de 2 de Fevereiro
Distingue-se o azeite por ser óleo comestível extraído da polpa da azeitona, por simples processos físicos, sem intervenção de solvente químico. Por conseguinte, sem mais nada sofrer além da depuração, pode ser consumido virgem, com suas características organolépticas ímpares, de muito apreço. Refina-se apenas o que não logrou possuir ou manter tais qualidades, seja por acidente adverso ou falha no granjeio do olival, seja por defeito de obtenção ou de armazenagem.Todos os outros óleos comestíveis comerciados em Portugal são na generalidade extraídos de sementes por solvente químico derivado do petróleo, o que obriga à sua refinação, depois de expulso o solvente, tão completa quanto tecnologicamente é possível. Algum, acessoriamente extraído por processos físicos sem intervenção do solvente, terá também de ser refinado, pois nenhum deles flui da matéria-prima como se fora da polpa fresca do fruto, para economicamente ser género alimentício corrente, a consumir virgem, como o azeite.
Neste grupo de óleos comestíveis inclui-se o de bagaço de azeitona, fracção da matéria gorda, que antes não é possível retirar directamente da polpa do fruto, nas condições exclusivamente mecânicas ou de tensão superficial específicas da obtenção do azeite, mas que depois se recolhe do subproduto residual da extracção, por solvente derivado do petróleo. Embora tenha um resíduo de fabrico como matéria-prima, por vezes mais degradada do que as sementes oleaginosas, pode este óleo, devidamente refinado, destinar-se a fins comestíveis, tal como os outros óleos também extraídos por solvente derivado do petróleo, mas como produtos primários, a partir das referidas sementes. Embora puros, já não são, no entanto, naturais.
No início do presente século era o azeite o único óleo comestível utilizado em Portugal.
Há 50 anos, apenas o óleo de amendoim obtivera também a permissão para o mesmo efeito. Houve intuito de facultar ao consumidor, sobretudo para usos culinários, um óleo de preço inferior ao do azeite. Manifestamente também se quis proteger a obtenção e comércio do novo óleo, pois em 1937 se proibia a venda ao público do azeite refinado, abuso de poder inexplicavelmente ainda até agora mantido.
Os restantes óleos comestíveis surgiram só depois da 2.ª Guerra Mundial.
Não é apenas o apreço do público por um óleo obtido virgem sem quaisquer tratamentos que lhe retirem as suas aliciantes características naturais, mas sobretudo a despesa avultada dos granjeios do olival e de uma tecnologia específica, que dá ao azeite maior custo, relativamente aos outros óleos, necessariamente refinados depois de extraídos por solvente químico derivado do petróleo, de sementes oleaginosas e também do bagaço da azeitona.
Disposições desde há muito tomadas no sentido de suster o aumento do necessário preço, para realmente pagar o azeite, têm anulado lucro e mesmo acarretado prejuízo à olivicultura portuguesa. De artificiosa compensação, dada ao produtor pelo aumentado preço irreal estabelecido para o bagaço de azeitona, resultou não só desânimo quanto a esperado interesse administrativo pela qualidade e verdadeira valorização do azeite, mas também, e pior, um elevado custo do óleo de bagaço, impeditivo da sua indispensável concorrência com os seus congéneres, também extraídos, por solvente derivado do petróleo, de sementes oleaginosas.
Nestas circunstâncias, sem compensação do necessário dispêndio, foram descuradas a correcta exploração do olival e a promoção da qualidade do azeite. Com prejuízo da economia nacional não se produziu mais e melhor, como era mister.
Sem prejuízo da indústria de extracção e refinação dos óleos comestíveis e da promoção de maior contingente nacional das respectivas matérias-primas, é indispensável fomentar a oleicultura portuguesa, fonte de óleo de eleição, possível de consumir natural ou virgem. Este objectivo não é compatível com quaisquer medidas que intervenham contra a verdadeira e proporcional valia da qualidade do azeite.
É inaceitável e de prejuízo económico a degradação do azeite, por lote, mesmo declarado, com qualquer dos outros óleos, inclusive o de bagaços de azeitona. Avilta o azeite virgem de eleição, por mistura de outros óleos, embora puros, mas, ao contrário dele, já não naturais. Também não incentiva a obtenção do azeite de qualidade.
Ao consumidor retiram-se disponibilidades de produtos de menor preço, que são os óleos refinados depois de extraídos por solvente, estremes ou entre si misturados. Em particular, pela designada mistura de azeite com óleo refinado de bagaço de azeitona poderia ser iludido o público, na suposição de produto mais dispendioso por ter azeite, embora na realidade pouco ou nada deste contivesse. De facto, é viável indiciar analiticamente a presença de óleo de bagaço de azeitona no azeite, mas não é possível verificar se uma quantidade de azeite virgem, porventura exigida ou declarada, está efectivamente presente ou, se para furtar o valor desse acréscimo, ela não foi menor, de azeite lampante de elevada acidez, ou mesmo substituída por ligeira dose, seja de óleo de bagaço bruto, seja até de oleína. Não há, em resumo, processo de análise que prove falsificação dessa mistura, quer por alteração, quer até por contrafacção.
Pelo exposto, é óbvio dever ser o azeite apenas comerciado estreme, em Portugal, embora nada impeça misturar entre si os outros óleos, de custos não muito díspares, bastante inferiores ao do azeite, todos necessariamente refinados e portanto de transparência elevada e acidez tão baixa que não faculta a alteração com óleos brutos.
De outro modo não é legítimo proceder neste país, onde a cultura da oliveira existe como elemento de importância económica, fonte de produto de eleição. Seria abandonar o desígnio de promoção de qualidade, menosprezar o indispensável fomento da oleicultura, esquecer a defesa do consumidor e permitir a fraude, por impossibilidade de a verificar.
Deve notar-se que não existe qualquer directiva da Comunidade Económica Europeia compulsória de admissão de mistura de azeite com óleo refinado de bagaço de azeitona no mercado comum dos Estados Membros. Há apenas, em regulamento aduaneiro, a previsão da sua existência, no comércio entre nações que porventura internamente essa mistura admitam. De resto, nem todas possuem oleicultura a defender.
A doutrina, em resumo acabada de expor, foi já a adoptada pelos técnicos que elaboraram o conjunto de disposições básicas regulamentares da produção e comércio do azeite e outros óleos comestíveis, que constituíram o Decreto-Lei 46257, na sua primeira redacção, publicada na 1.ª série, n.º 66, do Diário do Governo, de 19 de Março de 1965.
Modificações da redacção de várias disposições deste diploma, publicadas a partir do final desse mesmo ano de 1965, logo alteraram o seu objectivo, pela modificação de alguns preceitos, em obediência a desígnios divergentes do fomento da olivicultura, ou a interesses administrativos ocasionais.
Nos 16 anos decorridos, também algo houve que lhe ser acrescentado, sem obliterar os princípios orientadores da sua primeira redacção. Isto, aliás, nele fora previsto ou em leis gerais estatuído. É o caso de disposições legais publicadas; umas, admitindo novos óleos comestíveis, inclusive a gordura de palma para satisfazer hábitos alimentares de alguns consumidores, outras, tornando obrigatórias as normas portuguesas, que não só estabelecem as operações admissíveis na obtenção do azeite, bem como dos outros óleos a utilizar como géneros alimentícios, mas também definem, classificam, fixam tipos comerciais, as características de normalidade, as condições de acondicionamento, incluída a marcação ou rotulagem, e os métodos de análise.
Impõe-se a obrigatoriedade de colheita de amostras representativas, segundo a correspondente norma portuguesa, actualizando assim regras oficiais de 1942, que exigem elevado número de tomas, desnecessário para a rejeição de lotes de um produto avariado, corrupto ou falsificado.
Para facilidade de comércio e unificação de critérios a nível internacional, também é necessário adoptar os tipos comerciais de azeite preconizados pelo Conselho Oleícola Internacional e já em vigor entre países membros da Comunidade Económica Europeia.
Tendo em atenção as finalidades assinaladas, urge reunir num diploma as indispensáveis disposições legais, revistas, coordenadas e actualizadas, relativas ao azeite e aos outros óleos comestíveis.
Nestes termos:
O Governo decreta, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º É obrigatória para o azeite, gordura de palma e óleos vegetais comestíveis, incluído o óleo alimentar, de harmonia com o artigo 8.º do Decreto-Lei 38801, de 25 de Julho de 1952, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 48459, de 25 de Julho de 1968, a conformidade com as normas portuguesas de:
a) Obtenção;
b) Definição, classificação e características;
c) Colheita de amostras para análise;
d) Preparação de amostras para laboratório;
e) Processos de análise.
Art. 2.º - 1 - Consideram-se directamente comestíveis, observados os princípios estabelecidos no presente diploma, além do azeite e da gordura de palma, os óleos de:
a) Algodão;
b) Amendoim;
c) Arroz;
d) Bagaço de azeitona;
e) Bolota;
f) Cártamo;
g) Gergelim;
h) Girassol;
i) Grainha de uva;
j) Milho;
l) Semente de tomate;
m) Soja.
2 - É também considerada directamente comestível a mistura de quaisquer dos óleos mencionados nas alíneas a) a m), designada por óleo alimentar.
3 - Enquanto não forem publicadas as normas relativas aos óleos de bolota e de gergelim, bem como ao de semente de tomate, deverão estes óleos obedecer ao disposto, respectivamente, nas Portarias n.os 21430 e 23945, de 29 de Julho de 1965 e 27 de Fevereiro de 1969.
Art. 3.º Poderão ser considerados como directamente comestíveis outros óleos, mediante portaria do Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas, sob proposta do Instituto de Qualidade Alimentar e com pareceres favoráveis da Direcção-Geral de Saúde e do Instituto do Azeite e Produtos Oleaginosos.
Art. 4.º Nas instalações de obtenção dos produtos referidos nos artigos 2.º e 3.º não poderão processar-se simultaneamente quaisquer operações com outras gorduras ou óleos.
Art. 5.º - 1 - O azeite só pode ser produzido em locais onde nunca se processem quaisquer operações com outras gorduras ou óleos, mesmos que comestíveis.
2 - É proibida a existência, nos locais a que se refere este artigo, de outras gorduras ou óleos e bem assim das respectivas matérias-primas e subprodutos.
Art. 6.º - 1 - Nas instalações de obtenção, tratamento e armazenagem dos produtos referidos nos artigos 2.º e 3.º e nas respectivas dependências e anexos é proibida:
a) A existência de aparelhagem destinada à realização de operações não previstas na norma NP-964;
b) A presença de produtos que sirvam ou possam ser utilizados em operações de esterificação em que haja adição de glicerol ou de outros álcoois.
2 - É proibida a existência de solventes nos locais de produção, tratamento e armazenagem de azeite.
3 - O estabelecido neste artigo não é aplicável aos reagentes desde que estes se encontrem com a pureza necessária para as análises em quantidades insuspeitas de aplicação tecnológica.
Art. 7.º Nos armazéns e estabelecimentos industriais autorizados a proceder a quaisquer operações com azeite e com os outros produtos referidos nos artigos 2.º e 3.º não é permitida a presença simultânea daquele e destes, excepto quando devidamente pré-embalados nos termos da legislação em vigor.
Art. 8.º É proibida a mistura de azeite com qualquer gordura ou óleo, mesmo com óleo de bagaço de azeitona.
Art. 9.º - 1 - O óleo de bagaço de azeitona é obrigatoriamente adicionado, imediatamente a seguir à extracção, de óleo de gergelim num teor da ordem de 5%, de harmonia com o estipulado na norma NP-1540.
2 - Exceptua-se do disposto no n.º 1 o óleo de bagaço de azeitona que presumivelmente se destine à exportação e se encontre para esse efeito sob o controle do Instituto de Qualidade Alimentar.
3 - O óleo de bagaço de azeitona a que se refere o número anterior que possa vir a ser destinado ao mercado interno será adicionado, antes da suspensão do controle do Instituto de Qualidade Alimentar, de óleo de gergelim, nos termos do n.º 1.
Art. 10.º O azeite e os óleos comestíveis destinados à indústria de conservas de peixe não poderão apresentar temperatura de congelação superior a 5ºC nem reversão do aroma e do sabor, mesmo depois de submetidos a 120ºC durante 2 horas em ambiente fechado.
Art. 11.º Os produtos referidos nos artigos 2.º e 3.º com falta de características legais, avariados, corruptos ou falsificados poderão ser beneficiados, quando tecnicamente possível, de acordo com a norma NP-964.
Art. 12.º - 1 - Só é permitida a compra a granel dos produtos referidos nos artigos 2.º e 3.º a armazenistas, a entidades aos mesmos equiparadas, a exportadores, a refinadores e a industriais de margarinas e de conservas e, bem assim, a industriais de produtos não alimentares que deles careçam para o exercício da sua indústria.
2 - Por despacho do Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas, com pareceres favoráveis do Instituto de Qualidade Alimentar e do Instituto do Azeite e Produtos Oleaginosos, poderá ser autorizada a compra a granel a entidades não previstas no número anterior.
Art. 13.º - 1 - A venda de azeite a retalhistas, a entidades aos mesmos equiparadas, a consumidores colectivos e ao público só pode ser efectuada nos seguintes tipos comerciais:
a) Azeite extra;
b) Azeite fino;
c) Azeite refinado;
d) Azeite comum, ou azeite.
2 - Entende-se por azeite comum ou pela simples designação de «azeite» a que se refere a alínea d) a mistura de azeite virgem com azeite refinado, desde que, possuindo características organolépticas normais, a sua acidez, expressa em ácido oleico, não ultrapasse 1,5%.
3 - O tipo de azeite previsto na alínea d) e no número anterior terá as características e limites fixados até à presente data para o azeite fino constituído pela mistura de azeite virgem com azeite refinado.
4 - O azeite virgem com características organolépticas anormais ou com acidez expressa em ácido oleico superior a 3,3%, designado por «azeite lampante», só poderá ser destinado à refinação ou a outros fins técnicos.
5 - O uso, relativamente a qualquer dos tipos comerciais previstos no n.º 1, do qualificativo «puro» carece de autorização do Instituto de Qualidade Alimentar.
6 - É permitida a venda, até 90 dias após a data de entrada em vigor do presente diploma, com a designação de «azeite fino», do azeite já embalado com as características limites agora fixadas para o tipo comercial a que se refere o n.º 2.
Art. 14.º - 1 - Os produtos referidos nos artigos 2.º e 3.º só podem ser postos à venda e vendidos a retalhistas e entidades aos mesmos equiparados, a consumidores colectivos e ao público quando devidamente pré-embalados em embalagens não recuperáveis.
2 - Os hotéis, pensões, restaurantes, casas de pasto e, de uma maneira geral, todos os estabelecimentos que forneçam refeições são obrigados a apresentar para consumo dos respectivos clientes azeite dos tipos comerciais extrafino.
Art. 15.º O acondicionamento dos produtos referidos nos artigos 2.º e 3.º só pode ser efectuado por produtores armazenistas.
Art. 16.º - 1 - Dos rótulos das embalagens dos produtos referidos nos artigos 2.º e 3.º devem constar, além de outras indicações legalmente exigidas, o dia, mês e ano do acondicionamento, podendo para o efeito ser usados códigos de tipo aprovado pelo Instituto de Qualidade Alimentar.
2 - Dos rótulos das embalagens que acondicionem azeite devem constar, para além das indicações exigidas no número anterior, a respectiva acidez ou a acidez máxima permitida para o tipo respectivo, expressa em ácido oleico.
Art. 17.º - 1 - As embalagens destinadas ao acondicionamento dos produtos referidos nos artigos 2.º e 3.º ficam sujeitas à aprovação, sob o ponto de vista sanitário, da Direcção-Geral de Saúde.
2 - Para cumprimento do disposto neste artigo devem as entidades que procedam ao acondicionamento dos produtos mencionados exigir dos fornecedores das embalagens que indiquem nas respectivas facturas de venda que as mesmas são próprias para o fim a que se destinam e, bem assim, o número e a data do documento de aprovação por parte da referida Direcção-Geral.
Art. 18.º É proibido importar, fabricar, tratar, fazer transportar, armazenar, expor à venda ou vender como directamente comestível qualquer óleo não previsto nos artigos 2.º e 3.º Art. 19.º - 1 - As infracções ao disposto no presente decreto-lei são punidas nos termos do Decreto-Lei 41204, de 24 de Julho de 1957.
2 - As infracções ao disposto na alínea a) do artigo 1.º são punidas nos termos do artigo 17.º do Decreto-Lei 41204, de 24 de Julho de 1957.
3 - As infracções ao disposto nos artigos 9.º, 10.º, 12.º, 14.º e 15.º são punidas nos termos do artigo 29.º do Decreto-Lei 41204, de 24 de Julho de 1957.
Art. 20.º As infracções ao disposto nos artigos 5.º, 6.º e 7.º são punidas nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei 340/73, de 6 de Julho.
Art. 21.º As infracções ao disposto nos artigos 5.º, 6.º e 7.º são punidas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei 314/72, de 17 de Agosto.
Art. 22.º Fica revogada toda a legislação em contrário e especialmente os Decretos-Leis n.os 28152, de 12 de Novembro de 1937, n.º 45620, de 23 de Março de 1964, n.º 46257, de 19 de Março de 1965, e suas redacções posteriores, e o Decreto 17774, de 18 de Dezembro de 1929; as Portarias n.º 13698, de 10 de Outubro de 1951, n.º 20167, de 14 de Novembro de 1963, n.º 23255, de 4 de Março de 1968, n.º 208/76, de 7 de Abril, e n.º 183/79, de 11 de Abril, e o despacho ministerial de 7 de Janeiro de 1967, publicado no Diário do Governo, 1.ª série, n.º 6, da mesma data.
Art. 23.º O presente diploma aplica-se apenas ao território do continente.
Art. 24.º As dúvidas que possam surgir da aplicação do presente diploma serão resolvidas por despacho do Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas.
Art. 25.º O presente decreto-lei entra imediatamente em vigor e produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1982.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 31 de Dezembro de 1981. - Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Promulgado em 13 de Janeiro de 1982.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.