I - Relatório
1 - O Presidente da República requereu, em 11 de Junho de 2007, ao abrigo do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com o disposto no n.º 7 do artigo 231.º, conjugado com os n.os 1, 2 e 4 do artigo 226.º da CRP, da norma constante do artigo 1.º do Decreto 121/X, de 17 de Maio de 2007, da Assembleia da República, que altera o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, recebido na Presidência da República no dia 4 de Junho de 2007 para ser promulgado como lei, «pela circunstância de essa norma legal poder ter regulado indevidamente uma matéria de reserva necessária dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas».O pedido assenta nos seguintes fundamentos:
«1.º A disposição normativa constante do artigo 1.º do decreto enviado para promulgação e que é objecto do presente pedido de fiscalização altera o artigo 1.º da Lei 64/93, de 26 de Agosto, a qual aprova o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
2.º A nova redacção que a norma submetida a apreciação confere à alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei 64/93 determina expressamente a extensão do regime legal nela previsto sobre incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos aos deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, regime que se cumularia com as regras legais vertentes sobre a mesma matéria que constam dos Estatutos Político-Administrativos, em especial com as normas dos artigos 34.º e 35.º do Estatuto da Região Autónoma da Madeira.
3.º Embora a alínea m) do artigo 164.º da CRP integre na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República a regulação por lei comum da matéria do estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como de outros órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal, verifica-se que o n.º 7 do artigo 231.º da CRP determina que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas (no qual figura o domínio das incompatibilidades e impedimentos) seja necessariamente definido nos respectivos Estatutos Político-Administrativos.
4.º Na medida em que a norma cuja apreciação da constitucionalidade se requer e que reveste a categoria formal de lei comum da Assembleia da República impõe a aplicação do regime da Lei 64/93 aos deputados dos parlamentos regionais, ela mostra-se susceptível de violar a reserva do Estatuto Político-Administrativo tal como se encontra definida pelo n.º 7 do artigo 231.º da CRP, já que carece, na sua formação, de uma formalidade essencial do procedimento produtivo da lei estatutária, a qual consiste na reserva de iniciativa dos parlamentos regionais, prevista nos n.os 1 e 4 do artigo 226.º da CRP.
5.º Encontra-se, deste modo, em causa não uma apreciação substancial do conteúdo do decreto mas sim a resolução de uma questão prévia de ordem formal que tange à garantia da integridade da reserva do Estatuto Político-Administrativo, a qual releva para a defesa de direitos regionais que se projectam na faculdade conferida às Assembleias Legislativas das Regiões para participarem qualificadamente na fase de iniciação do procedimento produtivo de uma lei aprovada pelos órgãos de soberania que disponha sobre o estatuto dos deputados regionais.» Em anexo ao pedido foi remetido um parecer da Assessoria para os Assuntos Jurídicos e Constitucionais da Casa Civil da Presidência da República.
2 - O artigo 1.º do Decreto 121/X, da Assembleia República, dispõe o seguinte:
«Artigo 1.º
Alterações à Lei 64/93, de 26 de Agosto
O artigo 1.º da Lei 64/93, de 26 de Agosto, alterada pelas Leis n.os 39-B/94, de 27 de Dezembro, 28/95, de 18 de Agosto, 12/96, de 18 de Abril, 42/96, de 31 de Agosto, e 12/98, de 24 de Fevereiro, passa a ter a seguinte redacção:
-Artigo 1.º
[...]
1 - ...........................................................................2 - ...........................................................................
a) Os Representantes da República nas Regiões Autónomas;
b) Os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas;
c) [Anterior alínea b).] d) [Anterior alínea c).] e) ............................................................................
f) .............................................................................
g) ...........................................................................» O diploma, que foi aprovado «nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição» (que atribui competência à Assembleia da República para «fazer leis, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo»), contém ainda um artigo 2.º, que dispõe:
«A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.» A redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei 64/93, que se encontra em vigor, corresponde à que lhe foi dada pela Lei 28/95, de 18 de Agosto, e é do seguinte teor:
«Artigo 1.º
Âmbito
1 - A presente lei regula o regime do exercício de funções pelos titulares de órgãos de soberania e por titulares de outros cargos políticos.2 - Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de cargos políticos:
a) Os Ministros da República para as Regiões Autónomas;
b) Os membros dos Governos Regionais;
c) O Provedor de Justiça;
d) O Governador e Secretários Adjuntos de Macau;
e) O governador e vice-governador civil;
f) O presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais;
g) Deputado ao Parlamento Europeu.» Da comparação dos dois textos legais resulta que as alterações visadas pelo Decreto 121/X se traduzem: i) na actualização da designação dos Representantes da República nas Regiões Autónomas em conformidade com a revisão constitucional de 2004; ii) na eliminação da referência aos extintos cargos de Governador e Secretários Adjuntos de Macau, e iii) na inclusão dos deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas entre o elenco dos titulares dos cargos políticos que ficam sujeitos ao regime de exercício de funções estabelecido pela Lei 64/93 e suas sucessivas alterações.
Resulta dos fundamentos do pedido que apenas está em causa esta última alteração.
Constitui, assim, objecto do presente pedido a questão da constitucionalidade da norma do artigo 1.º do Decreto 121/X, na parte em que altera a redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei 64/93, de 26 de Agosto (na redacção vigente, dada pela Lei 28/95, de 18 de Agosto), incluindo os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas entre o elenco dos titulares dos cargos políticos que ficam sujeitos ao regime de exercício de funções estabelecido nessa lei.
3 - Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da LTC, o Presidente da Assembleia da República apresentou resposta na qual oferece o merecimento dos autos, remete cópia do recurso de admissão do projecto de lei 254/X (BE), apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, do Diário da Assembleia da República que contém matéria a ele referente e dos trabalhos preparatórios relativos ao Decreto 121/X, da Assembleia da República, e esclarece que «a decisão tomada quanto à admissão do projecto de lei em questão, ao abrigo da alínea c) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa e nos termos do n.º 1 do artigo 139.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do Regimento da Assembleia da República, radica no entendimento e prática de que a rejeição de iniciativas legislativas apresentadas à Assembleia da República, nos casos estabelecidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º do já mencionado Regimento, só deverá ter lugar quando ocorra a violação frontal e absoluta do disposto na Constituição da República Portuguesa ou dos princípios nela consignados».
4 - Apresentado pela primitiva relatora o memorando previsto no artigo 58.º, n.º 2, da LTC e tendo-se apurado, uma vez concluída a respectiva discussão, que a solução nele proposta não obtivera vencimento, operou-se mudança de relator, cumprindo agora formular a decisão, em conformidade com o disposto no artigo 59.º, n.º 3, da LTC.
II - Fundamentação
5 - Relativamente ao estatuto dos titulares de órgãos de soberania e de outros cargos políticos (incluindo o respectivo regime de incompatibilidades e impedimentos) e quanto ao órgão constitucionalmente competente para a sua definição, a versão originária da CRP limitava-se a atribuir à Assembleia da República competência exclusiva para legislar sobre a «remuneração do Presidente da República, dos deputados, dos membros do Governo e dos juízes dos tribunais superiores» [artigo 167.º, alínea u)], a estipular que os deputados que fossem funcionários do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas não podiam exercer as respectivas funções durante o período de funcionamento efectivo da Assembleia (artigo 157.º, n.º 1) e que os deputados que fossem nomeados membros do Governo não podiam exercer o mandato até à cessação destas funções (artigo 157.º, n.º 2), e a determinar a perda de mandato dos deputados que viessem «a ser feridos por alguma das incapacidades ou incompatibilidades previstas na lei» [artigo 163.º, n.º 1, alínea a)].Foi a primeira revisão constitucional (Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro) que introduziu nesta matéria três importantes inovações, que, na sua essência, permaneceram até à actualidade.
A primeira respeita à consagração - a par da imposição de a lei determinar os crimes de responsabilidade dos titulares dos cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que já constava do n.º 2 do artigo 120.º da versão originária da CRP - do dever de «a lei disp[or] sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que estão sujeitos os titulares dos cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades» (n.º 2 do artigo 120.º, na versão de 1982). Este preceito foi mantido na versão de 1989, com mera alteração formal da redacção («[a] lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades»), e, com a revisão de 1997, transitou para o artigo 117.º, n.º 2, com o aditamento da referência à previsão das consequências do incumprimento dos deveres, responsabilidades e incompatibilidades, adquirindo a redacção que ainda hoje mantém:
«A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades.» Nunca suscitou dúvidas sérias a inclusão no conceito de «titulares de cargos políticos» dos deputados das assembleias legislativas regionais. Como se referiu no Acórdão 637/95 deste Tribunal (publicado no Diário da República, 1.A série-A, n.º 296, de 26 de Dezembro de 1995, a p. 8092, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.º vol., p.
139, e com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«Reconhecendo ser complexa a densificação do conceito de -cargos políticos-, Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentaram, em comentário a este novo preceito, que tal conceito não podia reconduzir-se ao de -órgãos de soberania-: por um lado, os titulares destes últimos -abrangem os titulares da função jurisdicional, que parece não devem considerar-se titulares de cargos políticos; por outro lado, os cargos políticos não se resumem aos órgãos de soberania, visto que do artigo 121.º decorre que os cargos políticos não têm de ser estaduais, podendo ser cargos das Regiões Autónomas ou do poder local- (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 2.º vol., Coimbra, 1985, p. 83). Os mesmos constitucionalistas alertavam para o facto de que os titulares de cargos políticos não eram -só aqueles que têm um estatuto constitucionalmente definido de imunidades e prerrogativas; estas só vêm definidas quanto aos titulares de alguns órgãos de soberania, sendo inequívoco que nem só eles são titulares de cargos políticos. A noção que melhor parece corresponder à razão de ser deste preceito constitucional é aquela que considera cargos políticos todos aqueles aos quais estão constitucionalmente confiadas funções políticas (sobretudo as de direcção política)- (ob. cit., ibidem).
Passou a ser, pois, isento de dúvidas que o Presidente da República, os deputados à Assembleia da República, os membros do Governo, os conselheiros de Estado, os membros dos Governos e das Assembleias Regionais, os Ministros da República para as Regiões Autónomas e os membros de órgãos de poder local eram qualificados como titulares de cargos políticos. Não havia, assim, que fazer apelo a normas de direito infraconstitucional para preencher esse conceito (v., por exemplo, a Lei 4/83, de 2 de Abril, sobre o controlo da riqueza dos titulares dos cargos políticos).
Este n.º 2 do artigo 120.º da Constituição consagrou, assim, uma -imposição legiferante- (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 2.º vol., p. 85), no sentido de os órgãos legislativos competentes concretizarem o estatuto dos titulares de cargos políticos, relativamente aos aspectos indicados (deveres, responsabilidades e incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades).» A segunda alteração relevante da revisão constitucional de 1982 consistiu no aditamento do n.º 5 ao artigo 233.º da CRP - «O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas é definido nos respectivos Estatutos Político-Administrativos» -, disposição que transitou, sem qualquer alteração no seu teor, para o n.º 6 do artigo 231.º pela revisão de 1997 e para o n.º 7 do mesmo preceito pela revisão de 2004.
Neste contexto, interessa recordar que a aprovação dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas sempre competiu à Assembleia da República [artigo 164.º, alínea b), na versão originária da CRP, que transitou para o artigo 161.º, alínea b), na revisão de 1997], cabendo às respectivas assembleias legislativas regionais a elaboração não apenas dos projectos iniciais dos Estatutos (como já constava do artigo 228.º, n.º 1, na versão originária da CRP) mas também dos projectos de alterações dos Estatutos (n.º 4 do artigo 228.º, aditado na revisão de 1982, e que transitou, com a revisão de 1997, para o n.º 4 do artigo 226.º).
A terceira alteração a assinalar introduzida em 1982 consistiu na inserção, no artigo 167.º da CRP, entre as matérias de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, sob a alínea g), da respeitante ao «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor de Justiça, incluindo o regime das respectivas remunerações».
Na revisão de 1989, a correspondente alínea l) do artigo 167.º passou a referir o «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal», formulação que transitou, sem alteração de teor, para a alínea m) do artigo 164.º na revisão de 1997.
A este propósito, consignou-se no citado Acórdão 637/95:
«[15] - [...] No texto saído da primeira revisão constitucional, estabeleceu-se que integrava a reserva absoluta de competência legislativa do órgão parlamentar da República a edição de legislação sobre -estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor da Justiça, incluindo o regime das respectivas remunerações- [artigo 167.º, alínea g)].
Comentando este preceito, escreviam Gomes Canotilho e Vital Moreira:
-O âmbito da matéria da alínea g) surge claramente delimitado por referência aos artigos 113.º e 120.º Trata-se de definir o regime de responsabilidade dos titulares dos cargos aí mencionados (nomeadamente da responsabilidade criminal), bem como os deveres, responsabilidades e incompatibilidades e, reciprocamente, os direitos, regalias e imunidades, incluindo o regime das remunerações (mas não necessariamente a fixação do seu montante). Curioso é notar a omissão da menção dos titulares dos órgãos das Regiões Autónomas; todavia, o estatuto deles há-de constar do respectivo estatuto regional (artigo 233.º, n.º 5), cuja aprovação também pertence em exclusivo à Assembleia da República [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º].- (ob. cit., 2.ª ed., 2.º vol., p. 193, n. x ao artigo 167.º).
Dos trabalhos preparatórios da primeira revisão constitucional pode retirar-se que os constituintes não pretenderam incluir, na norma que iria passar a constar da alínea g) do artigo 167.º da Constituição, os titulares dos órgãos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, por entenderem que tal matéria deveria antes constar dos Estatutos Político-Administrativos dessas Regiões, também eles aprovados pela Assembleia da República, sendo embora a iniciativa desses Estatutos exclusivamente do órgão parlamentar regional [v. as intervenções dos Deputados Amândio de Azevedo e Nunes de Almeida na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, in Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 39, de 15 de Janeiro de 1982, a p. 852-(65).
Passou a figurar no n.º 5 do artigo 233.º da Constituição, a partir de 1982 - cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 2.º vol., pp. 353-354 e 375-376].
[...] [16] - Na versão em vigor da Constituição, no texto resultante da segunda revisão constitucional aprovada pela Lei Constitucional 1/89, de 8 de Julho, o artigo 120.º, n.º 2, manteve praticamente inalterada a anterior redacção, se se descontar uma modificação de redacção num sentido simplificador (em vez de se fazer referência aos deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que estão sujeitos os titulares de cargos políticos, indica-se agora os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos).
No que toca à alínea g) do artigo 167.º da versão de 1982, a norma dessa alínea passou para a alínea l) do mesmo artigo, havendo-se suprimido a referência à matéria do regime remuneratório e aditado uma nova parte final:
-É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias:
[...] l) Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal.- Dos trabalhos preparatórios desta segunda revisão constitucional não se retira que os constituintes hajam visado qualquer finalidade específica de corte com a anterior solução através da supressão da referência ao regime remuneratório dos titulares de cargos políticos. Segundo a explicação do Deputado António Vitorino, a redacção proposta pelo seu Partido pretendia encontrar uma formulação abrangente e de ordem genérica para os titulares de cargos políticos, evitando a anterior referência exemplificativa aos membros do Conselho de Estado e ao Provedor de Justiça. O mesmo Deputado reafirmou que esta alínea não abrangia os titulares dos órgãos do Governo das Regiões Autónomas, visto competir a estas a elaboração da proposta do seu próprio Estatuto (v. Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 98-RC, de 8 de Maio de 1989, a p. 2820, e o mesmo Diário, 2.ª série, n.º 108-RC, de 22 de Maio do mesmo ano, com intervenções dos Deputados António Vitorino, Pedro Roseta, Rui Machete e José Magalhães, este último chamando a atenção para o n.º 5 do artigo 233.º). A eliminação da frase -incluindo o regime das respectivas remunerações- não parece, pois, revestir-se de qualquer relevância interpretativa, pois é manifesto que o regime remuneratório se reconduz aos -direitos e regalias- contemplados no n.º 2 do artigo 120.º [cf. igualmente artigo 168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição].
É por isso que Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem esta alínea l) do artigo 167.º da versão em vigor da Constituição, continuam a afirmar que a mesma tem um âmbito -claramente delimitado por referência aos artigos 113.º e 120.º Trata-se de definir o regime de responsabilidade dos titulares dos cargos aí mencionados (nomeadamente da responsabilidade criminal), bem como os deveres, responsabilidades e incompatibilidades e, reciprocamente, os direitos, regalias e imunidades, incluindo o regime das remunerações (mas não necessariamente a fixação do seu montante)- (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 666).
[17] - Relativamente aos titulares de cargos políticos do governo próprio das Regiões Autónomas, é pacífico que a competência para a fixação do seu regime estatutário não se acha prevista no artigo 167.º da Constituição, não obstante a formulação extremamente abrangente da parte final de nova alínea l) (-bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal-). A evolução do texto constitucional e a análise dos trabalhos preparatórios das duas revisões constitucionais de 1982 e de 1989 fundamentam esta afirmação.
Tal competência cabe à Assembleia da República, é certo, mas a iniciativa legislativa está atribuída em exclusivo às assembleias legislativas regionais - é o que resulta dos artigos 164.º, alínea b), 228.º e 233.º, n.º 5, da lei fundamental, como acima se referiu.
Na verdade, o artigo 233.º da Constituição regula a matéria atinente aos órgãos de governo próprio das duas Regiões Autónomas, esclarecendo que tais órgãos são a assembleia legislativa regional e o Governo Regional (n.º 1). O n.º 5 deste artigo, por seu turno, estabelece que -o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas é definido nos respectivos Estatutos Político-Administrativos-.
Anotando este n.º 5 do artigo 233.º, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira:
-O estatuto dos titulares dos órgãos do Governo Regional (membros da assembleia e membros do Governo) deve ser definido, naturalmente, pelo estatuto regional (n.º 5), respeitando os princípios constitucionais pertinentes (artigo 120.º), bem como, com as devidas adaptações, os princípios deduzíveis do regime constitucional dos deputados da Assembleia da República e dos membros do Governo da República. Ao reservar explicitamente para o estatuto regional a definição do estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a Constituição não deixa por isso margem para dúvidas de que tal matéria não cabe nem na competência legislativa reservada comum da AR [v. artigo 167.º, alínea l)], nem na competência legislativa regional, através de decreto legislativo regional [...] Mas nada parece impedir que os estatutos - que não podem delegar essa matéria para decreto regional - sejam regulamentados por diploma regional.- (Constituição, 3.ª ed., pp. 873-874; v. o 2.º vol. da 2.ª ed. desta obra, pp. 375-376, e Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, pp. 84-85).» Como na precedente transcrição do Acórdão 637/95 se refere, a adopção, na revisão de 1989, na alínea l) do artigo 167.º, de uma fórmula mais ampla do que a da alínea g) do mesmo preceito na versão de 1982, não significou a inclusão, naquela previsão, dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, designadamente dos deputados das assembleias legislativas regionais. A clara intenção manifestada no debate parlamentar foi a de rejeitar essa inclusão, como resulta inequivocamente das intervenções dos Deputados António Vitorino, Pedro Roseta, Rui Machete (presidente da comissão) e José Magalhães (Diário da Assembleia da República, 2.ª série-RC, n.º 108, de 22 de Maio de 1989, pp.
3055-3056), tendo o primeiro expressamente referido que: «é óbvio e evidente que neste estatuto dos titulares dos órgãos eleitos por sufrágio directo e universal não se inclui o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.
No caso das assembleias regionais, esses órgãos são eleitos por sufrágio directo e universal, mas isso é matéria que a Constituição atribui especificamente às Regiões Autónomas», tendo o presidente da comissão salientado tratar-se de «uma precisão importante, embora ela resulte de interpretação sistemática», «porque de outro modo seria conflituante», o que foi corroborado pelo Deputado José Magalhães, que salientou que «o n.º 5 do artigo 233.º reza o seguinte: -O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas é definido nos respectivos Estatutos Político-Administrativos.-».
A mesma conclusão seria, aliás, imposta pela mera comparação da alínea l) do artigo 167.º, na versão de 1989, com a precedente alínea j) do mesmo preceito (que inseria na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República a matéria das «eleições dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal»). A referência aos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas na alínea j) e a omissão de referência a esses titulares na subsequente alínea l) e a menção em ambas as alíneas dos «restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal» implica necessariamente, por um lado, que nesta última categoria não cabem aqueles titulares [pois se coubessem seria redundante a sua específica menção na alínea j)], e, por outro, que se quis diferenciar o enquadramento constitucional da competência legislativa (sempre absolutamente reservada) da Assembleia da República relativamente aos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas: a matéria eleitoral no âmbito da competência legislativa «comum» e a matéria do estatuto dos titulares desses órgãos fora dessa competência «comum», porque inserida na competência «estatutária» [alínea b) do artigo 164.º]. Por isso, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 666), anotando a omissão, na alínea l) [em contraste com a alínea j)], da menção aos titulares dos órgãos das Regiões Autónomas, assinalam que «o estatuto deles há-de constar do respectivo estatuto regional (artigo 233.º, n.º 5), cuja aprovação também pertence em exclusivo à Assembleia da República [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º]».
Não se tendo verificado, como inicialmente se referiu, alterações relevantes, nas revisões constitucionais posteriores à de 1989, na formulação das normas correspondentes aos actuais artigos 164.º, alínea m), e 231.º, n.º 7, da CRP, é de reiterar o entendimento, acolhido pela doutrina {cf., por último, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. ii, Coimbra, 2006, p. 521: «O estatuto dos órgãos das Regiões Autónomas integra-se na reserva absoluta da Assembleia, mas não com fundamento na alínea m) [do artigo 164.º], e sim com fundamento na alínea b) do artigo 161.º, pois ele constitui matéria de estatuto político-administrativo»} e jurisprudência citadas, de que a definição do estatuto dos titulares de órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, designadamente dos deputados das respectivas Assembleias Legislativas, é da competência da Assembleia da República, não ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º mas a coberto da alínea b) do artigo 161.º, por ser matéria que deve ser definida nos correspondentes Estatutos Político-Administrativos, e não em «lei comum» da Assembleia da República.
Daqui decorre a impossibilidade da afirmação da existência de uma «concorrência de competências» nesta matéria entre «lei comum» e «lei estatutária» da Assembleia da República.
6 - Alcançada a precedente conclusão, não se vislumbram razões válidas para não incluir na expressão «estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas» a matéria das incompatibilidades e impedimentos desses titulares.
O sentido normal e corrente de estatuto de titular de qualquer órgão engloba a definição quer dos direitos, regalias e imunidades de que beneficiam quer dos deveres, responsabilidades, incompatibilidades e impedimentos que oneram os respectivos sujeitos. Cabe, assim, neste conceito de «estatuto» a generalidade dos aspectos referidos no n.º 2 do artigo 117.º da CRP, incluindo as incompatibilidades. Já não caberá a matéria da definição dos crimes de responsabilidade, que está contemplada não nesse n.º 2 mas no subsequente n.º 3 desse preceito.
A circunstância de os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas terem uma relevante dimensão organizatória não pode fazer esquecer que é a própria Constituição que, ao definir o seu conteúdo obrigatório, determina que, a par da definição dos poderes das Regiões referidos nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 227.º e da enunciação das matérias sobre que incide a autonomia legislativa regional (n.º 1 do artigo 228.º), aqueles Estatutos definam o estatuto dos titulares dos seus órgãos de governo próprio (n.º 7 do artigo 231.º), não se justificando qualquer restrição deste último conceito em termos de dele excluir a matéria das incompatibilidades.
Trata-se, aliás, de questão que já foi objecto de pronúncia por este Tribunal, sempre no sentido de que a definição das incompatibilidades se insere no âmbito do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.
No Acórdão 92/92 (Diário da República, 1.A série-A, n.º 82, de 7 de Abril de 1992, a p. 1644, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21.º vol., p. 7) - em que o Tribunal Constitucional, também em sede de fiscalização preventiva, se pronunciou, com fundamento em violação das disposições conjugadas dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4, 229.º, n.º 1, alínea a), e 233.º, n.º 5, da Constituição [correspondentes aos actuais artigos 161.º, alínea b), 226.º, n.os 1 e 4, 227.º, n.º 1, alínea a), e 231.º, n.º 7], pela inconstitucionalidade de todas as normas do decreto, aprovado pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira, na sessão de 11 de Fevereiro de 1992, subordinado ao título «Alterações ao Estatuto do Deputado» -, após referências às revisões constitucionais de 1982 e de 1989 que foram retomadas no Acórdão 637/95 e atrás transcritas, entendeu-se parecer não restarem dúvidas de que:
«a) Só a Assembleia da República pode legislar sobre o Estatuto (e suas alterações) dos titulares dos órgãos de governo regional - máxime sobre o estatuto dos deputados regionais [cf. os artigos 228.º, n.º 1, e 233.º, n.º 5, da Constituição];
b) Esse estatuto - ou seja, o estatuto dos órgãos de governo regional - tem de constar do Estatuto Político-Administrativo da respectiva Região Autónoma (cf. artigo 233.º, n.º 5);
c) O mesmo estatuto há-de versar -sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades- dos titulares daqueles órgãos, e bem assim -sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades- (cf. artigo 120.º, n.º 2).» (itálico acrescentado).
Nenhum dos votos de vencido apostos a este acórdão dissente da afirmação de que a matéria das incompatibilidades integra o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas que deve constar dos respectivos Estatutos Político-Administrativos. O voto de vencido do conselheiro Alves Correia começa por manifestar concordância «com a doutrina geral do acórdão - a de que o diploma apreciado versa, no essencial, sobre matéria que faz parte do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas (cujo conteúdo abrange, nos termos do n.º 2 do artigo 120.º da Constituição, os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares daqueles órgãos, bem como os respectivos direitos, regalias e imunidades), a qual constitui reserva de lei estatutária, - da competência da Assembleia da República [cf. os artigos 164.º, alínea b), 228.º e 233.º, n.º 5, da Constituição]», apenas divergindo da inclusão na pronúncia de inconstitucionalidade das normas respeitantes ao estatuto remuneratório, por se traduzir em intervenção legislativa complementar do núcleo essencial do estatuto remuneratório dos deputados regionais já definido no Estatuto Político-Administrativo. Por seu turno, o voto de vencido do conselheiro António Vitorino (a que se associou, em parte, o conselheiro Bravo Serra), relativamente às «normas que versam sobre deveres, responsabilidades, incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades dos deputados à Assembleia Legislativa Regional, que integram o essencial do conceito de estatuto dos titulares dos cargos políticos tal como ele decorre do artigo 120.º da Constituição», considerou-as inconstitucionais, «tal como bem decidiu o Acórdão, também aqui com o meu apoio, porque se reportam ao -núcleo essencial- do estatuto dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira (e na medida em que sobre ele disponham), uma vez que nesta dimensão estão abrangidas pela -reserva de estatuto-, como dispõe o n.º 5 do artigo 233.º da lei fundamental», somente dissentindo do acórdão nas partes relativas às «normas que constituem mera projecção organizatória das disposições atinentes ao estatuto dos titulares de cargos políticos» e às «normas que estabelecem as remunerações e outros benefícios complementares susceptíveis de serem enquadrados num conceito amplo de -estatuto remuneratório-», por entender «que a -reserva de estatuto- quanto à -definição- do estatutos dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas abrange apenas o -núcleo essencial- desse estatuto, tal como ele resulta da formulação do artigo 120.º da Constituição, sendo lícita às assembleias legislativas regionais uma intervenção legislativa regulamentar e conformadora desse estatuto fora daquele -núcleo essencial- e em tudo o mais que se prefigure como projecção organizatória das disposições estatutárias por natureza», reiterando o entendimento expresso, como deputado, no processo de revisão constitucional de 1989, de que «a competência da alínea l) do artigo 167.º [actual alínea m) do artigo 164.º] da Constituição não abrange o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas: sobre tal matéria a Assembleia da República legisla por força do disposto na alínea b) do artigo 164.º [actual alínea b) do artigo 161.º] da Constituição, podendo as Regiões legislar em complemento da formação estatutária naquilo que não integre a matéria reservada ao Estatuto Político-Administrativo».
O entendimento de que a matéria das incompatibilidades integra o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas foi reiterado no já citado Acórdão 637/95, onde expressamente se reafirmou:
«Com efeito, a Constituição exige que o estatuto desses titulares de órgãos de governo próprio regional [os deputados às assembleias legislativas regionais] se ache definido no Estatuto Político-Administrativo. Há, pois, uma reserva de lei estatutária na matéria. A definição desse Estatuto tem de abranger os deveres, as responsabilidades e incompatibilidades desses titulares, bem como os respectivos direitos, regalias e imunidades.» (itálico acrescentado).
Nestes termos, à conclusão, alcançada no número anterior, de que a definição do estatuto dos titulares de órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, designadamente dos deputados das respectivas Assembleias Legislativas, é da competência da Assembleia da República, não ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º mas a coberto da alínea b) do artigo 161.º, por ser matéria que deve ser definida nos correspondentes Estatutos Político-Administrativos, e não em «lei comum» da Assembleia da República, há que aditar a conclusão, alcançada neste número, de que a matéria das incompatibilidade faz parte integrante do estatuto dos deputados regionais.
7 - A aprovação do Decreto 121/X, como resulta do respectivo processo legislativo, embora não se apresentando formalmente como uma alteração dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas, visa introduzir modificações no estatuto dos deputados regionais, designadamente no capítulo das incompatibilidades e impedimentos, tendo especificamente como alvo a situação dos deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
A iniciativa legislativa em causa teve na sua origem o projecto de lei 254/XI [«altera a Lei 64/93, de 26 de Agosto (estabelece o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos)»], apresentado por deputados do Bloco de Esquerda [Diário da Assembleia da República (DAR), X Legislatura, 1.A sessão legislativa, 2.ª série-A, n.º 109, de 13 de Maio de 2006, de p. 12 a p.15], e o projecto de lei 366/X («determina a equiparação entre os deputados à Assembleia da República e os deputados às Assembleia Legislativas das Regiões Autónomas em matéria de incompatibilidades e impedimentos»), apresentado por deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (DAR citado, 2.ª série-A, n.º 52, de 9 de Março de 2007, a pp. 13 e 14).
O projecto de lei 254/X, considerando injustificada a não consideração dos deputados das assembleias legislativas regionais dos Açores e da Madeira como titulares de cargos políticos para efeitos da aplicação do regime jurídico estabelecido pela Lei 64/93 e constatando que a questão não é satisfatoriamente resolvida pelos respectivos Estatutos Político-Administrativos (no dos Açores «não é abordada a questão das incompatibilidades e impedimentos dos deputados, embora a prática política tenha garantido sempre a consonância com a lei» e no da Madeira «as incompatibilidades e impedimentos previstos ficam aquém dos estipulados pelo regime que se pretende geral e a prática política é aberta e violentamente contraditória com a definida pela lei»), propunha as alterações à Lei 64/93 que vieram a ser acolhidas no Decreto 121/X.
O projecto de lei 366/X, considerando igualmente não se justificar a existência de disparidade de estatutos entre os deputados à Assembleia da República e os deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas em matéria de incompatibilidades e impedimentos, entendendo que «existe um regime idêntico aplicável aos deputados à Assembleia da República e aos deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores», mas que «existe uma diferenciação de estatuto dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que é mais permissivo em matéria de incompatibilidades e impedimentos», não sendo aplicáveis a estes deputados «os princípios da transparência e de não acumulação indevida de funções públicas com funções privadas que possam comprometer a independência no exercício do mandato», propunha como solução legislativa a adopção pela Assembleia da República de uma lei que concretizasse esses princípios em todo o território nacional, contendo um artigo único, do seguinte teor:
«O estatuto dos deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas é equiparado ao estatuto dos deputados à Assembleia da República no que se refere aos direitos, regalias, incompatibilidades, impedimentos e imunidades consagrados constitucionalmente.» Pelo Grupo Parlamentar do PSD foram interpostos recursos contra a admissão dos referidos projectos de lei, com fundamento em inconstitucionalidade, «por violação do disposto nos artigos 226.º, n.º 1, 227.º, n.º 1, alínea e), e 231.º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa, já que ofende a reserva de iniciativa legislativa das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas em matéria estatutária», recursos que, na sequência de pareceres desfavoráveis da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (o parecer sobre a admissibilidade do projecto de lei 254/X foi publicado no DAR, 2.ª série-A, n.º 112, de 18 de Maio de 2006, de p. 6 a p. 9), foram indeferidos pelo Plenário da Assembleia da República (DAR, 1.A série, n.os 125, de 19 de Maio de 2006, de p. 5748 a p. 5754 e p. 5781, e 63, de 23 de Março de 2007, de p. 27 a p. 34). O referido parecer considera que a matéria versada pelo projecto de lei 254/X está abrangida não apenas pela reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República prevista na alínea m) do artigo 164.º da CRP, entendendo que as assembleias legislativas regionais se incluem entre os órgãos constitucionais previstos nessa alínea (n.os 20 a 22 do parecer), mas também «pela reserva exclusiva de iniciativa legislativa da Assembleia da República, sendo matéria conexa com a eleição dos deputados, mas que não se pode entender que caiba no âmbito do artigo 226.º da Constituição da República Portuguesa», uma vez que «não se está a alterar os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas mas tão-só pretende o partido proponente um alteração à lei que estabelece o regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos» (n.º 27 do parecer).
Sobre os projectos de lei recaiu o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de 11 de Abril de 2007 (DAR, 2.ª série-A, n.º 65, de 12 de Abril de 2007, de p. 13 a p. 15) e pareceres desfavoráveis da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (DAR, 2.ª série-A, n.º 65, de 12 de Abril de 2007, de p. 16 a p. 18), do Governo Regional dos Açores (DAR, 2.ª série-A, n.os 131, de 22 de Julho de 2006, a pp. 19 e 20, e 61, de 30 de Março de 2007, a pp. 16 e 17, republicado no DAR, 2.ª série-A, n.º 63, de 5 de Abril de 2007, a p. 7), da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (DAR, 2.ª série-A, n.º 59, de 24 de Março de 2007, de p. 4 a p. 6) e do Governo Regional da Madeira (DAR, 2.ª série-A, n.º 63, de 5 de Abril de 2007, a p. 7), após o que foram discutidos e aprovados na generalidade (DAR, 1.A série, n.º 70, de 12 de Abril de 2007, de p. 5 a p. 30).
Após discussão e votação na especialidade na referida Comissão (cf. relatório no DAR, 2.ª série-A, n.º 80, de 18 de Maio de 2007, de p. 14 a p. 16), foi, em votação final global, aprovado o texto proposto pela Comissão (DAR, 1.A série, n.º 84, de 18 de Maio de 2007, a p. 39), que se viria a transformar no Decreto 121/X, ora em apreço.
Com a aprovação da norma questionada no presente processo passam os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas a ficar sujeitos ao regime de exercício de funções estabelecido na Lei 64/93 [alterada pelas Leis n.os 39-B/94, 28/95, 12/96, 42/96 e 12/98, atrás referidas, e, por último, pelo Decreto-Lei 71/2007, de 27 de Março, cujo artigo 42.º, n.º 1, alínea b), revogou as alíneas a) e b) do artigo 3.º e os n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 64/93], o que implica que:
1) As respectivas funções são exercidas em regime de exclusividade, sendo a titularidade do cargo incompatível com quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos, com excepção das funções ou actividades derivadas do cargo e as que são exercidas por inerência - artigo 4.º da Lei 64/93, alterado pelas Leis n.os 28/95 (artigo 1.º) e 12/98 (artigo 1.º, n.º 2);
2) Não podem exercer, pelo período de três anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado, desde que, no período do respectivo mandato, tenham sido objecto de operações de privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual, exceptuando-se o regresso à empresa ou actividade exercida à data da investidura no cargo - artigo 5.º da Lei 64/93, alterado pela Lei 28/95 (artigo 1.º);
3) As empresas cujo capital seja por eles detido numa percentagem superior a 10 ficam impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas públicas, ficando sujeitas ao mesmo regime as empresas de cujo capital, em igual percentagem, sejam titulares os seus cônjuges, não separados de pessoas e bens, os seus ascendentes e descendentes em qualquer grau e os colaterais até ao 2.º grau, bem como aqueles que com eles viviam nas condições do artigo 2020.º do Código Civil, e as empresas em cujo capital detenham, directa ou indirectamente, por si ou conjuntamente com os referidos familiares, uma participação não inferior a 10 % - artigo 8.º da Lei 64/93, alterado pela Lei 28/95 (artigo 1.º);
4) Estão impedidos de servir de árbitro ou de perito, a título gratuito ou remunerado, em qualquer processo em que seja parte o Estado e demais pessoas colectivas públicas, impedimento que se mantém até ao termo do prazo de um ano após a respectiva cessação de funções - artigo 9.º da Lei 64/93;
5) Os deputados regionais que, nos últimos três anos anteriores à data da investidura no cargo, tenham detido, nos termos do artigo 8.º, a percentagem de capital em empresas nele referidas ou tenham integrado corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos (excepto se esta participação nos corpos sociais tiver ocorrido por designação do Estado ou de outra pessoa colectiva pública) não podem intervir: a) em concursos de fornecimento de bens ou serviços ao Estado e demais pessoas colectivas públicas aos quais aquelas empresas e pessoas colectivas sejam candidatas; b) em contratos do Estado e demais pessoas colectivas públicas com elas celebrados; c) em quaisquer outros procedimentos administrativos, em que aquelas empresas e pessoas colectivas intervenham, susceptíveis de gerar dúvidas sobre a isenção ou rectidão da conduta dos referidos titulares, designadamente nos de concessão ou modificação de autorizações ou licenças, de actos de expropriação, de concessão de benefícios de conteúdo patrimonial e de doação de bens - artigo 9.º-A da Lei 64/93, aditado pela Lei 42/96 (artigo 1.º).
Por seu turno, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), na versão resultante da revisão operada pela Lei 130/99, de 21 de Agosto, considera:
1) Incompatível com o exercício do mandato de deputado à assembleia legislativa regional o desempenho dos cargos seguintes: a) Presidente da República, membro do Governo e Ministro (hoje, Representante) da República; b) membro do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas e do Conselho Superior da Magistratura e Provedor de Justiça; c) deputado ao Parlamento Europeu;
d) deputado à Assembleia da República; e) membro dos demais órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas; f) embaixador não oriundo da carreira diplomática; g) governador e vice-governador civil; h) presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais; i) funcionário do Estado, da Região ou de outras pessoas colectivas de direito público, com excepção do exercício gratuito de funções docentes, de actividade de investigação e outras similares como tal reconhecidas caso a caso pela assembleia legislativa regional; j) membro da Comissão Nacional de Eleições; l) membro dos gabinetes ministeriais ou legalmente equiparados; m) funcionário de organização internacional ou de Estado estrangeiro; n) presidente e vice-presidente do Conselho Económico e Social; o) membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (substituída pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social - Lei 53/2005, de 8 de Novembro); p) membro dos conselhos de administração das empresas públicas; q) membro dos conselhos de administração das empresas de capitais públicos maioritariamente participadas pelo Estado ou pela Região, e r) membro dos conselhos de administração de institutos públicos autónomos - artigo 34.º, n.os 1 e 3;
2) Incompatível com a função de deputado regional: a) a substituição interina do Ministro (hoje, Representante) da República; b) o exercício do cargo de delegado do Governo Regional no Porto Santo, e c) o exercício do cargo de director regional no Governo Regional - artigo 34.º, n.º 2;
3) Que os deputados regionais carecem de autorização da assembleia legislativa regional para serem jurados, árbitros, peritos ou testemunhas, e é-lhes vedado exercer o mandato judicial como autores nas acções cíveis contra o Estado e contra a Região;
servir de peritos ou árbitros a título remunerado em qualquer processo em que sejam parte o Estado, a Região e demais pessoas colectivas de direito público (salvo deliberação em contrário da assembleia legislativa regional, fundada em razão de interesse público); integrar a administração de sociedades concessionárias de serviços públicos, e figurar ou de qualquer forma participar em actos de publicidade comercial - artigo 35.º, n.os 1, 3 e 4.
Relativamente ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), na versão resultante da revisão operada pela Lei 61/98, de 27 de Agosto, e contrariamente ao que por vezes foi referido no debate parlamentar que conduziu à aprovação do Decreto 121/X, ora em apreciação, não existe qualquer norma de equiparação do regime de incompatibilidades e impedimentos dos respectivos deputados ao regime dos deputados à Assembleia da República. Na verdade, o artigo 24.º desse estatuto só equipara o estatuto dos deputados à assembleia legislativa regional ao estatuto dos deputados à Assembleia da República «no que se refere aos direitos, regalias e imunidades consagrados constitucionalmente», o que não abrange as incompatibilidades e impedimentos.
Quanto a estas, o artigo 29.º limita-se a referir que «[s]em prejuízo de outras incompatibilidades previstas na lei, os deputados que desempenharem cargos de titulares ou de membros dos órgãos de soberania ou de outro órgão de governo próprio da Região Autónoma não poderão exercer o seu mandato até à cessação dessas funções.» A remissão para as «outras incompatibilidades previstas na lei» é susceptível de ser interpretada como dirigida, nomeadamente, ao Decreto Legislativo Regional 19/90-A, de 20 de Novembro [rectificado no 5.º suplemento ao Diário da República, 1.A série, n.º 300, de 31 de Dezembro de 1990, a p. 5288-(23)], que fixou um regime específico de incompatibilidades e impedimentos dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, e nos termos do qual (independentemente da questão da sua inconstitucionalidade, face ao princípio da reserva de estatuto, como, a respeito do precedente Decreto Legislativo Regional 13/88/A, de 6 de Abril, advertiam Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, Estatuto Político da Região Administrativa dos Açores Anotado, Lisboa, 1997, p. 80):
1) Considera incompatível o exercício dos cargos de deputado regional e de: a) Presidente da República, membro do Governo e Ministro (hoje, Representante) da República; b) membro do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas e do Conselho Superior da Magistratura e Provedor de Justiça; c) deputado ao Parlamento Europeu; d) deputado à Assembleia da República; e) membro dos demais órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas; f) embaixador não oriundo da carreira diplomática; g) governador e vice-governador civil; h) presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais; i) funcionário do Estado, da Região ou de outras pessoas colectivas de direito público (com excepção dos deputados não afectos permanentemente, nos dias em que se verifique a situação de não afectação, e do exercício gratuito de funções docentes no ensino superior, de actividade de investigação e outras similares como tais reconhecidas caso a caso pela assembleia legislativa regional); j) membro da Comissão Nacional de Eleições; l) membro dos gabinetes ministeriais ou legalmente equiparados; m) funcionário de organização internacional ou de Estado estrangeiro; n) presidente e vice-presidente do Conselho Económico e Social; o) membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (substituída pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social - Lei 53/2005, de 8 de Novembro); e p) membro dos conselhos de gestão das empresas públicas, das empresas de capitais públicos maioritariamente participadas pelo Estado e pela Região e de institutos públicos autónomos - artigo 22.º;
2) Veda aos deputados da Assembleia Legislativa Regional: a) exercer o mandato judicial como autores nas acções civis contra o Estado e contra a Região; b) servir de perito ou árbitro a título remunerado em qualquer processo em que sejam parte o Estado, a Região e demais pessoas colectivas de direito público (salvo deliberação em contrário da Assembleia Legislativa Regional, fundada em razão de interesse público); c) integrar a administração de sociedades concessionárias de serviços públicos; d) no exercício de actividade de comércio ou indústria, participar em concursos públicos de fornecimento de bens e serviços, bem como em contratos com o Estado, à Região ou a outras pessoas colectivas de direito público, e e) figurar ou de qualquer forma participar em actos de publicidade comercial - artigo 23.º Como resulta da comparação entre o regime de exercício de actividade dos titulares de cargos políticos constante da Lei 64/93, com as alterações das Leis n.os 28/95, 42/96 e 12/98, e o regime de incompatibilidade e impedimentos dos deputados regionais constante do EPARAM e do EPARAA, este complementado pelo Decreto Legislativo Regional 19/90-A, a aprovação do Decreto 121/X representa materialmente uma nova regulação deste último regime, o que, pelas razões atrás expostas, implicava que essa intervenção legislativa da Assembleia da República fosse feita no uso da competência político-legislativa de aprovação dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas [artigo 161.º, alínea b), da CRP], e não ao abrigo da competência legislativa «comum» [artigo 164.º, alínea m), da CRP].
Como resultou do debate parlamentar relativo ao diploma ora em apreço, o aspecto mais relevante da intentada intervenção legislativa respeita ao alargamento dos impedimentos dos deputados regionais da Madeira, neste aspecto circunscritos à integração da «administração de sociedades concessionárias de serviços públicos» [artigo 35.º, n.º 3, alínea d), do EPARAM], aos impedimentos previstos nos artigos 5.º e 8.º da Lei 64/93, na redacção da Lei 28/95, e 9.º-A daquela lei, aditado pela Lei 42/96, atrás descritos.
Alargamento que foi justificado pela conveniência de equiparação entre o regime de incompatibilidades e impedimentos dos deputados regionais e o dos deputados à Assembleia da República. Este último consta do estatuto dos deputados (Lei 7/93, de 1 de Março, alterado pelas Leis n.os 24/95, de 18 de Agosto, 55/98, de 18 de Agosto, 8/99, de 10 de Fevereiro, 45/99, de 16 de Junho, 3/2001, de 23 de Fevereiro, 24/2003, de 4 de Julho, 52-A/2005, de 10 de Outubro, e 44/2006 e 45/2006, de 25 de Agosto), que, na redacção actualmente vigente (ignorando-se, por isso, as alterações introduzidas pelas duas últimas leis citadas, que só entrarão em vigor no 1.º dia da próxima legislatura), consagra actualmente, em matéria de incompatibilidades e imunidades:
1) Serem incompatíveis com o exercício do mandato de deputado à Assembleia da República os seguintes cargos ou funções: a) Presidente da República, membro do Governo e Ministro (hoje, Representante) da República; b) membro do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas, do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Procurador-Geral da República e Provedor de Justiça; c) deputado ao Parlamento Europeu; d) membro dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas; e) embaixador não oriundo da carreira diplomática; f) governador e vice-governador civil; g) presidente e vereador a tempo inteiro ou em regime de meio tempo das câmaras municipais; h) funcionário do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas (exceptuado o exercício gratuito de funções docentes no ensino superior, de actividade de investigação e outras de relevante interesse social similares como tais reconhecidas caso a caso pela Comissão de Ética da Assembleia da República); i) membro da Comissão Nacional de Eleições; j) membro dos gabinetes ministeriais ou legalmente equiparados; l) funcionário de organização internacional ou de Estado estrangeiro; m) presidente e vice-presidente do Conselho Económico e Social; n) membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (substituída pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social - Lei 53/2005, de 8 de Novembro), e o) membro dos conselhos de gestão das empresas públicas, das empresas de capitais públicos ou maioritariamente participadas pelo Estado e de instituto público autónomo - artigo 20.º, n.os 1 e 2;
2) A necessidade de autorização da Assembleia para serem jurados, peritos ou testemunhas ou para servirem de árbitros em processos de que seja parte o Estado ou qualquer outra pessoa colectiva de direito público - artigo 21.º, n.os 1 e 2;
3) A possibilidade de exercerem outras actividades, com ressalva:
Para a generalidade dos deputados (sem prejuízo do disposto nos regimes de incompatibilidades e impedimentos previstos em lei especial, designadamente para o exercício de cargos ou actividades profissionais): a) da titularidade de membro de órgão de pessoa colectiva pública e, bem assim, de órgão de sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou de concessionários de serviços públicos, com excepção de órgão consultivo, científico ou pedagógico ou que se integre na administração institucional autónoma; b) do serviço como perito ou árbitro a título remunerado em qualquer processo em que sejam parte o Estado e demais pessoas colectivas de direito público, e c) dos cargos de nomeação governamental, cuja aceitação não seja autorizada pela comissão parlamentar competente em matéria de incompatibilidades e impedimentos - artigo 21.º, n.º 5;
Para os deputados, em regime de acumulação (sem prejuízo do disposto em lei especial): a) de, no exercício de actividades de comércio ou indústria, directa ou indirectamente, com o cônjuge não separado de pessoas e bens, por si ou entidade em que detenha participação relevante e designadamente superior a 10 % do capital social, celebrarem contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público, participar em concursos de fornecimento de bens, de serviços, empreitadas ou concessões, abertos pelo Estado e demais pessoas colectivas de direito público, e, bem assim, por sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou por concessionários de serviços públicos; b) do exercício do mandato judicial como autores nas acções cíveis, em qualquer foro, contra o Estado; c) do patrocínio de Estados estrangeiros; d) de beneficiarem, pessoal e indevidamente, de actos ou tomarem parte em contratos em cujo processo de formação intervenham órgãos ou serviços colocados sob sua directa influência, e e) de figurarem ou de qualquer forma participarem em actos de publicidade comercial - artigo 21.º, n.º 6.
Para além da não integral coincidência entre a lista de cargos incompatíveis constante dos artigos 20.º, n.º 1, do Estatuto dos Deputados, 22.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional 19/90-A e 34.º, n.º 1, do EPARAM, importa salientar, até porque se trata de aspecto de que resulta a adopção de um regime mais gravoso para os deputados regionais, que da aprovação do Decreto 121/X resultaria, por aplicação do artigo 4.º, n.º 1, da Lei 64/93, que todos eles passariam a exercer as respectivas funções em regime de exclusividade, sem quaisquer excepções, enquanto para os deputados à Assembleia da República o n.º 3 do artigo 21.º do respectivo estatuto estabelece a regra da possibilidade do exercício de outras actividades, com excepção das enumeradas nos subsequentes n.os 5 e 6.
8 - Demonstrado que a definição do estatuto dos titulares de órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, designadamente dos deputados das respectivas Assembleias Legislativas, é da competência da Assembleia da República, não ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º mas a coberto da alínea b) do artigo 161.º, por ser matéria que deve ser definida nos correspondentes Estatutos Político-Administrativos e não em «lei comum» da Assembleia da República (supra, n.º 5); que a matéria das incompatibilidades e impedimentos faz parte integrante do estatuto dos deputados regionais (supra, n.º 6), e que a norma ora em causa representa materialmente uma alteração ao regime das incompatibilidades e impedimentos dos deputados regionais (supra, n.º 7), a sua conformidade constitucional dependia do respeito pelo procedimento legislativo próprio da alteração dos estatutos regionais, designadamente da apresentação do correspondente projecto pelas assembleias legislativas regionais (n.os 1 e 4 do artigo 226.º da CRP), que no caso manifestamente não ocorreu uma vez que a medida legislativa em causa teve na origem duas iniciativas de deputados à Assembleia da República (projectos de lei n.os 254/X e 366/X).
A solução constitucional de reservar em exclusivo às assembleias legislativas regionais o poder de elaborar os projectos quer dos Estatutos Político-Administrativos iniciais quer das suas alterações («momento impulsivo»), embora reservando à Assembleia da República o «momento deliberativo», adequa-se à concepção da «função estatutária» como sendo «a actividade regional mais importante, já que é dela que se deriva a vida das próprias entidades político-territoriais» (Mortati), mas sem se tratar de um verdadeiro «poder constituinte», pois as Regiões são «entes constituídos» que «encontram o fundamento da sua existência e dos seus poderes não num acto de vontade autónomo e originário mas numa atribuição conferida pelo poder constituinte» (E. Gizzi), constituindo «o direito à elaboração dos estatutos e o direito à alteração dos estatutos [...] uma dimensão nuclear da autonomia regional» (J.
J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, 2003, pp. 774-775). Esta autonomia regional - que «visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses» (artigo 225.º, n.º 2, da CRP), sendo, assim, uma «autonomia forte mas integrada e solidária», «postula, naturalmente, a propósito do momento mais importante ou de fronteira da autonomia - como é o da definição estatutária do respectivo -regime- - , um princípio de -cooperação dos órgãos de soberania e dos órgãos regionais- que é, diga-se em abono da verdade, a sintomática designação do artigo 229.º», como referem Francisco Lucas Pires e Paulo Castro Rangel («Autonomia e Soberania (Os poderes de conformação da Assembleia da República na aprovação dos projectos de estatutos das Regiões Autónomas)», em Juris et De Jure - Nos vinte anos da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa - Porto, Porto, 1998, pp. 411-434, em especial pp. 422-423), que prosseguem:
«É no quadro deste -espírito constitucional- que julgamos dever interpretar-se a colaboração entre a assembleia legislativa regional, titular do monopólio de iniciativa em matéria de estatuto (artigo 226.º), e a Assembleia da República, órgão competente para a aprovação do mesmo [artigos 161.º, alínea b), e 226.º]. O modelo da Constituição da República Portuguesa é, por conseguinte, o modelo de um procedimento concertado - em linguagem de direito comunitário não se lhe poderia decerto chamar -procedimento de codecisão-, mas poder-se-ia nomeá-lo, sem forçar, como -procedimento de cooperação-. O que se pretende, numa palavra, é que cada órgão actue, pelo menos, numa medida -suportável-, -aceitável-, -sustentável- para o outro.» Não se pode, contudo, ignorar - e o caso ora em apreço tem sido precisamente apontado como um exemplo desse risco - que a competência exclusiva das assembleias legislativas regionais para a iniciativa de alterações aos Estatutos Político-Administrativos pode originar situações de «rigidez estatutária», colocando-se a questão de «como superar a -inércia regional-», sobretudo em hipóteses em que a manutenção do estatuto existente se mostre susceptível de ser acusada de desconformidade com normas ou princípios constitucionais, designadamente supervenientes. A essa questão responde J. J. Gomes Canotilho (ob. cit., p. 778) que a única via para modificar o status quo estatutário é «a via da revisão constitucional com a eventual consagração do poder de a Assembleia da República se substituir aos -parlamentos regionais- quanto à própria iniciativa de alterações aos estatutos». Foi, no fundo, este o caminho que foi seguido na revisão constitucional de 2004 perante o risco de inércia das assembleias regionais quanto à iniciativa da alteração, constitucionalmente imposta por essa revisão, do respectivo regime eleitoral: através de uma disposição transitória (artigo 47.º da Lei Constitucional 1/2004, de 24 de Julho), que limitou temporalmente (seis meses subsequentes às primeiras eleições regionais realizadas após a entrada em vigor dessa lei constitucional) a reserva da iniciativa legislativa em matéria de leis eleitorais para as Assembleias Legislativas, prevista no n.º 1 do artigo 226.º e na alínea e) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, assumindo a Assembleia da República poder de legislar nessa matéria uma vez ultrapassado aquele prazo, mesmo na falta de iniciativa regional.
No contexto em que foi aprovado o Decreto 121/X, ora em apreço, o reconhecimento da inconstitucionalidade do procedimento legislativo adoptado surge, assim, como imperioso.
9 - Esta conclusão não se mostra susceptível de ser ultrapassada pelo apelo, de acordo com o princípio da unidade da Constituição, a outras normas ou princípios constitucionais.
9.1 - Desde logo, se do artigo 117.º, n.º 2, da CRP resulta claramente uma imposição legiferante no sentido de serem legalmente estabelecidos os direitos, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento, e os respectivos direitos, regalias e imunidades, já do mesmo não decorre a imposição de esse tratamento ser uniforme, quer formal quer substancialmente. Isto é: não é constitucionalmente imposto que o regime dessas matérias conste de um único diploma (tal é, aliás, constitucionalmente afastado pela imposição de o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas constar de cada um dos respectivos Estatutos Político-Administrativos, diplomas estes que obviamente não podem conter os estatutos dos restantes titulares de cargos políticos) nem que esse regime seja materialmente uniforme para todos estes titulares. As incompatibilidades do Presidente da República serão naturalmente diferentes das dos membros do Governo, dos deputados à Assembleia da República, dos Conselheiros de Estado, dos autarcas, etc.
E mesmo entre os deputados à Assembleia da República, por um lado, e os deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, a Constituição não impõe - embora se possa entender que também não impede - uma total equiparação de regime, designadamente em matéria de incompatibilidades e impedimentos.
Dependerá da liberdade de conformação da Assembleia da República e da ponderação a que proceda quanto ao peso relativo dos diversos factores em presença - designadamente, a diferente natureza dos órgãos em causa (a Assembleia da República é um órgão de soberania e as assembleias legislativas regionais não o são), a alegada menor área de recrutamento de deputados regionais qualificados ou a menor duração dos trabalhos parlamentares regionais - a opção entre um regime de total uniformidade ou mais ou menos diferenciado. Aliás, nos últimos tempos, a Assembleia da República foi directamente confrontada com tal questão, tendo, por duas vezes, optado pela não consagração da unificação do regime de incompatibilidades e impedimentos dos deputados nacionais e regionais.
Fê-lo, primeiro, aquando da aprovação da revisão do EPARAM operada pela Lei 130/99, de 21 de Agosto. Constando da proposta de lei 234/VII apresentada pela assembleia legislativa regional da Madeira (DAR, 2.ª série-A, n.º 34, de 4 de Fevereiro de 1999, de p. 903 a p. 925), disposições (artigos 36.º e 37.º) relativas a incompatibilidades e impedimentos (o que afastava eventual impedimento ao poder de intervenção da Assembleia da República nessa matéria - sobre o poder de rejeição e alteração das propostas de alterações dos estatutos, cf. as posições doutrinárias divergentes de J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., pp. 775-777; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra 1993, p.
847, anotação iii ao artigo 228.º; Jorge Miranda, «Estatutos das Regiões Autónomas», em Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. iv, Lisboa, 1991, pp. 265-268, republicado em Estudos de Direito Regional, Lisboa, 1997, pp. 797-802, e Manual de Direito Constitucional, t. iii - Estrutura Constitucional do Estado, 5.ª ed., Coimbra, 2004, p. 306, n. 1; Carlos Blanco de Morais, A Autonomia Legislativa Regional, Lisboa, 1993, pp. 214-217; Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, ob. cit., pp. 20-27; José Luís Pereira Coutinho, A Lei Regional e o Sistema das Fontes, Polic., Lisboa, 1988, pp.
206-208, e Francisco Lucas Pires e Paulo Rangel, estudo cit.), com conteúdo claramente diferenciado das já então existentes quanto aos deputados à Assembleia da República, foram aquelas disposições aprovadas (tal como, aliás, toda a proposta) por unanimidade (DAR, 1.A série, n.º 101, de 2 de Julho de 1999, a p. 3687).
Mais recentemente, no âmbito da revisão constitucional de 2004, constando do projecto de revisão constitucional n.º 4/IX, apresentado pelo PCP [DAR, 2.ª série-A, n.º 14, de 21 de Novembro de 2003, de p. 564-(24) a p. 565-(35)], uma proposta de aditamento ao artigo 231.º da CRP de um n.º 7, do seguinte teor «[o] regime de incompatibilidades e impedimentos dos membros das assembleias legislativas regionais e dos Governos Regionais são equiparados respectivamente aos dos deputados à Assembleia da República e dos membros do Governo», veio esta proposta a ser rejeitada, com 185 votos contra (93 PSD, 76 PS, 13 CDS-PP e 3 BE), 13 votos a favor (8 PCP, 2 Os Verdes, 1 PSD, 1 PS e 1 CDS-PP) e 2 abstenções (1 PSD e 1 PS) - DAR, 1.A série, n.º 79, de 24 de Abril de 2004, a p. 4333).
9.2 - Por outro lado, não parece possível diferenciar, dentro do regime de incompatibilidades e impedimentos dos deputados regionais, uma dimensão regional e uma dimensão nacional consoante a causa da incompatibilidade ou do impedimento seja o exercício de cargos ou actividades de âmbito regional ou nacional, respectivamente. Mesmo quando a «causa» seja «nacional» (por exemplo: o exercício de funções como deputado à Assembleia da República ou o patrocínio de acções contra o Estado), do que, no caso, se trata é sempre de determinar uma restrição ao mandato de deputado regional, o que constitui, como se viu, matéria necessariamente estatutária, por imposição constitucional.
Não é, assim, salvo o devido respeito, sustentável, designadamente por apelo ao princípio da unidade do Estado, a existência de uma «concorrência de competências» entre «lei comum» da Assembleia da República (que trataria das incompatibilidades e impedimentos dos deputados regionais por causas «nacionais») e «lei estatutária» da mesma Assembleia (que trataria das incompatibilidades e impedimentos dos deputados regionais por causas «regionais»), sendo, aliás, certo que a motivação central da iniciativa legislativa em causa (impedir a intervenção dos deputados regionais da Madeira em assuntos em que sejam interessadas empresas regionais a que estejam ligados) respeita fundamentalmente à pretensa «dimensão regional» do regime de incompatibilidades e impedimentos.
9.3 - Por último, qualquer que seja o juízo que possa merecer o mérito da situação jurídica actualmente existente, o que surge como insustentável é que dele se pretenda extrair justificação para o desrespeito das claras normas constitucionais que reservam à iniciativa das assembleias legislativas regionais a proposta de alteração dos respectivos Estatutos Político-Administrativos, designadamente na parte relativa ao estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, que integra o conteúdo necessário daqueles Estatutos.
III - Decisão
10 - Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação das disposições conjugadas dos artigos 231.º, n.º 7, e 226.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 1.º do Decreto 121/X, de 17 de Maio de 2007, da Assembleia da República, que «altera o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos», na parte em que altera a redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei 64/93, de 26 de Agosto (na redacção vigente, dada pela Lei 28/95, de 18 de Agosto), incluindo os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas entre o elenco dos titulares dos cargos políticos que ficam sujeitos ao regime de exercício de funções estabelecido nessa lei.Lisboa, 3 de Julho de 2007. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Vítor Manuel Gonçalves Gomes - Carlos Alberto Fernandes Cadilha - Benjamim Silva Rodrigues - João Cura Mariano - José Manuel Borges Soeiro - Gil Galvão - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Maria Lúcia Amaral [acompanhando toda a fundamentação, mas aditando a ela o seguinte elemento «substancial»: sendo as assembleias legislativas regionais verdadeiros parlamentos (órgãos representativos da Região), as normas relativas ao estatuto dos seus deputados integram, no quadro da Constituição, o núcleo essencial dos respectivos Estatutos Político-Administrativos] - Ana Maria Guerra Martins (vencida, conforme declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.
Declaração de voto
I - Votei vencida por considerar que a fundamentação do acórdão assenta, essencialmente, em razões históricas (cf. n.os 5 e 6), sendo que uma leitura contextualizada e teleológica da letra dos artigos 226.º, n.os 1, 2 e 4, e 231.º, n.º 7, da CRP, conjugados com o artigo 117.º, n.º 2, da CRP e com os princípios constitucionais da unidade do Estado, do Estado de direito democrático e da igualdade conduz à não inconstitucionalidade do preceito em apreço. Isto porque nem todo o regime legal, ou dito de outro modo, nem todo o universo de normas, relativo às incompatibilidades e impedimentos dos deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, faz parte do «estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas» e, como tal, não integra a reserva necessária de Estatuto Político-Administrativo das Regiões Autónomas. Quer dizer, nem todo o regime de incompatibilidades e de impedimentos daqueles titulares reclama a exclusividade e a consequente exclusão de regulação por acto legislativo diverso do Estatuto Político-Administrativo.II - Com efeito, o artigo 117.º, n.º 2, da CRP, ao consagrar uma imposição legiferante, que deve ser cumprida pelo legislador ordinário, emanando, obrigatoriamente, uma ou várias leis destinadas a concretizarem, para o que neste caso releva, a matéria das «incompatibilidades dos titulares de cargos políticos», deve concretizá-la de forma global e coerente, tendo em conta os princípios constitucionais relevantes para o efeito (neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 544).
Dessa imposição legiferante decorrem, a meu ver, três consequências: em primeiro lugar, a existência de regimes legais parcelares e fragmentados é admissível, mas apenas se eles forem compatíveis entre si, não forem contraditórios e assegurarem a plenitude, ou seja, abrangerem todas as situações que devem ser reguladas; em segundo lugar, o cumprimento global e coerente da mencionada imposição legiferante implica que a existência de regimes jurídicos distintos para titulares de cargos políticos funcionalmente assimiláveis, do ponto de vista constitucional, não possa contrariar princípios constitucionais fundamentais, como sejam, por exemplo, o princípio da unidade do Estado, o princípio do Estado de direito democrático e o princípio da igualdade perante a lei. Por último, o cumprimento da imposição legiferante do artigo 117.º, n.º 2, CRP, no que diz respeito às Regiões Autónomas, não pode ficar na total dependência da iniciativa legislativa regional uma vez que há aspectos do regime de incompatibilidades e impedimentos que supõem a criação de um regime idêntico e uniforme para todo o território nacional, por não se verificarem quaisquer especificidades ou particularidades regionais que justifiquem um regime especial regional. Como tal, esses aspectos, ainda que constem do Estatuto Político-Administrativo, não ficam excluídos do âmbito de aplicação da lei nacional.
III - Este entendimento sai reforçado se pensarmos que o princípio do Estado de direito democrático impõe a independência dos deputados, no exercício do seu mandato, face a qualquer poder, público ou privado, a imparcialidade e a transparência, bem como a igualdade dos titulares dos cargos políticos, tratando igualmente o que é essencialmente idêntico e diferentemente o que é desigual. A Constituição opõe-se, portanto, a que titulares de funções equivalentes sejam objecto de um regime de incompatibilidades e impedimentos diferenciado, mais favorável e até privilegiado, como é o caso dos deputados da Assembleia Regional da Madeira, como ficou demonstrado no acórdão e se dá aqui por reproduzido. A igualdade, neste caso, só se conseguirá atingir através de uma lei de âmbito nacional e de aplicação uniforme.
Naturalmente que estes princípios, assim como os valores que lhe estão subjacentes, não se circunscrevem às parcelas do território nacional que não se encontram sujeitas a um regime autonómico regional. Pelo contrário, em obediência ao princípio da unidade do Estado são extensivos a todo o território nacional e, como tal, reclamam um tratamento nacional da questão das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de órgãos políticos. A autonomia regional não pode fundar discriminações entre os cidadãos nacionais, titulares de cargos políticos, no tocante ao gozo de direitos e imposições, de carácter público, sem que as especificidades regionais o justifiquem, como acontece actualmente.
Em suma, para assegurar o cumprimento dos princípios da unidade do Estado, do Estado de direito democrático e da igualdade, a imposição legiferante, constante do artigo 117.º, n.º 2, da CRP, em matéria de incompatibilidades e impedimentos dos titulares dos órgãos políticos, não pode deixar de incluir os titulares dos órgãos próprios de governo regional, e só conseguirá ser cumprida através de legislação de âmbito nacional.
IV - Deve notar-se ainda que o regime diferenciado em matéria de incompatibilidades e impedimentos dos deputados da Assembleia Legislativa da Madeira, constante do Estatuto Político-Administrativo da Madeira, não se justifica por nenhum dos critérios enunciados no artigo 225.º da CRP como fundamentadores da autonomia regional.
Ora, se não se verificam nenhumas especificidades que justifiquem a inclusão de uma determinada incompatibilidade no Estatuto da Região, ela deve ser objecto de um tratamento de âmbito nacional. Como já se disse, a criação de regimes parcelares e fragmentados susceptíveis de criar distorções e situações de privilégio viola, sem dúvida, a imposição legiferante do artigo 117.º, n.º 2, da CRP.
V - Do exposto resulta que o artigo 231.º, n.º 7, da CRP deve ser interpretado no sentido de que somente a parte do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas que não reclama um tratamento de âmbito nacional deve ser definida nos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas. Ou seja, apenas as especialidades do Estatuto fazem parte da reserva estatutária regional e, como tal, a competência da Assembleia da República deve ser exercida mediante iniciativa legislativa da Região Autónoma. Por outras palavras, a iniciativa legislativa da Região Autónoma, neste domínio, apenas opera relativamente às especialidades, particularidades, especificidades do Estatuto e não em relação a todo o regime jurídico.
VI - No caso em apreço, considero que a extensão do regime legal de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos aos deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, pelas razões expostas, não está subtraída à iniciativa da Assembleia da República.
A tese vencedora, ou seja, a inclusão de todo o universo de normas relativo às incompatibilidades e impedimentos dos titulares dos órgãos de governo regional no «estatuto» a que se refere o artigo 231.º, n.º 7, da CRP, conduz à cristalização do regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos deputados da Região Autónoma da Madeira, como se demonstra, aliás, pela retirada da proposta de lei 3/X/1.A (de alteração do Estatuto Político-Administrativo) apresentada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira na Mesa da Assembleia da República, em 15 de Abril de 2004, quando se apercebeu de que alguns grupos parlamentares na Assembleia da República pretendiam introduzir mudanças significativas no regime de incompatibilidades e impedimentos dos membros daquela Assembleia Legislativa que visavam a aproximação daquele regime especial regional ao regime geral de âmbito nacional.
Na minha óptica, a tese vencedora, ao colocar toda a matéria das incompatibilidades e impedimentos, em exclusividade, na iniciativa legislativa das assembleias legislativas regionais, leva a que a inércia destas configure a impossibilidade formal de alteração das actuais situações de privilégio, não justificado e, portanto, proibido pela Constituição, dos deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em comparação com todos os outros titulares de cargos políticos, como se tem vindo a verificar. Conduz, portanto, ao paradoxo de colocar o impulso de alteração dos Estatutos relativamente a esta matéria nas mãos daqueles a quem a situação de privilégio aproveita, o que, repete-se, contraria os mais elementares princípios do Estado de direito democrático e da igualdade perante a lei consignados na Constituição. - Ana Maria Guerra Martins.