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Acórdão 673/99/T, de 28 de Março

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Texto do documento

Acórdão 673/99/T. Const. - Processo 785/95. - Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - 1 - Um grupo de deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira requereu ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República (CR), a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma da alínea a) do artigo 5.º do Decreto-Lei 338/88, de 28 de Setembro, diploma que, no desenvolvimento do regime jurídico do exercício da actividade de radiodifusão estabelecido pela Lei 87/88, de 30 de Julho, veio estatuir a respeito da atribuição de alvarás e licenciamento de estações emissoras de radiodifusão sonora.

Dispõe a norma em causa:

"Artigo 5.º A cobertura radiofónica será considerada de âmbito geral, regional ou local consoante abranja, com o mesmo programa e sinal recomendado, respectivamente:

a) Todo o território nacional ou, no mínimo, o território continental português;

b) [...]

c) [...]"

Entendem os requerentes ser inconstitucional este inciso normativo, ao permitir, ainda que para fins de cobertura radiofónica, que o conceito geográfico de território nacional sofra uma "artificial, abusiva e ilegítima amputação, ou redução".

É que - em seu critério -, se conjugadas a definição e dimensão material, jurídica e teleológica da norma com a natureza do serviço e fins da radiodifusão sonora, contidos nos artigos 4.º e 5.º da citada Lei 87/88, se verifica a "redutora e absurda qualificação do território nacional ao território continental", o que significa violação de vários princípios constitucionais: o princípio da unidade do Estado, o princípio da igualdade dos cidadãos portugueses e o princípio do direito à informação, consagrados constitucionalmente nos artigos 6.º, 13.º e 37.º, n.º 1, da lei fundamental, respectivamente.

2 - O pedido foi admitido, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, não sem, previamente, o Presidente do Tribunal Constitucional ter registado as suas dúvidas quanto à admissibilidade do mesmo em função da legitimidade dos requerentes para esse efeito.

Na verdade, antes de ordenar a notificação do seu despacho de admissão ao Primeiro-Ministro e aos requerentes, não se absteve aquela entidade de escrever o seguinte:

"Nos termos do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, os 'deputados às assembleias legislativas regionais' só dispõem de legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas quando fundamentem o correspondente requerimento 'em violação dos direitos das Regiões Autónomas' (isto é, da respectiva Região).

Ora, pode certamente perguntar-se se, ao dispor nesses termos, o legislador constitucional não terá directa (e exclusivamente) em vista os 'direitos das Regiões' consignados no título VII da lei fundamental - e, em particular, no seu artigo 229.º -, ou seja, aqueles 'direitos' (atribuições e competência) que justa e especificamente definem e caracterizam a 'autonomia' em causa.

Assim, como não se afigura vir invocado, no caso, um 'direito' desse tipo, não será descabido pôr a questão da legitimidade dos requerentes no presente pedido.

Todavia, porque a questão será, em todo o caso, duvidosa, entendo não fazer uso da faculdade prevista no artigo 52.º da Lei do Tribunal Constitucional, admitindo, por agora, o pedido e deixando para final a decisão definitiva sobre essa admissibilidade - tendo em conta o preceituado no n.º 4 do artigo 51.º da mesma lei."

Notificado, o Primeiro-Ministro veio sustentar, em síntese:

a) Que o pedido não deveria ser admitido, uma vez que não tem por fundamento a violação de direitos regionais, tal como determina a alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da CR, sendo, assim, manifesta a falta de legitimidade dos requerentes;

b) A entender-se, porém, ser de apreciar a questão de constitucionalidade material do pedido, deverá o Tribunal Constitucional não declarar a inconstitucionalidade do preceito sindicado - já que o mesmo se mostra plenamente conforme com os artigos 6.º e 13.º e com o n.º 1 do artigo 37.º da CR.

Debatido o memorando apresentado nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro (redacção da Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro), e fixada a orientação do Tribunal, foram os autos atribuídos ao relator por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional de 17 de Novembro último, nos termos da parte final do n.º 2 daquele artigo.

3 - Está, assim, em causa a constitucionalidade da norma da alínea a) do artigo 5.º do Decreto-Lei 338/88, de 28 de Setembro, ao dispor que "a cobertura radiofónica será considerada de âmbito geral, regional ou local consoante abranja, com o mesmo programa e sinal recomendado, respectivamente: a) todo o território nacional ou, no mínimo, o território continental português [...]", no tocante a este último segmento que prevê, no mínimo, a cobertura radiofónica limitada ao território continental português.

O pedido foi subscrito, conforme se retira da leitura do requerimento inicial, por 12 deputados à respectiva Assembleia Legislativa Regional, pelo que satisfaz a exigência de um décimo, constante da citada alínea g) do n.º 1 do artigo 281.º da CR, considerando que o número de deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira era, então, 57 (cf. o mapa oficial da Comissão Nacional de Eleições, publicado no Diário da República, 1.ª série-B, de 26 de Outubro de 1992, e o disposto nos artigos 10.º da Lei 13/91, de 5 de Junho - Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira -, e 2.º do Decreto-Lei 318-E/76, de 30 de Abril).

Coloca-se, no entanto, e desde logo, o problema da legitimidade dos deputados em questão para requerer a pretendida declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral - como no despacho liminar se deixou consignado e o Primeiro-Ministro, na sua resposta, reiterou, sustentando, com base na circunstância em que assentam as dúvidas expressas no despacho, a ilegitimidade dos requerentes.

Seja como for, independentemente da abordagem da questão de legitimidade, desde já uma outra se perfila, relativa ao interesse actual do conhecimento do problema de constitucionalidade.

Sublinhe-se que em recente acórdão - n.º 54/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 29 de Março de 1999 - lavrado em sede de fiscalização abstracta de constitucionalidade, pedida, de resto, pelos mesmos requerentes e pertinente a norma semelhante, só que relativa à actividade de televisão [a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 58/90, de 7 de Setembro], o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do pedido, por inutilidade superveniente, sem prejuízo de também, então, o Presidente do Tribunal ter colocado, em termos idênticos, o problema da legitimidade dos requerentes.

Como tal, será aquela a questão a equacionar.

II - 1 - A Lei 87/88, de 30 de Julho, veio regular o exercício da actividade da radiodifusão no território nacional (cf. o n.º 1 do artigo 1.º), revogando a legislação anterior sobre "licenciamento de estações emissoras de radiodifusão" (Lei 8/87, de 11 de Março).

Dispunha o seu artigo 2.º sobre o exercício da actividade de radiodifusão, permitida a entidades públicas, privadas ou cooperativas, de acordo com o respectivo diploma e nos termos do regime de licenciamento a definir por decreto-lei, salvaguardados os direitos já adquiridos pelos operadores devidamente autorizados (n.º 1 do preceito), devendo constar desse decreto-lei "as condições de preferência a observar no concurso público de utilização de alvarás para o exercício da actividade de radiodifusão, os motivos de rejeição das propostas e as regras de transmissão, suspensão, cancelamento e período de validade dos mesmos" (n.º 4).

De acordo com o artigo 51.º da citada lei, foi concedido ao Governo o prazo máximo de 60 dias para aprovar o diploma a que o n.º 1 daquele artigo 2.º se refere.

A iniciativa do Governo, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 87/88, e nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 201.º da CR, deu lugar ao Decreto-Lei 338/88, onde se insere a norma em sindicância.

No entanto, e como se verá, a norma questionada acha-se neste momento revogada, havendo sido substituída por outra, de teor e alcance diferentes.

Com efeito, a Lei 2/97, de 18 de Janeiro, procedeu à revisão do regime do exercício da actividade de radiodifusão sonora, tal como a Lei 87/88 o estabelecera, e, na sua sequência, o Decreto-Lei 130/97, de 27 de Maio, adequando o regime do licenciamento às alterações introduzidas e à experiência acumulada no sector, aprovou uma nova disciplina nessa área e na de atribuição de alvarás.

Para o efeito, no seu artigo 40.º revoga-se expressamente o Decreto-Lei 338/88, sendo ainda certo que nele deixou de figurar qualquer norma funcionalmente equivalente à sindicanda.

Na verdade, por aditamento levado a efeito pelo artigo 2.º da Lei 2/97 à Lei 87/88, passou a constar desta um novo preceito, o artigo 2.º-A, do seguinte teor, na parte que interessa:

"Artigo 2.º-A

Tipologia de rádios

1 - Quanto ao nível de cobertura, as rádios podem ser de âmbito geral, regional ou local consoante abranjam com o mesmo programa e sinal recomendado, respectivamente:

a) A generalidade do território nacional;

b) Um conjunto de distritos no continente ou um conjunto de ilhas nas Regiões Autónomas ou uma ilha com vários municípios;

c) Um município;

[...]"

Na sua literalidade, o confronto entre a norma da alínea b) do artigo 2.º-A e a norma objecto do presente pedido de fiscalização abstracta de constitucionalidade não deixará dúvidas quanto à diferença entre ambas, que é, também, de conteúdo normativo: a determinação do espaço de cobertura territorial radiofónica é feita - agora - em função da "generalidade do território nacional", enquanto anteriormente essa aferição se fazia relativamente a "todo o território nacional, ou, no mínimo, o território continental português", dando, assim, azo à suscitada questão de constitucionalidade.

2 - Constitui jurisprudência pacífica e reiterada deste Tribunal o entendimento segundo o qual o facto de uma norma ter sido revogada não implica necessariamente que se deixe de conhecer do pedido de fiscalização abstracta da sua constitucionalidade.

No entanto, como, a este propósito, se observou no Acórdão 639/98 - publicado no Diário da República, 2.ª série, de 29 de Dezembro de 1998 -, se não houver um interesse jurídico relevante na apreciação do pedido não se justifica o conhecimento da questão de constitucionalidade, o que se insere na orientação jurisprudencial preponderante, que não reconhece esse interesse no conhecimento de um pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral sempre que não se detecta qualquer alcance prático na emissão de uma tal declaração - cf., por todos, o Acórdão 465/91, publicado no citado jornal oficial, 2.ª série, de 20 de Abril de 1992.

Esse entendimento tem sido professado - como já se salientou no acima citado Acórdão 54/99 -, seja perante a revogação de norma aprecianda, exigindo-se - não obstante eventual produção de efeitos dessa norma - um juízo de adequação e proporcionalidade legitimante do mecanismo de índole genérica e abstracta que é a declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade (caso, v. g., do Acórdão 238/88, publicado no citado jornal oficial, 2.ª série, de 21 de Dezembro de 1988), seja nos casos de inutilidade prática da declaração quando, se esta ocorrer, razões de segurança jurídica e de equidade imponham a limitação dos respectivos efeitos (cf., v. g., o Acórdão 806/93, publicado no mesmo diário, 2.ª série, de 29 de Janeiro de 1994).

3 - Nesse Acórdão 54/99 ponderou-se que o conhecimento do pedido e a eventual declaração de inconstitucionalidade não comportam interesse prático actual, ou seja, não consubstanciam interesse jurídico relevante. Isto porque a alteração legislativa subsequente retirou qualquer utilidade à emissão de uma decisão de mérito sobre a constitucionalidade do segmento normativo em causa.

Entende-se ser inteiramente transponível essa conclusão para o caso presente, ao qual se ajusta perfeitamente. Verifica-se não só paralelismo entre o texto da norma então sindicada e a situação a que o mesmo respeitava e o texto agora em apreço e a respectiva situação, como existe inclusivamente identidade entre estas situações, na medida em que também aí a norma já estava revogada e substituída por outra e se fez apelo ao mesmo elemento definitório que o legislador utilizou na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º-A da Lei 87/88.

Acrescenta-se que o Acórdão 54/99 não deixou de referir, também, a Lei 31/96, de 14 de Agosto, relativa às "televisão e rádio nas Regiões Autónomas" como diploma susceptível de convocar-se em ordem a eliminar "as reservas de matriz constitucional que o texto sob sindicância proporcionaria" (cf. o n.º 4 do ponto II desse aresto).

Com efeito, este diploma veio dizer, no n.º 1 do seu artigo 1.º, que "o serviço público de rádio e de televisão constitucionalmente consagrado inclui o acesso das Regiões Autónomas às emissoras incumbidas de tal serviço", dispondo o artigo 2.º que "o Estado deve contribuir para criar as condições necessárias para que as Regiões Autónomas possam ter acesso às emissoras de âmbito geral de televisão e de rádio, no quadro de legislação tendente a garantir as adequadas acessibilidades" (n.º 1) e que essa legislação determinará "as taxas de telecomunicações a aplicar às emissoras, tendo em consideração, designadamente, os meios técnicos, os investimentos e as despesas operacionais para difusão do sinal nas condições específicas das Regiões Autónomas" e as compensações a conceder à empresa de telecomunicações que suporta o serviço de difusão de sinais televisivos ou radiofónicos (n.º 2).

Ora, tal como se considerou no dito acórdão (cf. n.º 5 do ponto II), também no caso presente não interessa reter a argumentação eventualmente decorrente dessa constatação, dada a alteração legislativa que o texto do diploma de 1988 sofreu por via da Lei 2/97.

III - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do pedido.

Lisboa, 15 de Dezembro de 1999. - Alberto Tavares da Costa (relator) - Bravo Serra - Maria dos Prazeres Beleza - Maria Helena Brito - Artur Maurício - Messias Bento - Guilherme da Fonseca - Vítor Nunes de Almeida - José de Sousa e Brito - Paulo Mota Pinto - Maria Fernanda Palma - Luís Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1767171.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1976-04-30 - Decreto-Lei 318-E/76 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna

    Aprova a Lei Eleitoral para a Assembleia Regional da Região Autónoma da Madeira.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-03-11 - Lei 8/87 - Assembleia da República

    Licencia estações emissoras de radiodifusão.

  • Tem documento Em vigor 1988-07-30 - Lei 87/88 - Assembleia da República

    Exercício da actividade de radiodifusão

  • Tem documento Em vigor 1988-09-28 - Decreto-Lei 338/88 - Presidência do Conselho de Ministros

    Atribuição de alvarás e licenciamento de estações emissoras de radiodifusão sonora.

  • Tem documento Em vigor 1990-09-07 - Lei 58/90 - Assembleia da República

    Regula o exercício da actividade de televisão no território nacional.

  • Tem documento Em vigor 1991-06-05 - Lei 13/91 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

  • Tem documento Em vigor 1996-08-14 - Lei 31/96 - Assembleia da República

    DISPOE SOBRE O SERVIÇO PÚBLICO DE RÁDIO E DE TELEVISÃO, BEM COMO SOBRE O RESPECTIVO ACESSO POR PARTE DAS REGIÕES AUTÓNOMAS. O PRESENTE DIPLOMA PRODUZ EFEITOS A PARTIR DO EXERCÍCIO ORÇAMENTAL DE 1997, SEM PREJUÍZO DA SUA ENTRADA EM VIGOR NOS TERMOS GERAIS.

  • Tem documento Em vigor 1997-01-18 - Lei 2/97 - Assembleia da República

    Revê o exercício da actividade de radiodifusão, republicando o texto completo da Lei 87/88, de 30 de Julho, com as alterações resultantes do presente diploma. Define a tipologia das rádios, os seus limites, os seus fins genéricos e específicos de serviço público. Estabelece normas sobre a informação e programação a difundir, nomeadamente a defesa da cultura portuguesa, os serviços noticiosos, a publicidade e os programas de divulgação obrigatória.

  • Tem documento Em vigor 1997-05-27 - Decreto-Lei 130/97 - Presidência do Conselho de Ministros

    Aprova o regime de atribuição de alvará para o exercício de actividade de radiodifusão sonora e do licenciamento das estações emissoras, nos termos da Lei 87/88, de 30 de Julho.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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