclui-se - haverá que entender-se que, perante esta
«

liquefação

» da garantia dada pelo duplo grau de jurisdição, a Constituição impõe, nestas circunstâncias, a existência de um terceiro grau. Caso contrário - diz-se ainda - será o próprio direito ao recurso, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º, da CRP, que resultará violado.

É, pois, com base nas múltiplas alterações legislativas entretanto ocorridas, e que terão afetado a plenitude das possibilidades de defesa do arguido perante o julgamento em segunda instância - alterações essas cuja enumeração agora não repito, pois que me parecem suficientemente descritas no trecho da fundamentação que vai do ponto 13.1. ao ponto 19. do Acórdão - que se considera não poder hoje sustentar-se

«

que a decisão condenatória proferida pela Relação tem por base o mesmo objeto da decisão recorrida

»

(ponto 20), pelo que

«

[também hoje se não poderá afirmar] que o novo julgamento na instância de recurso acautela devidamente a oportunidade de defesa

»

(ibidem). Por assim ser, conclui-se, a irrecorribilidade de uma primeira decisão condenatória em pena de prisão efetiva - qualquer que seja a sua intensidade e ainda que proferida em recurso para tribunal superior - viola o direito consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da CRP. A

«

perda de validade

» da anterior argumentação do Tribunal, segundo a qual o fundamento do direito ao recurso
«

entroncava

» na existência de um duplo grau de jurisdição, fica portanto, no entender da maioria, assim demonstrada.

6 - Não subscrevo esta demonstração. Na realidade, penso que o raciocínio que lhe subjaz pressupõe um erro de perspetiva que decorre de um vício lógico.

Se, na verdade, o estado atual do direito infraconstitucional leva a supor que o recurso para uma segunda instância não salvaguarda todas as garantias de defesa do arguido em processo penal, que, por causa desse deficit da regulação de direito ordinário, pode vir a ser

«

surpreendido

» por uma condenação por tribunal superior que reverte anterior absolvição e face à qual não teve hipótese de se defender, o problema de constitucionalidade existe e é grave. Contudo, tal problema tem como objeto, não a norma que consagra a irrecorribilidade das decisões de segunda instância, mas o conjunto de normas que, alterando um sistema antes presumivelmente harmonioso, diminuíram as possibilidades de defesa do arguido no recurso da decisão de primeira instância. Se o estado atual do direito infraconstitucional tornou ineficaz, para uma integral garantia dos direitos fundamentais consagrados, não apenas no artigo 32.º, mas também no artigo 20.º da CRP, a existência do duplo grau de jurisdição, o problema reside, evidentemente, na modelação dada pela legislação ordinária à forma como esse duplo grau se processa e não em qualquer outro lado. Pensar que o aniquilamento das garantias dadas por esse duplo grau, tornado pelo legislador ordinário não significativo ou irrelevante, se resolve pela conclusão segundo a qual a Constituição portuguesa imporá a existência de um terceiro grau - para substituir o segundo, que já não serve - não é apenas um erro de perspetiva. É um verdadeiro non sequitur lógico, que tem a consequência, a meu ver grave, de sacrificar inteiramente um valor que a jurisprudência constitucional portuguesa sempre sublinhou - o da necessária salvaguarda da racionalidade do sistema de justiça.

Com efeito, encontram-se aqui imbricadas duas questões diferentes que não podem ser confundidas. Uma é a questão de saber se as alterações entretanto introduzidas no sistema de recursos fixado pela lei processual penal satisfazem plenamente as exigências decorrentes do direito a um duplo grau de jurisdição. Outra a questão de saber em que circunstâncias é que se deve entender que, existindo julgamento em segunda instância, ainda assim impõe a Constituição que se abra nova via de recurso para tribunal superior.

Não se contesta que, nos casos em que tenha havido absolvição em primeira instância, a lei processual penal tem o especial dever de modelar o recurso para a segunda instância, e o julgamento que nela se processa, de forma a assegurar todas as garantias de defesa do arguido. Isso mesmo o tem dito a jurisprudência do TEDH, em aplicação conjunta do disposto quer no artigo 6.º da CEDH (direito a um processo equitativo) quer no artigo 2.º do Protocolo 7 à Convenção (direito a um duplo grau de jurisdição). A forma como se devem aplicar as regras do processo equitativo ao julgamento em segunda instância penal - de modo a tornar efetivo o direito a um duplo grau de jurisdição - tem sido na verdade tema abundantemente tratado pelo Tribunal de Estrasburgo:

vejam-se, por exemplo Ekbatani c. Suécia, n.º 10563/83, de 26 de maio de 1988;

Fejde c. Suécia, n.º 12631/87, de 29 de outubro de 1991;

Botten c. Noruega, n.º 16206/90, de 19 de fevereiro de 1996;

Constantinescu c. Roménia, n.º 28871/95, de 27 de junho de 2000;

Tierce e outros c. San Marino, n.os 24954/94, 24971/94 e 24972/94, de 25 de julho de 2000;

Bazo González c. Espanha, n.º 30643/04, de 16 de dezembro de 2008. No entanto, note-se, não era essa a questão que, no caso presente, se encontrava em julgamento.

No caso presente estava em juízo diferente questão - a de saber se era ou não inconstitucional a norma do Código de Processo Penal que consagra a irrecorribilidade para o Supremo do acórdão da Relação que, inovatoriamente face a absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos. Julgar inconstitucional a norma com fundamento em problema diverso, e no caso não colocado - a saber, os eventuais vícios existentes na modelação do recurso do tribunal de primeira instância para a Relação e na forma como nesta última se processa o julgamento - não me parece acertado. Sobretudo, quando por esta via se desfaz uma jurisprudência anterior consolidada, e que, a meu ver, realizava o equilíbrio que, nesta matéria e segundo creio, a Constituição exige. - Maria Lúcia Amaral.

209896277

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2751217.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1978-06-12 - Lei 29/78 - Assembleia da República

    Aprova, para ratificação, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-04-18 - Acórdão 288/98 - Tribunal Constitucional

    Procede à fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade e apreciação dos requisitos relativos ao universo eleitoral da prosposta de referendo constante da Resolução da Assembleia da República n.º 19/98, de 19 de Março (apresenta ao Presidente da República uma proposta de realização de referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez). (Proc. nº 340/98)

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 2006-11-20 - Acórdão 617/2006 - Tribunal Constitucional

    Decide, ter por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo proposposto na Resolução da Assembleia da República, n.º 54-A/2006 de 20 de Outubro, que propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-29 - Lei 48/2007 - Assembleia da República

    Altera (15.º alteração) e republica o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 2013-02-21 - Lei 20/2013 - Assembleia da República

    Altera (20ª alteração) ao Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87, de 17 de fevereiro.

  • Tem documento Em vigor 2013-07-16 - Lei 48/2013 - Assembleia da República

    Procede à alteração (sexta alteração) da Lei n.º 63-A/2008, de 24 de novembro, que estabelece medidas de reforço da solidez financeira das instituições de crédito no âmbito da iniciativa para o reforço da estabilidade financeira e da disponibilização de liquidez nos mercados financeiros, e republica-a em anexo, com a redação atual e demais correções materiais.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2016-02-22 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 4/2016 - Supremo Tribunal de Justiça

    «Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.»

  • Tem documento Em vigor 2017-06-23 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 5/2017 - Supremo Tribunal de Justiça

    «A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou (...)

  • Tem documento Em vigor 2018-12-11 - Acórdão do Tribunal Constitucional 595/2018 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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