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Acórdão 212/86, de 4 de Julho

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Sumário

Declara inconstitucional o artigo único do decreto registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 261/86, na parte em que dá nova redacção ao n.º 1 e à segunda parte do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril.

Texto do documento

Acórdão 212/86

Processo 154/86

1 - O Sr. Presidente da República requereu a este Tribunal, em 6 do corrente, nos termos dos artigos 278.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa e 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação preventiva da constitucionalidade do artigo único do decreto registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 261/86, por ele recebido em 2 também do corrente para efeito de promulgação como decreto-lei, norma essa que altera a redacção do artigo 4.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, ou seja, o diploma que estabelece as bases gerais das empresas públicas.

Fundamentou o pedido em duas ordens de considerações:

a) Por um lado, tanto a matéria do n.º 1 do referido artigo - que obriga à emissão de decreto-lei para a criação de empresas públicas e aprovação dos respectivos estatutos - como a matéria do seu n.º 2 - que impõe a consulta aos respectivos trabalhadores para a elaboração dos estatutos das empresas públicas criadas por transformação de empresas já existentes, bem como para a introdução de alterações a estatutos em vigor, e fixa prazo para o seu parecer - incluem-se no âmbito do «estatuto das empresas públicas», que faz parte da reserva relativa de competência legislativa, nos termos do artigo 168.º, n.º 1, alínea v), da Constituição, e no caso não foi dada pela Assembleia da República qualquer autorização ao Governo; e «não parece estar-se perante um simples desenvolvimento de princípios ou bases gerais do regime jurídico contido no citado Decreto-Lei 260/76, como se poderia depreender da invocação do artigo 201.º, n.º 1, alínea c), da Constituição, feita no projecto de diploma», pois «as alterações a esse regime constantes das normas do projecto respeitam a um aspecto essencial do estatuto das empresas públicas - a forma de que se reveste o acto de criação e o processo de audição prévia dos trabalhadores no caso de alterações estatutárias ou de transformação de empresas públicas»;

b) Por outro lado, a matéria constante do n.º 2 do preceito integra «legislação do trabalho», nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea c), da Lei 16/79, de 26 de Maio, e 24.º, n.º 1, alínea i), da Lei 46/79, de 12 de Setembro, e, não estando demonstrada qualquer participação das organizações de trabalhadores na elaboração do «projecto de diploma» em apreço, violaram-se os artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.

A resposta do Governo foi apresentada para além do prazo legal e, por isso, não foi admitida.

Não oferecendo qualquer dúvida a tempestividade do pedido, cumpre decidir.

2 - É o seguinte o texto do decreto em apreciação:

Artigo único. O artigo 4.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, passa a ter a seguinte redacção:

1 - As empresas públicas são criadas por decreto-lei, o qual, em anexo que dele faz parte integrante, incluirá os estatutos.

2 - A elaboração dos estatutos de empresas públicas criadas por transformação de empresas já existentes, bem como a introdução de alterações em estatutos em vigor, deve ser precedida [sic] de consulta aos trabalhadores da empresa, que disporão, para dar o seu parecer ao ministro da tutela, do prazo máximo de quinze dias, a contar da recepção do escrito em que for solicitado.

O diploma, editado, segundo nele se diz, «nos termos do artigo 201.º, n.º 1, alínea c), da Constituição», é assim justificado no respectivo preâmbulo:

Independentemente da necessidade de profunda alteração, demonstrada pela prática, do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, importa adequar o seu artigo 4.º à letra da Constituição e, bem assim, ao imperativo de audição prévia dos trabalhadores.

Como se disse, o Decreto-Lei 260/76 é o diploma que, embora alterado - designadamente pelo Decreto-Lei 29/84, de 20 de Janeiro -, estabelece ainda hoje as bases gerais das empresas públicas.

Tais empresas são definidas no n.º 1 do artigo 1.º como sendo «as empresas criadas pelo Estado, com capitais próprios ou fornecidos por outras entidades públicas, para a exploração de actividades de natureza económica ou social, de acordo com o planeamento económico nacional, tendo em vista a construção e desenvolvimento de uma sociedade democrática e de uma economia socialista», esclarecendo-se no n.º 2 do mesmo artigo que «são também empresas públicas e estão, portanto, sujeitas aos princípios consagrados no presente diploma as empresas nacionalizadas». O artigo 2.º estabelece no n.º 1 que «as empresas públicas gozam de personalidade jurídica e são dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial».

De acordo com o artigo 3.º, essas empresas «regem-se pelo presente decreto-lei, pelos respectivos estatutos e, no que por aquele e estes não for especialmente regulado, pelas normas de direito privado».

Acerca da criação das empresas públicas dispõe o artigo 4.º:

1 - As propostas de criação de empresas públicas, acompanhadas dos necessários estudos técnicos e económico-financeiros, são submetidas a Conselho de Ministros, o qual deliberará sobre a sua criação e designará o ministro da tutela.

2 - A constituição de empresas públicas faz-se por decreto referendado pelo Primeiro-Ministro, pelo Ministro das Finanças e pelos ministros responsáveis pelo planeamento e pelo ministro da tutela.

3 - O decreto de constituição deve mencionar o ministro da tutela e compreender, em anexo, o estatuto da empresa que dele é parte integrante e só pode ser alterado pela forma referida no número anterior.

4 - A elaboração dos estatutos de empresas públicas criadas por transforamação de empresas já existentes, bem como a introdução de alterações em estatutos em vigor, deve ser precedida de consulta aos trabalhadores da empresa, que disporão, para dar o seu parecer, de um período máximo de tempo a fixar pelo ministro da tutela.

É este artigo 4.º que se pretende alterar, pela forma já dita.

E o que se questiona, em primeiro lugar, no requerimento do Sr. Presidente da República é se legislar sobre essa matéria é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, nos termos do artigo 168.º, n.º 1, alínea v), da Constituição.

2.1 - Segundo o preceito invocado, é da exclusiva competência da Assembleia da República - salvo autorização ao Governo - legislar sobre «estatuto das empresas públicas».

Esta matéria não constava do originário artigo 167.º da Constituição, que definia a «reserva de competência legislativa», tendo sido acrescentada a essa reserva (relativa) pela Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro.

O que deve entender-se por «estatuto, das empresas públicas»? Transcreve-se a propósito a seguinte passagem do preâmbulo do Decreto-Lei 260/76:

O presente diploma define os princípios fundamentais a que devem obedecer os estatutos das empresas públicas, constituindo, por assim dizer, uma moldura dentro da qual se admite a diferenciação desses estatutos, em ordem a permitir a sua adaptação às características da actividade de cada empresa.

Afasta-se, assim, quer da orientação seguida na maioria dos países da Europa Ocidental, onde, na falta de uma lei geral sobre o regime das empresas públicas, se verifica uma grande disparidade em aspectos relevantes dos seus estatutos, quer da solução adoptada nos países socialistas da Europa de Leste, onde as empresas do Estado, com raras excepções, são regidas por uma lei geral que, uniforme e detalhadamente, regula todos os aspectos da sua organização e funcionamento.

A primeira solução é, geralmente, considerada inconveniente pela doutrina, em virtude do carácter lacunar e contraditório que a regulamentação desta matéria vem a revelar, sobretudo naqueles países em que as empresas públicas, pelo seu número e dimensão, têm um peso considerável nas respectivas economias.

A solução consagrada nos países da Europa de Leste de uniformizar, pura e simplesmente, em todos os seus aspectos, o regime das empresas do Estado também não se afigura aconselhável pelo que perde em flexibilidade, impedindo a adaptação dos estatutos às características próprias da actividade de cada empresa e introduzindo um elemento de rigidez incompatível com a dinâmica própria de uma economia em fase de transição.

No presente diploma adopta-se uma posição intermédia.

De acordo com esta orientação inscreveram-se no artigo 5.º desse decreto-lei as «especificações obrigatórias» dos estatutos, que são: (a) denominação, que deve ser sempre precedida ou seguida das palavras «Empresa Pública» ou das iniciais «E. P.»; (b) sede; (c) objecto; (d) constituição, competência e funcionamento dos seus órgãos; (e) ministério da tutela; (f) normas relativas à intervenção do Governo; (g) regras sobre gestão financeira e patrimonial; (h) regime de exploração, caso se trate de empresa que explore um serviço público ou exerça a sua actividade em regime de exclusivo; (i) regras gerais relativas ao estatuto do pessoal; (j) regime fiscal da empresa e participação do Estado nos seus resultados.

Ora é no mesmo sentido que se deve interpretar a fórmula «estatuto das empresas públicas», usada na alínea v) do n.º 1 do artigo 168.º Como dizem J.

J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., revista e ampliada, 1985, n. XXII a esse artigo, «é evidente que se não exige que seja a AR a aprovar o estatuto de cada empresa, mas sim e apenas o estatuto geral das empresas públicas, a que hão-de subordinar-se os estatutos particulares de cada uma delas».

É, pois, da competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, definir, através de lei, o estatuto - geral - por que se hão-de reger as empresas públicas, embora não tenha de ser esse mesmo órgão a aprovar o estatuto de cada empresa, estatuto que, todavia, sempre deverá subordinar-se no estatuto geral.

Nem se diga que no caso do artigo 4.º do Decreto-Lei 260/76, na redacção pretendida pelo Governo, se não trata do estatuto das empresas públicas, mas sim da criação dessas empresas (n.º 1) e do processo de elaboração dos respectivos estatutos (n.º 2), matérias que, por isso mesmo, não cairiam na reserva relativa de competência legislativa.

Quanto ao primeiro ponto, pode responder-se com os referidos autores, no lugar citado, que «no estatuto geral cabe necessariamente também o regime da criação e de extinção ou transformação das empresas públicas», incluindo, portanto, a forma do acto de criação de tais empresas, seja ela qual for. Logo, ao alterar a norma que dispõe sobre a forma desse acto, está o Governo a invadir a reserva de competência legislativa.

Quanto à consulta prévia dos trabalhadores sobre a elaboração dos estatutos de empresas públicas criadas por transformação de empresas já existentes, bem como sobre a introdução de alterações em estatutos em vigor, e à fixação de prazo para o respectivo parecer, parece igualmente evidente que a fórmula «estatuto, das empresas públicas» abrange todo o processo de elaboração dos estatutos de empresas criadas de novo ou de alteração de estatutos de empresas já existentes.

Aqui, porém, importa fazer uma distinção. É que a nova redacção da primeira parte do n.º 2 do preceito reproduz, ipsis verbis, a sua redacção actual e, conforme entendimento uniforme da Comissão Constitucional e já deste Tribunal, não pode falar-se então em inconstitucionalidade orgânica da nova norma, pois «a emissão da norma nova em nada afectou a reserva de competência da Assembleia da República, tudo se passando como se o novo legislador - o Governo se tivesse mantido inactivo em tal matéria, abstendo-se de legislar»: pareceres da referida Comissão n.os 2/79, de 19 de Janeiro, 24/80, de 24 de Julho, 29/80, de 9 de Outubro, 3/82, de 12 de Janeiro, 12/82, de 31 de Março, e 17/82, de 20 de Maio (nos Pareceres da Comissão Constitucional, 7.º vol., p. 189, 13.º vol., pp. 129 e 249, 18.º vol., p. 141, e 19.º vol., pp. 113 e 253, respectivamente), e Acórdão deste Tribunal n.º 1/84, de 11 de Janeiro (no Diário da República, 2.ª série, n.º 97, de 26 de Abril de 1984).

A primeira parte do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei 260/76, na sua nova redacção, não viola, pois, a alínea v) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição.

Viola, sim, essa mesma alínea a segunda parte dessa norma, já que aqui há inovação. Com efeito, onde se diz que os trabalhadores «disporão, para dar o seu parecer, de um período máximo de tempo a fixar pelo ministro da tutela», passa a dizer-se que eles «disporão, para dar o seu parecer ao ministro da tutela, do prazo máximo de quinze dias, a contar da recepção do escrito em que for solicitado».

Há aqui, como se vê, alteração do prazo que os trabalhadores têm para dar o seu parecer sobre os estatutos das empresas públicas ou suas alterações, prazo que, de variável, passaria a ser fixo, alteração tanto mais importante quanto é certo que, como se salienta no preâmbulo do Decreto-Lei 260/76, «em matéria de intervenção dos trabalhadores na vida das empresas públicas, o presente diploma consagra uma fórmula muito flexível, com o intuito de evitar que a iniciativa dos trabalhadores seja espartilhada por esquemas rígidos e de permitir a adaptação dos estatutos das empresas as soluções que os seus trabalhadores venham a considerar como mais convenientes para a defesa dos seus interesses».

E a alteração verifica-se mesmo em confronto com o estatuído no artigo 24.º da Lei 46/79, de 12 de Setembro (comissões de trabalhadores). É que esse artigo, depois de fixar o prazo de quinze dias para a comissão de trabalhadores dar o seu parecer sobre os estatutos das empresas do sector empresarial do Estado e respectivas alterações, admite que «outro maior» seja concedido «em atenção da extensão ou complexidade da matéria» [n.º 1, alínea i), e n.º 2].

2.2 - Cabendo as matérias de que se ocupa o decreto em apreciação na reserva relativa de competência legislativa, de acordo com o artigo 168.º, n.º 1, alínea v), da Constituição, o Governo só poderia legislar mediante autorização desta, ao abrigo do disposto no artigo 201.º, n.º 1, alínea b), da lei fundamental.

Afastada fica, pois, a competência que é atribuída ao Governo, quer pela alínea desse n.º 1 - «fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República» -, quer pela alínea c) do mesmo preceito: «fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam».

E, se se faz esta referência a essas competências, é apenas porque o Governo invoca no diploma em apreciação o artigo 201.º, n.º 1, alínea c), da Constituição.

Sem fundamento, porém. Em primeiro lugar, e decisivamente, porque as matérias objecto do diploma caem na competência exclusiva da Assembleia da República, como já se viu. Em segundo lugar, porque não estamos em presença de «desenvolvimento» de bases gerais, mas sim de «alterações» ao regime fixado na actual redacção do artigo 4.º do Decreto-Lei 260/76:

quanto à criação de empresas públicas, em vez de «decreto referendado pelo Primeiro-Ministro, pelo Ministro das Finanças e pelos ministros responsáveis pelo planeamento e pelo ministro da tutela», fala-se agora em «decreto-lei»;

quanto ao prazo para o parecer dos trabalhadores sobre os estatutos, em vez de «um período máximo de tempo a fixar pelo ministro da tutela», estabelece-se agora o «prazo máximo de quinze dias, a contar da recepção do escrito em que for solicitado».

2.3 - A inconstitucionalidade da nova redacção do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei 260/76 vem ainda fundamentada, como se disse, na violação de outros preceitos da Constituição, concretamente os artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a).

Mas, verificada a sua inconstitucionalidade por violação do preceito do artigo 168.º, n.º 1, alínea v), da lei fundamental, torna-se inútil, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal em casos idênticos, prosseguir na apreciação da constitucionalidade da referida norma.

3 - Pelo exposto, o Tribunal Constitucional pronuncia-se pela inconstitucionalidade do artigo único do decreto registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 261/86, na parte em que dá nova redacção ao n.º 1 e à segunda parte do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril.

Lisboa, 18 de Junho de 1986 - Mário de Brito - Costa Mesquita - José Magalhães Godinho - Mário Afonso - Vital Moreira - Antero Alves Monteiro Diniz - José Martins da Fonseca - Raul Mateus (vencido parcialmente, nos termos da declaração de voto junta) -José Manuel Cardoso da Costa (votei o acórdão, mas com alguma dúvida quanto à inconstitucionalidade do n.º 2 da disposição em apreço.

Isto na medida em que não é para mim absolutamente líquido, neste momento, que a regulamentação constante do Decreto-Lei 260/76, de 6 de Abril, que é um diploma anterior à consagração da reserva parlamentar do artigo 168.º, alínea j), da Constituição, deva considerar-se necessariamente incluída nessa reserva) - Messias Bento (vencido quanto à pronúncia de inconstitucionalidade do n.º 2, dado entender que só é matéria de estatuto a consagração do direito à audição dos trabalhadores, já não revestindo essa natureza a quantificação do prazo para o efeito) - Armando Manuel Marques Guedes (vencido, pelas mesmas razões que as expressas no seu voto pelo Exmo. Sr. Conselheiro Messias Bento).

Declaração de voto

1 - Divergindo parcialmente da decisão, entendi - e nesse sentido votei - que o Tribunal Constitucional não se deveria ter pronunciado pela inconstitucionalidade do artigo único do decreto registado na Presidência do Conselho de Ministros sob o n.º 260/86 na parte em que dá nova redacção ao segundo segmento do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril (n.º 2 que, relativamente ao texto actual, corresponde ao n.º 4 do artigo 4.º).

De facto, tal matéria, por direitas contas, não pode considerar abrangida pela reserva parlamentar definida no artigo 168.º, n.º 1, alínea v) da Constituição da República Portuguesa (CRP),preceito segundo o qual é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização do Governo, legislar sobre o estatuto das empresas públicas.

É que o estatuto das empresas públicas, importa salientá-lo, corresponde por definição, ao conjunto de normas jurídicas que prefixam, em termos gerais, os seus princípios institucionais e orgânicos. E se, por razões de ordem histórica, é de presumir que o legislador constituinte, aquando da revisão instrumentada na Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro, se orientou para uma delimitação do âmbito do estatuto das empresas pública - e consequentemente do sector de reserva consignado no citado artigo 168.º, alínea v) - por referência ao quadro legal anteriormente delineado no Decreto-Lei 260/76, já não parece aceitável presumir ainda que essa coincidência se tenha necessariamente de estender quadriculadamente, malha a malha, a todas as dimensões desse texto legal, mesmo àqueles pontos que só periférica ou lateralmente se prendem com os princípios institucionais e orgânicos definidores do regime comum das empresas públicas. Ou, por outras palavras, aquela presunção de coincidência não pode subsistir sempre que seja claro que certa matéria, contemplada embora no Decreto-Lei 260/76, foge de todo em todo do campo estatutário propriamente dito.

Aliás, mesmo o preâmbulo do Decreto-Lei 260/76 aponta, de certo modo, nesse sentido quando especifica que tal «diploma define os princípios fundamentais a que devem obedecer os estatutos das empresas públicas, constituindo, por assim dizer, uma moldura dentro da qual se admite a diferenciação desses estatutos» (itálico acrescentado).

2 - Nesta óptica, e porque o caso, a todas as luzes, extravasa de tal quadro de princípios fundamentais, considerou-se que a simples alteração dos termos do prazo de que os trabalhadores das empresas dispunham para dar o seu parecer ao ministro da tutela não podia ter-se, em bom rigor, como intromissão legislativa de ordem governamental no domínio do estatuto das empresas públicas. Deste modo, o Executivo, ao modificar, por essa forma, a segunda parte do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei 260/76 (equivalente ao actual n.º 4 desse artigo) não invadiu a esfera de reserva legislativa da Assembleia da República, tal-qualmente ela é definida no artigo 168.º, n.º 1, alínea v), da CRP.

Daí que não se justificasse considerar inconstitucional, por esta via, o segmento normativo em questão. - Raul Mateus.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1986/07/04/plain-177292.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/177292.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1976-04-08 - Decreto-Lei 260/76 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Planeamento

    Estabelece as bases gerais das empresas públicas.

  • Tem documento Em vigor 1979-05-26 - Lei 16/79 - Assembleia da República

    Regula a participação das organizações de trabalhadores (comissões de trabalhadores e respectivas comissões coordenadoras, bem como associações sindicais) na elaboração da legislação de trabalho. Aprova e publica em anexo o modelo do impresso destinado ao pronunciamento das referidas organizações sobre os projectos e propostas de legislação, nos prazos e condições estipulados neste diploma.

  • Tem documento Em vigor 1979-09-12 - Lei 46/79 - Assembleia da República

    Comissões de trabalhadores.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-01-20 - Decreto-Lei 29/84 - Ministério das Finanças e do Plano

    Altera o Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, que estabelece as bases gerais das empresas públicas.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1986-09-11 - Acórdão 273/86 - Tribunal Constitucional

    Declara inconstitucional as normas do artigo 3.º do decreto aprovado pelo Conselho de Ministros em 24 de Julho findo e registado sob o n.º 517/86 na Presidência do Conselho de Ministros, enviado para promulgação como decreto-lei, por violação do disposto na alínea v) do artigo 168.º da Constituição da República.

  • Tem documento Em vigor 1991-11-06 - Acórdão 373/91 - Tribunal Constitucional

    PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS DOS ARTIGOS 5, 6, 8, 9, 13, 15, 16 E 25 DO DECRETO REGISTADO SOB O NUMERO 412/91 NA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS - PROJECTO DE DIPLOMA QUE INTRODUZ ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DO SERVIÇO DOMÉSTICO APROVADO PELO DECRETO LEI NUMERO 508/80, DE 21/10 -, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NA NORMA DO ARTIGO 186, NUMERO 1, ALÍNEA B), DA CONSTITUICAO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, EM CONJUGACAO COM OS ARTIGOS 53, 17 E 59, NUMERO 1, ALÍNEAS A) E D), DESTE DIPLOMA.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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