Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
Relatório
O Provedor de Justiça veio requerer, ao abrigo do disposto na alínea d), do n.º 2, do artigo 281.º, da Constituição da República Portuguesa, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da alínea r), do n.º 9, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, que estabelece os mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão, na parte aplicável aos trabalhadores das entidades integradas no universo da atividade empresarial prosseguida por entes públicos, em que os capitais sejam maioritariamente públicos, por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, com os seguintes fundamentos:
«1.º No que para o presente pedido releva, a Lei 75/2014, de
12 de setembro, nos termos do disposto no n.º 1 do seu artigo 1.º, "determina a aplicação com caráter transitório de reduções remuneratórias e define os princípios a que deve obedecer a respetiva reversão".
2.º Nesta linha e em conformidade com o preceituado no artigo 4.º do diploma em questão, "[a] redução remuneratória prevista no artigo 2.º vigora no ano 2014 a partir da data da entrada em vigor da presente lei e no ano seguinte, sendo revertida em 20 % a partir de 1 de janeiro de 2015".
3.º A esta luz, o artigo 2.º da Lei 75/2014 acolhe as regras que regem a redução remuneratória temporária determinada peio legislador, aí se fixando, nomeadamente, o limiar de remuneração total ilíquida a partir do qual a redução em causa opera, bem como os distintos coeficientes de redução aplicáveis e o respetivo círculo de destinatários.
4.º Quanto a esta última dimensão e no encadeamento das Leis do Orçamento do Estado precedentes, pode afirmar-se que as remunerações visadas pela Lei 75/2014 respeitam, genericamente, aos trabalhadores pagos por verbas públicas, no n.º 9 do artigo 2.º daquele diploma estando recortado o universo dos sujeitos especificamente abrangidos pela medida de redução pecuniária em causa.
5.º Neste enquadramento, de entre as várias situações funcionais abarcadas no âmbito de aplicação dessa redução remuneratória temporária, julga-se ser de destacar aquela cuja previsão se explicita na alínea r) do n.º 9 do artigo 2.º, que vimos citando e cuja legitimidade constitucional questiono, pelas razões que passo a adensar.
6.º Por força do disposto no normativo aqui trazido à apreciação desse Tribunal, entre outros destinatários e com a exceção prevista no n.º 12 do artigo 2.º do diploma em causa, a medida de natureza transitória de redução remuneratória, conformada pelo legislador, aplica-se igualmente aos «trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e loca]».
7.º Neste horizonte, a apreciação de desconformidade constitucional da disposição citada atém-se na inclusão, no âmbito subjetivo de incidência da medida, dos trabalhadores de empresas do setor público, no seu perímetro mais lato, de capitais maioritariamente públicos, confluindo, por conseguinte, parceiros privados na formação do restante capital e no exercício dos direitos sociais.
8.º Concretizando, tem-se especificamente em vista a situação dos trabalhadores integrados naquele lastro empresarial, abrangido na previsão da norma questionada, em que há associação de capitais públicos e privados, sendo os primeiros maioritários.
9.º Ante este círculo de destinatários assim recortado e na ausência de norma que determine a entrega nos cofres públicos das quantias correspondentes às reduções remuneratórias que os atingem, por parte das entidades processadoras das respetivas remunerações - por exemplo em termos análogos aos que estabelece o n.º 10 do mesmo artigo 2.º -, considero estar violado, na presente situação, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso que adensa e densifica o princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição).
10.º Efetivamente, conforme pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2001, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 146, de 26 de junho de 2001, "o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito. Impõem-se, na realidade, limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado-legislador e o Estado-administrador adequar a sua projetada ação aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas."
11.º Sendo indubitável a diferenciação da vinculação ao princípio da proporcionalidade por parte do Estado-legislador e do Estado-administrador, com reflexos no alcance do seu controlo jurisdicional, em estas duas distintas esferas do exercício do poder público, e sempre com amparo no citado aresto do Tribunal Constitucional, "[n]ão pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da atividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo - como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal - que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da atividade do legislador um dos seus significados mais importantes."
12.º Neste enquadramento, o princípio da proporcionalidade impõe que a solução normativa se revele «como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei», assim como medida necessária, «porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos» para os direitos dos cidadãos, e não surja ainda como uma medida "desproporcionada [...], excessiva [...], em relação aos fins obtidos", situando-se em um patamar de justa medida (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 392-393).
13.º Do exposto sobressaem já as três dimensões que determinam e balizam o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de conformidade ou adequação, necessidade ou exigibilidade e, ainda, de justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito.
14.º No tocante especificamente à norma vertida na alínea r) do n.º 9 do artigo 2.º da Lei 75/2014, com a demarcação anteriormente explicitada, entende-se desrespeitado o princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 2.º da Lei Fundamental, na vertente cimeira da adequação da medida legislativa em causa, de sentido indubitavelmente ablativo, à prossecução do seu escopo.
15.º A afirmação antecedente procede da indagação dos objetivos prosseguidos pela medida contida no citado artigo 2.º e pela inclusão, na respetiva esfera de eficácia subjetiva, dos trabalhadores daquelas empresas cujos capitais sejam maioritariamente públicos, tal como esses fins foram expressamente assumidos no âmbito do procedimento legislativo que culminou na publicação da Lei 75/2014, sem que as vicissitudes desse mesmo procedimento, na sequência de processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, tendo por objeto as normas constantes dos n.os 1 a 1 5 do artigo 2.º e dos n.os 1 a 3 do artigo 4.º do Decreto 264/XII da Assembleia da República, e subsequente devolução deste último ao Parlamento, tenham de forma alguma contendido com o propósito, ab initio afirmado, de alinhamento da medida de redução remuneratória temporária em causa com as necessidades de consolidação orçamental.
16.º Subsequente e cumulativamente, procede a mesma afirmação de uma apreciação de manifesta incompatibilidade da solução normativa que flui da alínea r) do n.º 9 do artigo 2.º da Lei 75/2014, na parte relevante, com a finalidade perseguida pelo legislador. Vejamos.
17.º Conforme supra antecipado, a medida legislativa de redução temporária das remunerações daqueles que auferem por verbas públicas vem enquadrada em um esforço de consolidação orçamental com uma finalidade contabilística de redução da despesa pública.
18.º Efetivamente, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 239/XII, na origem do procedimento legislativo a que me refiro, após prelúdio centrado nos "compromissos europeus» de «sustentabilidade das finanças públicas", logo se enfatiza que "no atual contexto, e mesmo após a conclusão formal do Programa de Ajustamento Económico acordado com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, verifica-se que, não só as disposições de correção de desequilíbrios orçamentais se encontram reforçadas, como também, e sobretudo, as disposições na vertente de monitorização e prevenção de novos desequilíbrios se encontram significativamente intensificadas".
19.º Na mesma Exposição de Motivos, pode ainda ler-se ser:
"ao Estado, no exercício da função legislativa, que cabe selecionar os meios mais adequados para assegurar a estabilidade e a disciplina orçamental, nomeadamente por via da receita ou da despesa pública. E ao legislador que compete definir, dentro do quadro constitucional, o interesse geral da coletividade e ordenar as grandes opções e as necessidades coletivas a cumprir, por via de normas gerais e abstratas. Por este motivo se reconhece à função legislativa do Estado uma natureza criadora e um caráter primário e discricionário.
Em matéria de política de rendimentos praticada na Administração Pública, foi introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011, em reconhecimento dos sinais de crise e urgência do ajustamento, uma redução remuneratória, com caráter transitório e progressivo entre os 3,5 % e os
10 %, para remunerações mensais superiores a (euro)1500 [...]. Essa redução remuneratória foi mantida até 2013 inclusive. A reformulação das percentagens e dos limites da redução remuneratória vigente desde 2011, inscrita em norma do Orçamento do Estado para 2014, veio a ser declarada inconstitucional através do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/2014, de 30 de maio.
Uma vez que a disciplina orçamental imposta por obrigações permanentes e constantes a que Portugal se vinculou no contexto da pertença à União Europeia e à moeda única exige que a massa salarial das Administrações Públicas, como elemento central da despesa do Estado, permaneça contida, a presente proposta de lei pretende repor as percentagens e os limites da redução remuneratória vigente desde 2011 [...]."
20.º A esta luz, afirmada inequivocamente do lado da despesa pública, como imperativo de consolidação orçamental, não pode racionalmente compreender-se como adequada uma medida do legislador que, atingindo trabalhadores de empresas cujos capitais são maioritariamente públicos e sem que esteja determinada a entrega nos cofres públicos dos montantes correspondentes às reduções remuneratórias que atingem aqueles trabalhadores, se revela apta, em absoluto contraste com o seu afirmado desiderato, a gerar distribuição, aa proporção devida, de dividendos ou outras vantagens patrimoniais pelos parceiros privados na mesma empresa, detentores do capital remanescente, frustrando-se, na medida equivalente, qualquer escopo de redução da despesa pública a que deveria ser integralmente dirigido o esforço que o legislador também fez recair sobre este específico círculo de trabalhadores.
21.º Vale por dizer: tal como normativamente conformada, a supressão parcial da remuneração destes trabalhadores, para além de não satisfazer integralmente fins públicos de alívio da despesa pública, permite igualmente considerar verificadas vantagens diretas e quantificáveis, em cada caso, para entidades privadas.
22.º No incomprimível imperativo de afirmação de um direito materialmente justo, que a radicação do princípio da proporcionalidade indubitavelmente condensa, apresenta-se assim como manifestamente irrazoável uma medida de ablação da retribuição do trabalho, ainda que temporária, que em sobrecarga dos referidos trabalhadores não serve in totum, como a razão necessariamente impõe, o declarado fim de consolidação orçamental do lado da despesa pública, revelando-se em uma vantagem patrimonial para as entidades privadas cotitulares do capital social, no que pode ser concebido, verdadeiramente, como uma espécie de enriquecimento sem causa destas inaceitável em um Estado de Direito.
23.º Neste patamar de compreensão, ante a relação medida-objetivo em debate, não se antevê, conforme já referido, complexidade na avaliação da realidade que subjaz à opção legislativa em presença, sendo manifesta, repito, a radicação, no presente caso de uma medida legislativa de contenção da despesa pública.
24.º Nesse sentido e na situação específica vertente, os efeitos da norma em causa extravasam o proclamado objetivo, sendo, desse modo, contraditórios com o escopo definido, em uma solução normativa que gera tanto mais perplexidade quanto é certo, neste nosso tempo, o esforço que ainda impende ante a obrigação de consolidação orçamental, sendo incompreensível que uma medida consignada a esse efeito não prossiga integralmente o seu fim.
25.º Para tanto, bastaria a conformação em termos normativamente adequados que salvaguardasse a entrega, na sua integralidade, aos cofres públicos dos montantes correspondentes à diminuição salarial sofrida pelos trabalhadores em causa, como exprimi na petição que apresentei a propósito de norma idêntica na Lei do Orçamento do Estado para 2014.
26.º Por outro lado, não se perde de vista que, como é também destacado peio Tribunal Constitucional (vejam-se os Acórdãos n.os 396/2011, 353/2012, 187/2013, 413/2014 e 574/2014, publicados no Diário da República, respetivamente, na 1.ª série, n.º 199, de
17 de outubro de 2011, e na 1.ª série, n.º 140, de 20 de julho de 2012, n.º 187, de 22 de abril de 2013, n.º 121, de 26 de junho de 2014, e n.º 169, de 3 de setembro de 2014), o fator determinante na aplicação da medida de redução remuneratória é a circunstância de estarem em causa remunerações pagas por dinheiros públicos a trabalhadores que se inscrevem em todas as áreas da Administração Pública.
27.º E embora não tenha sido especificamente analisada na jurisprudência constitucional a conformidade constitucional da redução remuneratória quando aplicada também a categorias específicas de trabalhadores que não se inscrevem na Administração Pública no seu conceito mais estrito, o Tribunal Constitucional, nos fundamentos que aduziu logo no Acórdão 396/2011, considerou em bloco a categoria dos que recebem por verbas públicas.
28.º Este entendimento densifica a compreensão de que nos situamos, ante a solução normativa questionada, em uma lógica de estratégia de consolidação orçamental, não sendo racionalmente admissível que uma medida, como aquela dirigida aos trabalhadores de empresas cujos capitais sejam maioritariamente públicos, extravase a referida lógica financeira.
29.º Nesse sentido, pode afirmar-se existir erro manifesto de apreciação do legislador na sua adoção, pela sua não inteira correspondência com o fim perspetivado e que justificou a determinação legislativa de reduções remuneratórias.
30.º Ora, como afirmou o Tribunal Constitucional no Acórdão 187/2001, anteriormente citado, "a própria averiguação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de se poder detetar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e seus efeitos [...]."
31.º Aliás, em sentido circunjacente ao propugnado não deixa de se perfilar a declaração de voto do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Pedro Machete, aposta ao Acórdão 574/2014 desse Tribunal (aresto proferido em sede do supra mencionado processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, por ocasião do procedimento legislativo que viria a culminar na publicação da Lei 75/2014;
in: Diário da República, 1.ª série, n.º 169, de 3 de setembro de 2014), e que aqui se deixa transcrita, na parte relevante:
"4.1 - Em vista do fim visado pelo autor das normas dos artigos 2.º e 4.º do Decreto 264/XII - recorde-se: a consolidação orçamental por via da manutenção do valor da despesa com pessoal -, as reduções remuneratórias em apreciação, na sua generalidade, não podem ser consideradas arbitrárias, já que, para aqueles efeitos, os rendimentos com origem em verbas públicas se distinguem essencialmente dos rendimentos com outras origens - justamente porque se trata de rendimentos provenientes do orçamento do Estado, o seu aumento ou diminuição repercute-se imediatamente no nível da despesa pública - sendo a sua diminuição, por isso, adequada àquele objetivo [...].
4.2 - Contudo, tais razões já não valem prima facie em relação àquelas pessoas que tenham um vínculo com entidades abrangidas na enumeração do artigo 2.º, n.º 9, do Decreto 264/XII, mas cujas remunerações, não sendo pagas por via do orçamento do Estado, também não relevem como despesa pública. Nesses casos, a redução das remunerações não contribui para a consolidação orçamental por via da redução da despesa pública e, consequentemente, tão-pouco contribui para o esforço de redução da dívida pública. E o que sucede, por exemplo, com os gestores públicos e os trabalhadores de empresas públicas abrangidos, respetivamente, pelas alíneas o) e r) do citado preceito, desde que as empresas em que exerçam funções: (i) sejam qualificáveis como «produtor mercantil», nos termos e para os efeitos do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (cf. quanto ao SEC 95, o Regulamento (CE) n.º 2223/96 do Conselho, de 25 de junho, Anexo A, ponto 2.68; e quanto ao SEC 2010, o Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio, Anexo A, ponto 20.05); e (ii) não tenham sido «reclassificadas», conforme previsto no artigo 2.º, n.º 5, da LEO.
A falta de adequação entre a redução remuneratória aplicada a essas pessoas e o fim invocado pelo legislador para a justificar inculca que tal medida, nessa parte, não possa deixar de ser tida como arbitrária.
Porém, [...] entendo que, sob pena de violação do princípio do pedido, tal matéria não deve ser objeto de decisão no presente processo."
32.º Neste enquadramento, valorando, pelos motivos expostos, está-se perante uma situação de erro manifesto, como as prefiguradas pelo Tribunal Constitucional, designadamente no citado Acórdão 187/2001, considero que a norma constante da alínea r) do n.º 9 do artigo 2.º da Lei 75/2014, na parte aplicável aos trabalhadores de empresas cujos capitais sejam maioritariamente públicos, viola o princípio da proporcionalidade, no segmento da adequação, tanto bastando para um juízo positivo de inconstitucionalidade."
Notificada para se pronunciar, querendo, sobre o pedido formulado, a Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos.
Discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em harmonia com o que então se estabeleceu.
Fundamentação
1 - O presente pedido de fiscalização da constitucionalidade tem por objeto a norma constante da alínea r), do n.º 9, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, na parte aplicável aos trabalhadores das entidades integradas no universo da atividade empresarial prosseguida por entes públicos, em que os capitais sejam maioritariamente públicos, incidindo diretamente sobre a definição do âmbito de subjetivo de aplicação dos "mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão" estabelecidos no referido diploma.
A norma impugnada inscreve-se, assim, no artigo 2.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, cujo teor, na parte que aqui releva, é o seguinte:
Artigo 2.º
Redução remuneratória
1 - São reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a (euro) 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:
a) 3,5 % sobre o valor total das remunerações superiores a (euro) 1500 e inferiores a (euro) 2000;
b) 3,5 % sobre o valor de (euro) 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os (euro) 2000, perfazendo uma redução global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a (euro) 2000 até (euro) 4165;
c) 10 % sobre o valor total das remunerações superiores a (euro) 4165.
[...]
9 - A presente lei aplica-se aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificados:
[...]
r) Os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e local;
[...]
10 - As entidades processadoras das remunerações dos trabalhadores em funções públicas referidas na alínea p) do número anterior, abrangidas pelo n.º 6 do artigo 1.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei 35/2014, de 20 de junho, bem como os órgãos ou serviços com autonomia financeira processadores das remunerações dos trabalhadores em funções públicas referidos nas alíneas q) e s) do número anterior, procedem à entrega das quantias correspondentes às reduções remuneratórias previstas no presente artigo nos cofres do Estado, ressalvados os casos em que as remunerações dos trabalhadores em causa tenham sido prévia e devidamente orçamentadas com aplicação dessas mesmas reduções.
[...].
O regime estabelecido neste preceito é completado pela previsão do artigo 4.º, do mesmo diploma, onde se estabelece o seguinte:
Artigo 4.º
Reversão da redução remuneratória temporária
A redução remuneratória prevista no artigo 2.º vigora no ano 2014 a partir da data da entrada em vigor da presente lei e no ano seguinte, sendo revertida em 20 % a partir de 1 de janeiro de 2015.
As medidas de redução remuneratória previstas nos artigos 2.º e 4.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, tiveram a sua origem na Proposta de Lei 239/XII, aprovada pelo Decreto 264/XII, da Assembleia da República, reproduzindo, sem alterações de sentido, o regime constante dos artigos 2.º e 4.º, n.º 1, deste último diploma.
Ainda que não quanto à totalidade dos segmentos no mesmo compreendidos, o artigo 2.º do Decreto 264/XII foi submetido, tal como o n.º 1 do respetivo artigo 4.º, a fiscalização preventiva da constitucionalidade, ambos tendo sido apreciados através do Acórdão 574/2014 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), tal como os restantes acórdãos que adiante se citam).
Assumindo que a leitura conjugada dos artigos 2.º e 4,º n.º 1, do Decreto 264/XII, conduzia à ideia de que aí se combinava "(a) uma redução remuneratória aplicável no ano de 2014 aos trabalhadores pagos por verbas públicas igual à que vigorou até 2013, com (b) uma redução remuneratória equivalente a 80 % desta, em 2015", o Tribunal não teve dúvidas em reportar tal medida ao prosseguimento do esforço de consolidação orçamental iniciado com o programa de ajustamento económico e financeiro acordado entre o governo português e o FMI, a Comissão Europeia e o BCE, considerando que, naquela configuração específica, tal medida persistia relacionável, em termos diretos e imediatos, com a prossecução do mesmo interesse público que conduzira à adoção das medidas congéneres previstas nas Leis n.os 55-A/2010, 64-B/2011, 66-B/2012 e 83-C/2013, isto é, com a "consecução de fins de redução da despesa pública e de correção de um excessivo desequilíbrio orçamental" (Acórdão 396/2011), de acordo com um plano, plurianual mas temporalmente delimitado, definido a partir daquele Programa.
Com efeito, para além de reiterar os fundamentos que, no Acórdão 413/2014, haviam conduzido o Tribunal a considerar em si mesma constitucionalmente viável a decisão de renovar, para o ano de 2014, a afetação da retribuição mensal dos trabalhadores do setor público - isto é, a circunstância de continuar a tratar-se de «uma medida transitória, instrumentalmente preordenada "à realização de objetivos orçamentais essenciais ao reequilíbrio das contas públicas, num contexto de particular excecionalidade" (Acórdão 187/2013)» -, o Tribunal reconheceu ainda em tais fundamentos um critério capaz de legitimar, perante os princípios da igualdade e da proteção da confiança, a diferenciação implicada na imposição, para o ano de 2015, de uma redução remuneratória equivalente a 80 % daquela que foi estabelecida para o ano de 2014.
Para assim concluir, o Tribunal teve especialmente em conta que, "no ano de 2015, não só perduram ainda os efeitos do PAEF - por via da fixação da meta do défice orçamental em 2,5 % do PIB e do imperativo de fixação de medidas que suportem a estratégia de consolidação para a atingir (cf. artigo 3.º, n.º 8, alíneas g) e h), da Decisão de Execução do Conselho 2011/344/UE, na redação da Decisão de Execução do Conselho 2014/234/UE) -, como ainda se faz sentir o efeito do procedimento de défice excessivo" a que Portugal se encontra sujeito (artigo 126.º, n.º 7, do TFUE), daqui resultando um conjunto de compromissos cujo cumprimento, por pesar ainda "de forma muito relevante, sobre as opções orçamentais" relativas ao ano de 2015, permite que neste continue a reconhecer-se um "quadro especialmente exigente, de excecionalidade", capaz de, perante os "termos mais mitigados do sacrifício imposto", subtrair "a imposição de reduções remuneratórias nesse ano" à censura constitucional (cf. Acórdão 574/2014).
2 - Conforme resulta da pronúncia emitida no Acórdão 574/2014, a redução remuneratória estabelecida para os anos de 2014 e 2015, nos artigos 2.º e 4.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, respetivamente, mantém-se ainda dentro do campo de ponderação em que o Tribunal consecutivamente situou a apreciação das medidas de afetação salarial introduzidas em exercícios orçamentais condicionados pelo cumprimento das obrigações estabelecidas no PAEF.
Com efeito, tal como sucedeu com medidas pretéritas suas congéneres - isto é, com as previstas nos artigos 19.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, 20.º da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, 27.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 33.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro -, a afetação remuneratória imposta nos artigos 2.º e 4.º, n.º 1, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, respetivamente, permanece funcionalmente associável à prossecução da estratégia de consolidação orçamental, através da redução do défice público, com vista à satisfação dos compromissos assumidos com instâncias europeias e internacionais. Tal medida preserva as características de "medida transitória, instrumentalmente preordenada à realização de objetivos orçamentais essenciais ao reequilíbrio das contas públicas", no âmbito da prossecução de um "interesse público real, percetível, claro e juridicamente enquadrável, coincidente com a preservação da capacidade de financiamento do Estado e, por essa via, com as possibilidades de realização das tarefas fundamentais a seu cargo" (cf. Acórdãos n.º 187/2013 e 413/414).
Considerando que, "quanto à repartição dos encargos públicos em contextos de emergência financeira", encontra justificação "a consideração diferenciada da posição daqueles que auferem rendimentos pagos por verbas públicas" (cf. Acórdãos n.º 396/2011, 353/2012, 187/2013 e 413/2014), o Tribunal concluiu que "não é patentemente desrazoável que o legislador" atribua "às despesas com as remunerações dos trabalhadores com funções públicas um "particularismo suficientemente distintivo e relevante para justificar um tratamento legal diverso do concedido a situações equiparáveis (sob outros pontos de vista)" (cf. Acórdãos n.º 187/2013 e 413/2014).
3 - O regime, transitório e excecional, de redução da remuneração base mensal dos trabalhadores do setor público no âmbito do esforço de consolidação orçamental através da redução da despesa pública foi estabelecido, pela primeira vez, no artigo 19.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, tendo sido replicado, para os anos de 2012, 2013 e 2014 pelos artigos 20.º da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 27.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 33.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, respetivamente.
Através da previsão constante da alínea t), do n.º 9, do respetivo artigo 19.º, da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, incluiu no universo dos trabalhadores do setor público sujeitos à afetação remuneratória determinada no n.º 1 os trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial regional e local, inclusão essa que, por via da alínea q) do referido dispositivo, foi estendida aos membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários das referidas empresas.
A equiparação dos trabalhadores e titulares dos órgãos estatutários das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, entidades públicas empresariais e entidades do setor empresarial regional e local aos trabalhadores do setor público, para efeitos de aplicação do regime de redução da respetiva remuneração base mensal, teve então subjacente o critério segundo o qual aquelas entidades "são, pelo menos, maioritariamente financiadas pelo Estado", assim se justificando que os respetivos agentes sejam convocados a partilhar, "em situação de igualdade" com os "trabalhadores das Administrações Públicas", o "esforço de consolidação orçamental", não obstante a respetiva relação laboral ser "regulada pelo direito privado" (cf. Rel. OE 2011, pg. 46).
4 - Este regime de equiparação foi mantido na evolução legislativa subsequente.
Com exceção da eliminação da referência aos governadores e vice-governadores civis que constava da alínea j), do n.º 9, do artigo 19.º, da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro - o que resultou da transferência de competências dos governos civis para outras entidades da Administração Pública determinada pelo Decreto-Lei 114/2011, de 30 de novembro -, os regimes orçamentais de afetação remuneratória sucessivamente previstos nos artigos 20.º da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, 27.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 33.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, reproduziram sem alterações o elenco dos sujeitos abrangidos pela medida em razão do cargo estabelecido naquele diploma legal, mantendo incluídos nesse universo quer os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, entidades públicas empresariais e entidades do setor empresarial regional e local (cf. artigos 20.º, n.º 1, da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, 27.º, n.º 9, alínea r), da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 33.º, n.º 9, alínea r), da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro), quer os membros dos respetivos órgãos estatutários (cf. artigos 20.º, n.º 1, da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, 27.º, n.º 9, alínea o), da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 33.º, n.º 9, alínea o), da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro).
Tal inclusão foi reproduzida na Lei 75/2014, de 12 de setembro, através das alíneas r) e o), do n.º 9, do artigo 2.º, respetivamente.
5 - Apesar de o elenco dos trabalhadores do setor público sujeitos à medida de afetação remuneratória não ter conhecido alterações de relevo, o regime relativo ao modo de efetivação da redução aplicável foi, em parte, objeto de modelações diferenciadas.
O conjunto de disposições originariamente integradas no artigo 19.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, não incluía a vinculação das entidades processadoras dos vencimentos auferidos por qualquer das categorias de trabalhadores sujeitos à aplicação da medida à obrigação de entrega nos cofres do Estado das quantias correspondentes às reduções remuneratórias efetuadas nos casos em que as remunerações dos trabalhadores em causa não tivessem sido prévia e devidamente orçamentadas com aplicação dessas mesmas reduções.
Todavia, quanto aos trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e municipal, a Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, prescrevia, na parte final da alínea t), do n.º 9, do respetivo artigo 19.º, que a redução remuneratória aplicável operava com as "adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial".
As adaptações aí previstas foram clarificadas pelo Decreto-Lei 29-A/2011, de 1 de março, que estabeleceu as normas de execução do Orçamento do Estado para 2011. No respetivo artigo 68.º, este diploma veio prescrever que tais adaptações seriam efetuadas: i) pelo Membro do Governo responsável pela área das finanças quanto às empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e às entidades públicas empresariais pertencentes ao setor empresarial do Estado, nos termos do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, então em vigor, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 300/2007, de 23 de agosto, e pelas Leis 64-A/2008, de 31 de dezembro e 55-A/2010, de 31 de dezembro, e pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2011, de 4 de janeiro; e ii) pelos titulares dos órgãos executivos próprios das regiões autónomas e da administração local, relativamente às adaptações aplicáveis às entidades do setor empresarial regional e local, respetivamente, nos termos do respetivo estatuto e regime jurídico.
Sem modificar o procedimento que, de acordo com o referido diploma legal, deveria ser seguido na adaptação do regime de redução da remuneração mensal base aos trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, entidades públicas empresariais e entidades que integram os setores empresariais regional e municipal, a Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, passou a prevê-lo diretamente, integrando-o no âmbito do próprio regime de redução remuneratória definido no respetivo artigo 20.º Assim, depois de, no respetivo n.º 1, ter mantido em vigor, durante o ano de 2012, o regime de afetação remuneratória fixado no artigo 19.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, o artigo 20.º da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, reproduziu, no n.º 3, a regra que constava do artigo 68.º do Decreto-Lei 29-A/2011, de 1 de março, fazendo subsistir sem alterações os termos que, quanto à adaptação àqueles trabalhadores do regime de redução remuneratória ali determinado, haviam sido definidos no artigo 68.º do Decreto-Lei 29-A/2011, de 01 de março.
A consagração da possibilidade de virem a ser introduzidas no regime de redução das retribuições auferidas pelos trabalhadores do setor público empresarial as adaptações consideradas "autorizadas e justificadas" pela natureza empresarial das entidades em causa foi, todavia, eliminada no âmbito da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2013.
Fazendo subsistir a inclusão dos trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, entidades públicas empresariais e entidades que integram os setores empresariais regional e municipal no elenco dos sujeitos afetados pela medida, o artigo 27.º da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, não renovou, no entanto, no segmento relativo àquela categoria de trabalhadores [alínea r) do n.º 9], a anterior referência à necessidade de adaptação do regime de redução ali estabelecido para o ano de 2013 às remunerações auferidas no âmbito do setor público empresarial. Quanto ao acolhimento das eventuais especificidades do setor público empresarial em matéria de redução remuneratória, a referência à necessidade de adaptação do regime foi substituída pela consagração da regra segundo a qual a redução remuneratória em geral fixada deixaria de aplicar-se aos titulares de cargos e demais pessoal das empresas de capital exclusiva ou maioritariamente público e das entidades públicas empresariais que integram o setor empresarial do Estado sempre que, em razão de regulamentação internacional específica, daí resultasse diretamente um decréscimo de receitas (cf. n.º 13, do artigo 27.º, da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro).
Inovando uma vez mais em relação às Leis Orçamentais anteriores, a Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, aditou ainda ao regime de redução remuneratória transposto dos artigos 19.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 20.º da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, uma regra relativa ao modo de efetivação da redução salarial imposta no respetivo artigo 27.º quanto a certas categorias de trabalhadores do setor públicos sujeitos à aplicação da medida.
Assim, ressalvados os casos em que as remunerações dos trabalhadores em causa tivessem sido prévia e devidamente orçamentadas com aplicação das reduções aplicáveis, o n.º 10, do artigo 27.º, da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, veio impor a obrigação de procederem à entrega nos cofres do Estado das quantias correspondentes às reduções remuneratórias que tivessem efetuado: i) às entidades processadoras das remunerações devidas aos trabalhadores no exercício de funções públicas na Presidência da República, na Assembleia da República ou em outros órgãos constitucionais, bem como aos trabalhadores no exercício de funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público, abrangidas pelo n.º 2, do artigo 2.º da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, incluindo os trabalhadores em mobilidade especial e em licença extraordinária; ii) aos órgãos ou serviços com autonomia financeira processadores das remunerações devidas aos trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, incluindo as entidades reguladoras independentes; e iii) aos órgãos ou serviços com autonomia financeira processadores das remunerações devidas trabalhadores e dirigentes das fundações públicas de direito público e das fundações públicas de direito privado e dos estabelecimentos públicos.
As modificações introduzidas, neste âmbito, pela Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, foram mantidas sem alterações de relevo na posterior evolução legislativa.
Assim, a regra em especial prevista para o setor público empresarial, no n.º 13, do artigo 27.º, da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, transitou para o n.º 13, do artigo 33.º, da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, e deste para o n.º 13, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, sem qualquer outro ajustamento para além daquele que resultou da entrada em vigor do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, que, revogando o Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, veio estabelecer os princípios e regras aplicáveis ao setor público empresarial.
Do mesmo modo, também a regra relativa à obrigação de entrega nos cofres do Estado do valor resultante da redução efetuada nas remunerações auferidas por certas categorias de trabalhadores, estabelecida no n.º 10, do artigo 27.º, da Lei 66-B/2012, de 31 de dezembro, foi sucessivamente acolhida pelos artigos 33.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, e 2.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, permanecendo em ambas as versões inaplicável aos trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, entidades públicas empresariais e entidades que integram os setores empresariais local regional.
A norma constante do n.º 10, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, reproduz, assim, a regra sucessivamente estabelecida no n.º 10, dos artigos 27.º e 33.º das Leis 66-B/2012, de 31 de dezembro e 83-C/2013, de 31 de dezembro, respetivamente, com exceção, quanto aos trabalhadores no exercício das funções referidas na alínea p), do n.º 9, da modificação decorrente da substituição da anterior referência ao enquadramento resultante do n.º 2, do artigo 2.º, da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, por aquele que passou a resultar do n.º 6, do artigo 1.º, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei 35/2014, de 20 de junho, que entretanto entrou em vigor.
6 - Para o Requerente, a norma constante da alínea r), do n.º 9, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, no segmento que determina a sujeição à redução da remuneração base mensal, prevista no respetivo n.º 1, dos trabalhadores das entidades integradas no universo da atividade empresarial prosseguida por entes públicos em que os capitais sejam apenas maioritariamente públicos é contrária ao princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição, na medida em que surge desacompanhada da imposição às entidades processadoras dos vencimentos devidos àqueles trabalhadores da obrigação de entrega nos cofres do Estado do valor deduzido. Por falta dessa previsão, consubstancia um mecanismo em si mesmo inadequado à prossecução do interesse público com base no qual, de acordo com o enquadramento acima exposto, poderia em concreto legitimar-se.
Na perspetiva seguida pelo Requerente, a possibilidade de estabelecer entre a afetação remuneratória imposta aos "trabalhadores das empresas públicas de capital [...] maioritariamente público" e o interesse público na prossecução do "esforço de consolidação orçamental" a relação de adequação funcional suposta pelo princípio da proporcionalidade pressuporia a concomitante edição de uma norma que, em termos análogos aos que constam do n.º 10, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, determinasse a entrega nos cofres públicos das quantias resultantes das reduções efetuadas pelas entidades processadoras dos vencimentos daqueles trabalhadores.
Segundo o Requerente, a supressão parcial da remuneração de tais trabalhadores, sem que esteja determinada a entrega nos cofres públicos dos montantes resultantes dessa supressão, "não serve in totum [...] o declarado fim de consolidação orçamental do lado da despesa pública", antes se revelando apta, "em absoluto contraste com o seu afirmado desiderato", a "gerar distribuição, na proporção devida, de dividendos ou outras vantagens patrimoniais pelos parceiros privados na mesma empresa, detentores do capital remanescente, frustrando-se, na medida equivalente, qualquer escopo de redução de despesa pública a que deveria ser integralmente dirigido o esforço que o legislador também fez recair sobre este específico círculo de trabalhadores".
Se "o fator determinante na aplicação da medida de redução é a circunstância de estarem em causa remunerações pagas por dinheiros públicos a trabalhadores que se inscrevem em todas as áreas da Administração Pública", a falta de previsão da "obrigação de entrega aos cofres públicos dos montantes correspondentes à diminuição salarial sofrida pelos trabalhadores em causa" constitui, na perspetiva do Requerente, "um erro manifesto de apreciação do legislador", que quebra a inteira correspondência que deveria existir entre adoção da medida e o fim em perspetiva do qual as reduções remuneratórias foram impostas, impedindo que entre ambos se estabeleça a relação de adequação suposta pelo princípio da proporcionalidade.
7 - Enquanto princípio geral de limitação do poder público, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso impõe ao Estado-legislador que adeque a sua projetada ação aos fins pretendidos e não configure medidas que surjam, em relação a esses fins, inadequadas, desnecessárias ou excessivamente restritivas.
Este entendimento, sucessivamente reafirmado na jurisprudência do Tribunal, foi particularmente explicitado no Acórdão 634/93, onde, invocando a doutrina, se escreveu o seguinte: "o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)."
A adequação da medida adotada à finalidade tida em vista constitui a primeira exigência colocada pelo princípio da proporcionalidade: se, considerada a sua natureza e efeitos, a medida legislativa em causa não for apropriada à prossecução do fim a ela subjacente, será logo violadora do princípio da proporcionalidade (cf. Acórdãos n.º 1182/96 e 187/2001). Num segundo momento haverá que questionar a possibilidade de adoção de medidas menos intrusivas com os mesmos efeitos na prossecução do fim visado: tratar-se-á de indagar se a opção tomada pelo legislador «significou a "menor desvantagem possível" para a posição jusfundamental decorrente do direito» ou «se o legislador "poderia ter adotado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos"» (idem). Por fim, retira-se do princípio de proporcionalidade um último critério, designado como proporcionalidade em sentido estrito ou critério de justa medida, que obriga a verificar «"se o resultado obtido [...] é proporcional à carga coativa" que comporta» (ibidem).
E, como o recente Acórdão 509/15 recordou, há que ter presente que o controlo exercido, em defesa deste parâmetro "é, em vista da salvaguarda do princípio da separação de poderes, meramente negativo: existe violação do princípio da proporcionalidade se a medida em análise for considerada inadequada (convicção clara de que a medida é, em si mesma, inócua, indiferente ou até negativa, relativamente aos fim visado); ou desnecessária (convicção clara da existência de meios adequados alternativos mas menos onerosos para alcançar o fim visado); ou desproporcionada (convicção de que o ganho de interesse público inerente ao fim visado não justifica nem compensa a carga coativa imposta; relação desequilibrada entre os custos e os benefícios)".
8 - Como já vimos, ao contrário do que estabelece para a redução das remunerações base mensais dos trabalhadores do setor público enumerados nas alíneas p), q) e s) - ou seja, os trabalhadores que exercem funções públicas na Presidência da República, na Assembleia da República, ou em outros órgãos constitucionais, bem como os que exercem funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público, incluindo os trabalhadores em mobilidade especial e em licença extraordinária [al. p)], os trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, incluindo as entidades reguladoras independentes [al. q)], e os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas de direito público e das fundações públicas de direito privado e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas demais alíneas [alínea s)] -, o n.º 10, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, não impõe às entidades processadoras das remunerações dos trabalhadores das empresas públicas de capital maioritariamente público qualquer obrigação de entrega nos cofres do Estado das quantias correspondentes às reduções remuneratórias a que os mesmos se encontram sujeitos por força da previsão da alínea r) do referido n.º 9. Quanto a este aspeto, os trabalhadores das empresas públicas de capital maioritariamente público encontram-se sujeitos ao regime que vale, em geral, para todos os cargos não abrangidos pela previsão constante do n.º 10, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, - e que são todos aqueles a que se referem as alíneas a) a o) e t) do respetivo n.º 9 -, relativamente aos quais não se encontra fixada qualquer obrigação de entrega.
Conforme resulta das diferentes soluções sucessivamente consagradas quanto ao modo de efetivação da redução aplicável, o legislador, ao conformar o modelo globalmente reproduzido no artigo 2.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, partiu do princípio de que, para além da entrega direta nos cofres do Estado, existem outros mecanismos através dos quais a repercussão do valor deduzido às remunerações no esforço de consolidação orçamental não deixa de ocorrer.
Daí que, sob o enquadramento que se deixou exposto, o problema para que o pedido de fiscalização diretamente remete consiste em saber se, enquanto medida dirigida à prossecução da estratégia de consolidação orçamental através da redução do défice público, a inclusão dos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público no elenco dos trabalhadores do setor público sujeitos à afetação remuneratória determinada pelos artigos 2.º e 4.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, se revela funcionalmente inadequada para concorrer para o equilíbrio das contas públicas ou, pelo menos, se a medida dessa contribuição assume um grau claramente insuficiente para justificar a carga coativa que para os trabalhadores atingidos simultaneamente comporta.
São estas as questões a que importa dar resposta, começando por efetuar uma breve descrição do regime onde se inserem as empresas aqui em questão.
9 - As empresas de capital maioritariamente público são empresas públicas e integram nessa qualidade o setor público empresarial.
O "regime do setor empresarial do Estado, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas do Estado" começou por ser definido no Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, que procedeu à revogação do Decreto-Lei 260/76, de 8 de abril, diploma que até então estabelecia as "bases do regime das empresas públicas".
Uma das principais novidades da revisão do regime jurídico do setor empresarial do Estado operada pelo Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, consistiu na ampliação do conceito de empresa pública relativamente à modelação constante do Decreto-Lei 260/76, de 8 de abril.
De acordo com a caracterização seguida no artigo 1.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, empresas públicas passaram a ser, quer as entidades públicas empresariais - que correspondem às antigas empresas públicas stricto sensu (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 23.º do referido diploma) -, quer "as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias: a) detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; b) direito de designar ou de destituir a maioria dos membros do conselho de administração e fiscalização" (cf. artigo 3.º).
A par das empresas públicas, assim latamente conceptualizadas, o setor empresarial do Estado era integrado ainda pelas empresas participadas, estas definidas como as "organizações empresariais que tenham uma participação permanente do Estado ou de quaisquer outras entidades públicas, de caráter administrativo ou empresarial, por forma direta ou indireta, desde que o conjunto das participações públicas não origine nenhuma das situações que conduza a uma posição de influência dominante nos termos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º" do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, (cf. artigo 2.º, n.os 1 e 2).
O Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, foi entretanto revogado pelo Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, que veio estabelecer "os princípios e regras aplicáveis ao setor público empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas" (cf. artigo 1.º, n.º 1).
O setor público empresarial abrange o setor empresarial do Estado e o setor empresarial local (cf. artigo 2.º, n.º 1), continuando o setor empresarial do Estado a integrar as empresas públicas e as empresas participadas (artigo 2.º, n.º 2).
Sob incidência do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, passam a definir-se como empresas públicas todas "organizações empresariais constituídas sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, influência dominante. Existirá influência dominante - segundo se estabelece no artigo 9.º, n.º 1 - sempre que, entre outras circunstâncias agora aí igualmente previstas, aquelas entidades detenham uma participação superior à maioria do capital [alínea a)].
Para além do setor empresarial do Estado, o setor público empresarial é integrado pelo setor empresarial local (artigo 2.º, n.º 1), sendo este constituído pelas empresas locais e demais entidades submetidas ao regime jurídico da atividade empresarial local e das participações locais, aprovado pela Lei 50/2012, de 31 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei 53/2014, de 25 de agosto, nas quais a função acionista é exercida pelos órgãos executivos dos municípios, associações de municípios, independentemente da respetiva tipologia, e áreas metropolitanas (cf. artigo 62.º, n.º 1).
À semelhança dos termos seguidos na modelação do conceito de empresa pública no âmbito do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, a Lei 50/2012, de 31 de agosto, qualifica como empresas locais as sociedades constituídas ou participadas nos termos da lei comercial, nas quais as entidades públicas participantes possam exercer, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em razão da verificação de um dos seguintes requisitos: a) detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; b) direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de gestão, de administração ou de fiscalização; c) qualquer outra forma de controlo de gestão (artigo 19.º, n.º 1).
A par do setor empresarial do Estado e do setor empresarial local, o Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, identifica ainda um terceiro setor empresarial - o setor empresarial regional - que corresponde ao setor empresarial próprio das Regiões Autónomas (cf. artigo 4.º).
As entidades do setor empresarial regional a que se refere, por último, o n.º 1, do artigo 18.º, do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, são aquelas que integram o setor empresarial próprio das Regiões Autónomas, encontrando-se por isso sujeitas ao regime definido na legislação regional aplicável.
Assim, as entidades que compõem o setor empresarial da Região Autónoma dos Açores regem-se pelo disposto no Decreto Legislativo Regional 7/2008/A, de 24 de março, que aprovou o regime jurídico do setor público empresarial da Região Autónoma dos Açores, com as alterações introduzidas pelos Decretos Legislativos Regionais n.º s 17/2009/A, de 14 de outubro, e 7/2011/A, de 22 de março. De acordo com o disposto no artigo 2.º do referido diploma, o setor público empresarial da Região Autónoma dos Açores é integrado pelas empresas públicas regionais - isto é, as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais a Região possa exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto, ou do direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização (artigo 3.º, n.º 1), bem como as entidades públicas empresariais regionais (artigos 3.º, n.º 2, e 32.º a 43.º) - e pelas empresas participadas - isto é, as organizações empresariais que tenham uma participação permanente da Região, de caráter administrativo ou empresarial, por forma direta ou indireta, desde que o conjunto das participações públicas não origine qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 3.º (artigo 5.º, n.º 1).
As entidades que integram o setor empresarial da Região Autónoma da Madeira regem-se, por seu turno, pelo regime jurídico aprovado pelo Decreto Legislativo Regional 13/2010/M, de 5 de agosto, Tal como o diploma que aprovou o regime jurídico do setor público empresarial da Região Autónoma dos Açores, também o Decreto Legislativo Regional 13/2010/M, de 5 de agosto, estabelece que o setor empresarial da Região Autónoma da Madeira integra as empresas públicas regionais e as empresas participadas da Região (artigo 2.º), compreendendo as primeiras, quer "as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais a Região ou outras entidades públicas regionais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante" em virtude "da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto", ou do "direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização" (artigo 3.º, n.º 1), quer as entidades públicas empresariais da Região (artigo 3.º, n.º 2), e correspondendo as segundas às "organizações empresariais que tenham uma participação permanente da Região ou de quaisquer outras entidades públicas regionais, de caráter administrativo ou empresarial, por forma direta ou indireta, desde que o conjunto das participações públicas regionais não origine qualquer situação prevista no n.º 1 do artigo 3.º (artigo 4.º, n.º 1).
10 - À semelhança de todos os demais que entretanto se lhe seguiram, o Orçamento de Estado para 2011, aprovado pela Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, assumiu como finalidade o "reforço" e a "aceleração do processo de consolidação orçamental", tendo em vista a concretização das metas orçamentais para o défice, então fixadas em 4,6 % (ROE 2011, pp. 40 e 43). Para esse efeito, contemplou um conjunto de medidas destinadas à redução da despesa pública, as quais, entre outras, incluíam: i) a "redução das despesas com pessoal", designadamente através da "redução das remunerações da Administração Pública", da "redução das ajudas de custo", "trabalho extraordinário e acumulação de funções"; e ii) a "racionalização e reorganização, tanto ao nível da Administração Pública, como do Setor Empresarial do Estado", nomeadamente através da "redução de despesas com indemnizações compensatórias e subsídios às empresas" (ROE 2011, p. 41).
Em conformidade com o distinto enquadramento a que foram sujeitas, a redução das remunerações da Administração Pública, latamente entendida, e as medidas de racionalização do Setor Empresarial do Estado foram contabilizadas, enquanto medidas destinadas à redução da despesa pública, em termos diferenciados.
Assim, enquanto a "redução progressiva dos salários da Administração Pública" foi diretamente computada no âmbito da diminuição da "redução das despesas de funcionamento do Estado", globalmente estimada em 0,8 % do PIB (ROE 2011, p. 43), as medidas de racionalização do setor empresarial do Estado foram contabilizadas também no âmbito das "Outras medidas de redução de despesa", concorrendo de modo indireto - isto é, por via da "Redução das despesas com indemnizações compensatórias e subsídios às empresas" - para a diminuição da despesa pública em 0,1 % do PIB (ROE 2011, p. 43).
À redução da retribuição mensal base dos trabalhadores e dos titulares dos órgãos sociais das empresas de capital exclusiva ou maioritariamente público foi conferida, assim, uma natureza orçamental ambivalente: tal redução foi, por um lado, considerada no âmbito da diminuição da despesa resultante da redução progressiva dos salários da Administração Pública, cuja contabilização teve em conta os diversos segmentos do setor público, quer da Administração Central, quer das Regiões Autónomas e Autarquias Locais, quer do Setor Empresarial do Estado (cf. Rel. OE 2011, p. 48, quadro III); por outro, na medida em que "a evolução prevista para a despesa com subsídios refletiu a diminuição das verbas transferidas para as empresas públicas a título de indemnizações compensatórias [...] inerente à redução dos vencimentos e remunerações acessórias e à reestruturação do Setor Empresarial do Estado" (ROE, pg. 113), a afetação da retribuição base mensal dos trabalhadores e titulares de órgãos de gestão das empresas de capital exclusiva ou maioritariamente público foi computada no domínio das "Outras medidas de redução de despesa", sendo-lhe reconhecido o efeito de, por via da "Redução das despesas com indemnizações compensatórias e subsídios", concorrer para a diminuição da despesa pública em 0,1 % do PIB (ROE 2011, p. 43).
O impacto orçamental da redução a que foram sujeitas as retribuições dos trabalhadores e titulares dos órgãos sociais das empresas de capital exclusiva ou maioritariamente público foi, assim, perspetivado e mensurado por uma dupla via: por um lado, teve-se em conta a projeção que tal redução diretamente exerceria sobre a despesa do funcionamento do Estado e o contributo que daí adviria para a respetiva diminuição; por outro, teve-se em conta a diminuição dos custos operacionais das empresas públicas por tal redução propiciada e, consequentemente, por tal via indireta, a diminuição da despesa suportada com as transferências para aquele setor, em particular com as realizadas sob a forma de indemnizações compensatórias e subsídios.
Este duplo efeito orçamental associado à redução dos vencimentos dos agentes das empresas de capitais exclusiva e maioritariamente públicos abrangidos pela medida foi mantido nas leis orçamentais subsequentes.
No Orçamento de Estado para 2012, a aplicação ao setor empresarial do Estado da afetação salarial então prevista para a generalidade dos trabalhadores do setor público continuou a ser perspetivada como uma medida destinada, não apenas a concorrer para a diminuição da despesa de funcionamento do Estado - que, relativamente ao primeiro semestre de 2011, revelara um "desvio significativo na execução orçamental", em parte devido à "elevada taxa de execução das despesas de capital" resultante, entre outras, da "assunção de responsabilidades do setor empresarial da Região Autónoma da Madeira", no valor de "570 milhões de euros" (ROE 2012, pg. 24-26) -, mas ainda a contribuir para a reversão da então constatada "insustentabilidade da [...] situação financeira" das empresas públicas (ROE 2012, p. 34) e, por essa via, para a atenuação, numa "estratégia orçamental de médio prazo", do "risco muito significativo" que a "dimensão do SEE, em termos do volume de responsabilidades efetivas ou contingentes para o Estado", continuava a representar para "os objetivos de consolidação das finanças públicas" (ROE 2012, pg. 117).
Em linha com aqueles que o haviam antecedido, o Orçamento de Estado para 2013 incluiu "um conjunto alargado de medidas de corte de despesa", destacando-se, entre outras, pelo seu maior impacto orçamental, as medidas de "contenção de custos" no "Setor Empresarial do Estado" (ROE 2013, p. IV). O cabimento da "redução dos gastos correntes" no setor empresarial do Estado, "incluindo despesas com o pessoal", foi reportado, no plano da análise dos riscos orçamentais, aos reflexos de tal medida teria no "Orçamento do Estado, quer diretamente no saldo orçamental, quer na dívida pública" (ROE 2013, p. 73), com particular incidência na "diminuição das transferências do Estado para as empresas públicas" num valor que, associado ao da "redução de investimentos", foi globalmente estimado em "290 milhões de euros" (ROE 2013, p. IV).
A mesma orientação estratégica foi prosseguida no âmbito do Orçamento de Estado para 2014, cujas medidas de consolidação pelo lado da despesa contemplaram uma redução em 0,1 % do PIB das indemnizações compensatórias para o setor empresarial do Estado (ROE, p. 47), em parte viabilizada pela continuidade dada à política de "redução dos gastos operacionais" e consequente "criação de condições para assegurar a sustentabilidade económica e financeira" das "empresas públicas" - política essa que entretanto conduzira à aprovação do novo Regime Jurídico do Setor Público Empresarial pelo Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro -, por essa forma contribuindo "para a diminuição da despesa do Estado" (ROE 2014, p. 71-72).
No pressuposto de que a"reestruturação económico-financeira em curso desde 2011 permitira, na maior parte das empresas do SEE, reduzir a compensação financeira atribuída pelo Estado em contrapartida da prestação de serviço público, consubstanciada no pagamento de Indemnizações Compensatórias", o Orçamento de Estado para 2015 manteve-se, por último, comprometido com "o reforço da racionalização dos gastos operacionais das empresas do SEE", prosseguindo uma "política de otimização da estrutura de gastos operacionais com vista à obtenção do seu equilíbrio operacional" (ROE 2015, p. 60) e, por essa via, de redução do risco de contribuição negativa para as contas do Estado (ROE 2015, p. 65).
11 - Conforme resulta do que acima ficou exposto, o legislador orçamental vem partindo do pressuposto segundo o qual existe uma conexão evidente entre o equilíbrio financeiro do setor público empresarial - estadual, regional e local - e o esforço da consolidação orçamental. Tal conexão baseia-se, sobretudo, na ideia de que quanto mais elevado for o nível de autossustentabilidade económica e financeira das empresas que integram aquele setor, menor expressão adquirirá o valor das transferências a realizar a partir do Orçamento do Estado, designadamente sob a forma de assunção de passivos, subsídios à exploração ou indemnizações compensatórias, decrescendo por essa via o volume da despesa pública àquele título contabilizável.
Em sintonia com o tipo de relevância que lhe foi sendo sucessivamente atribuído no âmbito da modelação das medidas de consolidação orçamental pelo lado da despesa pública, tal pressuposto converteu-se no denominador comum subjacente a um conjunto de concretizações legislativas destinadas a incrementar os níveis de autossuficiência financeira das empresas de capital exclusiva ou maioritariamente públicos, através da redução dos respetivos gastos operacionais, certas delas de natureza não apenas conjuntural ou transitória, mas, pelo contrário, permanente e estrutural.
Assim, a par da inclusão dos trabalhadores e membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial regional e local no universo dos trabalhadores do setor público transitoriamente sujeitos à afetação remuneratória então determinada no respetivo artigo 19.º, a Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro, procedeu, através do seu artigo 31.º, à alteração do Decreto-Lei 559/99, de 17 de dezembro - que estabelecia então, como já se referiu, o regime jurídico do setor empresarial do Estado e das empresas públicas -, equiparando uns e outros aos trabalhadores em funções públicas, para efeitos de fixação do regime de abonação do subsídio de refeição e das ajudas de custo e de transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro, assim como de determinação da retribuição pela realização de trabalho suplementar e noturno devida aos primeiros (cf. artigo 39.º-A do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro).
Esta equiparação - à qual esteve subjacente o propósito de, por um lado, viabilizar, em termos imediatos, a redução da despesa do Estado através da redução dos custos suportados com pessoal (cf. Rel. OE 2011, pg. 48) e, por outro, "padronizar os regimes aplicáveis à prestação de trabalho noturno e suplementar, às ajudas de custo e ao valor pago pelo subsídio de refeição" no âmbito do setor empresarial do Estado, "remetendo-os para os regimes paralelos aplicáveis aos trabalhadores contratados em funções públicas e respetivas formas de remuneração" (cf. Rel. OE 2011, pg. 53) - foi mantida no âmbito do Decreto-Lei 133/2013, que estabeleceu os princípios e regras aplicáveis ao setor público empresarial, tendo sido transposta para o respetivo artigo 18.º, atualmente em vigor.
12 - Constituindo, nos termos descritos, o ponto de referência subjacente, quer à modelação das medidas referentes à contribuição do setor público empresarial para o esforço de consolidação orçamental, quer a algumas das concretizações legislativas levadas a cabo no âmbito da reforma geral do setor, a existência de um nexo ou de uma relação de correspetividade entre a autossustentabilidade financeira das empresas públicas e o interesse no equilíbrio das contas do Estado foi já reconhecida na jurisprudência deste Tribunal.
No Acórdão 413/2014, que se pronunciou sobre a "suspensão do pagamento de complementos de pensão aos trabalhadores no ativo e aos antigos trabalhadores aposentados, reformados e demais pensionistas das empresas do setor público empresarial" - isto é, "empresas cujo capital seja participado, maioritariamente ou não, por entidades públicas" - que "tivessem apresentado resultados líquidos negativos nos três últimos exercícios apurados, à data de entrada em vigor da Lei 83-C/2013" (cf. artigo 75.º deste diploma), o Tribunal teve ocasião de salientar que a reforma do regime jurídico do setor público empresarial levada a cabo pelo Decreto-Lei 133/2013, de 31 de dezembro, teve "em vista prosseguir, entre outros, o objetivo de reforçar as condições de eficiência e eficácia, operacional e financeira, de todas as empresas nele integradas e de, por essa via, contribuir para o controlo do endividamento do setor público, e de submeter a um mesmo regime as matérias nucleares referentes a todas as organizações empresariais direta ou indiretamente detidas por entidades públicas, de natureza administrativa ou empresarial, independentemente da forma jurídica que assumam (cf. o preâmbulo do citado decreto-lei)". Tal reforma - assinalou-se ainda no referido aresto - incluiu, a par das alterações já referidas, o estabelecimento de "regras claras referentes à limitação do endividamento das empresas públicas não financeiras, de forma a impedir o avolumar de situações que contribuam para o aumento da dívida e do desequilíbrio das contas do setor público", pretendendo estabelecer "um regime jurídico mais exigente, mas também mais claro, transparente e eficaz, no que respeita ao controlo da legalidade e da boa gestão pública na alocação de recursos públicos para a prossecução de atividades em modo empresarial (cf. artigos 43.º a 45.º)". Este propósito - conforme, por último, ali notado - encontra-se ainda subjacente ao próprio regime definido na Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada pela Lei 91/2001, de 20 de agosto, republicada com as alterações subsequentes pela Lei 37/2013, de 14 de junho. De acordo com o respetivo artigo 10.º, o «Orçamento do Estado subordina-se ao princípio da equidade na distribuição de benefícios e custos entre gerações», sendo que a equidade intergeracional incluirá necessariamente a incidência orçamental, entre outras, «das necessidades de financiamento do setor empresarial do Estado» [n.º 2, alínea e)]. Para além disso, o "relatório da proposta de lei do Orçamento do Estado", que "contém a apresentação e a justificação da política orçamental proposta", incluirá obrigatoriamente, entre outras informações, a análise dos principais elementos relativos à "situação do endividamento global do conjunto das [...] empresas públicas" e das "empresas de capitais públicos", bem como às "transferências orçamentais para as empresas públicas e outras instituições não integradas no setor público administrativo" [cf. artigo 26.º, n.os 1 e 2, alíneas h) e q)]».
A perspetiva seguida no Acórdão 413/2014 foi recentemente retomada e desenvolvida no Acórdão 260/2015, que se pronunciou sobre a constitucionalidade da transposição para o âmbito das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusivamente ou maioritariamente publico e entidades do setor empresarial local e regional dos regimes relativos à abonação do valor das ajudas de custo e transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro, assim como à fixação da retribuição devida pela prestação de trabalho noturno e suplementar, aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas, atualmente constante do artigo 18.º, n.os 1 a 4, do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro.
Sem deixar de notar que as entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusivamente ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local ou regional, "apesar de, em regra, sujeitas ao direito privado, em especial ao direito laboral, não deixam de constituir instrumentos de prossecução do interesse público, nem de concorrer, direta ou indiretamente, para a definição dos índices de sustentabilidade financeira do Estado", o Tribunal considerou aquela transposição plenamente recondutível "à finalidade, globalmente assumida pelo Decreto-Lei 133/2013 de 3 de outubro, de concorrer para a salvaguarda da integridade financeira do Estado através da diminuição dos gastos operacionais registados naquele setor e, por essa via, para as possibilidades de efetiva realização das tarefas fundamentais a seu cargo".
Como, a este propósito, ali se escreveu ainda, "ao viabilizar uma contenção permanente da despesa realizável pelas empresas públicas do setor empresarial do Estado e pelas entidades do setor empresarial local e regional a título de abonação do subsídio de refeição, ajudas de custo por deslocações e complementos remuneratórios devidos pela realização de trabalho noturno e suplementar, a mutação de regime mantida em vigor pelo artigo 18.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro contribuiu de forma estrutural para a autossustentabilidade financeira daquelas empresas e, nessa medida, para uma diminuição, igualmente estrutural, do risco de uma projeção negativa no equilíbrio orçamental do Estado".
A relação passível de ser estabelecida entre, por um lado, as medidas de contenção dos gastos operacionais suportados pelas empresas públicas e as "finalidades, constitucionalmente credenciáveis, subjacentes ao conjunto das normas e princípios que integram a reforma do regime jurídico do setor público empresarial levada a cabo pelo Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro" e, por outro, entre tais finalidades e o equilíbrio orçamental do Estado foi considerada, assim, justificação suficientemente relevante para impedir a censura, perante o princípio da proporcionalidade, da "igualação do estatuto do conjunto dos agentes funcionalmente vinculados" às entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusivamente ou maioritariamente publico e entidades do setor empresarial local e regional "ao da generalidade dos trabalhadores que auferem por verbas públicas, no que diz respeito à abonação do valor das ajudas de custo e transporte por deslocações em território português e ao estrangeiro, assim como à fixação da retribuição devida pela prestação de trabalho noturno e suplementar". Tal igualação, conforme a tal propósito não deixou ainda de se assinalar, "encontra suficiente suporte legitimador, quer nas vinculações inerentes à prossecução do interesse público pelo Estado-administrador e pelos governos regionais e órgãos de governo autárquico, quer na natureza exclusiva ou prevalecentemente pública do capital aí implicado".
13 - Conforme resulta do que ficou exposto e particularmente se explicitou no Acórdão 260/2015, "o critério geral de equiparação dos titulares dos órgãos de administração ou de gestão e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional à generalidade dos trabalhadores do setor público para efeitos de determinação, conjuntural ou definitiva, dos regimes aplicáveis à retribuição, complementos retributivos e abono de prestações pecuniárias de tipo assistencial, introduzido pela Lei 55-A/2010" e integralmente mantido no âmbito da subsequente evolução legislativa, teve sempre por justificação a ideia, considerada ali constitucionalmente credenciável, de que "os primeiros, na medida em que auferem (também) por verbas públicas, deveriam ser sujeitos às contingências retributivas feitas sucessivamente recair sobre os segundos, sendo estas, além do mais, necessárias à diminuição da despesa corrente das empresas visadas, tendo em vista o respetivo saneamento financeiro e, em consequência, a redução das transferências, atuais ou potenciais, diretas ou indiretas, a partir do Orçamento do Estado, com o objetivo de compensar eventuais situações deficitárias".
O módulo de equiparação dos titulares dos órgãos de administração ou de gestão e dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional à generalidade dos trabalhadores do setor público, para os efeitos acima referidos, é integrado, assim, por dois elementos: i) um, relativo ao fundamento da equiparação, que se baseia numa "igualação do estatuto" relativamente a todos "quantos auferem, exclusiva ou prevalecentemente, por verbas públicas" (Acórdão 260/2015); ii) outro, referente ao mecanismo de concretização dessa equiparação, que destina os respetivos efeitos ao incremento dos níveis de autossustentabilidade financeira do setor empresarial público e, por essa via indireta, os projeta sobre o equilíbrio orçamental do Estado, sob a forma de diminuição, atual ou potencial, da despesa a suportar com aquele setor.
14 - Do ponto de vista da sua racionalidade intrínseca, o mecanismo de afetação do valor deduzido às remunerações dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusivamente ou maioritariamente publico e entidades do setor empresarial local e regional ao esforço de consolidação orçamental, inerente à previsão que atualmente consta da alínea r), do n.º 9, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, é integralmente recondutível ao critério acima enunciado: no pressuposto de que os ganhos orçamentais proporcionados pela diminuição dos custos operacionais das empresas de capital exclusiva ou maioritariamente público serão mais expressivos e permanentes, do ponto de vista do equilíbrio financeiro do Estado, se forem alcançados pela via da redução das transferências para o setor, o legislador optou por alocar o valor resultante da afetação remuneratória a que sujeitou os agentes daquelas empresas ao incremento dos respetivos níveis de autossuficiência financeira, prescindindo, por essa razão, da instituição de qualquer instrumento que assegurasse a sua entrega nos cofres do Estado.
Na assunção de que o mecanismo suscetível de assegurar o maior impacto orçamental possível às reduções remuneratórias impostas aos trabalhadores do setor público não é necessariamente igual em todos os subsetores abrangidos, o legislador privilegiou, no âmbito do setor público empresarial, uma perspetiva de médio e longo prazo, tendo por subjacente a ideia de que a redução ali imposta será orçamentalmente mais eficiente e eficaz se o valor deduzido às remunerações atingidas, ao invés de concorrer diretamente para a consolidação das contas públicas no âmbito de um só exercício orçamental, for alocado à finalidade específica de reforçar os níveis de autossustentabilidade financeira daquele setor, tornando-o progressivamente menos dependente do financiamento público e nessa medida acautelando os riscos, tanto presentes como futuros, que o mesmo vem persistentemente representando para o equilíbrio orçamental do Estado.
Sendo esta, pois, a ponderação subjacente ao regime a que foi sujeita a afetação das retribuições dos agentes do setor empresarial público, a questão que em face do pedido se coloca é justamente a de saber se tal ponderação apresenta, no que às empresas de capital maioritariamente público diz respeito, expressão e concretude suficientes para nela poder basear-se a relação de adequação funcional entre aquelas reduções remuneratórias e o fim em perspetiva do qual foram determinadas, em termos suficientemente justificativos da carga coativa simultaneamente imposta.
15 - Sempre no pressuposto de que a "execução das medidas de reestruturação do SEE em curso - tais como redução dos gastos correntes [...] - tem reflexos no esforço de consolidação orçamental e de redução dos níveis de dívida pública" e, bem assim, de que "a dimensão do SEE em termos do volume de responsabilidades, efetivas e contingentes, nomeadamente o endividamento, continua a representar um risco para os objetivos de consolidação das finanças públicas", o legislador orçamental vem, todavia, reconhecendo que o "impacto da materialização dos riscos operacionais do SEE [setor empresarial do Estado] no Orçamento do Estado" é "diferente consoante se tratem de empresas integradas, ou não, no perímetro de consolidação das Administrações Públicas" (cf. Relatório OE 2014, pg. 78, e Relatório OE 2015, pgs. 65-66).
No primeiro caso - que corresponderá à situação das empresas públicas reclassificadas -, "o impacto será por via da consolidação dos resultados das empresas do perímetro", enquanto no segundo caso - que dirá respeito à situação das empresas não reclassificadas -, "o retorno para o acionista público será mediante um eventual aumento de prejuízos ou redução dos resultados traduzidos em dividendos" (cf. Relatório OE 2015, pg. 65).
De acordo com o artigo 2.º, n.º 5, da lei de enquadramento orçamental, aprovada pela Lei 91/2001, de 20 de agosto, e alterada e republicada, pela última vez, pela Lei 41/2014, de 10 de julho, são entidades públicas reclassificadas aquelas que, independentemente da sua natureza e forma, sejam incluídas no setor público administrativo no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais na Comunidade instituído pelo Regulamento (CE) n.º 2223/96 do Conselho, de 25 de junho de 1996 (JO L 310 de 30.11.1996) sistema esse revisto pelo Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013 (JO L 174, de 26.03.2013), que estabeleceu o sistema europeu de contas nacionais e regionais na UE.
O Regulamento (CE) n.º 2223/96, de 25 de junho de 1996, teve por objetivo instaurar o Sistema europeu de contas 1995, designado «SEC 95», estabelecendo para este, no respetivo Anexo A, uma metodologia relativa às normas, definições, nomenclaturas e regras contabilísticas comuns, destinada a permitir a elaboração de contas e quadros em bases comparáveis, tendo em vista as necessidades da Comunidade e de resultados de acordo com regras previstas no respetivo artigo 3.º (cf. artigos 1.º, n.º 1, alínea a), e 2.º, n.º 1, ambos do aludido Regulamento).
Para os referidos efeitos, o referido Regulamento adotou uma definição do conceito de setor das «administrações públicas» (S.13) de acordo com a qual aquele setor integra todas as unidades institucionais que são outros produtores não mercantis - isto é, UAE locais ou unidades institucionais cuja produção é, na sua maioria, fornecida gratuitamente ou a preços economicamente não significativos - cuja produção se destina ao consumo individual e coletivo e principalmente financiadas por pagamentos obrigatórios feitos por unidades pertencentes a outros setores e/ou todas as unidades institucionais principalmente ligadas à redistribuição do rendimento e da riqueza nacional (cf. pontos 2.68 e 3.26 do Anexo A do Regulamento (CE) n.º 2223/96 do Conselho).
O sistema estabelecido no Regulamento (CE) n.º 2223/96 foi entretanto revisto pelo Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, que institui o sistema europeu de contas 2010 («SEC 2010» ou «SEC») (cf. artigo 1.º, n.º 1), para o mesmo igualmente fixando, no respetivo Anexo A, uma metodologia relativa às normas, definições, nomenclaturas e regras contabilísticas comuns que devem ser utilizadas para elaborar contas e quadros em bases comparáveis, tendo em vista as necessidades da União, bem como para apurar resultados [cf. artigo 1.º, n.º 2, alínea a)].
Para tais efeitos, adotou, no ponto 20.05 do respetivo Anexo A, uma definição do setor das administrações públicas (S.13) de acordo com a qual tal setor é constituído por "todas as unidades das administrações públicas e por todas as instituições sem fim lucrativo (ISFL) não mercantis que são controladas por unidades das administrações públicas, incluindo igualmente outros produtores não mercantis como identificados nos pontos 20.18 a 20.39 do mesmo Anexo".
As entidades públicas reclassificadas de acordo com os sistemas europeus acima referidos são equiparadas a Serviços e Fundos Autónomos, sendo integradas no universo do Orçamento do Estado e sendo-lhes por essa via distribuídas dotações orçamentais em termos idênticos aos que se verificam relativamente aos serviços e organismos que integram a Administração. Por assim ser, o Relatório do Orçamento de Estado para 2015 reconhece a necessidade de, "adicionalmente aos riscos de financiamento do Estado", serem considerados "os riscos do serviço da dívida destas empresas que continuam a apresentar elevadas necessidades de financiamento para 2015", prevendo a integração no Orçamento do Estado para 2015, quer "da concessão de empréstimos" para "fazer face a necessidades decorrentes da sua atividade", quer de "dotações de capital, em numerário para assegurar o pagamento à banca da dívida com vencimento em 2015" (pg. 66-67).
Conforme notado no citado Acórdão 413/2014, a «reclassificação de entidades públicas assume, no quadro do Programa de Assistência Económica e Financeira, considerável importância, já que tem como consequência a inclusão dos défices e excedentes das entidades reclassificadas para o cálculo do défice e da dívida pública global, consolidada, nos termos da legislação e práticas da União Europeia. Neste cenário, justifica-se uma especial atenção por parte do legislador orçamental à situação económica das entidades em causa. As empresas públicas reclassificadas mantêm todas as obrigações legais decorrentes do regime jurídico do setor público empresarial e das empresas públicas, bem como do Código das Sociedades Comerciais, às quais acrescem as obrigações decorrentes da equiparação a serviços e fundos autónomos, por força da Lei de Enquadramento Orçamental».
No caso das empresas de capitais maioritariamente públicos reclassificadas dentro do perímetro das Administrações Públicas, os riscos relevantes para o Orçamento do Estado decorrem, assim, da sua própria atividade, na medida em que, por efeito da sua reclassificação, tais empresas passam a integrar o perímetro das Administrações Públicas em Contas Nacionais, passando a financiar-se junto do Estado, através do respetivo Orçamento. Para além disso, quer os respetivos resultados operacionais, quer a respetiva dívida encontram-se refletidos na conta das Administrações Públicas, projetando-se, por essa via, na mensuração da dívida pública.
16 - A integração no universo do Orçamento do Estado das empresas de capital maioritariamente público já reclassificadas, na medida em que determina a automática projeção da situação financeira que apresentem sobre o apuramento do défice e da dívida pública, torna evidente, do ponto de vista da relação de adequação medida-fim, o mecanismo indireto de reporte seguido pelo legislador ordinário. Na verdade, relativamente a estas empresas, o estabelecimento de uma relação de adequação funcional entre o incremento da respetiva autossustentabilidade financeira e o equilíbrio orçamental do Estado resulta, à partida, dos próprios efeitos da reclassificação.
Ao contrário do que sucede com as empresas de capital maioritariamente público já reclassificadas, as empresas de capital maioritariamente público não reclassificadas não se encontram integradas no perímetro das Administrações Públicas em Contas Nacionais, não beneficiando por isso da transferência direta para o Estado dos respetivos passivos e demais responsabilidades.
Apesar de assim ser, existe, no entanto, um conjunto de elementos com base nos quais é possível estabelecer, mesmo em relação a estas empresas, uma conexão suficientemente credenciável entre o saneamento contabilístico do setor público empresarial e o processo de consolidação orçamental para, pelo menos num controlo de evidência, inviabilizar a possibilidade de considerar destituída de fundamento - e por isso para aquele efeito inadequada ou imprestável - a ponderação subjacente à decisão de sujeitar os respetivos trabalhadores à redução salarial imposta para os anos de 2014 e 2015 no artigo 2.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, sem a concomitante imposição da obrigação de entrega nos cofres do Estado dos valores correspondentemente deduzidos.
17 - Conforme este Tribunal já teve ocasião de afirmar, em relação ao universo das "empresas públicas não reclassificadas" - e, consequentemente, também das empresas de capital maioritariamente público não reclassificadas -, "a apresentação de resultados líquidos negativos" não é, desde logo, "indiferente para o esforço financeiro do Estado (assim como de qualquer outro investidor público) nas suas empresas. Com efeito, ocorrendo tal circunstância, não é só a impossibilidade de distribuir dividendos que está em causa. À mesma acresce, por via dos resultados transitados, a diminuição do capital próprio da empresa e a consequente necessidade de compensação, seja por via do endividamento, seja pela via do reforço de capital. Qualquer uma destas vias importa, a prazo, despesa pública, efetiva (dotações de capital, conversão de créditos ou assunção de passivos) ou potencial (concessão de garantias a terceiros pelo financiamento concedido à empresa)», sendo também essa «a razão justificativa do instituto da "perda de metade do capital" previsto no artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais» (cf. Acórdão 413/2014).
Segundo igualmente notado no referido aresto, acrescem a tal circunstância as consequências associáveis ao risco de reclassificação de novas entidades do setor público empresarial em consequência da entrada em vigor do sistema europeu de contas 2010 («SEC 2010»). Tal risco começou por ser identificado no Relatório do Orçamento de Estado para 2014, onde se escreveu, a este propósito, o seguinte: «É de referir que se prevê a entrada em vigor da atualização do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (o designado SEC 2010) [...] em 2014, e que os seus efeitos irão retroagir, em termos de séries estatísticas, a 2010. Uma alteração fundamental incide sobre a forma de apuramento do "Critério da Mercantilidade", o que poderá implicar a inclusão de um número adicional de empresas públicas no perímetro de consolidação das Administrações Públicas, no âmbito de aplicação do supramencionado sistema.» Concordantemente, reconheceu-se no Relatório do Orçamento de Estado para 2015 que"a entrada em vigor do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC 2010) envolveu a reclassificação adicional de um conjunto de empresas públicas", implicando que "estas entidades, que não operem em concorrência, não poderão contrair nova dívida junto do sistema financeiro (com exceção de instituições multilaterais), pelo que as suas necessidades de financiamento serão asseguradas pelo Orçamento do Estado" (pg. 66).
Por último, apesar de as empresas em mão pública se encontrarem submetidas à Lei da Concorrência e de não lhes poderem ser por isso atribuídos auxílios públicos indevidos (artigos 2.º, 4.º, n.º 1, e 65.º da Lei 19/2012, de 8 de maio; e também, quanto às empresas locais, o artigo 34.º da Lei 50/2012, de 31 de agosto, e, quanto às empresas participadas, o artigo 14.º, n.º 5, do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro), haverá que autonomizar entre tais apoios as chamadas «indemnizações compensatórias», que, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei 167/2008, de 26 de agosto, correspondem a pagamentos efetuados com verbas do orçamento do Estado a entidades públicas e privadas, de acordo com o regime legalmente previsto, destinados a compensar custos de exploração resultantes de serviços de interesse geral de acordo com uma lógica de prossecução de interesse público (podem consultar-se as atribuições destas indemnizações em www.dgtf.pt).
Na verdade, sendo fator de cálculo do montante dessas indemnizações, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, a), do Decreto-Lei 167/2008, de 26 de agosto, "os custos incorridos com a prestação do serviço geral", o que inclui os custos com o pessoal, a redução das remunerações dos trabalhadores destas empresas determina necessariamente uma diminuição do valor das indemnizações compensatórias que o Estado para elas transfere.
A par das indemnizações compensatórias, haverá que considerar ainda os chamados subsídios públicos à exploração, previstos no artigo 11.º do Decreto-Lei 167/2008, de 26 de agosto, "designadamente os que visem pura e simplesmente salvaguardar o equilíbrio financeiro das empresas" e possam ser por isso "eventualmente [...] justificados em termos do princípio da concorrência" na medida em que "obedeçam a idêntica lógica de interesse público", uma vez que também aqui tais subvenções têm em conta os custos de exploração (cf. Acórdão 413/2014).
18 - Não pode, contudo, ignorar-se que nas empresas de capitais maioritariamente públicos não reclassificadas que não tenham uma situação deficitária e haja por isso lugar à distribuição de dividendos, não é possível garantir que as analisadas reduções salariais não venham também a beneficiar, embora sempre minoritariamente, a fração privada do capital social destas empresas, apesar desta imputação dos ganhos não ser de verificação automática e necessária, uma vez que nada impede a fração maioritária do capital público de, por meio de deliberação obstar ou condicionar a distribuição de dividendos, assegurando, desse modo a integral imputação dos ganhos operacionais proporcionados pela redução remuneratória ao intentado incremento de autossustentabilidade financeira.
19 - Procurando aferir-se, à luz do que ficou exposto, o nível de adequação do mecanismo de efetivação da redução remuneratória aplicável aos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público que integra o regime fixado na alínea r), do n.º 9, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, a primeira nota a realçar é a de que, relativamente a tais empresas, a relação de adequação funcional entre aquela redução e o objetivo da consolidação orçamental se encontra em quaisquer circunstâncias assegurada na proporção da fração, sempre maioritária, do capital social titulada pelo ente público de que em concreto se trate. Seja pela diminuição do passivo desse modo conseguida, seja pelo aumento dos dividendos a cuja repartição haja por essa razão de proceder-se, a projeção sobre o défice público dos benefícios financeiros associáveis à redução de custos proporcionada pela solução normativa aqui impugnada encontra-se sempre garantida numa extensão nunca inferior à participação que o Estado, governos regionais ou autarquias locais detenham naquelas empresas.
E mesmo em relação às empresas de capital maioritariamente público não reclassificadas, a redução das remunerações mensais base dos trabalhadores do setor público empresarial, quando em si mesma considerada - isto é, ainda que desacompanhada de qualquer instrumento de reporte -, não deixa de constituir, pelos efeitos que imediatamente se lhe associam, um mecanismo de diminuição dos gastos operacionais suportados por tais empresas, contribuindo para a respetiva autossustentabilidade financeira e, por essa via, para a diminuição de uma projeção negativa no equilíbrio orçamental do Estado.
Nessa medida, não existem razões de evidência para, no plano do controlo da relação de adequação medida-fim, censurar o pressuposto em que o legislador ordinário vem sucessivamente baseando a opção de sujeitar os trabalhadores daquelas empresas à afetação salarial determinada no artigo 2.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, sem a concomitante imposição da obrigação de entrega nos cofres do Estado dos valores deduzidos.
E a circunstância de, sem a imposição de tal obrigação, as vantagens proporcionadas pelo meio mobilizado poderem produzir-se também noutras direções - isto é, em eventual e concomitante benefício do capital privado minoritário - não prejudica que continuem a produzir-se em favor do capital público, não podendo por isso afirmar-se que o meio encontrado pelo legislador seja, em si mesmo, inapto à prossecução do fim a ele subjacente, no sentido de inidóneo ou inadequado para concorrer para o ajustamento orçamental em vista do qual foram decididas as reduções remuneratórias previstas no artigo 2.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro. Com efeito, impondo embora que a medida em concreto adotada seja apropriada para a prossecução do interesse público subjacente à respetiva adoção, a exigência de conformidade ou adequação colocada pelo princípio da proporcionalidade não pressupõe, todavia, que as vantagens proporcionadas pelo meio mobilizado se concentrem exclusivamente na promoção da finalidade tida em vista pelo legislador ordinário quando se decidiu por aquela mobilização, excluindo qualquer possibilidade de se verificarem também noutro sentido. Por isso, no plano do controlo da relação de adequação medida-fim, a constatação de que um determinado meio é apto à prossecução, não só do interesse público com base no qual poderia legitimar-se, mas ainda de um outro interesse não convocável para o efeito daquela legitimação, não é suficiente para, por si só, converter automaticamente a medida de que se trate num meio inadequado à consecução daquela primeira finalidade.
20 - Resta apurar, neste contexto, se o meio mobilizado pode considerar-se excessivo, do ponto de vista da proporcionalidade em sentido estrito e por isso injustificado, perante a dimensão dos efeitos restritivos ou lesivos que do mesmo resultam para os trabalhadores em concreto afetados.
Relembre-se que a equiparação dos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público, para efeitos de aplicação do regime de redução da respetiva remuneração base mensal, teve então subjacente o critério segundo o qual aquelas entidades são maioritariamente financiadas pelo Estado, assim se justificando que os respetivos agentes sejam convocados a partilhar, em situação de igualdade" com os trabalhadores das Administrações Públicas, o esforço de consolidação orçamental, face a uma situação de grave emergência financeira.
Se, no que respeita às empresas de capital maioritariamente público já reclassificadas, a sua integração no universo do Orçamento do Estado, na medida em que determina a automática projeção da situação financeira que apresentem sobre o apuramento do défice e da dívida pública, a redução salarial imposta pela alínea r), do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, não coloca problemas acrescidos, relativamente às reduções salariais que afetam todos aqueles que auferem por verbas públicas, e que o Tribunal Constitucional genericamente validou no Acórdão 413/2014, considerando que as mesmas ainda se justificavam enquanto inseridas numa repartição dos encargos públicos em contexto de emergência financeira, já relativamente às empresas ainda não reclassificadas, os termos da ponderação não são exatamente os mesmos.
Neste universo, a repercussão das reduções salariais no Orçamento do Estado não ocorre diretamente, sendo a consequente redução dos custos operacionais destas empresas que vai satisfazer o interesse público no equilíbrio financeiro do Estado, o qual indiretamente beneficiará do acautelamento do impacto orçamental inerente ao risco de reclassificação, da diminuição do montante das transferências orçamentais para estas empresas, designadamente das que devam ser realizadas sob a forma de subsídios à exploração ou indemnizações compensatórias e, eventualmente, nas empresas não deficitárias, de um incremento dos dividendos a distribuir. Como acima constatámos, a diminuição dos custos operacionais destas empresas, por força das reduções salariais impostas na alínea r), n.º 9, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, contribuem necessariamente para a respetiva autossustentabilidade financeira e, por essa via, para a diminuição de uma projeção negativa no equilíbrio orçamental do Estado.
Ora, apesar de neste particular universo das empresas de capital maioritariamente público não reclassificadas, estarmos perante uma contribuição indireta, difusa e parcial, embora não necessariamente limitada à proporção do capital público, que comporta o risco de marginalmente poder beneficiar capitais privados, não há elementos seguros que permitam formar a convicção, num juízo de evidência, de que a dimensão do impacto orçamental da redução salarial já não se traduz num ganho de interesse público inerente ao fim visado que não compense a carga coativa temporariamente imposta aos trabalhadores destas empresas, inserida numa política de repartição dos encargos públicos em contexto de emergência financeira.
Face ao exposto não há razões para do ponto de vista constitucional censurar a norma sob fiscalização, por violação do princípio da proporcionalidade.
21 - Por estas razões, a norma constante da alínea r), do n.º 9, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, na parte em que determina a redução da remuneração mensal base aplicável aos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público não deve ser declarada inconstitucional.
Decisão
Nestes termos, o Tribunal Constitucional não declara a inconstitucionalidade da norma constante da alínea r), do n.º 9, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, na parte em que determina a redução da remuneração mensal base aplicável aos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público.
Lisboa, 3 de novembro de 2015. - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - João Pedro Caupers - Maria José Rangel de Mesquita - Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida, de acordo com a declaração junta) - Catarina Sarmento e Castro (vencida, nos termos da declaração de voto junta) - Pedro Machete (vencido, em parte, conforme declaração que junto) - Lino Rodrigues Ribeiro (com declaração de voto) - Fernando Vaz Ventura (vencido, de acordo com a declaração de voto junta) - Carlos Fernandes Cadilha (vencido de acordo com a declaração de voto em anexo) - Joaquim de Sousa Ribeiro.
Declaração de Voto
Considero inconstitucionais as normas contidas no artigo 80.º da Lei 82-B/2014, por violação do princípio da igualdade, em razão dos fundamentos constantes já das minhas declarações de voto apostas aos Acórdãos n.os 187/2013 e 413/2014.
Concordo com a maioria quando no n.º 20 do acórdão se salienta que «a redução salarial imposta pela alínea r), do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, não coloca problemas acrescidos, relativamente às reduções salariais que afetam todos aqueles que auferem por verbas públicas». Concluo, no entanto, em sentido oposto ao do acórdão, em coerência com a posição que tenho defendido na avaliação de normas orçamentais que, perante a atual necessidade de assegurar uma redução do défice orçamental, que constitui um interesse geral, de todos, impõem reduções de salários apenas àqueles que "auferem por verbas públicas" (na expressão também utilizada, por exemplo, pelo Acórdão 353/2012, n.º 4). Nas declarações de voto referidas no parágrafo anterior defendi que esta solução é desconforme com o princípio constitucional da igualdade, segundo fórmula daquele princípio (igualdade ponderada), que julgo dever ser aplicada nesta matéria, por dela resultar a imposição de sacrifícios a um grupo de pessoas de forma que não é justificada. Como referi na declaração de voto ao Acórdão 413/2014, «a seleção de quem deve ser chamado a solver os encargos públicos tem como limite a igualdade na repartição dos encargos públicos, bem como a respetiva capacidade contributiva».
Na verdade, a solução material constante da norma em apreço já foi objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 574/2014. Nesse aresto pronunciei-me no sentido da inconstitucionalidade da norma que estabelecia as reduções remuneratórias, tendo em conta o seu âmbito de aplicação, apenas para os meses em falta do ano orçamental em curso (2014), por violação do princípio da igualdade, e no sentido de o pedido não dever ser conhecido quanto aos anos subsequentes, dada a extrema vaguidade das normas relativas à redução remuneratória pós-2014 e o desconhecimento do contexto orçamental da sua aplicação. Sem esses dados era então ainda impossível estender aos anos subsequentes a 2014 o juízo de desconformidade das normas em causa com o princípio da igualdade.
Hoje, diante do contexto orçamental refletido no orçamento do Estado para 2015, aprovado pela Lei 82-B/2014, é de concluir que não se registam alterações com relevo para a apreciação da norma sindicada no presente processo. A reversão da redução remuneratória em 20 % não elimina a diferença de tratamento adotada na repartição de encargos públicos entre os trabalhadores do setor público e os demais trabalhadores, pelo que mantenho o juízo de inconstitucionalidade da solução normativa em apreciação, com os fundamentos constantes das minhas declarações de voto apostas aos Acórdãos n.os 187/2013 e 413/2014. - Maria de Fátima Mata-Mouros.
Declaração de Voto
Vencida. Pronunciei-me no sentido da inconstitucionalidade da norma constante da alínea r), n.º 9, do artigo 2.º, da Lei 75/2014, de 12 de setembro, na parte em que determina a redução transitória da remuneração mensal base aplicável aos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público.
A medida em causa tem por objetivo declarado a consolidação orçamental, através da redução do défice público, conseguida mediante a diminuição da despesa com a remuneração de trabalhadores que recebem por verbas públicas. A estratégia de consolidação orçamental através da redução do défice público com vista à satisfação de compromissos europeus e internacionais já fundamentara a admissibilidade de uma posição juridicamente diferenciada daqueles que auferem rendimentos pagos por verbas públicas, relativamente aos demais trabalhadores, que o Tribunal Constitucional considerou nos Acórdãos n.os 187/2013 e 413/2013. Em declaração de voto ao Acórdão 187/2013 e ao Acórdão 574/2014 (entre outros) considerei violadoras do princípio da proporcionalidade (e, nos termos aí enunciados, da igualdade) as disposições normativas que reiteraram reduções remuneratórias para aquelas finalidades. Em grande parte, as razões ali apontadas são transponíveis para o caso em apreço.
A meu ver, relevante também para um juízo de (des)proporcionalidade desta redução remuneratória é o facto de as medidas restritivas determinadas na disposição normativa agora em apreciação se somarem a outras, igualmente previstas, que também afetam este círculo de destinatários, apreciadas no Acórdão 260/2015 (redução de encargos com pessoal relativos a ajudas de custo, trabalho suplementar, noturno, etc.), que este Tribunal considerou não padecerem de inconstitucionalidade (Acórdão em que fiquei vencida por considerar violado o direito de contratação coletiva - artigo 56.º, n.º 3, da Constituição).
Por outro lado, no caso concreto, num quadro de ponderação, não pode deixar de ser considerada a razão apontada pelo requerente, o Senhor Provedor de Justiça, relativa ao facto de a norma que estabelece a redução transitória da remuneração mensal base aplicável aos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público não ter imposto a entrega do valor da redução remuneratória aos cofres do Estado, assim excluindo a possibilidade de beneficiação privada, embora o legislador o pudesse ter feito (e havendo-o estipulado no regime aplicável a outros trabalhadores do setor público - artigo 2.º, n.º 10). Na sua ausência, o sacrifício de redução remuneratória imposto aos trabalhadores da categoria em causa é apto a dar causa à distribuição, na proporção devida, de dividendos ou outras vantagens patrimoniais pelos parceiros privados na mesma empresa, sem, nessa parte, satisfazer os fins públicos da redução da despesa pública.
Na verdade, embora considerando que uma tal razão, por si, não determinaria uma solução de inconstitucionalidade da norma, tal não pode deixar de ser tido em conta num juízo de ponderação relativo ao benefício ou vantagem da medida restritiva, relativamente ao sacrifício que a redução salarial impõe aos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público. Verifica-se que, por opção do legislador, o benefício marginal da medida de redução remuneratória não é necessariamente repercutida (e nem sequer por inteiro - "não serve in totum [...] o declarado fim de consolidação orçamental do lado da despesa pública" - como refere o requerente) no Orçamento de Estado, podendo parte reverter a favor do capital privado minoritário. E a questão assume contornos ainda mais problemáticos quando estão em causa empresas não reclassificadas, visto que, como assume o acórdão, no caso destas, a redução dos salários apenas terá um impacto indireto no Orçamento de Estado, por via da redução dos custos operacionais da empresa, e da hipotética diminuição da necessidade de eventuais transferências orçamentais. Refere o presente acórdão que o facto de as vantagens da redução remuneratória beneficiarem o capital privado minoritário não invalida que também se produzam em favor do capital público maioritário (por isso afastando a inadequação, aponta o acórdão), mas, como o próprio Acórdão aceita, o ganho para o Orçamento é remoto no caso das empresas não reclassificadas.
Sucede que este eventual benefício "indireto, difuso e parcial" (como adjetiva o acórdão) para o Orçamento, prejudica de forma direta e certa os trabalhadores, o não pode deixar de ser ponderado no sentido de desvalor que apontámos.
E mesmo quem não realize um controlo de proporcionalidade que confronte medidas diferentes (ou uma medida com a sua ausência), mas proceda à ponderação do interesse público da consolidação orçamental com o direito à remuneração com ele colidente, verificando a aptidão ou idoneidade, necessidade e proporcionalidade da medida em causa, isoladamente considerada, não deveria deixar de atender a que ainda que a medida fosse idónea a atingir o fim de consolidação orçamental (o que o requerente contesta e se verifica ser, em diversos casos, muito incerto ou, "indireto, difuso e parcial"), ou mesmo que fosse necessária por não se poder prever uma menos restritiva com igual nível de eficácia, sempre deveria ser considerada como uma medida desproporcionada ao ter a virtualidade de fazer reverter a redução da remuneração dos trabalhadores a favor dos titulares do capital privado, ou de um "indireto, difuso, parcial" e incerto benefício orçamental.
Do que fica dito resulta ainda que divirjo do acórdão quando este remete para o Acórdão 509/2015 no que respeita ao entendimento da fiscalização da violação do princípio da proporcionalidade, mencionando um controlo do parâmetro "pela negativa", o que, aliás, a meu ver, é contrariado no próprio acórdão agora subscrito que menciona também aquele que é o entendimento que a jurisprudência constitucional vem defendendo, designadamente no referido Acórdão 634/93 que cita Gomes Canotilho e Vital Moreira: "o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)."
A visão "pela negativa" referida, além de entrar em contradição com a leitura que faço do entendimento tradicional que a jurisprudência constitucional (chamado neste mesmo córdão) vem defendendo do princípio da proporcionalidade - que exige que se demonstre que uma medida é adequada, é necessária, e é proporcional -, tem como efeito a restrição dos poderes de cognição da jurisdição constitucional, posição de que me distancio (o que, em meu entender, acabará por ter os efeitos de restrição dos poderes do Tribunal para apuramento de violações da Constituição conseguido com o "controlo de evidência", com o risco de o ver transposto para a aferição da lesão de bens constitucionais, como direitos fundamentais). - Catarina Sarmento e Castro.
Declaração de Voto
1 - No presente processo, o Tribunal Constitucional considerou que a norma constante da alínea r) do n.º 9 do artigo 2.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, na parte em que determina a redução da remuneração mensal base aplicável aos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público, não viola o princípio da proporcionalidade, "enquanto princípio geral da limitação do poder público". Tal decisão respeitou tanto às empresas de capital maioritariamente público reclassificadas, como às empresas da mesma natureza não reclassificadas (sobre a distinção v. o Acórdão 413/2014, n.º 52, e o n.º 15 do presente acórdão). Concordo com o juízo negativo de inconstitucionalidade relativamente às primeiras, mas não já quanto às segundas.
2 - O conteúdo normativo do princípio da proporcionalidade implica que as decisões de autoridade pública, em especial as de caráter ablativo, prossigam uma certa finalidade ou tenham uma certa razão de ser, não podendo ser ilimitadas nem arbitrárias, e tal finalidade deve ser algo de detetável e compreensível para os seus destinatários. Aquele princípio postula, deste modo, que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido exista sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma «justa medida» (cf. os Acórdãos n.os 387/2012 e 509/2015). Deste modo, as atuações dos poderes públicos, justamente por não poderem ser ilimitadas nem arbitrárias, são perspetivadas em cada caso concreto, real ou representado, como meios para atingir um certo fim - pressupondo-se naturalmente a legitimidade constitucional tanto dos primeiros como do segundo. Por isso mesmo, no caso sub iudicio o Tribunal deveria ter considerado a concreta medida em causa e a sua finalidade específica, avaliando se, em face desta última, todos os destinatários daquela se encontram em situação idêntica e em condições de com o seu sacrifício contribuírem para o fim intencionado.
3 - A redução remuneratória determinada pela norma sindicada
é uma medida temporária e excecional, instrumentalmente preordenada à consecução de certos objetivos orçamentais nos exercícios de 2014 e 2015 por via da redução da despesa pública - a contenção do valor da massa salarial das Administrações Públicas em determinado
nível -, ainda correlacionada com o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) e com o Procedimento por Défice Excessivo (PDE) a que a República Portuguesa se encontra sujeita (cf. os artigos 2.º, n.º 9, alínea r), e 4.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro).
Isso mesmo é reconhecido e afirmado expressamente nos n.os 1 e 2 do presente acórdão: reiterando-se o entendimento do Acórdão 574/2014 de que a medida de redução remuneratória então considerada, na sua configuração específica, "persistia relacionável, em termos diretos e imediatos, com a prossecução do mesmo interesse público que conduzira à adoção das medidas congéneres previstas nas Leis n.os 55-A/2010, 64-B/2011, 66-B/2012 e 83-C/2013, isto é, com a «consecução de fins de redução da despesa pública e de correção de um excessivo desequilíbrio orçamental» (Acórdão 396/2011), de acordo com um plano, plurianual mas temporalmente delimitado, definido a partir [do PAEF]" e, bem assim, do PDE a que Portugal também se encontra sujeito, considera-se que "a redução remuneratória estabelecida para os anos de 2014 e 2015, nos artigos 2.º e 4.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, respetivamente, [se mantém] ainda dentro do campo de ponderação em que o Tribunal consecutivamente situou a apreciação das medidas de afetação salarial introduzidas em exercícios orçamentais condicionados pelo cumprimento das obrigações estabelecidas no PAEF". A este propósito, cabe recordar o Acórdão 574/2014:
"14.1 - A urgência das reduções do défice orçamental explica uma atuação do lado da despesa, mais eficaz do que uma atuação do lado da receita, pela rapidez dos efeitos produzidos. Nesta linha e retomando jurisprudência anterior, lê-se no Acórdão 413/2014:
«Situando no âmbito relativo à pertinência orçamental daquelas retribuições e das medidas que as afetavam o fundamento material para a diferenciação introduzida na repartição dos encargos públicos, o Tribunal entendeu ainda defensável a asserção segundo a qual, "pela sua certeza e rapidez na produção de efeitos", a opção tomada se revelava "particularmente eficaz", "numa perspetiva de redução do défice a curto prazo", mostrando-se desse modo "coerente com uma estratégia de atuação, cuja definição cabe[ria] dentro da margem de livre conformação política do legislador".»
14.2 - Aquela circunstância legitima alguma medida de «sacrifício adicional» dos trabalhadores que recebem por verbas públicas, sacrifício que não consuma, por isso, um tratamento desigual arbitrário; na verdade, estes são pagos por verbas públicas, pelo que apenas a sua remuneração reduz, imediata e automaticamente, a despesa pública. Pode ler-se no Acórdão 353/2012:
«Entendeu-se que o recurso a uma medida como a redução dos rendimentos de quem aufere por verbas públicas como meio de rapidamente diminuir o défice público, em excecionais circunstâncias económico-financeiras, apesar de se traduzir num tratamento desigual, relativamente a quem aufere rendimentos provenientes do setor privado da economia, tinha justificações que a subtraíam à censura do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, uma vez que essa redução ainda se continha dentro dos «limites do sacrifício»."
Ora, é justamente a aludida correlação temporal-instrumental ínsita na teleologia da redução remuneratória estatuída no artigo 2.º, n.º 9, alínea r), da Lei 75/2014, de 12 de setembro, que o presente acórdão desconsidera naquilo que se refere às empresas de capitais maioritariamente públicos não reclassificadas.
E isso é muito evidente na afirmação constante do n.º 14 do acórdão, a respeito do invocado mecanismo de concretização relativamente aos trabalhadores das empresas públicas da equiparação ou «igualação de estatuto» com os demais trabalhadores que «auferem por verbas públicas»: considerando a ausência de um mecanismo de reporte direto - a obrigação de entrega ao Estado da parte da remuneração não paga aos trabalhadores -, sustenta a maioria que fez vencimento:
"[N]o pressuposto de que os ganhos orçamentais proporcionados pela diminuição dos custos operacionais das empresas de capital exclusiva ou maioritariamente público serão mais expressivos e permanentes, do ponto de vista do equilíbrio financeiro do Estado, se forem alcançados pela via da redução das transferências para o setor, o legislador optou por alocar o valor resultante da afetação remuneratória a que sujeitou os agentes daquelas empresas ao incremento dos respetivos níveis de autossuficiência financeira, prescindindo, por essa razão, da instituição de qualquer instrumento que assegurasse a sua entrega nos cofres do Estado.
Na assunção de que o mecanismo suscetível de assegurar o maior impacto orçamental possível às reduções remuneratórias impostas aos trabalhadores do setor público não é necessariamente igual em todos os subsetores abrangidos, o legislador privilegiou, no âmbito do setor público empresarial, uma perspetiva de médio e longo prazo, tendo por subjacente a ideia de que a redução ali imposta será orçamentalmente mais eficiente e eficaz se o valor deduzido às remunerações atingidas, ao invés de concorrer diretamente para a consolidação das contas públicas no âmbito de um só exercício orçamental, for alocado à finalidade específica de reforçar os níveis de autossustentabilidade financeira daquele setor, tornando-o progressivamente menos dependente do financiamento público e nessa medida acautelando os riscos, tanto presentes como futuros, que o mesmo vem persistentemente representando para o equilíbrio orçamental do Estado". (itálicos aditados)
Na verdade, esta perspetiva não é compatível com um regime transitório e excecional, de redução da remuneração base mensal dos trabalhadores do setor público no âmbito do esforço de consolidação orçamental através da redução da despesa pública estabelecido em vista do cumprimento do PAEF nas sucessivas leis orçamentais para os anos de 2011 a 2015 e de que o artigo 2.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, constitui uma óbvia expressão relativamente a 2014 e 2015.
4 - Desde logo, é claro que a perspetiva de médio e longo prazo não quadra ao horizonte temporal limitado da Lei 75/2014, de 12 de setembro.
Mas, mais radicalmente, verifica-se que o objetivo da autossustentabilidade financeira do setor público empresarial (SPE) globalmente considerado não pode ser alcançado sem mecanismos internos de transferência entre as empresas do mesmo setor. Na ausência de tais mecanismos - os quais pura e simplesmente não se encontram previstos nem na Lei 75/2014, de 12 de setembro, nem nas leis orçamentais dos anos 2011 a 2015 -, a única perspetiva admissível é a da autossustentabilidade financeira de cada uma das empresas desse setor: cada empresa pública é que é reclassificada ou não; e cada uma delas é que apresenta uma estrutura financeira equilibrada ou não. Ou seja, a consideração do impacto orçamental não pode ser setorial, mas terá de considerar o caso particular de cada empresa. O que vale para as empresas reclassificadas, não vale necessariamente para as empresas não reclassificadas. E no respeitante a estas últimas, haverá que diferenciá-las em razão da sua situação financeira e da sua atividade: como justificar a medida sindicada em relação a empresas financeiramente sustentáveis ou a empresas financeiramente equilibradas que não prestem serviços de interesse geral suscetíveis de indemnizações compensatórias?
Com efeito, a redução remuneratória em apreço não se caracteriza nem como uma medida de natureza estrutural - do tipo das que foram analisadas pelo Acórdão 260/2005 - nem visa contribuir para a racionalização do setor público empresarial; o seu objetivo é mais limitado e circunscrito à redução da despesa pública nos anos de 2014 e 2015.
E, em vista de tal fim, o acórdão não é convincente quanto às empresas não reclassificadas. Em especial, a finalidade orçamental a realizar naqueles dois anos não é garantida exclusiva e necessariamente pela eventual diminuição do passivo ou pelo aumento de dividendos (cf. o n.º 19), já que nem o financiamento público das empresas tem como consequência necessária uma despesa pública corrente; aliás esse financiamento, tratando-se de empresas públicas, deve traduzir apenas uma despesa de investimento. E os eventuais resultados negativos de tais empresas não têm de se traduzir em endividamento do Estado; tudo depende das causas, não se podendo excluir uma recuperação de resultados em exercícios subsequentes, eventualmente suportado no endividamento autónomo da própria empresa. Do mesmo modo, os eventuais resultados positivos dessas empresas também não têm de ser distribuídos sob a forma de dividendos; e se o forem, corresponderão a receitas extraordinárias da entidade pública participante. Outras opções possíveis para a aplicação de tais resultados positivos serão a constituição de reservas ou o reinvestimento na própria empresa.
Pelo exposto, a afirmação de que "a redução das remunerações mensais base dos trabalhadores do setor público empresarial, quando em si mesma considerada - isto é, ainda que desacompanhada de qualquer instrumento de reporte -, não deixa de constituir, pelos efeitos que imediatamente se lhe associam, um mecanismo de diminuição dos gastos operacionais suportados por tais empresas, contribuindo para a respetiva autossustentabilidade financeira e, por essa via, para a diminuição de uma projeção negativa no equilíbrio orçamental do Estado" (n.º 19) não é exata, mesmo fora do horizonte temporal constituído pelos anos de 2014 e 2015; aliás, relativamente a esse mesmo horizonte, verifica-se, isso sim, que a diminuição dos gastos operacionais das empresas públicas não reclassificadas, só por si - ou seja, desacompanhada de adequadas decisões de gestão ao nível de cada empresa ou de mecanismos legais de reporte direto ou indireto - é inócua ou indiferente para ter um impacto orçamental direto, seja pelo lado das receitas, seja pelo lado das despesas.
De qualquer modo, o tratamento indiferenciado em vista do fim concretamente em causa de todas as empresas públicas não reclassificadas, independentemente da sua situação operacional e financeira particular, representa para os respetivos trabalhadores - todos tratados de modo igual - uma carga injustificada e, como tal, desnecessária. - Pedro Machete.
Declaração de Voto
Voto vencido quanto à não declaração de inconstitucionalidade por entender que a ausência de uma norma específica que estabeleça a obrigatoriedade da entrega nos cofres do Estado dos montantes resultantes das reduções remuneratórias impostas aos trabalhadores de empresas de capital maioritariamente público ou a revisão dos contratos de indemnização compensatória celebrados entre essas empresas e Estado, ao abrigo do Decreto-Lei 167/2008, de 26 de agosto, torna a redução remuneratória inapropriada para o fim de consolidação orçamental através da redução da despesa.
Com efeito, na ausência de uma norma impositiva daquela obrigação, não é suficiente considerar a existência de "outros mecanismos" que possibilitem à Administração deduzir, a qualquer momento, o montante das reduções remuneratórias nas transferências do Estado efetuadas para as empresas públicas ao abrigo dos contratos de indemnização compensatória ou reduzir proporcionalmente os dividendos.
A preeminência do interesse público da consolidação orçamental impõe a existência de regras jurídicas que vinculem a Administração a prosseguir o fim proposto. Ora, a regularização de excessos ou défices de compensação prevista no artigo 10.º do referido Decreto-Lei 167/2008 reporta-se apenas às indemnizações compensatórias contratualizadas, pelo que não abrange as reduções remuneratórias impostas pela norma questionada. E assim sendo, é necessário uma norma instrumental destinada a assegurar a satisfação daquele interesse público por parte da Administração. Sem essa norma, nenhuma garantia existe que a Administração procederá à compensação do montante das reduções remuneratórias ou mesmo que não haja oposição das empresas públicas a essa compensação. De modo que existe violação do princípio da proporcionalidade, no segmento da adequação. - Lino Rodrigues Ribeiro.
Declaração de Voto
Pronunciei-me pela inconstitucionalidade da norma constante da alínea r) do n.º 9 do artigo 2.º da Lei 75/2014, de 12 de setembro, na parte em que determina a redução da remuneração base aplicável aos trabalhadores das empresas de capital maioritariamente público, por violação do princípio da igualdade, pelas razões constantes das declarações de voto exaradas nos Acórdãos n.º 187/2013, 413/2014 e 574/2014, perante normas de redução remuneratória similares à aqui sindicada.
Entendo que se verifica igualmente violação do princípio da proporcionalidade, na dimensão da adequação, no que concerne aos trabalhadores de empresas de capitais maioritariamente públicos não reclassificadas, na medida em que não se verifica repercussão direta e imediata no Orçamento de Estado, em virtude da não entrega nos cofres do Estado dos valores deduzidos: uma simples projeção negativa indireta e difusa, acolhida na posição que fez vencimento, remete para um horizonte de médio/longo prazo, afastando-se, então, do caráter de medida de emergência, por natureza transitória e instrumentalmente preordenada à realização imediata de objetivos orçamentais, em que se procura credenciar a medida de afetação do núcleo salarial de base. - Fernando Vaz Ventura.
Declaração de Voto
Vencido com base, em síntese, nas seguintes considerações.
A norma do artigo 2.º, n.º 9, alínea r), da Lei 75/2014 tem correspondência com as normas das leis do orçamento do Estado que, desde 2011, impõem reduções remuneratórias, e, especialmente, com a do artigo 33.º, n.º 9, alínea r), da Lei 83-C/2013, e insere-se no objetivo geral da contenção da despesa publica através de um efeito sobre a massa salarial da Administração Pública (cf. exposição de motivos da proposta de Lei 339/XII).
E, neste contexto, os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público constituem uma subcategoria de trabalhadores aos quais são impostas reduções salariais, paralelamente a outros trabalhadores que auferem por verbas públicas, sendo suposto que a redução remuneratória visa o mesmo objetivo de contenção orçamental.
Por outro lado, o objetivo de limitação do endividamento das empresas públicas de forma a impedir o aumento da dívida e o desequilíbrio das contas públicas poderia ser obtido através de outros instrumentos legais, tal como ocorreu com o diploma que aprovou o novo regime do setor empresarial do Estado, que implementou diversas medidas de diminuição de encargos com o pessoal, designadamente no que se refere ao subsídio de refeição, ajudas de custo e retribuição do trabalho suplementar e noturno (cf. preâmbulo do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro).
Quando está em causa uma medida genérica de contenção da despesa pública através da diminuição da massa salarial da Administração Pública, e não uma mera medida de reestruturação das empresas públicas, não parece funcionalmente adequado que esse objetivo seja apenas garantido na proporção do capital do Estado (das regiões autónomas ou das autarquias locais) e que a redução remuneratória possa traduzir-se num benefício a favor do capital privado.
Não é suficiente dizer que a distribuição de dividendos não é automática nem necessária, na medida em que depende ainda de uma deliberação favorável do acionista maioritário. A verdade é que não há nenhuma garantia de que as reduções salariais venham a ser imputadas integralmente à diminuição dos custos operacionais das empresas. E, em qualquer caso, a adequação de uma medida legislativa ao fim tido em vista pelo legislador, como vertente do princípio da proporcionalidade, não pode ser avaliada através do modo como, em concreto, é exercitada a função acionista do Estado, sendo certo que a função acionista é um mero mecanismo do governo societário que não se reflete na adequação da norma legal, considerada esta em abstrato.
E dificilmente se poderá compreender em que termos é que a eventual atribuição de dividendos ao capital privado, nas empresas não deficitárias, possa contribuir para a diminuição do montante das transferências orçamentais a título de indemnizações compensatórias, quando, em tal circunstância, o impacto da redução salarial não se traduz numa correspondente diminuição dos custos de exploração das empresas, mas apenas num ganho para os acionistas minoritários.
Por tudo, teria considerado a norma inconstitucional por violação, desde logo, do princípio da proporcionalidade na vertente da adequação. - Carlos Alberto Fernandes Cadilha.
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