Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 383/2005/T, de 17 de Outubro

Partilhar:

Texto do documento

Acórdão 383/2005/T. Const. - Processo 9/2005. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - Ana Maria Vieira Câmara de Carvalho Mendes interpôs recurso para o Tribunal Constitucional - ao abrigo do disposto nas alíneas b) e i) do n.º 1 do artigo 70.º da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC) - do Acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 18 de Março de 2003, que negou provimento a recurso jurisdicional interposto do Acórdão da 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo (TCA) de 20 de Junho de 2002, que rejeitara, por extemporaneidade, recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário Regional dos Assuntos Sociais, do Governo Regional da Madeira, de 2 de Agosto de 1999, que homologou a lista de classificação final do concurso interno condicionado de acesso a chefe de serviço de pediatria do Centro Hospitalar do Funchal.

Nessas decisões judiciais considerou-se que a data relevante para o início da contagem do prazo de interposição de recurso contencioso era a data da afixação da lista de classificação final, de acordo com o disposto no n.º 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria 177/97, de 11 de Março, ou seja, no caso, a data de 13 de Agosto de 1999, pelo que quando o recurso contencioso foi interposto, em 4 de Janeiro de 2000, já fora ultrapassado o prazo de dois meses fixado para o efeito no artigo 28.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) (Decreto-Lei 267/85, de 16 de Julho), do seguinte teor:

"1 - Os recursos contenciosos de actos anuláveis são interpostos nos seguintes prazos:

a) Dois meses, se o recorrente residir no continente ou nas Regiões Autónomas."

A recorrente, na alegação de recurso para o STA, havia suscitado a questão da inconstitucionalidade dessa norma, por violação do artigo 268.º, n.os 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e invocado, em apoio da posição por ela sustentada, o Acórdão 489/97 do Tribunal Constitucional, que julgou inconstitucional, por violação do artigo 268.º, n.º 4, da CRP, em conjugação com o seu n.º 3, a norma do artigo 29.º, n.º 1, da LPTA ("O prazo para a interposição de recurso de acto expresso conta-se da respectiva notificação ou publicação, quando esta seja imposta por lei"), interpretada no sentido de mandar contar o prazo para o recurso contencioso de actos administrativos sujeitos a publicação obrigatória da data dessa publicação.

No Tribunal Constitucional, o relator, no despacho que determinou a apresentação de alegações, esclareceu que o recurso se considerava interposto apenas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, e não também ao abrigo da alínea i) do mesmo preceito, "uma vez que não existe identidade entre a norma julgada inconstitucional pelo Acórdão 489/97 do Tribunal Constitucional e a norma aplicada no acórdão ora recorrido" e que o objecto do presente recurso consiste na apreciação da constitucionalidade da norma constante do n.º 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria 177/97, de 11 de Março (do seguinte teor: "66.1 - No caso de concursos internos condicionados, a lista [de classificação final do concurso, após homologação] é afixada em local público do respectivo serviço, com publicitação prévia em ordem de serviço, e comunicada por ofício registado, na data da afixação, àqueles que por motivo justificado se encontrem ausentes"), "interpretada no sentido de que o prazo de interposição de recurso contencioso de anulação do acto de homologação da lista de classificação final de concurso interno condicionado se conta, para os funcionários que se encontrem presentes no serviço, da data da sua afixação em local público do mesmo serviço, afixação previamente publicitada em ordem de serviço".

A recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"1 - O artigo 268.º, n.º 3, da Constituição (após a revisão de 1989) impõe à Administração 'um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante comunicação oficial e formal', dos actos administrativos que lhes respeitem (Vital Moreira e Gomes Canotilho).

2 - O artigo 268.º, n.º 3, da Constituição (após a revisão de 1989) constitui para os administrados um direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias.

3 - A notificação é um acto comunicativo que pressupõe uma actividade especialmente dirigida a comunicar um acto administrativo, por meio do qual ele é introduzido na esfera de perceptibilidade normal do destinatário, garantindo, assim, a sua cognoscibilidade.

4 - De facto, uma verdadeira e formal notificação é aquela em que se assegura ao interessado um conhecimento 'pessoal, oficial e formal' do acto de homologação da lista, e é 'nisso que consiste uma notificação' (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim).

5 - A notificação de actos que afectem direitos e interesses legalmente protegidos é uma garantia fundamental e a divulgação em jornal oficial ou em edital da notícia de um acto não é (jurídico-publicamente) uma notificação, mas sim uma publicação (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim).

6 - O Código do Procedimento Administrativo (CPA), concretizando o imperativo constitucional, no seu artigo 70.º, alínea d), estatui que as notificações podem ser feitas por edital a afixar nos locais de estilo se os interessados forem desconhecidos ou em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.

7 - A notificação por edital ou por anúncio apenas é permitida nos casos de desconhecimento dos interessados ou quando estes sejam em grande número.

8 - Os Professores Vital Moreira e Gomes Canotilho defendem que os artigos 268.º, n.º 3, da Constituição e 66.º do CPA conferem aos interessados 'um direito à notificação' e que esta não pode considerar-se realizada 'por qualquer outra via legal sucedânea que não assegure o conhecimento pessoal, oficial e formal dos actos pelos interessados'.

9 - O acórdão do Tribunal Constitucional proferido no âmbito do processo 856/97 vem consagrar doutrina idêntica: 'A notificação visa dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica.'

10 - A norma 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovada pela Portaria 177/97, de 11 de Março, interpretada no sentido de que o prazo de impugnação contenciosa de um acto de homologação da lista de classificação final de concurso interno condicionado se conta, para os funcionários que se encontrem presentes no serviço, da data de afixação da lista em local público do mesmo serviço, afixação previamente publicitada em ordem de serviço, atribui à referida afixação um dos efeitos 'receptícios' que estão constitucionalmente confiados à notificação.

11 - A afixação num átrio do Hospital da referida lista, onde passam milhares de pessoas, e onde são colocadas centenas, senão mesmo milhares de circulares, informações, papéis, entre outras coisas, não cumpre a necessária notificação como garantia constitucionalmente assegurada.

12 - A notificação por edital, por não garantir a certeza da cognoscibilidade pelos interessados, descaracteriza o conceito de notificação como direito fundamental dos administrados e só excepcionalmente deve ser admitida, com necessidade de ser fundamentada.

13 - Nada disto se verifica nos pressupostos da referida norma da Portaria 177/97, de 11 de Março.

14 - E um acto normativo de valor inferior não pode suplantar um outro de valor superior, e em especial numa interpretação do sentido de notificação que resulta do artigo constitucional referido.

15 - A 27 de Outubro de 1999, a recorrente recebeu o ofício n.º 9713, de 25 de Outubro de 1999, onde o presidente do júri entendia que já não havia lugar à audiência de interessados, por parte da candidata, não fazendo qualquer sentido o requerimento referido no artigo supra dando a conhecer que a lista de classificação final tinha sido homologada, a 13 de Agosto de 1999, e afixada.

16 - A recorrente nunca teve conhecimento dessa homologação, nem foi dela notificada.

17 - Admitir que a afixação da lista no átrio assegura os efeitos constitucionais da notificação, em detrimento da garantia de conhecimento efectivo que a notificação proporciona, constituiria violação do conteúdo essencial de um direito fundamental.

18 - A publicação por edital prevista na norma 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovada pela Portaria 177/97, de 11 de Março, não garante a notificação segura aos interessados, pelo que se conclui que, interpretada no sentido de que o prazo de interposição de recurso contencioso de anulação do acto de homologação da lista de classificação final de concurso interno condicionado se conta, para os funcionários que se encontrem presentes no serviço, da data de afixação da lista em local público do mesmo serviço, é inconstitucional, por violação do artigo 268.º, n.º 3.

19 - Assim, só se pode considerar a recorrente notificada a 27 de Outubro de 1999, pelo ofício n.º 9713, de 25 de Outubro, só sendo a partir daqui que começa a correr o prazo para o recurso contencioso de anulação."

A recorrida Secretária Regional dos Assuntos Sociais do Governo Regional da Madeira contra-alegou, concluindo:

"1 - A CRP estabelece, no seu artigo 268.º, n.º 3, a obrigatoriedade da notificação dos actos administrativos e relega a forma que deve revestir a notificação para posterior previsão legal.

2 - O n.º 1 do artigo 70.º do CPA refere que as notificações dos actos administrativos podem revestir diversas formas, que elenca nas alíneas a) a d).

3 - O regime que consta do artigo 70.º do CPA é, contudo, o regime regra. Consubstancia o regime geral das notificações que será derrogado sempre que norma especial impuser outra forma de notificação.

4 - Para o procedimento administrativo concursal ora em análise - concurso interno condicionado de acesso a chefe de serviço de pediatria na carreira médica hospitalar - estabelece a Portaria 177/97, de 11 de Março, um procedimento diferente a que deve obedecer a notificação da lista de classificação final, sendo a norma 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento para a Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica hospitalar lei especial.

5 - A notificação da recorrente operou-se com a afixação em lugar de estilo da lista de classificação final do concurso interno condicionado de acesso a chefe de serviço de pediatria na carreira médica hospitalar a que a recorrente foi oponente no Centro Hospitalar do Funchal, em 13 de Agosto de 2003, precedida da divulgação da circular informativa identificada sob o n.º 123.

6 - A natureza do procedimento concursal (concurso interno condicionado de acesso) permite justificar o regime especial para a forma de notificação, adoptada pela referida portaria, que constitui uma prática há muito consolidada, não sendo caso único no ordenamento jurídico português.

7 - Não subsistem fundamentos para que a norma 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento para a Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria 177/97, de 11 de Março, seja declarada inconstitucional."

Os demais recorridos não apresentaram contra-alegações.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação. - 2.1 - Foi a 1.ª revisão constitucional (1982) que consagrou, no n.º 2 então aditado ao artigo 268.º da CRP, quer o dever de os actos administrativos de eficácia externa serem notificados aos interessados, quando não tivessem de ser oficialmente publicados, quer o dever de esses actos, quando afectassem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, serem expressamente fundamentados.

A 2.ª revisão constitucional (1989) fez transitar esse preceito para o n.º 3 do mesmo artigo 268.º, mas retirou a restrição do dever de notificação aos actos que não tivessem de ser oficialmente publicados, passando a dispor, nessa parte: "Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei."

Por último, a 4.ª revisão constitucional (1997) veio impor que a fundamentação dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, além de expressa, fosse também "acessível": "e carecem de fundamentação expressa e acessível, quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos".

2.2 - Antes de procedermos ao recenseamento da já significativa jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o alcance do dever de notificação de actos administrativos (infra, n.º 2.3) e, por fim, apreciarmos a constitucionalidade da norma questionada neste recurso (infra, n.os 2.4 e 2.5), importa clarificar os conceitos de notificação e de publicação dos actos administrativos e definir as respectivas funções.

Não contendo a Constituição qualquer definição dessas figuras, é de presumir que terão sido acolhidas as concepções dominantes em direito administrativo.

Na definição de Paulo Otero (Direito Administrativo, Lisboa, 1998, p. 433), sufragada por Diogo Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra, 2001, pp. 369 e 370), publicação é o "acto pelo qual se permite o conhecimento geral por parte de toda a colectividade de um acto, facto ou situação", enquanto a notificação é o "acto pelo qual se transmite individualmente ao destinatário específico de um acto o conteúdo do mesmo ou se lhe faz saber um facto ou uma situação do seu interesse próprio".

Para J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 935), notificação é a comunicação oficial e formal (o que exclui o simples conhecimento acidental ou privado) visando dar conhecimento aos interessados do acto administrativo globalmente considerado, pelo que, no caso de ele dever ser fundamentado, deve incluir também a fundamentação, que dele deve fazer parte integrante, acrescentando estes autores que "o cidadão tem o direito de conhecer, do mesmo passo, o teor da decisão e a respectiva fundamentação, não tendo de requerer esta posteriormente a fim de avaliar o alcance integral da decisão e poder decidir do recurso a quaisquer meios de impugnação".

Estas notas de pessoalidade, oficialidade e formalidade, típicas da notificação, surgem também na caracterização feita por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim (Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., Coimbra, 1997, p. 348), que, depois de sublinharem que "a protecção constitucional do direito à notificacão", consagrada no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, "que tem muito boa e prudente razão de ser", "revela a conta em que o legislador constituinte teve a garantia do conhecimento dos actos administrativos, quantas vezes encobertos num anódino jornal oficial ou num edital, e consumados sem que os interessados saibam sequer o que se decidiu a seu propósito", escrevem:

"II - A Constituição pretendeu, pois, assegurar aos interessados um conhecimento pessoal, oficial e formal dos actos administrativos - que é nisso que consiste uma notificação.

Pessoal, porque a notificação é comunicação feita e enviada à própria pessoa interessada, ao contrário da publicação (em jornal ou edital) que é impessoal, dá conhecimento de um acto ao público em geral, a uma categoria de pessoas ou a pessoas indeterminadas, mas não assegura que o seu destinatário tome conhecimento dela, como acontece com a notificação.

Oficial, porque é conhecimento dado pelos serviços competentes para o efeito (como acto próprio das suas funções) e não o conhecimento obtido em privado, através do servidor que o comunica particularmente a seu amigo ou conhecido ou, nos corredores ou balcões da repartição, ao interessado que o assedia, para saber o que se passa com o seu 'processo'.

Formal, porque se traduz numa diligência ou formalidade procedimental que deve ser documentada no respectivo processo, através da junção da cópia do ofício remetido ou entregue ao destinatário - e do comprovativo dessa remessa ou entrega - ou, no caso dos actos orais, da constatação de a decisão ter sido tomada na presença do(s) interessado(s)."

A diferenciação entre as figuras da notificação e da publicação do acto administrativo é claramente enunciada por Pedro Gonçalves ("Notificação dos actos administrativos (notas sobre a génese, âmbito, sentido e consequências de uma imposição constitucional)", em Ab Vno Ad Omnes - 75 Anos da Coimbra Editora - 1920-1995, Coimbra, pp. 1091-1121), quando refere:

"Ao indicar um notum facere, ou seja, uma actividade que leva uma informação ao conhecimento de uma pessoa, a raiz etimológica do conceito de notificação distingue-a, enquanto acto comunicativo ou medida de conhecimento - que, colocando a informação ao alcance do interessado, faz depender exclusivamente da vontade dele o respectivo conhecimento -, dos procedimentos destinados a dar publicidade a certas situações jurídicas (v. g., inscrição em registos) ou a certas categorias de actos jurídicos (v. g., publicidade das deliberações dos órgãos autárquicos), onde não existe uma actividade comunicativa especialmente endereçada para uma pessoa.

[...]

Tendo em conta estes aspectos gerais, e referindo-nos agora especialmente à notificação de actos administrativos, definimo-la como um acto comunicativo dirigido à esfera de perceptibilidade de uma pessoa pelo qual (um serviço ou um funcionário dependente de) um órgão administrativo transmite uma representação (autêntica) de um acto administrativo ou o próprio acto administrativo na sua forma original.

Desse conceito devem, portanto, excluir-se as notificações que fazem o destinatário ciente da emanação de um acto administrativo, que nada informam sobre o respectivo conteúdo e sentido (comunicação da notícia da prática de um acto administrativo).

Por outro lado, a já sugerida identidade entre notificação e comunicação (a notificação é um acto que comunica uma informação) conduz-nos a excluir do conceito de notificação a publicação do acto administrativo: ainda que a publicação possa ser considerada um modo de dar a conhecer o acto administrativo, há uma diferença significativa entre ela e a notificação, que deriva da circunstância de só esta ser em rigor um acto comunicativo, que pressupõe uma actividade especialmente dirigida a comunicar um acto administrativo, por meio do qual ele é induzido na esfera de perceptibilidade normal ou colocado ao alcance do destinatário, garantindo, assim, a certeza jurídica da sua cognoscibilidade. A actividade notificatória ou comunicativa prossegue o interesse de dar a conhecer uma informação, pressupondo um esforço e uma vontade do seu detentor no sentido de a transmitir (de a fazer chegar) ao interessado. Ora, a publicação informa mas não comunica, i. e, torna possível a obtenção da informação, que é posta à disposição dos interessados mediante a sua inclusão num documento público oficial, publicado ou difundido; porém, são os interessados que, por iniciativa própria, terão de procurar a informação que lhes respeita, já que o detentor dela nada faz para, na base de uma probabilidade séria, garantir juridicamente a recepção."

Da referida concepção de notificação resulta que ela não deve ser vista como "um momento de constituição, um elemento essencial ou um requisito de perfeição do acto administrativo", mas antes como "um acto dotado de autonomia, estruturalmente independente do acto administrativo". O citado autor assinala à notificação uma tripla função: em primeiro lugar, uma função informativa: "o seu escopo essencial ou primário é a transmissão de uma informação, visando realizar uma função informativa, que se concretiza mediante a introdução do acto na esfera de perceptibilidade normal do destinatário, garantindo a respectiva cognoscibilidade"; depois, uma função processual, essencialmente relacionada com a respectiva impugnabilidade, função que está relacionada com o facto de o acto não notificado não ser oponível ao interessado, já que "só depois da notificação, que deve permitir sempre uma reacção consciente e eficaz do interessado, começa a correr o prazo de impugnação contenciosa"; por último, quando o acto a notificar é receptício, a notificação realiza ainda a função de lhe conferir relevância jurídica externa, surgindo como um momento constitutivo dos efeitos jurídicos que o acto produz.

Destas três funções (informativa, processual e constitutiva) é a segunda a que maior relevância assume em termos contenciosos. Na síntese de Maria Fernanda Maçãs ("Há notificar e notificar, há conhecer e impugnar", Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 13, Janeiro-Fevereiro de 1999, pp. 10 e segs., em especial pp. 22 e 23):

"2 - A doutrina converge no sentido de que a notificação supõe sempre uma comunicação pessoal, oficial e formal do acto, que tem como objectivo primário ou essencial garantir a certeza jurídica da sua cognoscibilidade pelos destinatários. Para além de uma função informativa, que é própria dos actos comunicativos, a notificação serve ainda uma função de natureza processual, que releva do facto de só depois de notificado o acto se considerar oponível ao interessado e começar a correr o prazo de recurso contencioso. Seja qual for a natureza do acto administrativo em causa, a notificação é o instrumento que permite aos destinatários uma opção consciente entre a aceitação e a sua rejeição e consequente impugnação. E é esta estreita ligação entre a notificação e o exercício do direito ao recurso contencioso que é determinante na delimitação do conteúdo essencial da notificação. Neste sentido, alguma doutrina vem sustentando que a notificação não se satisfaz com uma mera comunicação sobre a existência ou prática do acto, nem com o simples conhecimento privado ou acidental, defendendo-se que deve proporcionar aos interessados o conhecimento de indicações imprescindíveis sobre o seu conteúdo e sentido. Com efeito, não seria razoável exigir que o particular se conformasse com as prescrições administrativas, nem se compreenderia que começasse a correr contra ele o prazo de recurso contencioso, antes de lhe ter sido dada notícia segura do sentido e alcance do que foi decidido. Por outro lado, tendo ainda em conta a relevância processual da notificação, ela há-de também conter as menções que se considerem úteis para proporcionar aos interessados a opção consciente sobre a sua impugnação e a forma de a deduzir. Encontra, desta forma, plena justificação a íntima ligação entre o dever de notificar e o dever de fundamentar, pressuposta pelo próprio legislador constituinte [hoje, a associação entre notificação e fundamentação aparece reforçada pelo facto de o legislador constituinte exigir, no actual n.º 3 do artigo 268.º da CRP, que a fundamentação, para além de expressa, seja acessível]."

2.3 - O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de, por diversas vezes, salientar as exigências que decorrem da consagração constitucional, em 1989, do dever de notificação dos actos administrativos, independentemente de serem, ou não, de publicação obrigatória, especialmente em conjugação com a garantia da tutela jurisdicional efectiva e designadamente com o direito de impugnação de quaisquer actos administrativos lesivos dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos (n.º 4 do mesmo artigo 268.º).

Fê-lo, desde logo, no Acórdão 489/97 (Diário da República, 2.ª série, n.º 242, de 18 de Outubro de 1997, p. 12 860, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 469, p. 93, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37.º vol., p. 473), que, como já se referiu, julgou inconstitucional a norma do artigo 29.º, n.º 1, da LPTA, interpretada no sentido de mandar contar o prazo para o recurso contencioso de actos administrativos sujeitos a publicação obrigatória da data dessa publicação. Nesse acórdão, após salientar que a notificação visa dar conhecimento pessoal aos interessados, mediante comunicação oficial e formal, dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica [nos termos do artigo 66.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), são os actos que "decidam sobre quaisquer pretensões por eles formuladas", os que "imponham deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos" e os que "criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afectem as condições do seu exercício"], o Tribunal constatou que, após a revisão constitucional de 1989, o dever de notificação é constitucionalmente imposto, mesmo quando esses actos tenham de ser oficialmente publicados. A razão de ser desta imposição constitucional estaria no reconhecimento de que a notificação é um elemento essencial para o exercício, em tempo útil, do recurso contencioso ou dos demais meios procedimentais então admitidos no âmbito da jurisdição administrativa. Assim, concluiu o citado aresto que: "Sendo a notificação do acto administrativo essencial para o efectivo conhecimento pelos interessados dos actos da Administração susceptíveis de os atingir na sua esfera jurídica, seria irrazoável e claramente excessivo contar o prazo para o recurso contencioso da publicação de tais actos, quando esta seja obrigatória, em vez de tal contagem se fazer da notificacão". Em reforço deste entendimento, sublinha-se que fazer contar esse prazo a partir da publicação "significaria [...] impor aos interessados na eventual impugnação contenciosa dos actos administrativos lesivos dos seus direitos ou interesses um ónus que poderia tornar particularmente oneroso o acesso à justiça administrativa (recte, o exercício do direito ao recurso contencioso)", pois, "de facto, esse modo de contagem do prazo obrigá-los-ia a manterem-se atentos à publicação desses actos, se não quisessem correr o risco de ver caducar o direito à impugnação contenciosa", "e isso sem que se descubra qualquer interesse público nesse modo de contagem, pois que - repete-se - a notificação é, hoje, constitucionalmente obrigatória".

No Acórdão 384/98 (Diário da República, 2.ª série, n.º 277, de 30 de Novembro de 1998, p. 17 024, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 477, p. 73, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40.º vol., p. 349), o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da CRP, a norma contida no artigo 172.º, n.º 4, da Lei 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), na interpretação feita pelo plenário geral do Tribunal de Contas, "no sentido de o recorrente dever, concomitantemente, interpor o recurso da deliberação classificativa do concurso para juízes do Tribunal de Contas, num momento em que ignora os fundamentos da decisão que pretende impugnar, esclarecer que não pode alegar (uma vez que desconhece as razões que subjazem à interposição do recurso), pedir que o prazo para alegar lhe seja prorrogado e solicitar certidão dos fundamentos da decisão impugnada, juntando, posteriormente, tal certidão e alegações". Esse juízo de inconstitucionalidade fundou-se nas seguintes considerações:

"9 - A tutela constitucional do direito ao recurso contencioso, decorrente da garantia de acesso ao direito e aos tribunais, na medida em que postula o exercício livre e esclarecido de tal direito (como forma de salvaguardar materialmente os interesses inerentes), não admite a consagração, no plano infraconstitucional, de exigências que, não se confundindo com o exercício do direito dentro de um prazo predefinido, consubstanciem antes, e tão-somente, condicionantes de tal exercício desprovidas de fundamento racional e sem qualquer conteúdo útil.

Com efeito, devendo a interposição de qualquer recurso contencioso pressupor a plena estabilidade e inteligibilidade da decisão de que se pretende recorrer, não é constitucionalmente admissível o estabelecimento de ónus desinseridos da teleologia própria da tramitação processual e cuja consagração, nessa medida, não prossegue quaisquer interesses dignos de tutela.

Ora, a impugnação de uma decisão pressupõe o conhecimento integral dos respectivos fundamentos. Enquanto o recorrente não tiver acesso ao raciocínio argumentativo que subjaz à decisão tomada, não pode formar a sua vontade de recorrer, porque não dispõe dos elementos que lhe permitem avaliar a justeza da decisão. Nessa medida, e tendo presente a eficácia persuasiva intraprocessual da fundamentação das decisões, pode afirmar-se que, antes de se dar a conhecer os fundamentos decisórios, não pode haver, porque do ponto de vista da racionalidade comunicativa não é concebível, uma legítima intenção de recorrer.

Assim sendo, a exigência da interposição de um recurso num momento em que se desconhecem os fundamentos da decisão a impugnar (num momento em que, dir-se-ia, ainda não se pode saber se o recorrente efectivamente quer recorrer) não é equiparável à necessidade de interposição do recurso dentro de um prazo razoável (decorrente da celeridade processual e da segurança e certeza jurídicas). Diferentemente, tal exigência traduz-se antes na imposição de uma formalidade limitadora do efectivo exercício do direito ao recurso e absolutamente alheia ao que possa ser a prossecução de um interesse racional e teleologicamente justificado.

Nessa medida, aquela exigência afecta o núcleo fundamental do direito ao recurso, pelo que a norma que a consagra não é compatível com a tutela constitucional do acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição)."

Posteriormente, pelo Acórdão 579/99 (Diário da República, 2.ª série, n.º 43, de 21 de Fevereiro de 2000, p. 3516, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 490, p. 39, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45.º vol., p. 229), o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do artigo 268.º, n.os 3 e 4, da CRP, a norma resultante da interpretação conjugada das alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 169.º da Lei 21/85, de 30 de Julho, "que determina que o prazo a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo se conta da data da publicação do extracto da deliberação do Conselho Superior da Magistratura no Diário da República e não da respectiva notificação". Após recordar o decidido no Acórdão 489/97 e respectiva fundamentação, o Tribunal Constitucional ponderou:

"6 - A publicação no Diário da República do acto administrativo impugnado no presente processo não é obrigatória.

Por outro lado, no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Março de 1998, foi apenas publicado um extracto da deliberação 159/98 do Conselho Superior da Magistratura, pelo que o recorrente só tomou conhecimento de todos os elementos do acto, nomeadamente da sua fundamentação, no momento em que lhe foi entregue certidão autenticada da acta com o teor da respectiva deliberação (que ele próprio requereu).

Ora, como se referiu, o conhecimento global do acto afigura-se fundamental para que o particular possa avaliar o alcance integral do seu conteúdo, a fim de poder decidir do recurso aos meios de impugnação adequados (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., 1993, p. 935).

Nessa medida, e uma vez que o prazo de impugnação deve ser contado da data em que o particular é notificado do acto (o que, in casu, apenas aconteceu quando ao recorrente foi entregue a acta com o conteúdo completo da deliberação, incluindo a respectiva fundamentação), há que concluir que a interpretação do artigo 169.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, acolhida na decisão recorrida, segundo a qual o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 169.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais se conta da data da publicação do extracto da mencionada acta, se afigura inconstitucional, por violação do disposto no artigo 268.º, n.os 3 e 4, da Constituição."

Por último, o Acórdão 438/2002 (Diário da República, 2.ª série, n.º 276, de 29 de Novembro de 2002, p. 19 587, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54.º vol., p. 587) julgou inconstitucional, por violação do artigo 268.º, n.os 3 e 4, da CRP, a norma do n.º 60 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento para Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria 114/91, de 7 de Fevereiro, na redacção dada pela Portaria 502/91, de 5 de Junho, "interpretada no sentido de que o prazo de 10 dias para interposição de recurso hierárquico necessário se conta da publicação do resultado do concurso ainda que tal publicação não inclua a fundamentação, e haja sido requerida passagem de certidão desta, essencial para a decisão de interpor aquele recurso", fazendo apelo ao decidido nos citados Acórdãos n.os 384/88 e 579/99 e considerando que não se justificava a adopção, no caso, de juízo diferente, pois, embora se tratasse de um recurso hierárquico, a lei obriga a expor nele todos os fundamentos do recurso (artigo 169.º, n.º 1, do CPA).

2.4 - Assente a diferenciação entre notificação e publicação e atentas as funções daquela (função informativa, função processual de marcar o início do prazo de impugnação do acto e, tratando-se de acto receptício, função constitutiva de conferir ao acto relevância jurídica externa) e recordada a jurisprudência pertinente do Tribunal Constitucional, há que concluir que o "direito à notificação" - independentemente da sua qualificação como direito subjectivo (neste sentido, Pedro Gonçalves, estudo cit., p. 1107), como garantia institucional da tutela judicial efectiva (neste sentido, José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª ed., Coimbra, 2004, p. 84, n. 25) ou como garantia dos administrados que se encontra num grau intermédio entre o direito (subjectivo) em sentido estrito e a garantia institucional (neste sentido, Mário Aroso de Almeida, "Os direitos fundamentais dos administrados após a revisão constitucional de 1989", Direito e Justiça, vol. II, 1992, p. 317) -, implicará, em regra, a pessoalidade da notificação, isto é, que a comunicação seja especificamente endereçada à pessoa do seu destinatário. Isto tendo sempre presente que a exigência de notificação não visa criar a certeza do conhecimento efectivo do acto (dependente, em última instância, de uma atitude psicológica do destinatário), mas apenas a certeza jurídica da sua cognoscibilidade. Como refere Pedro Gonçalves (estudo cit., p. 1115):

"Embora remeta para o legislador ordinário a previsão das formas da notificação, a génese da imposição constitucional revela que a Constituição exclui de plano a adopção de certas formas ou de meios de dar a conhecer ('notificar') o acto administrativo aos interessados: é o que se verifica com a publicação, que, pela mesma razão por que deixou de ser sucedânea da notificação, não pode ser o meio através do qual a notificação se efectua. O dever de notificar exige da Administração o exercício de uma actividade comunicativa especialmente dirigida ao interessado, pelo que, sob pena de descaracterizar o conceito de notificação e de violar um direito fundamental do administrado, a lei não pode estabelecer um princípio de alternatividade entre notificação e publicação, nem pressupor que a publicação cumpre as funções da notificação. O direito à notificação do acto administrativo não é apenas o direito de aceder a uma informação que é posta à disposição do interessado, que a pode procurar, mas o direito à recepção do acto na esfera da perceptibilidade normal do destinatário."

Afirmou-se que a pessoalidade da notificação é a regra, e isto porque não é de excluir, à partida, que a consideração de outros valores constitucionalmente relevantes - designadamente a eficiência da Administração - possa eventualmente justificar excepções a essa regra. O artigo 70.º do CPA elenca, no seu n.º 1, diversas formas de efectivação das notificações, surgindo como formas normais a via postal [alínea a)] e a pessoal (por entrega pessoal da notificação ao seu destinatário), se essa via não prejudicar a celeridade do procedimento ou se for inviável a notificação por via postal [alínea b)]; se a urgência do caso o recomendar, pode a notificação ser efectuada por telegrama, telefone (esta a confirmar, no dia útil imediato, por via postal ou pessoal - n.º 2), telex ou telefax [alínea c)], o que ainda constituem formas de notificação pessoal. Por último, a alínea d) do referido n.º 1 prevê a notificação por edital (a afixar nos locais de estilo) ou anúncio (a publicar no Diário da República, no boletim municipal ou em dois jornais mais lidos da localidade da residência ou sede dos notificandos) em duas situações especiais: i) se os interessados forem desconhecidos; e ii) se os interessados forem em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.

Se o recurso a esta forma de comunicação surge como uma inevitabilidade na primeira hipótese (desconhecimento dos interessados), já quanto à segunda (inconveniência de outra forma de notificação atento o número dos interessados) se têm suscitado, na doutrina, dúvidas quanto à conformidade constitucional da solução. Mário Aroso de Almeida (loc. cit., p. 319) sustenta que o novo enunciado do preceito constitucional emergente da revisão de 1989 comporta, desde logo, o corolário de que "a notificação pessoal dos interessados [...] só deve poder ser afastada em situações de impossibilidade (causadas pelo facto de o acto afectar directamente um número amplo, indeterminado ou indefinido de pessoas)".

Também Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim (loc. cit., p. 362) salientam a necessidade de compatibilizar a previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º do CPA com o artigo 268.º, n.º 3, da CRP. Salientando que a notificação de actos que afectem direitos e interesses legalmente protegidos é uma garantia fundamental e que a divulgação em jornal oficial ou em edital da notícia do acto não é (jurídico-publicamente) uma notificação, mas sim uma publicação, admitir esta (e a insegurança dos seus resultados) em detrimento daquela constituiria um sacrifício de direito fundamental só admissível se outros valores ou interesses fundamentais de igual dignidade constitucional o justificassem, o que parece não ser o caso da mera conveniência da Administração em não repetir muitas notificações iguais, que, neste mundo de automatismos, informatizações e impressões electrónicas, de telecomunicações escritas, etc., é mínima, salvo em casos absolutamente excepcionais. Por isso concluem que "a comunicação do acto através de uma publicação só é [...] constitucionalmente legítima quando a notificação seja impossível, isto é, no caso de a Administração não saber a identidade dos interessados com legitimidade e participação procedimental, de não saber o seu paradeiro, ou, então, quando se trate de números manifestamente inconvenientes, que precludam quase a possibilidade de notificação".

A possibilidade de desvios à regra de que a notificação deve ser endereçada à pessoa do interessado, com a previsão do uso de "notificações públicas" ou mesmo da "substituição da notificação pela publicação", também é admitida por Pedro Gonçalves (estudo cit., pp. 117 e 118), "em casos muito excepcionais", quando tal seja imposto pela "eficiência administrativa" ou pela "impossibilidade objectiva de comunicar pessoalmente o acto administrativo ao interessado". É o que se verificaria, no que à primeira justificação concerne ("eficiência administrativa"), quanto a "actos que tocam um grande número de interessados (actos de massas) ou que os não determinam (actos administrativos gerais)", em que o legislador admite "formas não pessoais de notificação, desonerando a Administração de comunicar o acto pessoalmente a cada um dos interessados e assumindo o risco de eles não chegarem a conhecer o respectivo conteúdo"; mas mesmo nestas "notificações públicas" é discernível, diferentemente da publicação, "um esforço da Administração no sentido de aproximar a informação dos interessados", "um movimento verso i possibili destinatari [Vittorio Ottaviano] que não ocorre com a publicação do acto administrativo num jornal oficial ou nos locais de estilo". A segunda justificação (desconhecimento da identidade ou paradeiro do notificando) estaria na base da admissibilidade da substituição da notificação pela publicação do acto administrativo num jornal oficial ou nos locais de estilo.

2.5 - No presente caso, manifestamente, não ocorrem as aludidas "situações excepcionais" nem se verifica a presença de valores ou interesses constitucionalmente relevantes que justifiquem algum desvio à regra da pessoalidade da notificação.

Não se trata de um caso de impossibilidade da notificação por desconhecimento da identidade ou do paradeiro dos notificandos, pois se tratava de um concurso interno condicionado, com quatro candidatos, perfeitamente identificados e localizáveis.

Também, atentas estas circunstâncias, não se poderá invocar o valor da eficiência da actividade administrativa, pois a notificação pessoal, por qualquer das vias previstas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 70.º do CPA não era impossível nem particularmente onerosa para a Administração.

Não se ignora que, como referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e J. Pacheco de Amorim (ob. cit., p. 363), para além das hipóteses previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º do CPA, outras leis e até regulamentos especiais consideram a publicação e a afixação de edital como formas de notificação de actos administrativos, citando como exemplos as colocações de professores e as listas de admissão e classificação de concursos de pessoal, e relativamente a elas, talvez por se tratar de fórmulas consagradas e reconhecidas na prática, não se terão suscitado dúvidas sobre a respectiva constitucionalidade, "embora assuste um pouco a facilidade com que as leis, ainda hoje, consideram a publicação como forma idónea de dar satisfação ao direito fundamental de notificação dos actos administrativos".

Acontece que essas disposições legais e regulamentares correspondem a meras repetições de similares preceitos existentes em diplomas anteriores à revisão constitucional de 1989 e que terão sido rotineira e acriticamente reproduzidos nos diplomas posteriores sem completa percepção do alcance da alteração constitucional. Na verdade, a regra de que a lista de classificação final dos concursos internos condicionados apenas tinha de ser afixada em local público dos respectivos serviços ou organismos já constava dos artigos 33.º e 24.º, n.º 2, do Decreto-Lei 498/88, de 30 de Dezembro, que estabeleceu o novo regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para a Administração Pública. E o mesmo ocorreu quanto aos regulamentos dos concursos das carreiras médicas hospitalares, que ou só previam a publicação da lista de classificação final no Diário da República [cf., a título exemplificativo, os regulamentos aprovados pela Portaria 187/85, de 13 de Março (n.º 50), ou pela Portaria 231/86, de 21 de Maio (n.º 50)], ou no Jornal Oficial e por afixação em local público do respectivo serviço quando se tratasse de concurso interno condicionado (cf., por exemplo, o n.º 59 do regulamento aprovado pela Portaria 114/91, de 7 de Fevereiro).

O reconhecimento da existência desta "prática administrativa" não constitui, porém, justificação constitucionalmente válida para a postergação da exigência constitucional da notificação pessoal, consagrada na revisão de 1989. Como se referiu, o afastamento da regra constitucional só será admissível em casos de impossibilidade ou de excepcional onerosidade da notificação pessoal, que, no contexto do presente recurso, manifestamente não ocorrem.

No presente caso, não constituem actos de notificação constitucionalmente relevantes nem a divulgação, em circular informativa, de que a lista fora afixada, pois esta publicitação constitui um acto instrumental que apenas alerta genericamente para a publicação do acto, nada informando sobre o respectivo conteúdo e sentido, nem a publicação do acto através da afixação da lista homologada em local público do serviço em causa, pois não garante a certeza jurídica da sua cognoscibilidade pelos seus destinatários individuais. Na verdade, nada assegura que o pessoal médico habitualmente consulte os placards existentes nos átrios dos hospitais, onde se sobrepõem os mais diversos avisos, na generalidade destinados aos utentes dos serviços de saúde, sendo certo que, no caso, aquela certeza jurídica da cognoscibilidade do acto seria facilmente assegurada, sem custos excessivos para a Administração, com o envio a cada um dos quatro candidatos de uma comunicação escrita dando conta da homologação da lista e contendo os demais requisitos da notificação exigidos pelo artigo 68.º do CPA, designadamente a sua fundamentação, insusceptíveis de serem respeitados através de mera afixação da lista.

Acresce que, no presente caso, a falta de certeza jurídica de cognoscibilidade do acto nem sequer pode ser suprida por qualquer comportamento da recorrente, no âmbito do procedimento administrativo, que revelasse ter a mesma tido efectivo conhecimento da afixação da lista. Com efeito, tendo-lhe sido remetida, por ofício subscrito pelo presidente do júri de 30 de Julho de 1999, "para os efeitos consignados no Código do Procedimento Administrativo", fotocópia da acta 6, relativa à reunião de 15 de Abril de 1999, e da lista de classificação final elaborada pelo júri em 2 de Junho de 1999 (fl. 34 a fl. 39), a recorrente, entendendo que essa notificação fora efectuada no âmbito da audiência de interessados, apresentou, em 17 de Agosto de 1999, a sua resposta (fl. 40 a fl. 46). Só em 26 de Outubro de 1999 o presidente do júri envia à recorrente o ofício a fls. 47 e 48, comunicando entender que, no caso, não havia lugar a nova audiência de interessado (o procedimento concursal em causa havia sido parcialmente repetido na sequência de anulação decretada por despacho do Secretário Regional dos Assuntos Sociais e Parlamentares de 22 de Fevereiro de 1999, que concedeu provimento a anterior recurso hierárquico interposto pela recorrente) e refere que ela deveria ter interposto recurso da homologação da lista de classificação final. A recorrente afirma (cf. artigo 36.º da petição de recurso) que só com a recepção desse ofício de 26 de Outubro de 1999 teve notícia da prolação do acto de homologação da lista e veio a apurar ter esse acto sido publicitado pela afixação da lista no átrio do Hospital em 13 de Agosto de 1999. E, de facto, nada na sua conduta processual contraria esta versão. Isto é: não há qualquer indício de que a recorrente, através de qualquer intervenção no procedimento, revele ter tido conhecimento da prolação do acto em causa; pelo contrário, ao apresentar, em 17 de Agosto de 1999, resposta no exercício do direito de audiência de interessados, indicia desconhecer de facto a afixação, no precedente dia 13, da lista homologada, pois se tivesse este conhecimento a conduta que normalmente adoptaria seria a da impugnação contenciosa do acto homologatório.

Neste contexto, não ocorrendo qualquer razão constitucionalmente relevante (designadamente impossibilidade ou excessiva onerosidade de notificação pessoal, por desconhecimento da identidade e paradeiro dos notificandos ou pelo elevado número destes) para se considerar dispensado o dever de notificação pessoal, formal e oficial dos destinatários de actos administrativos lesivos de seus direitos ou interesses legalmente protegidos, impõe-se a emissão de juízo de inconstitucionalidade da norma impugnada, quer por directo desrespeito do dever de notificação constitucionalmente imposto (n.º 3 do artigo 268.º da CRP), quer pela reflexa afectação do direito de impugnação contenciosa (n.º 4 do mesmo artigo 268.º).

3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:

a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 268.º, n.os 3 e 4, da CRP, a norma constante do n.º 66.1 do Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria 177/97, de 11 de Março, interpretada no sentido de que o prazo de interposição de recurso contencioso de anulação do acto de homologação da lista de classificação final de concurso interno condicionado se conta, para os funcionários que se encontrem presentes no serviço, da data da sua afixação em local público do mesmo serviço; e, consequentemente,

b) Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Julho de 2005. - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2345329.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-04-06 - Portaria 187/85 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado do Orçamento - Direcção-Geral das Alfândegas

    Autoriza a importação, em regime de draubaque, de leite em pó, magro e gordo, destinado à produção de produtos dietéticos e de farinhas para alimentação infantil, a exportar ao abrigo do mesmo regime.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-16 - Decreto-Lei 267/85 - Ministério da Justiça

    Aprova a lei de processo nos tribunais administrativos.

  • Tem documento Em vigor 1985-07-30 - Lei 21/85 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais.

  • Tem documento Em vigor 1986-05-21 - Portaria 231/86 - Ministério da Saúde

    Aprova o Regulamento dos Concursos de Habilitação e de Provimento para Chefe de Serviço Hospitalar.

  • Tem documento Em vigor 1988-12-30 - Decreto-Lei 498/88 - Ministério das Finanças

    Estabelece o novo regime geral de recrutamento e selecção de pessoal para a Administração Pública.

  • Tem documento Em vigor 1991-02-07 - Portaria 114/91 - Ministério da Saúde

    Aprova o Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor da Carreira Médica Hospitalar e dos Concursos de Provimento para Chefe de Serviço da referida carreira.

  • Tem documento Em vigor 1991-06-05 - Portaria 502/91 - Ministério da Saúde

    Altera o Regulamento dos Concursos de Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento para Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, aprovado pela Portaria n.º 114/91, de 7 de Fevereiro.

  • Tem documento Em vigor 1997-03-11 - Portaria 177/97 - Ministério da Saúde

    Aprova o Regulamento dos Concursos da Habilitação ao Grau de Consultor e de Provimento na Categoria de Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar, pubicado em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda