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Acórdão 174/2008, de 21 de Maio

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Sumário

Não julga inconstitucional a cláusula 137.ª do acordo colectivo de trabalho vertical para o sector bancário, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 31/1992

Texto do documento

Acórdão 174/2008

Processo 714/07

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

Relatório

António José Soares Dias Alves intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra "Banco Santander Totta, S. A.", em que pediu, além do mais, que sejam julgadas inconstitucionais e nulas as normas constantes do ACTV para o sector bancário que estabeleceram o quantitativo de reforma do Autor, por violação dos direitos, liberdades e garantias, direitos e deveres sociais garantidos nos artigos 63.º e 64.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e no artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, com a consequente condenação da Ré a pagar e a integrar na mensalidade de reforma as prestações mensais e periódicas de isenção de horário de trabalho, de cartão de crédito para utilização pessoal, senhas de gasolina, pagamento de telefone e telemóvel, prémio de produtividade e mérito e o carro de serviço para uso pessoal, incluindo todas as despesas inerentes ao uso que o Autor auferia à data da cessação do contrato de trabalho.

Na primeira instância a acção foi julgada improcedente, com a consequente absolvição da Ré de todos os pedidos.

Apelou o Autor para o Tribunal da Relação, o qual viria a confirmar a decisão recorrida.

Igualmente inconformado com esta última decisão, o Autor veio pedir a sua revista, tendo a mesma sido totalmente negada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 6-6-2007.

É desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça que o Autor interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, no âmbito da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, tendo por objecto a interpretação concretamente adoptada pelo referido tribunal superior na aplicação das normas constantes das cláusulas 136.ª a 144.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário (versão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego 31/1992), bem como aquela que foi adoptada na aplicação da norma constante do artigo 863.º do Código Civil.

No respectivo requerimento de interposição de recurso, o Recorrente concretizou as interpretações normativas que pretende ver sindicadas em sede de constitucionalidade nos seguintes termos:

«Em primeiro lugar, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de que ora se recorre por inconstitucionalidade, foi considerado que o facto do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário (ACTV) consagrar que, para efeitos de atribuição de pensão de reforma, apenas são levados em consideração os valores correspondentes à retribuição base e diuturnidades, olvidando assim os restantes valores recebidos a título de retribuição pelo ora Recorrente, enquanto no activo, não viola nem a Constituição nem o previsto na lei de Bases da Segurança Social, que determina que, para efeitos de reforma, devem ser atendidos os rendimentos realmente auferidos pelo trabalhador.

Ora, o Recorrente entende que esta interpretação é incorrecta, porquanto o ACTV, no seu capítulo XI, fere a Constituição, nomeadamente quanto ao artigo 63.º, n.º 4, assim como viola a lei de Bases da Segurança Social.

(...)

Por outro lado, ainda, foi considerado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de que ora se recorre por inconstitucionalidade, que os créditos reclamados na presente acção judicial se encontravam remitidos pela quitação incluída no acordo.

(...)

Será sempre, inconstitucional, por violação dos artigos 59.º, 3.º, e 1.º e 4.º do artigo 63.º da Constituição, a interpretação que determina que sendo a mesma entidade jurídica a tutelar o contrato de trabalho e a reforma (discricionária quanto ao momento e montante), o trabalhador ainda assim pode renunciar, na pendência da relação laboral, a créditos salariais no momento em que negoceia as condições da sua reforma, sendo obviamente nulo e de nenhum efeito o acordo em contrário.

(...)

Em relação às normas que se consideram inconstitucionais, as mesmas dizem respeito à forma de cálculo da reforma pelo que se restringem as cláusulas 136.º a 144.º do ACTV, porquanto a efectivação do direito à Segurança Social, prevista no artigo 63.º da Constituição, não pode ser objecto de contratação colectiva.»

O recorrente fundamentou o seu recurso nas seguintes alegações:

"1) Em primeiro lugar, nem se diga que esta matéria (estas cláusulas do ACT não têm dignidade de normas para o Tribunal Constitucional vir a conhecer da sua natureza jurídica e da inconstitucionalidade destas normas por violação do artigo 63.º da CRP), como alguma corrente jurisprudencial hoje firmada nesse mais alto Tribunal tem afirmado.

2) Todavia, discorda-se desta corrente quando não conhece dos recursos interpostos com esse fundamento sem atender na realidade à verdadeira natureza desta problemática.

3) Porquanto, não nos restam quaisquer dúvidas que as normas referentes a segurança social constantes do ACT para o Sector Bancário são normas de carácter híbrido, público-privado, por serem, concomitantemente, normas de regulação de relações laborais cuja vigência se funda, apenas, em omissão de desenvolvimento de preceito constitucional por parte do legislador.

4) Normas de concretização de um direito subjectivo público, radicado na Constituição, caracterizado como direito fundamental, exigível perante o Estado ou, neste caso, perante quem o substitui na vinculação à prestação.

5) De conteúdo concretizável através não só da lei de Bases da Segurança Social mas também da Constituição mediante normas directamente aplicáveis por definição do conteúdo mínimo do direito.

6) No que toca à vertente pública deste regime especial, temos, antes de mais, que o campo da segurança social existe por imperativos de ordem pública, algo que o Estado, na Constituição, assume como imprescindível para a sociedade e que, por si, pretende assegurar - veja-se parecer elaborado pelo Professor Doutor Jorge Miranda.

7) Como consequência, temos que o direito à segurança social, previsto ao nível constitucional e de lei de bases, é um direito que está fora do comércio jurídico, não podendo ser alvo de regulação privada.

8) O que também implica que as normas que definem o conteúdo do direito são normas imperativas, inderrogáveis, e cujo standard mínimo que estabelecem não pode ser preterido.

9) Isto é, deve existir, obrigatoriamente, um standard mínimo - um regime público mínimo - , que abranja todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores bancários, como muito bem refere o Exmo. Senhor Professor Dr. Freitas do Amaral no seu parecer, que se encontra junto aos autos, "É indiscutível, por isso, que aos trabalhadores abrangidos pelo ACT para o Sector Bancário não pode ser negado o direito à segurança social consagrado no artigo 63.º da Constituição. "Todos têm direito à segurança social", diz esse artigo. Ora, "todos" são todos: não são todos menos os bancários."

10) É evidente que podem existir regimes especiais, a que alude a lei, mas são complementares do regime obrigatório, que, por ser isso mesmo (obrigatório), não permite que existam particulares afastados da sua concretização que, como tal, não beneficiem do direito à segurança social.

11) Pois, a aplicação dos regimes complementares pressupõe a satisfação do direito fundamental.

12) Veja-se o parecer do Prof. Doutor Jorge Miranda no seu brilhante parecer, que se encontra junto aos autos, nomeadamente nas suas conclusões pág. 57.

13) Por outro lado, a interpretação defendida pela Jurisprudência dominante deste Tribunal, nomeadamente no Acórdão 172/93, afirma que: "...a lei regulamenta a eficácia específica das convenções colectivas impondo a sua obrigatoriedade unicamente quanto àqueles que devem considerar-se representados pelas entidades que as subscrevem, à luz dos princípios do direito do trabalho. As organizações profissionais que as celebram não têm poderes de autoridade mas apenas poderes de representação, isto é de defesa e de promoção da defesa dos direitos e interesses dos respectivos filiados (cf. artigo 56.º, n.º 1, da Constituição). E, assim, o clausulado que elas incorporam não contém normas, entendidas como padrões de conduta emitidos por entidades investidas em poderes de autoridade."

14) Ora, não se pode aceitar tal interpretação!

15) As cláusulas do ACTV para o sector bancário, nomeadamente as cl.ªs. 136.ª a 144.ª, que regulam a matéria respeitante à segurança social, são normas, na verdadeira acepção da palavra e nos termos do disposto no artigo 280.º da CRP, porquanto as mesmas resultam e decorrem de normas transitórias das Leis de Bases da Segurança Social.

16) Nessa medida, existe uma similitude entre as normas transitórias Leis de Bases da Segurança Social e as portarias de extensão emanadas ao abrigo do jus imperium e que estabelecem e impõem um regime especial para os trabalhadores bancários, regime este constante das cláusulas 136.ª a 144.ª do referido ACTV.

17) Pelo que, as cláusulas do ACTV, objecto do presente recurso, são normas impostas por entidade investidas em poderes de autoridade, ou seja, através das Leis de Bases da Segurança Social.

18) Assim sendo, e conforme decorre da interpretação deste Tribunal quanto às portarias de extensão, as Cláusulas 136.ª a 144.ª do ACTV para o sector bancário são normas emanadas do imperium estadual porquanto decorrem das Leis de Bases da Segurança Social, através das normas transitórias.

19) Contrariamente ao decidido por este Tribunal, estas cláusulas, objecto de fiscalização constitucional, não são provenientes da autonomia privada!

20) São provenientes de poderes públicos - lei de Bases da Segurança Social - que estabeleceu e impôs um regime especial transitório relativamente aos trabalhadores bancários, enquanto os mesmos não fossem integrados no regime geral da segurança social.

21) Regime especial e transitório que perdura há várias décadas!

22) Além disso, veja-se a tese defendida na declaração de voto do Cons. José de Sousa e Brito aposta no Acórdão 172/93, transcrita na declaração de voto do Cons. Mário Torres aposta no Acórdão 224/05.

23) Nesse sentido, e de acordo com o supra exposto, as cláusulas 136.ª a 144.ª do ACTV para o sector bancário, enquanto normas emanadas e permitidas pelo poder público, por força das sucessivas Leis de Bases da Segurança Social e a actual lei 4/2007, de 16/1 (artigo 103.º), que determinou a existência deste regime especial e transitório, estão sujeitas à fiscalização concreta da constitucionalidade, uma vez que integram o conceito de norma utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional, pelo que o presente recurso deverá ser objecto de conhecimento por parte deste Tribunal.

24) O direito à segurança social vem previsto no artigo 63.º da Constituição.

25) Este artigo impõe um dever ao Estado, que este tem, obrigatoriamente, que cumprir, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade por omissão.

26) "4.Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independente do sector de actividade em que tiver sido prestado."

27) Os n.º s 1, 3 e 4 visam atribuir, definindo o respectivo conteúdo, o direito à segurança social, tanto na vertente assistencialista como na vertente laborista, estabelecendo um status mínimo e os termos de concretização do direito - o seu objectivo é, efectivamente, atribuir um direito subjectivo aos cidadãos.

28) O n.º 2, por seu lado, é uma norma programática, que estabelece as características a que deve obedecer o sistema de segurança social, não só de modo a que seja atribuído o direito in concreto, como também garantindo o cumprimento de determinados cânones nessa atribuição.

29) Tal conclusão tem apoio no texto constitucional: visa-se proteger todos os cidadãos na velhice e na invalidez em situações de falta de capacidade para o trabalho, através da atribuição de pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que o trabalho for prestado, calculadas tendo em conta todo o tempo de trabalho prestado - vide Acórdão 411/99 do T. C., que se transcreve:

30) "Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado."

10. Quando o texto constitucional remete para "os termos da lei", fá-lo para efeitos de concretização do direito, não a título de cláusula habilitativa de restrições. A utilização da expressão "todo o tempo de trabalho...", em conjugação com o segmento "independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado" impõe, nesta matéria, a obrigação, para o legislador ordinário, de prever a contagem integral do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, sem restrições que afectem o núcleo essencial do direito.

Como o direito à contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, aplica-se-lhe o regime destes - constante do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa - , por força da extensão operada pelo artigo 17.º da Constituição.

A admitir-se a solução propugnada pela recorrida, a norma constitucional ficaria esvaziada no seu sentido e o direito à contagem de todo o tempo de serviço seria afectado no seu núcleo essencial. Tal consequência está vedada pelo n.º 3 do artigo 18.º da lei Fundamental.

Se a lei fraccionar o tempo de trabalho para efeitos de aposentação - assim eliminando uma parte do tempo de trabalho prestado - , já não será todo o tempo de trabalho a contribuir para o cálculo das pensões, mas apenas uma parte dele.

Tal solução implicaria interpretar a Constituição de acordo com a lei e não interpretar a lei de acordo com a Constituição, como se impõe."

31) O que manifestamente será contraditório com o teor do Acórdão do T. C., n.º 171/04, o que, desde já, se chama à colação, porquanto este último Acórdão afasta a melhor doutrina e jurisprudência, não devendo, consequentemente, ser aceite o sentido deste.

32) Neste sentido, toda a retribuição deve entrar no cálculo da reforma, independentemente da fórmula de cálculo adoptada.

33) Não se podendo excluir parte da retribuição e fixando a reforma, apenas, com base em tabelas pré-fixadas - cláusulas do ACT que nada têm que ver com a realidade.

34) Ora, todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de reforma e invalidez.

35) Concluindo que o montante da reforma será atribuído em função do tempo total de trabalho e que será também atribuído em função da remuneração mensal, pois esta é a compensação do trabalho prestado no período de um mês.

36) E a ser assim, há que contabilizar todos os rendimentos do trabalhador auferidos em função do seu trabalho.

37) Pelo que, a pensão de reforma de invalidez e velhice, constitucionalmente, tem por objectivo a garantia tendencial da manutenção dos rendimentos de trabalho anteriormente auferidos sempre que o trabalhador veja reduzida ou eliminada a sua capacidade de trabalho.

38) Como concretização legal do conceito constitucional de retribuição, para que remete o conceito do direito à segurança social adoptada pelo texto constitucional, afirma-se no artigo 82.º, n.os 1 e 2, da LCT (hoje artigo 249.º do Código do Trabalho), ser retribuição tudo aquilo a que o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, nomeadamente, a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.

39) O legislador está adstrito a dois deveres: a) em primeiro lugar, deve dar cabal desenvolvimento legislativo ao preceito, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade por omissão; b) em segundo lugar, não deve adoptar medidas legislativas que, inseridas no âmbito de aplicação da norma programática, contrariem, dificultem, ou, no caso do artigo 63.º, n.º 2, por esta norma ser imediatamente exequível, protelem a concretização legislativa desta, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade por acção, como é propugnado por diversa doutrina.

40) Para definir os correctos parâmetros constitucionais recortados por este artigo 63.º, referir a vertente garantística que assume a previsão de um sistema de segurança social com as características supra enunciadas em relação ao direito subjectivo de cada trabalhador à segurança social. Quando o legislador constituinte procede à caracterização do direito subjectivo à segurança social, caracteriza-o reforçando a igualdade e a universalidade como suas características básicas, assumindo que cada trabalhador é, igualmente, beneficiário e financiador do sistema.

41) No seguimento do já referido, podemos afirmar que só no âmbito de um sistema universal se consegue assegurar a igualdade (não discriminação), a equidade social (tratamento diferente na medida da diferença) e a diferenciação positiva (avaliação de especificidades sociais de grupos de cidadãos), por só a inserção num sistema uno permite colocar os trabalhadores em situação de igualdade e prover pelo cumprimento do seu direito tendo como pano de fundo a totalidade do sistema - vide Acórdão 517/98 e 634/98 e também 77/02 do T.C.

42) A solidariedade (nos planos nacional, laboral e intergeracional) só consegue ser cumprida se implicar um sistema uno, em que cada um é solidário com os restantes, e o Estado, ao financiar o sistema, é solidário com todos exactamente na mesma medida.

43) A complementaridade (articulação de várias formas de protecção social, públicas, cooperativas e sociais) pressupõe que exista um sistema público passível de ser complementarizado, e que assegura o mínimo constitucional de segurança social.

44) A unidade (tendente à boa administração do sistema) e a eficácia (concessão oportuna das prestações legalmente previstas) querem assegurar a ausência de desperdícios na gestão do sistema, a não duplicação de funções, a não sobreposição de atribuições e de competências e a existência da coordenação necessária à boa gestão do sistema e do seu património.

45) Temos por assente que o sistema previsto constitucionalmente visa, essencialmente, três fins, a saber: a) tutelar o interesse público de boa organização e gestão do sistema, caracterizados pela eficiência e eficácia deste; b) tutelar o interesse privado, de natureza difusa, de existência de um sistema de concretização do direito à segurança social, que, por um lado, garanta o direito a todos os cidadãos (adquirindo relevância a nível de ordem pública), e, por outro, dê a garantia da concretização (actual ou eventual) do direito à segurança social em relação a cada trabalhador individualmente considerado (até por razões de solvência da pessoa colectiva organizadora do fundo de pensões, mais garantida no caso do Estado); c) tutelar o direito individual à justiça relativa na concretização do direito, assegurando que a equidade e a diferenciação positiva, estabelecida nessa medida, são os limites máximos de desvio à igualdade absoluta.

46) Como consequência destas conclusões, temos que a violação do artigo 63.º, n.º 2, da Constituição, não acarreta apenas a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade por omissão, mas também violação dos direitos subjectivos dos trabalhadores, nomeadamente do direito à segurança social, por o sistema, tal como é caracterizado constitucionalmente, funcionar como garantia do direito à segurança social.

47) Afirmava o artigo 69.º da Lei 28/84, de 14 de Agosto, epigrafado de "Subsistência transitória de regimes especiais": "O regime especial de segurança social dos trabalhadores agrícolas e os regimes especiais de segurança social de outros grupos de trabalhadores serão gradualmente integrados no regime geral".

48) Afirma o artigo 109.º da Lei 17/2000, de 8 de Agosto (hoje, 103.º da lei 4/2007, de 16/1) epigrafado de "regimes especiais": "Os regimes especiais vigentes à data da entrada em vigor da presente lei continuam a aplicar-se, incluindo as disposições sobre o seu funcionamento, aos grupos de trabalhadores pelos mesmos abrangidos, com respeito pelos direitos adquiridos e em formação"

49) Por tal norma, sistematicamente, se inserir nas disposições transitórias da lei, conclui-se que tal aplicação será, também, a título transitório, e que o Estado assume exactamente o mesmo que assumiu com o artigo 69.º da Lei 28/84, de 14 de Agosto, ou seja, o reconhecimento da obrigatoriedade de desenvolvimento do artigo 63.º, n.º 2, da Constituição e a situação de inconstitucionalidade por omissão por ausência concreta de desenvolvimento legislativo.

50) Esta norma tem por efeito evitar a revogação, por superveniência da lei de Bases, de dois tipos distintos de normas que constituem os regimes de segurança social.

51) Estas normas despoletam, cada uma, duas estatuições, dado que têm por efeito a manutenção do regime orgânico, a que se refere o artigo 63.º, n.º 2, da Constituição, e a manutenção do regime material de concretização do direito, a que se referem os n.º s 1, 3 e 4 do mesmo artigo 63.º

52) No que concerne ao regime orgânico, temos que a manutenção dos regimes especiais é inconstitucional por acção, por violação do artigo 63.º, n.º 2, da Constituição.

53) Embora, seja o artigo 63.º, n.º 2, uma norma programática, é possível a sua violação por acção, desde que se adoptem medidas legislativas contrárias à concretização do preceito.

54) O artigo 63.º, n.º 2, também é violado na vertente garantística do direito subjectivo à segurança social a que se aludiu, pois, ao manter a aplicabilidade de regimes especiais, a prossecução de todos os objectivos, já referidos, traçados e alcançáveis pelo sistema previsto na Constituição é protelada, indefinidamente, no tempo. O que se verifica, com a entrada em vigor destas normas, é que existe uma verdadeira tentativa de retirar eficácia ao disposto na Constituição por meio de acto normativo de força hierárquica inferior.

55) O que é impossível, devendo estas normas, quando interpretadas no sentido de desvincular o legislador da obrigatoriedade imediata de dar exequibilidade, mediante desenvolvimento legislativo, ser afastadas do bloco legal, por inconstitucionalidade por acção por violação do artigo 63.º, n.º 2, da Constituição.

56) Há que interpretar esta norma no sentido de manutenção dos regimes especiais na medida em que não prejudicam a concretização do direito subjectivo à segurança social nos termos descritos e previstos constitucionalmente.

57) O direito também deve ser satisfeito em condições de igualdade entre beneficiários do regime geral e dos regimes especiais, sob pena de violação do princípio da igualdade.

58) E que deve ser o direito assegurado a todos aqueles que, a estarem abrangidos pelo regime geral, tivessem direito ao mesmo pela situação fáctica em que se encontram, sob pena de violação do princípio da universalidade.

59) Se conclui que, em termos de regime de concretização material do direito à segurança social, os artigos 69.º, 109.º, 123.º e 103.º das Leis de Bases da Segurança Social são inconstitucionais quando interpretados no sentido de promoverem a manutenção em vigor de regimes especiais que concretizem o direito em termos menos favoráveis quando comparados com o regime geral, por violação do direito à segurança social, previsto nos n.º s 1, 3 e 4 do artigo 63.º, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º e do princípio da universalidade, previsto no artigo 12.º, todos da Constituição,

60) E que o artigo 69.º e o artigo 109.º e 123.º hoje 103.º das Leis 28/84, 17/2000, 32/2002 e 4/2007 vigoram na ordem jurídica no sentido de permitir que o direito à segurança social seja concretizado por regimes especiais em relação ao regime geral, desde que o direito seja concretizado por aqueles na mesma medida que o seria por este.

61) Também o Prof. Rui Medeiros e Prof. Freitas do Amaral, no seu parecer, a fls. 44, concluem "O Legislador não pode furtar-se à universalização do direito à segurança social com o argumento de que a questão é complexam e a articulação com o regime em vigor se mostra problemática, podendo o Tribunal Constitucional, quase trinta anos volvidos desde a entrada em vigor do artigo 63.º da Constituição, apreciar o incumprimento do mandato constitucional pelo legislador e verificar a correspondente inconstitucionalidade por omissão;"

62) Por outro lado, e tendo em conta a evolução que se seguiu, com a entrada em vigor da Constituição de 1976 e a chamada "concepção laborista da segurança social", operou-se, fundamentalmente, pela via da negociação colectiva,

63) A generalidade dos trabalhadores bancários mantiveram-se fora do sistema geral e público de segurança social aplicável aos demais trabalhadores por conta de outrem,

64) Tendo as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social consagrado um regime especial e transitório para os trabalhadores bancários.

65) Nos últimos quinze anos têm vindo a ser instituídas, no âmbito da Banca - especialmente para os trabalhadores com funções de direcção, técnicas ou de chefia -, componentes de retribuição (remunerações acessórias ou complementares) que, nos regimes públicos de protecção social, influiriam no cálculo das pensões, mas que, no âmbito do regime do ACT, não têm qualquer relevância para este efeito.

66) Chegou-se, pois, ao absurdo de, entre as diversas instituições bancárias, e até no âmbito da mesma instituição, para carreiras remuneratórias similares, existirem diferentes regimes de protecção social.

67) Os ex - trabalhadores do Totta têm os seus vencimentos majorados, por forma a cumprir o prescrito na Cláusula 92.º, n.º 5 do ACT, já que os descontos feitos para a Segurança Social são superiores no regime geral, e, por isso, quando se reformam, têm valores substancialmente maiores de pensão do que recebem os seus colegas de carreira oriundos dos outros bancos.

68) Estas situações anómalas, configurando graves entorses ao sistema constitucional vigente, foram objecto de estudo específico dos Professores Doutores Diogo Freitas do Amaral e Rui Medeiros, cujo parecer se encontra junto nos presentes autos.

69) Por um lado, a perversidade do sistema permite que os valores atribuídos a título de isenção de horário de trabalho e demais complementos salariais, sejam de montante substancialmente elevado face à retribuição base.

70) O regime especial de segurança social dos trabalhadores abrangidos pelo ACT vem previsto no Capítulo IX, Secção I, do documento, nos artigos 136.º a 144.º, fazendo também parte integrante do mesmo regime os anexos V e VI.

71) No que respeita a atribuição de pensões de reforma, temos que os trabalhadores abrangidos por este regime têm direito, em suma, a uma pensão mensal de reforma calculada de acordo com a aplicação das percentagens do anexo V aos valores fixados no anexo VI, mais duas pensões por ano a título de subsídio de Natal e 14.º mês, a que acrescem os valores correspondentes a diuturnidades a calcular nos termos definidos pela Cláusula 105.ª do ACT.

72) Tal regime implica que o cálculo do montante devido ao trabalhador a título de pensão de reforma é realizado não atendendo, minimamente, aos montantes outrora devidos e efectivamente prestados a título de retribuição, o que acarreta várias consequências.

73) Com a superveniência das Leis de Bases da Segurança Social (já identificadas), foram mantidos os regimes ditos "especiais" de segurança social, através de normas transitórias (também já referidas).

74) Estas normas não podem ter, em relação ao direito subjectivo à segurança social, definido constitucionalmente, de cada trabalhador abrangido por um regime especial, outro conteúdo que não o que já foi referido, ou seja, a garantia que, pese embora a existência de regimes especiais, estes regimes não podem concretizar a atribuição deste direito em termos que prejudiquem os trabalhadores por si abrangidos em relação aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral (que deveria ser único).

75) As normas referentes a segurança social constantes do ACT são normas de carácter híbrido, público-privado, por serem, concomitantemente, normas de regulação de relações laborais cuja vigência se funda, apenas, em omissão de desenvolvimento de preceito constitucional por parte do legislador.

76) Normas de concretização de um direito subjectivo público, radicado na Constituição, caracterizado como direito fundamental, exigível perante o Estado ou, neste caso, perante quem o substitui na vinculação à prestação.

77) De conteúdo concretizável através não só da lei de Bases da Segurança Social mas também da Constituição mediante normas directamente aplicáveis por definição do conteúdo mínimo do direito.

78) Essa prestação quer-se como substitutiva dos rendimentos do trabalho, e que se caracteriza por ser um direito indisponível, por se reportar ao conceito, de direito laboral, de remuneração.

79) Temos que o direito à segurança social, previsto ao nível constitucional e de lei de bases, é um direito que está fora do comércio jurídico, não podendo ser alvo de regulação privada - veja-se parecer elaborado pelo Professor Doutor Jorge Miranda.

80) O que também implica que as normas que definem o conteúdo do direito são normas imperativas, inderrogáveis, e cujo standard mínimo que estabelecem não pode ser preterido.

81) Não só a Ré surge como substituta do Estado na satisfação do direito à segurança social, estando vinculada à prestação exactamente da mesma forma que o Estado estaria, caso fosse ele a assegurar o direito.

82) Como o regime traçado pelo ACT possui força de lei, por remissão da lei de bases, assumindo, perante esta, o papel concretizador que está reservado aos órgãos legislativos.

83) Do que foi afirmado supra, podemos concluir que, organicamente, o regime de segurança social previsto no ACT é inconstitucional, violando o artigo 112.º, n.º 6, e o artigo 198.º, n.º 1, al. c), da Constituição, para além de desrespeitar o princípio constitucional de reserva de lei formal.

84) Inexistem dúvidas quanto ao facto de ser o ACT, para efeitos de aplicação da referida norma, um acto "de outra natureza", pois não é, com certeza, um acto legislativo ("outras categorias de actos legislativos"), que constitui o termo de comparação para definição do conteúdo do conceito.

85) Inexiste também qualquer tipo de dúvida que o regime do ACT possui eficácia externa, ou seja, eficácia de lei, pois, por força da norma transitória/especial da lei de bases, o estatuto dos trabalhadores abrangidos por este regime escapa a toda a regulação legislativa de concretização do direito à segurança social, valendo não só entre as partes, mas sim para toda a ordem jurídica.

86) Do exposto conclui-se que o artigo 103.º da lei de Bases 4/2007, de 16/1, ao manter em vigor os regimes especiais contidos em actos não legislativos, está a violar o artigo 112.º, n.º 6, da Constituição, conferindo força de lei a acto não legislativo.

87) O que acarreta a inconstitucionalidade do regime de segurança social previsto no ACT de todos os actos e regimes que se lhe seguirem por efeito de modificação do ACT.

88) Ainda que não se conclua no sentido supra referido, o regime constante do ACT será inconstitucional materialmente, por várias ordens de razão, nomeadamente por ofensa ao conteúdo estabelecido na Constituição para o direito à segurança social e por configurar ofensas intoleradas pela Constituição aos princípios da igualdade e da universalidade.

89) O direito à segurança social, da maneira como nos é prefigurado na Constituição no artigo 63.º, n.º s 1, 3 e 4, constitui um direito fundamental material que estabelece o seu conteúdo de uma forma precisa, conteúdo esse que já foi também preenchido pelas sucessivas leis de bases da segurança social: o direito a uma reforma que leve em linha de conta toda a carreira salarial contributiva do trabalhador, não podendo excluir parcelas de retribuição para efeitos de cálculo, independentemente do modo, em concreto, como é efectuado esse mesmo cálculo.

90) Ora, assumindo a Ré, no âmbito do ACT, o papel do Estado como entidade prestadora do direito à segurança social, são-lhe imputáveis exactamente as mesmas obrigações e os mesmos limites que são imputados ao Estado na concretização do regime constitucional de segurança social.

91) Deste modo, e contrapondo o regime de segurança social previsto no ACT e o que supra foi referido como conteúdo do direito à segurança social, podemos concluir que este regime peca por defeito, não assegurando a total satisfação do direito.

92) A conclusão a que chegamos aquando da concretização do conteúdo do direito foi: "visa-se proteger todos os cidadãos na velhice e na invalidez em situações de falta de capacidade para o trabalho, através da atribuição de pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que o trabalho for prestado, calculadas tendo em conta todo o tempo de trabalho prestado".

93) Ou seja, refere-se que todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de reforma e invalidez, o que nos conduz a várias conclusões: o montante da reforma será atribuído em função do tempo total de trabalho; será também atribuído em função da remuneração mensal, pois esta é a compensação do trabalho prestado no período de um mês; a ser assim, há que contabilizar todos os rendimentos do trabalhador auferidos em função do seu trabalho.

94) Contrapondo estas conclusões com a realidade jurídica consagrada no ACT, facilmente poderemos concluir que inexiste qualquer tipo de relação entre os montantes indicados no Anexo II, relativo à tabela salarial, e o Anexo VI, relativo às mensalidades atribuídas aos trabalhadores colocados nas situações de invalidez ou invalidez presumível, ainda que tomando por base o exemplo do trabalhador que tenha direito à totalidade das mensalidades aí previstas por força da aplicação da tabela que constitui o Anexo V.

95) Daqui se conclui que este regime não visa garantir a manutenção dos rendimentos de trabalho anteriormente auferidos pelos trabalhadores, pelo que é, materialmente, inconstitucional.

96) Podemos, então, concluir que as prestações normativamente previstas como devidas a título de reforma não satisfazem completamente o direito à segurança social previsto na Constituição, pecando por defeito, sendo, por esta razão, inconstitucionais as normas constantes do ACT que prevêem esses montantes, nomeadamente as constantes dos artigos 137.º, 137.º-A, 138.º e 140.º, por violação dos artigo 63.º, n.º s 1, 3 e 4, da Constituição.

97) É peremptório o artigo 13.º da Constituição: "1 - Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei"; "2 - Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas e ideológicas, instrução, situação económica ou condição social".

98) No que, especificamente, concerne ao princípio da igualdade, verificam-se dois níveis de discriminação infundada dos trabalhadores abrangidos pelo ACT em relação a demais trabalhadores, no que respeita a nível legal: a)Em relação aos demais trabalhadores dependentes em geral, que podem descontar de acordo com o regime geral da Segurança Social, garantindo que a sua reforma por velhice será calculada atendendo ao conceito de retribuição vigente para a ordem jurídica laboral em geral, não sendo calculado a partir de montantes abstractos definidos numa tabela sem qualquer relação com o montante efectivamente percebido pelo trabalhador, enquanto no activo, a título de retribuição, sem que os trabalhadores do sector bancário tenham possibilidade de optar pelo regime geral; b)Em relação a trabalhadores bancários, mas que não estão integrados nos quadros, os quais, embora estejam colocados exactamente na mesma posição que os trabalhadores efectivos (à excepção da intensidade da sua vinculação laboral), têm uma protecção mais forte no que respeita a segurança social, porquanto descontam para o regime geral da Segurança Social.

99) Não se alegue como fundamento para a manutenção da discriminação dos trabalhadores bancários inseridos nos quadros das respectivas entidades patronais e abrangidos pelo ACT o facto de estes não efectuarem descontos para o fundo de pensões, ou seja, por estarem abrangidos por um regime não contributivo.

100) Estamos perante uma falsa questão.

101) A entidade patronal, no que respeita a estes trabalhadores, já contava com a necessidade de provisionar adequadamente o Fundo de Pensões, levando tal facto em consideração tanto na negociação do ACT como, especificamente, na fixação dos montantes remuneratórios,

102) O que implica que o regime, na prática, é contributivo, realizando a entidade patronal "descontos ocultos" que incidiam sobre os trabalhadores.

103) Desde 1 de Março de 1996 que os novos trabalhadores admitidos na Banca já contribuem para o Fundo de Pensões, cláusula 137-A do ACT.

104) Nos termos da cláusula 92.º, n.º 5 do ACT, os trabalhadores que descontam para a Segurança Social têm os seus salários majorados, de modo que recebam retribuição mínima mensal líquida igual à dos demais trabalhadores do mesmo nível.

105) É-nos lícito concluir que existe discriminação infundada, que atenta contra o princípio da igualdade, dos trabalhadores bancários integrados nos quadros e trabalhadores em entidades signatárias do ACT em relação aos demais trabalhadores por conta de outrem, beneficiários de acordo com o regime geral, pelo que aquele regime deve ter-se por inconstitucional por violação dos artigos 13.º e 63.º, n.º 4, da Constituição.

106) A existência do regime de segurança social do ACT também viola o princípio da universalidade consagrado no artigo 12.º da Constituição, que estatui que "todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição", e, especificamente em relação ao direito à segurança social, no artigo 63.º, n.º 1, da Constituição, e no artigo 6.º da lei de Bases, que "consiste no acesso de todos os cidadãos à protecção social assegurada pelo sistema, nos termos definidos por lei".

107) O regime previsto no ACT para efeitos de concretização do direito à segurança social é inconstitucional, tal como o artigo 103.º da actual lei de Bases, por ofensa do princípio da universalidade previsto na Constituição, consubstanciada no afastamento dos trabalhadores abrangidos pelo ACT das regalias do regime geral de segurança social.

108) Determina a Cláusula 137.ª do ACT as prestações pecuniárias a que os trabalhadores abrangidos têm direito no caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade (sendo esta situação enquadrável em "invalidez presumida").

109) Analisando os quadros constantes dos anexos V e VI, referidos na al. a) do n.º 1 da referida Cláusula, facilmente se conclui que estes foram decalcados do conceito de remuneração mínima mensal, o qual abrange apenas a retribuição de base acrescida das diuturnidades a que o trabalhador tenha direito, de acordo com a Cláusula 93.ª do ACT.

110) Não são considerados, para efeitos de reforma, os montantes que os trabalhadores, enquanto no activo, auferiam, por exemplo, a título de isenção de horário de trabalho e ou remuneração complementar e, bem assim, subsídio de função, por exemplo.

111) O direito à segurança social, da maneira como nos é prefigurado na Constituição no artigo 63.º, n.º 3, constitui um direito fundamental material que estabelece o seu conteúdo de uma forma precisa, conteúdo esse que já foi também preenchido no âmbito das sucessivas leis de bases da segurança social: o direito a uma reforma calculada de acordo com critérios que abrange toda a remuneração efectiva auferida pelo trabalhador.

112) Não pode alegar-se que o regime constante do ACT é salvaguardado pelo artigo 103.º da lei de Bases, que define que "os regimes especiais vigentes à data da entrada em vigor da presente lei continuam a aplicar-se, incluindo as disposições sobre o seu funcionamento, aos grupos de trabalhadores pelos mesmos abrangidos, com respeito pelos direitos adquiridos e em formação".

113) Este preceito também viola o estatuído no artigo 63.º, n.º 3, da Constituição, por implicar a manutenção de um regime que não obedece ao conceito material de direito à segurança social, pois permite que se conceba como "reforma" uma quantia que nada tem a ver com a carreira salarial dos trabalhadores, base e pressuposto do cálculo da pensão de reforma.

114) Como consequência do supra concluído, temos que a ora inconstitucionalidade das normas identificadas implica, de acordo com o artigo 204.º da Constituição, que não poderão as mesmas ser aplicadas e cabe ao Tribunal afastá-las.

115) Ainda no âmbito das normas transitórias constantes de leis de bases que mantenham a aplicabilidade dos regimes especiais de segurança social há que referir o facto de estas serem inconstitucionais quando aplicadas no sentido de manutenção do regime de segurança social constante do ACT, por "conferir[em] a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos", nos termos já descritos.

116) Como consequência deste juízo, o conteúdo do ACT terá que ser adequado à realidade imposta constitucionalmente, que passa pelo afastamento da ressalva transitória e pela concretização por parte do fundo de pensões criado no âmbito do ACT do direito à segurança social em termos análogos ao que vigora no âmbito do regime geral.

117) Ainda que assim não se entendesse, o próprio regime previsto no ACT viola directamente a Constituição, por três ordens de razão: por não assegurar uma cabal satisfação do direito à segurança social; por não assegurar uma igualdade na concretização do direito à segurança social, e; por não permitir a universalidade do direito à segurança social.

118) Em suma, o regime que, em virtude das inconstitucionalidades supra referidas, é aplicável aos trabalhadores do sector bancário é, quanto à estrutura, orgânica e funcionamento, o que até hoje vigora, por o afastamento das normas que atentam contra o artigo 63.º, n.º 2, da Constituição, implicar apenas inconstitucionalidade por omissão, enquanto que a concretização efectiva do direito, por referência ao cálculo do montante da prestação devida a título de reforma por invalidez ou velhice, terá que ser realizado de acordo com o constante no regime geral, por afastamento das normas do ACT que, pela sua aplicação, prevejam o cálculo de um montante inferior ao que resultaria da aplicação das normas análogas do regime geral.

119) Independentemente do iter jurídico que se percorra, a solução para esta questão será sempre a mesma: por um lado, a equiparação material dos beneficiários do regime especial previsto no ACT em relação aos beneficiários do regime geral, quando este confira uma maior amplitude ao direito, e, por outro lado, a assunção dos deveres de prestação da concretização individual do direito por parte do Fundo de Pensões constituído ao abrigo do regime do ACT.

120) O que acontece é uma novação subjectiva no âmbito da relação jurídica de carácter público que tem por base o direito à segurança social, em que a Ré assume os direitos e os deveres do Estado na medida em que este estaria vinculado caso o sistema geral de segurança social abrangesse os trabalhadores bancários.

121) O regime de segurança social previsto no ACT tem uma natureza eminentemente pública, como já supra ficou demonstrado, e como se depreende facilmente pela necessidade que o legislador sentiu de ressalvar a sua vigência, pelo que a função da entidade que o gere é uma função, também ela, eminentemente pública.

122) Não podia ignorar a entidade gestora do Fundo de Pensões (no caso concreto dos autos a própria Ré) que a sua actividade não consubstanciava, nem consubstancia, um negócio ou uma gestão tendente ao lucro; pelo contrário, sabia, como sabe, que a sua função é dar cabal satisfação a um direito fundamental dos trabalhadores previsto constitucionalmente, em regime de substituição do Estado, a concretizar individualmente de acordo com as normas que regulam a prestação desse direito no âmbito do regime geral.

123) Tanto assim é que a Cláusula 136.º do ACT, no pressuposto que o regime dele constante é mais favorável que o regime geral, prevê que seja promovida a igualdade entre os trabalhadores abrangidos pelo regime geral e os abrangidos pelo regime especial do ACT, responsabilizando-se as Instituições de Crédito pelo complemento devido aos trabalhadores também beneficiários do regime geral que os coloque em posição de igualdade em relação aos beneficiários do regime do ACT (regime, sem dúvida, legal).

124) Logo, nunca foi objectivo do ACT diminuir o âmbito da protecção nas eventualidades de velhice e de invalidez dos trabalhadores abrangidos pelo regime dele constante em relação aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral, pois tal regulamentação seria, manifestamente, inconstitucional, como já se demonstrou.

125) Por outro lado, e na prática, a consciência da existência dessa ilegalidade leva-nos a confirmar que a Ré viola, objectivamente, o princípio da igualdade e tem a noção da ilicitude do seu comportamento ao determinar que no momento da invalidez os seus quadros recebem a reforma não pelo nível a que lhe corresponde no Anexo V do ACTV, mas atribuindo a seu belo prazer e com critérios casuísticos o valor da reforma a cada um deles.

126) Veja-se, nesse sentido, a matéria considerada como provada na 1.ª Instância, nomeadamente quesitos 18.º, 44.º e 45.º

127) A existência deste regime especial de segurança social, previsto no ACT, como já foi explicado, resulta de dificuldades de execução da integração, que teriam de ser resolvidas tendo em consideração os interesses em causa, sendo que o regime especial já remonta a período anterior à Constituição de 1976.

128) Tal falta de integração no sistema geral de segurança social constituía um comportamento tolerável enquanto da sua aplicação não resultasse um regime menos favorável para os trabalhadores cuja eventualidade velhice ou invalidez fosse tutelada, no âmbito do regime do ACT, de uma forma semelhante à tutela análoga no âmbito do regime geral.

129) Todavia, nos últimos quinze anos, têm vindo a ser instituídas, no âmbito da Banca, especialmente para os trabalhadores com funções de direcção, técnicas ou de chefia, outras componentes de retribuição (remunerações acessórias ou complementares) que nos regimes públicos de protecção social influiriam no cálculo das pensões, mas que no âmbito do regime do ACT não têm qualquer relevância para este efeito.

130) Este dever é reforçado pelo facto de as instituições bancárias estarem numa posição de substituição do Estado na prestação da satisfação deste direito dos trabalhadores, pois consubstancia má fé destas instituições uma actuação que se paute pelo puro desrespeito das leis e pela aplicação literal do regime de segurança social do ACT.

131) O que ora motiva a presente acção é a não contabilização de complementos salariais para efeitos de reforma, por o ACT não reportar ao cálculo do montante desta pensão a efectiva retribuição mas sim valores estipulados numa tabela (Anexo VI).

132) Ao realizar a retribuição em complementos salariais, visaram as instituições bancárias defraudar a aplicação da lei, que impõe uma correspondência tendencial e indicativa entre o montante da retribuição auferida no activo e o montante da pensão de reforma.

133) Pretendendo a inexistência de um direito dos trabalhadores que impõe a correspondência de montantes supra referida, por o regime do ACT ser "pretensamente" especial, e considerar apenas os montantes que foram auferidos a título de remuneração-base e diuturnidades como os futuramente devidos a título de reforma, as instituições bancárias violam o direito consagrado na lei, em desenvolvimento da Constituição, e atribuído a todos os trabalhadores, a uma reforma que tenha carácter substitutivo dos rendimentos auferidos no activo,

134) As instituições bancárias tinham perfeita noção que a sua conduta implicava, em termos objectivos, um desrespeito pela lei, em termos subjectivos, o desrespeito pelos direitos dos trabalhadores atribuídos por lei,

135) Os trabalhadores abrangidos pelo regime de segurança social previsto no ACT sofrem danos perfeitamente quantificáveis advenientes da má aplicação da lei por parte das instituições bancárias no que respeita à satisfação do direito à segurança social.

136) Podem e devem ser responsabilizadas as instituições bancárias pelos danos que resultaram da sua conduta ilícita e culposa, violadora do direito à segurança social, e que foram causados aos trabalhadores, por aplicação do artigo 483.º do Código Civil.

137) Existem várias referências à relevância jurídica dos usos no âmbito do Direito do Trabalho, sendo que a remissão genérica é a realizada pelo artigo 12.º, n.º 2, da LCT, que afirma que "desde que não contrariem as normas acima [no n.º 1] indicadas e não sejam contrários aos princípios da boa fé, serão atendíveis os usos da profissão do trabalhador e das empresas, salvo se outra coisa for convencionada por escrito".

138) Mais específicas e atinentes ao caso em apreço, por se reconduzirem aos conceitos de remuneração e de retribuição, e por a pensão de reforma ou de invalidez se querer substitutiva desta, são os artigos 82.º, n.º 1, 87.º e 88.º n.º 1 da LCT.

139) Desde que se implementou a política de atribuição dos já referidos complementos salariais, dentro da aplicação do ACT, e até há poucos anos, houve o hábito de contabilizar esses mesmos complementos para efeitos de quantificação do montante da pensão de reforma, o que, em termos de facto, consubstancia uma aproximação ao método de cálculo do montante da pensão no âmbito do regime geral, e a devida obediência aos princípios constitucionais e legais referentes a segurança social, por se aproximar o montante da pensão de reforma ao montante auferido enquanto trabalhador no activo.

140) No caso dos autos o Autor reclama na sua pensão de reforma o valor recebido a título de IHT (aliás em similitude com casos de outros colegas seus reformados da Ré - veja-se a al. d) da matéria assente.

141) A Ré, ao atribuir o montante da prestação de reforma, no que respeita a trabalhadores que beneficiavam de complementos salariais, está a violar o princípio da igualdade, pois define o montante consoante o caso que tem perante si com base em critérios tudo menos jurídicos.

142) Há colegas do A., do mesmo grupo a que pertence a Ré, a auferir pensões de reforma de montantes superiores aos que estabelece o ACTV, dado que a Ré lhes paga além do estabelecido noutros montantes a título de isenção de horário de trabalho e remuneração complementar, pelo menos! (quesitos 18.º, 44.º e 45.º dados como provados)

143) Pelo que há que admitir que, nos casos indicados, foi respeitada a materialidade do direito à segurança social, contabilizando-se para efeitos de reforma tudo aquilo que é considerado retribuição, independentemente do facto de tal respeito pelo conteúdo do direito advir de aplicação do regime de cálculo vigente para o regime geral, do respeito pelos usos da empresa ou mesmo por satisfação directa do direito conforme este está configurado constitucional e legalmente.

144) Daqui se infere que a Ré está ciente do regime aplicável e vigente, e que se vinculou à efectiva prestação do direito à segurança social em moldes constitucionalmente aceites, valendo o ACT, no que concerne ao regime de segurança social, nos termos que fundaram estas decisões de cálculo do montante da mensalidade de reforma.

145) Se de outro modo fosse, estando a Ré na convicção que o cálculo das mensalidades de reforma, nestes casos de existência de complementos salariais, seria realizado do mesmo modo que o literalmente indicado no Capítulo XI do ACT e Anexos V e VI, existiria um abuso de confiança da sua parte, por estar a dispor ilegitimamente de coisa móvel que lhe havia sido entregue por título não translativo da propriedade, o que, ao que parece, não acontece.

146) A Ré está vinculada ao princípio da igualdade, não só pela vinculação que, em geral, advém do regime constitucional, como também pelo facto de este princípio ser basilar do bloco legal relativo a segurança social, tendo estado previsto no artigo 5.º, n.º s 1 e 4, da Lei 28/84, de 14 de Agosto, artigos 4.º e 6.º da Lei 17/2000, de 8 de Agosto, e vigorando actualmente nos termos dos artigos 5.º e 7.º da lei 4/2007, de16/1.

147) O que há a fazer para repor a justiça, no caso concreto, será proceder à equiparação da situação de facto de todos os trabalhadores que, enquanto no activo, beneficiavam de complementos salariais, pela obediência devida ao princípio da igualdade, formulado nos termos descritos.

148) Antes de mais, afirma o n.º 1 a obrigatoriedade de atribuição do direito a todos os particulares, indiciando um reforço da natureza universal do direito em relação ao estatuído no artigo 12.º da Constituição.

149) Em segundo lugar, visa-se garantir que uma situação de falta de capacidade para o trabalho seja suprida, sendo de realçar que não se trata, aqui, de garantir um mínimo para subsistência, pois a Constituição equipara à falta ou diminuição de meios de subsistência a falta ou diminuição de capacidade de trabalho, assumindo que se trata de realidades distintas e que ambas são, igualmente, motivo de protecção dos particulares (nesta realidade, dos trabalhadores).

150) Em terceiro lugar, ao referir que o direito existe independentemente do sector de actividade em que o trabalho tenha sido prestado, o que indicia que o legislador constituinte não realiza qualquer tipo de distinção entre classes profissionais na atribuição do direito, por um lado, e, por outro, afirma peremptoriamente que a actividade profissional do trabalhador não releva para efeitos de atribuição de reforma - tal reforça a ideia de igualdade prevista, na generalidade, no artigo 13.º da Constituição.

151) Ou seja, o critério adoptado na reforma tem de abranger todos, mas todos os trabalhadores, aliás como referem os Professores Doutores Freitas do Amaral e Rui Medeiros, no seu parecer, que se encontra junto aos autos e que se transcreve: "É indiscutível, por isso, que aos trabalhadores abrangidos pelo ACT para o Sector Bancário não pode ser negado o direito à segurança social consagrado no artigo 63.º da Constituição. "Todos têm direito à segurança social", diz esse artigo. Ora, "todos" são todos: não são todos menos os bancários."

152) O artigo 6.º do Decreto-Lei 519-C1/79, de 29 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 209/92, de 2 de Outubro, estabelece limitações quanto ao conteúdo das convenções colectivas de trabalho nos seguintes termos: "Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem: a) Limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos; b) Contrariar normas legais imperativas; c) Incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei; d) (...); e) Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, salvo se ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares de segurança social ou equivalentes, bem como aqueles em que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras; e) (...)", hoje, artigo 553.º do Código do Trabalho, com conteúdo similar.

153) Assim, o regime geral da segurança social funciona como norma mínima de garantia que deve ser cumprida.

154) Chegamos então à violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição.

155) A violação do princípio da igualdade é uma alegação bastante séria, por estar intimamente relacionada com um dos direitos fundamentais do homem. Aliás, isso mesmo foi reconhecido ao longo dos tempos, e o direito à igualdade de tratamento vem previsto não só no artigo 13.º da Constituição, como também no artigo 23.º, 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e ainda na Convenção da OIT n.º 11, de 1958.

156) Além de que a norma constante do ACTV - e que se considera ser apenas relativa a um mínimo de garantia - não foi aplicada em relação a variadíssimos outros casos semelhantes aos do A.. E aqui reside a violação do princípio da igualdade.

157) Pois o cálculo é arbitrário, e vários trabalhadores do mesmo grupo a que pertence a Ré receberam complementos de retribuição de base - pelo que não é verdade que os mesmos não contem para nenhum trabalhador.

158) Assim, toda a interpretação feita sobre esta questão é claramente inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, inconstitucionalidade que ora se argúi, para os devidos efeitos legais.

159) Pelo exposto, o Acórdão de que ora se recorre violou o disposto nos artigos 13.º e artigo 63.º da Constituição e lei de Bases da Segurança Social, pelo que deve ser revogada, com as legais consequências, na medida em que as Cláusulas 136.ª a 144.ª do ACT para o sector bancário e Anexos VI são inconstitucionais.»

Por seu turno, a Recorrida contra-alegou nos seguintes termos:

"[...] 1. Os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da aplicação, ou recusa de aplicação, de normas jurídicas [Lei do Tribunal Constitucional ("LTC"), artigo 71.º/1].

1.1 - Os preceitos constantes dos instrumentos de regulamentação colectiva de natureza convencional, como o em causa nos autos, não revestem a natureza de normas jurídicas, pelo que a respectiva apreciação se encontra vedada a este Tribunal,

1.2 - Como o mesmo Tribunal tem decidido, por diversas vezes, mesmo a propósito de questões em tudo idênticas às que constituem o objecto do presente recurso (cf., v. g., Acórdão 143/05, de 16 de Março de 2005).

1.3 - Por isso, o Tribunal Constitucional não é competente para conhecer do presente recurso.

2 - Sem prejuízo destas considerações, tenha-se ainda em conta que o Recorrente entende inconstitucionais as cláusulas 136.ª a 144.ª e os Anexos V e VI do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário.

2.1 - O Recorrente não cumpre, como lhe competia, o ónus de delimitação do objecto do recurso através da concreta definição do preceito entendido inconstitucional.

2.2 - Pois aquilo que o Recorrente verdadeiramente censura, à luz de critérios de constitucionalidade, não é determinada norma ou certo preceito convencional, mas o sentido que lhes deu a decisão judicial sob recurso.

2.3 - Ou seja, verdadeiramente, o que o Recorrente entende ser inconstitucional é a decisão proferida nos autos, de que os preceitos convencionais que cita são apenas fundamentos.

2.4 - É a correcção ou justeza da decisão proferida que o Recorrente põe em crise.

2.5 - Todavia, "é [...] jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, estando em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim, resulta do disposto no artigo 280.º da Constituição e no artigo 70.º da Lei 28/82 e assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Na verdade, ao contrário dos sistemas em que é admitido recurso de amparo, nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões jurisdicionais que, alegadamente, violam directamente a Constituição, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal não se destina ao controlo da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando a discordância se dirige a esta última, mas, pelo contrário, ao controlo normativo de constitucionalidade da norma aplicada" (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 336/2004, de 14 de Maio de 2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).

2.6 - Também por isso, o conhecimento do recurso deve ser rejeitado, uma vez que o Recorrente não suscita questão de constitucionalidade normativa.

(...)

3 - Ainda que não procedam os argumentos invocados supra, a pretensão do Recorrente nunca poderia proceder, por inexistência de qualquer desconformidade constitucional.

4 - O Recorrente pretende ver alterado o sentido da decisão das instâncias, com fundamento em violação, em suma, do preceito contido no actual artigo 63.º/4 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual "todo tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado".

4.1 - Preceito que, no entender do Recorrente, implica igualmente que toda a retribuição auferida pelo trabalhador deve ser tida em conta para efeitos de determinação do valor da sua pensão de reforma.

4.2 - Porém e como o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de decidir (cf. Acórdão 675/05, de 6 de Dezembro de 2005), "não procede a leitura da expressão «todo o tempo de trabalho» como tendo de incluir, em si, a expressão «toda a remuneração mensal» realmente auferida pelo trabalhador durante todo o tempo de trabalho".

5 - De resto - e colhendo argumento constante do mesmo aresto - a circunstância da Constituição impor como critério de cálculo da pensão a antiguidade da carreira contributiva ("todo o tempo de trabalho"), omitido qualquer alusão à retribuição, obriga a considerar que o critério de cálculo da pensão não incorpora necessariamente (todo) o valor da retribuição.

5.1 - Ou seja, a inclusão na norma constitucional do tempo de trabalho constitui argumento a contrario para excluir da exigência constitucional a presença de outros parâmetros na formação do direito a determinada pensão da segurança social.

5.2 - Se assim não fosse, de resto, seriam inconstitucionais todos os modos de cálculo de prestações previdenciais substitutivas do salário baseados em critérios distintos do rendimento efectivamente auferido, como acontece nos regimes que acolhem as designadas "remunerações convencionais" (cf., v. g., trabalhadores agrícolas indiferenciados, futebolistas e basquetebolistas profissionais, trabalhadores do serviço doméstico, membros de Igrejas, associações e confissões religiosas, "trabalhadores independentes", advogados e solicitadores),

5.3 - Regimes em que a base de incidência das contribuições - isto é, a contrapartida do trabalho considerada para efeitos de cálculo da obrigação contributiva e, a partir dela, do direito a determinada pensão - não é constituída pelo rendimento efectivamente auferido, mas por valor declarado pelas partes.

6 - Carece igualmente de sentido a imputação de eventual violação do princípio da igualdade, decorrente da desconformidade entre as regras de cálculo das pensões constantes da convenção colectiva de trabalho aplicável ao sector bancário e as decorrentes do regime geral da segurança social.

6.1 - Desde logo, este regime geral da segurança social contém, em si mesmo, pluralidade de disciplinas, aplicáveis a grupos ou categorias de trabalhadores,

6.2 - Pelo que a formulação de juízo de (des)igualdade sempre exigiria a prévia determinação do subgrupo a comparar.

7 - Por outro lado, é exactamente a igualdade de tratamento entre todos os trabalhadores em situação idêntica que o regime convencional em apreço visa alcançar.

7.1 - Como regime especial, abrange todos os trabalhadores do mesmo sector de actividade e submete à mesma disciplina o cálculo de todas as pensões de que aqueles são titulares.

7.2 - Pelo que, no que aos aspectos previdenciais diz respeito, a disciplina constante da convenção colectiva de trabalho aplicável trata todos os trabalhadores de forma idêntica, realizando - e não frustrando, como pretende o Recorrente - o princípio da igualdade.

Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido."

Por decisão do Presidente do Tribunal Constitucional, tomada com a prévia concordância deste Tribunal, foi determinado que o julgamento se fizesse com a intervenção do plenário, nos termos do artigo 79.º - A, da LTC.

Fundamentação

1 - Do objecto do recurso

Resulta do requerimento de interposição de recurso que o Recorrente pretendia submeter à apreciação do Tribunal Constitucional as seguintes interpretações normativas que reputava de inconstitucionais:

a) As normas constantes das cláusulas 136.ª a 144.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário (versão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego 31/1992), interpretadas no sentido de que para "efeitos de atribuição de pensão de reforma, a calcular de acordo com o referido instrumento de contratação colectiva, apenas são levados em consideração os valores correspondentes à retribuição-base e diuturnidades, com desconsideração dos demais valores recebidos no activo a título de retribuição";

b) A norma do artigo 863.º, do Código Civil, interpretada no sentido de que "sendo a mesma entidade jurídica a tutelar o contrato de trabalho e a reforma [...], o trabalhador ainda assim pode renunciar, na pendência da relação laboral, a créditos salariais no momento em que negoceia as condições da sua reforma".

Mas, em sede de alegações, o Recorrente veio alterar o objecto das questões de constitucionalidade que pretendia ver analisadas pelo Tribunal Constitucional.

Por um lado, o Recorrente deixou de apresentar quaisquer alegações na parte respeitante à referida interpretação normativa do artigo 863.º, do Código Civil.

Por outro lado, o Recorrente veio suscitar, pela primeira vez perante este Tribunal, a inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 69.º, da Lei 28/84, de 14 de Agosto, do artigo 109.º, da Lei 17/2000, de 8 de Agosto, e do artigo 123.º, da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro.

Estas alterações introduzidas nas alegações de recurso não são irrelevantes no plano dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional.

Importa ter presente que o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade é o acto idóneo para a fixação do objecto deste e, consequentemente, se o recorrente nele especificar as normas ou interpretações normativas a fiscalizar, já não pode ampliar a outras normas aquele objecto nas peças processuais subsequentes, nomeadamente nas alegações.

Acresce a isso que o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, na fase de alegações, a indicação das normas objecto do recurso, devendo, assim, a situação de falta de apresentação de alegações, relativamente a parte das questões de constitucionalidade anteriormente suscitadas no requerimento de interposição de recurso, ser necessariamente encarada como uma desistência parcial deste.

Em conformidade com o que se acaba de dizer, o objecto do presente recurso de constitucionalidade é mais reduzido que o inicialmente configurado no requerimento de interposição de recurso e não se pode estender às novas questões de constitucionalidade introduzidas em sede de alegações.

Assim sendo, em princípio, o objecto do presente recurso de constitucionalidade deveria restringir-se à fiscalização da constitucionalidade das normas constantes das cláusulas 136.ª a 144.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário (versão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego 31/1992), quando interpretadas no sentido de que para "efeitos de atribuição de pensão de reforma, a calcular de acordo com o referido instrumento de contratação colectiva, apenas são levados em consideração os valores correspondentes à retribuição-base e diuturnidades, com desconsideração dos demais valores recebidos no activo a título de retribuição".

Contudo, a verdade é que nem todas as referidas normas do ACTV para o sector bancário foram aplicadas como ratio decidendi na decisão recorrida para o efeito que ora releva.

Efectivamente, da leitura da decisão recorrida resulta inequívoco que o tribunal a quo apenas aplicou as normas constantes da cláusula 137.ª, do ACTV para o sector bancário, quando decidiu a revista e se debruçou sobre a questão de constitucionalidade que ora ocupa o Tribunal Constitucional.

Por isso, o objecto do presente recurso de constitucionalidade restringir-se-á à fiscalização da constitucionalidade das normas constantes da cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário, com a interpretação já acima enunciada.

2 - Da idoneidade do objecto do recurso

A natureza das cláusulas constantes do referido ACTV suscita, desde logo - mesmo que não tivesse sido invocado pelas partes - que seja trazida à colação e retomada a vexata quaestio da sindicabilidade constitucional das estatuições constantes das convenções colectivas de trabalho.

Trata-se de uma discussão que se tem arrastado no Tribunal Constitucional ao longo dos últimos quase quinze anos e que - não obstante as parciais e sucessivas alterações verificadas na composição dos juízes que integram este tribunal - tem pendido maioritariamente para o lado dos partidários da tese que nega às referidas disposições a qualidade de norma como objecto possível do recurso de constitucionalidade.

A divergência foi assumida igualmente no seio da doutrina constitucional.

Efectivamente, segundo Gomes Canotilho (em "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", pág. 937, da 7.ª Edição, da Almedina) "os contratos e acordos colectivos de trabalho têm um valor normativo pelo menos equivalente ao das portarias regulamentares [...] e [...] como actos normativos, e na parte em que têm valor normativo, estão sujeitas ao controlo de constitucionalidade". No mesmo sentido pronunciaram-se Vieira de Andrade (em "A fiscalização da constitucionalidade de normas privadas pelo Tribunal Constitucional", na R. L. J., Ano 133.º, pág. 363), Vitalino Canas (em "Introdução às decisões de provimento do Tribunal Constitucional", pág. 60, nota 54, da ed. de 1984 da Cognitio), Barros Moura (em "A convenção colectiva entre as fontes de Direito de Trabalho", pág. 125 e segs. da ed. de 1984, da Almedina), e Licínio Lopes Martins (em "O conceito de norma na jurisprudência do Tribunal Constitucional", no B. F. D. U. C., vol. LXXV, pág. 616 e segs.)

Diversamente, Jorge Miranda (em "Manual de Direito Constitucional", tomo VI, 2001, pág. 176, da 2.ª ed., da Coimbra Editora), sustenta que "a fiscalização da constitucionalidade não abrange as normas provenientes da autonomia privada ou colectiva, como as provenientes de convenções colectivas de trabalho". No mesmo sentido, Blanco de Morais (em "Justiça Constitucional", vol. I, pág. 430-433, da 2.ª ed., da Coimbra Editora).

Foi a jurisprudência constitucional, porém, que intensificou este debate e levou mais longe a discussão sobre esta questão.

A tese até aqui maioritária foi adoptada, pela primeira vez, com a prolação do acórdão 172/93 (em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 24.º vol., pág. 451) e, desde então, foi sendo sucessivamente sustentada e defendida pela maioria dos juízes deste tribunal, tendo o acórdão do Plenário n.º 224/2005 (em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 61.º vol., pág. 777), reafirmado essa posição.

Todavia, da discussão do memorando apresentado pelo relator verificou-se uma inversão do sentido da opinião maioritária sobre esta questão, pelo que se revela útil reler a declaração de voto do conselheiro José de Sousa e Brito, precisamente aposta no já referido acórdão 172/93, cuja sólida e exaustiva argumentação aqui se transcreve e subscreve, na parte em que analisa a normatividade das convenções colectivas de trabalho:

"[...]

Não é duvidosa a normatividade das convenções colectivas de trabalho, porque regulam o comportamento dos membros das associações sindicais subscritoras, dos membros das associações patronais subscritoras e ainda dos trabalhadores ao serviço de empresas públicas ou de capitais públicos, cujo processo de negociação foi autonomizado, sejam ou não membros das associações negociantes. Não se aplicam aos membros actuais, mas também aos futuros e aos que não são membros mas já alguma vez o foram durante o período da sua vigência (artigos 8.º, 9.º e 3.º, n.º 3, da lei da Regulamentação Colectiva de Trabalho (Decreto-Lei 519-C1/79, de 29 de Dezembro)). Uma vez que a generalidade da previsão normativa não é exigida pelo conceito funcional de norma, sempre seria irrelevante para a normatividade que as convenções não se apliquem aos trabalhadores não filiados nem às entidades patronais não subscritoras ou não filiadas. Mas, dada a delimitação que a lei faz do âmbito de aplicação pessoal das normas das convenções colectivas, é claro que elas não se aplicam a uma classe fechada, mas a uma classe aberta de casos e de pessoas, são susceptíveis de aplicação indefinidamente repetida, são, portanto, gerais e abstractas. Aplicam-se, nomeadamente da forma indicada, a trabalhadores futuros e a futuras entidades patronais.

...

11. As normas das convenções colectivas são potencialmente heterónomas, vinculam as pessoas por elas abrangidas nos termos da lei independentemente e eventualmente contra a vontade dos destinatários das normas. Impõem-se aos contratos individuais de trabalho que lhes estão subordinados como se fossem leis imperativas e mesmo contra leis imperativas: ao alterarem mínimos legais de remuneração, por exemplo, proíbem cláusulas de contratos individuais permitidas por lei (alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º e n.º 1 do artigo 14.º da lei de Regulamentação Colectiva de Trabalho). As convenções colectivas de trabalho têm, é certo, uma imperatividade em sentido único, só enquanto estabelecem condições mais favoráveis para os trabalhadores: impõem níveis mínimos e não tectos máximos, os quais só podem ser estabelecidos por lei. Além disso, valem para trabalhadores e entidades patronais que não se integram em associações ou entidades subscritoras no momento da celebração da convenção ou que deixaram de as integrar. É certo que para as partes outorgantes, as normas das convenções colectivas são autónomas, são resultado de um processo negocial de criação normativa, regulam de acordo com a sua vontade os seus interesses, mas impõem-se depois aos seus destinatários por força e nos termos da lei, independentemente da contribuição destes para a sua criação.

Dizer que os destinatários são representados pelas associações outorgantes só faz sentido relativamente aos que são associados ao tempo da celebração. Mas mesmo quanto a estes cumpre acentuar que a filiação numa associação sindical ou patronal não tem o sentido de um mandato de representação em futuras convenções colectivas nem é um acto de submissão voluntária a prévias ou futuras convenções colectivas - do mesmo modo que a aquisição de cidadania por naturalização, por exemplo, não é um acto de submissão voluntária às leis do Estado. A sua submissão às convenções colectivas - como além, no caso de naturalização - não deriva normativamente da vontade mas da lei (assim, Ferdinand Kirchhof, ob. cit., p. 184 ss).

Decisiva é, porém, a questão de saber se as convenções colectivas de trabalho têm pretensão de "generalidade", isto é, se se integram no sistema do direito objectivo, se prosseguem ao fim e ao cabo os fins da Constituição, não obstante o espaço da autonomia na sua negociação. De tal depende justificar-se ou não, quanto a elas, o controlo específico de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional. O mesmo é dizer, na terminologia adoptada (supra n.º 6), que de tal depende serem ou não heterónomas no sentido funcional relevante.

São úteis a este respeito os contributos constitucionalistas alemão e italiano, não obstante o contexto constitucional e legal seja parcialmente diferente. Na Alemanha é discutida e ainda não foi decidida pelo Tribunal Constitucional Federal a questão de saber se as convenções colectivas são actos de criação de direito e se, por isso, é possível contra eles um "Verfassungsbeschwerde" (recurso de agravo constitucional). Benda (Benda, Klein, Lehrbuch des Verfassungsprozessrechts, 1991, p. 1835) põe, em minha opinião, o dedo na ferida, embora as suas considerações estejam afinal em contradição com toda a evolução do direito do trabalho para a sua plena integração na ordem constitucional, com paralelas consequências no entendimento das relações entre o Estado e a sociedade como relações jurídicas subordinadas à Constituição. Benda começa por expor a opinião contrária nos seguintes termos: "A opinião que, além do mais, vê nos contratos colectivos objectos possíveis de um agravo constitucional, invoca não por acaso a função objectiva do agravo constitucional. A sua função não é simplesmente esgotar-se na protecção da esfera dos direitos fundamentais do indivíduo. Antes deve preencher também uma "função geral" dentro da ordem jurídica na medida em que defende o direito constitucional e promove a sua interpretação e desenvolvimento. Daqui resulta a tarefa de conceber o conceito de poder público de modo tão amplo que não fique limitado ao exercício da autoridade estatal, mas abranja outras relações de autoridade, que se tivessem estabelecido a par do poder estatal e subsistissem por força do reconhecimento estatal". Passando a expor a sua própria opinião escreve: "tais considerações têm, porém, consequências para o entendimento da liberdade no domínio da liberdade sindical (artigo 9.º, secção 3, da lei Fundamental), que é uma parte importante da liberdade dos cidadãos. A liberdade sindical e a autonomia das convenções colectivas não são expressão de uma divisão de trabalho entre Estado e partes convencionais ou da assunção pelas forças sociais de funções públicas. Elas devem, ao contrário, respeitar um espaço livre do Estado. Nisso tem-se em conta que as decisões tomadas neste domínio independentemente do Estado, tais como a conclusão de contratos colectivos podem ter reflexos muito importantes, mas também prejudiciais, sobre a política económica e financeira. Se as partes convencionais fossem "poder público", estariam nas suas convenções vinculadas ao bem comum. É certo que a consciência de ser corresponsável pelo todo é um pressuposto essencial também da autonomia convencional. Mas se associações, que representam interesses parciais legítimos, são vinculadas juridicamente ao bem comum ou se lhes é imposta uma "vinculação social", então não só se limita o carácter liberal da autonomia convencional, como também o Estado se desonera da sua obrigação de actuar no interesse do bem comum, no caso de derivarem perigos da actividade de associações livres e não incorporadas no Estado". Quanto à avaliação que Benda faz dos argumentos dos que defendem que as convenções colectivas são fontes de direito, já aqui se mostrou que o reconhecimento estatal das normas não implica o carácter de poder público das partes convencionais como entidades criadoras de direito. Por outro lado, se é verdade que é a vinculação ao bem comum que fundamenta o reconhecimento das convenções colectivas como direito objectivo e não o invés, não é menos que se trate de uma questão a responder na base do direito positivo, e aí as várias manifestações do reconhecimento podem ser outras tantas provas do carácter jurídico e não de novas regras da autonomia privada, das normas das convenções colectivas. A ser assim, como se pretenderá para o direito português, haverá que concluir-se que as regras achadas por concordância de empregadores e trabalhadores na prossecução dos seus interesses parciais são, em princípio, as mais conformes com o bem comum a que estão não obstante vinculadas e que o Estado não está desonerado de promover através da legislação económica financeira e da legislação laboral de enquadramento e suprimento que lhe competem. Uma orientação relevante, apesar das críticas, parece, aliás, ser a do Tribunal Constitucional Federal Alemão, embora formulada em contextos diferentes do objecto do processo constitucional. Assim aquele Tribunal disse que "a convenção colectiva contém na sua parte normativa regras jurídicas, isto é, disposições imperativas - nos termos do § 4, secção 3.ª da lei da Convenção Colectiva - gerais-abstractas sobre o conteúdo das relações jurídicas de trabalho por ela abrangidas "(BVerfGE 34, 3O7 [317]. Na criação de normas pelas partes convencionais trata-se de legislação no sentido material que produz normas em sentido técnico-jurídico (acórdão de 24 de Maio de 1977: BVerfGE 44, 341)".

Em Itália existia a prática de obter a eficácia erga omnes das normas dos contratos colectivos de âmbito limitado através de decretos legislativos delegados de recepção daquelas normas. Estes decretos tinham a natureza de uma lei transitória, provisória e excepcional, mas podiam ser reiterados, obtendo-se assim um efeito semelhante às portarias de extensão do direito português. A Corte Costituzionale (sentença 70/1963) considerou inconstitucionais as leis de reiteração, por serem uma forma de estabilizar um sistema de eficácia erga omnes das convenções colectivas diverso do previsto no artigo 39.º da Constituição Italiana que prevê a possibilidade de convenções colectivas de trabalho com eficácia obrigatória para todos os que pertencem às categorias profissionais a que as convenções se referem. Mas a jurisprudência passou a entender que as convenções colectivas assumiam indirectamente uma eficácia geral por aplicação imediata do artigo 36.º da Constituição Italiana, na parte relativa aos direitos retributivos do trabalhador. Em síntese da descrição que faz desta solução, conclui Zagrebelsky (Manuale di Diritto Costituzionale, I, 1984, p. 252 ss.) que "o direito efectivo triunfou sobre o direito formal. Se bem que de modos indirectos, a contratação actual chega a valer de um modo que se assemelha bastante mais ao que é típico das fontes de direito do que dos actos de autonomia privada ".

12. Passando finalmente ao exame do direito português, deverá dizer-se que ele claramente reconhece as convenções colectivas de trabalho como fontes de direito e que as integra na unidade sistemática do direito objectivo subordinado à Constituição, pelo que as normas das convenções colectivas não são só reconhecidas como heterónomas.

Desde logo, o n.º 4 do artigo 56.º da Constituição tem o sentido de reconhecer como "normas" jurídicas as das convenções colectivas de trabalho. Quando dispõe que "a lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas", a Constituição não deixa ao arbítrio do legislador ordinário a própria existência das convenções colectivas como normas jurídicas, mas apenas as modalidades do seu regime. De qualquer modo, a lei tem de respeitar a garantia constitucional às associações sindicais do direito de contratação colectiva (n.º 3 do mesmo artigo 56.º) A redacção do n.º 4 é altamente significativa na medida em que atribui à lei e não à vontade das partes a determinação da legitimidade das partes e do âmbito da eficácia pessoal das convenções colectivas. Se se tratasse de autonomia privada, essa legitimidade e esse âmbito estariam predeterminados pela natureza das coisas: as convenções só poderiam obrigar as partes contratantes. A redacção revela assim que a Constituição teve em vista a manutenção das características essenciais do instituto jurídico no direito português da altura, que se mantêm hoje (artigo 12.º da lei do Contrato Individual de Trabalho, ainda em vigor; artigos 4.º, 5.º e 9.º da Lei 169-A/76, de 28 de Fevereiro, correspondentes aos artigos 6.º, 14.º e 7.º do Decreto-Lei 519-C1/79), dando justificadamente uma base constitucional à heteronomia, como fonte de direito, das convenções colectivas.

Isto é confirmado, de forma decisiva, pelo confronto entre o n.º 3 e o n.º 4 do artigo 56.º Na verdade, a Constituição não reconhece as normas das convenções colectivas como consequência da atribuição de um poder público ou sequer normativo a certas entidades ou órgãos. Apenas ressalva o direito de contratação colectiva de cada associação sindical, como uma possível parte contratual, direito que terá que ser respeitado pela lei definidora das regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções, além de que implica desde logo um espaço de autonomia reservado à contratação colectiva. O reconhecimento das normas das convenções colectivas é feito pela Constituição através da criação da forma jurídica da convenção colectiva, cujas normas, por revestirem essa forma, têm a eficácia que a lei, não a vontade das partes, determinar.

13. O regime legal veio desenvolver e reafirmar as determinações constitucionais. Além do que já se disse sobre o âmbito da eficácia pessoal das convenções colectivas, importante é a inserção das convenções colectivas no sistema de fontes do direito do trabalho. Do artigo 12.º da lei do Contrato Individual de Trabalho e dos artigos 5.º, 6.º, e 14.º, n.º 1 da lei da Regulamentação Colectiva do Trabalho deriva, nomeadamente, que as convenções colectivas se situam hierarquicamente abaixo das normas jurídicas de origem estatal, mas que regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e das entidades patronais reconhecido por contrato individual de trabalho, não podendo ser afastadas por estes salvo para estabelecer condições mais favoráveis aos trabalhadores. As normas convencionais que estabelecem condições mais favoráveis aos trabalhadores prevalecem nessa parte sobre as normas estatais que derrogam relativamente às entidades patronais e aos trabalhadores abrangidos pela convenção. Nestas as normas que impõem limites mínimos não são dispositivas mas imperativas, contêm uma proibição de limites contratuais abaixo dos mínimos e uma permissão de limites contratuais superiores. As normas mais favoráveis dos contratos individuais movem-se dentro do permitido, não derrogam parcialmente a norma que as permite. Quanto às normas estatais dispositivas, são derrogadas parcialmente pelas convenções colectivas mais favoráveis, e são afastadas pelos contratos individuais em todos os casos. Ora a derrogação parcial de normas estatais só pode ser feita por outras normas jurídicas igualmente heterónomas.

O argumento também vale, por maioria de razão, quando não há subordinação hierárquica, mas identidade de nível, entre a norma estatal e a convenção colectiva. É o que se passa entre as portarias de regulamentação e as convenções colectivas. Estas últimas fazem cessar automaticamente a vigência das portarias em cujo âmbito são aplicáveis, relativamente aos trabalhadores e identidades patronais abrangidas pelas convenções (artigo 38.º da lei da Regulamentação Colectiva do Trabalho).

O mesmo se diga das decisões arbitrais em conflitos colectivos que resultem da celebração ou revisão de uma convenção colectiva, decisões que têm os mesmos efeitos das convenções colectivas (n.º 8 do artigo 34.º da mesma Lei). Ora, segundo a doutrina do Acórdão 150/86, as decisões arbitrais contêm normas sujeitas ao controlo de constitucionalidade do Tribunal. É inadmissível que deste ponto de vista as normas das convenções colectivas tenham natureza diferente das normas das decisões arbitrais.

14. O âmbito da eficácia pessoal das convenções colectivas pode ser estendido, total ou parcialmente, a entidades patronais do mesmo sector económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga mediante portarias de extensão (artigos 27.º a 29.º da lei da Regulamentação Colectiva de Trabalho). As portarias de extensão tornam-se necessárias por força do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e da sua especial aplicação que é o princípio de que para trabalho igual salário igual (alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição). A relatada jurisprudência constitucional italiana (supra n.º 11) pôs este ponto em relevo. Mesmo sem portaria, a imediata aplicabilidade do princípio já impõe que na mesma empresa os trabalhadores de igual qualificação tenham as mesmas condições remuneratórias, independentemente da sua filiação sindical. Todos eles devem ser considerados no número de trabalhadores por categoria profissional envolvidos no processo que se situem no âmbito da aplicação do acordo a celebrar (n.º 4 do artigo 22.º da lei da Regulamentação Colectiva do Trabalho). Mas o princípio também vale para empresas e trabalhadores fora da convenção mas em iguais circunstâncias. As portarias de extensão não se aplicam aos trabalhadores abrangidos directamente pelas convenções colectivas que estendem. Ora o princípio da igualdade que fundamenta a extensão do âmbito pessoal de um certo regime jurídico, proíbe também que tenham diferente regime jurídico trabalhadores e empresas que se encontram em circunstâncias iguais do ponto de vista relevante da igualdade. Ora não há dúvida de que as portarias de extensão são fontes de direito objectivo, contêm normas jurídicas "gerais" e, portanto, vinculadas ao bem comum como é entendido no Estado de direito democrático da Constituição e sujeitas ao controlo de constitucionalidade do Tribunal Constitucional. É jurisprudência assente (Acórdão 392/89, Diário da República, 2.ª Série, de 14 de Setembro p. 9177 ss.) e o acórdão também o confirma (n.º 7). Seria uma ofensa da igualdade, se as normas da convenção colectiva não estivessem sujeitas aos mesmos critérios de validade, e se as pessoas por esta abrangidas não tivessem os mesmos direitos garantidos da mesma maneira, inclusivamente do ponto de vista da fiscalização concreta da constitucionalidade. E que a lei assim o considera depreende-se desde logo de se tratar de portarias de extensão e não, como na Alemanha, de generalização. Se a portaria tivesse uma diferente natureza jurídica (norma jurídica em vez de regra da autonomia privada), diferentes critérios de apreciação da sua conformidade com a Constituição e diferente regime de controlo da constitucionalidade, então o princípio da igualdade exigiria que o Estado substituísse o título e o regime dos direitos e obrigações resultantes da convenção e "generalizasse" o regime desta. Não o faz porque pressupõe que as normas da convenção já têm a mesma qualidade jurídica e o mesmo regime que a portaria se limita a estender a outra classe de pessoas.

As portarias não visam, portanto, essencialmente, controlar a conformidade das convenções colectivas com a Constituição e a lei e com a política económico-financeira do Governo. Não há controlo do fundo deste tipo no processo de depósito para publicação e entrada em vigor das convenções, que o Governo controla (artigos 24.º a 26.º da lei da Regulamentação Colectiva do Trabalho). A interpretação correcta é antes a de que se comete aos parceiros sociais a determinação de certos aspectos da política económico-social e de que essa comissão serve melhor o bem comum do que a interferência do Estado nessa esfera [...]".

As alterações legislativas ocorridas em 2003 em matéria laboral, resultantes da aprovação do Código do Trabalho, vieram reforçar o papel que as convenções colectivas de trabalho desempenham no contexto das actuais fontes de direito aplicáveis às situações jurídico-laborais.

Conforme refere Liberal Fernandes (em "Alguns aspectos da evolução do Direito do Trabalho", in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano I, 2004, pp. 197-219), "assistiu-se ao recrudescimento de um certo neo-contratualismo em que se advoga o reforço da autonomia, individual e colectiva, dos empregadores e dos trabalhadores em detrimento do intervencionismo do Estado e a consequente redução do conteúdo vinculativo das normas legais e a redefinição do sistema de fontes do direito do trabalho".

Ou, como constata também Apelles J. B. Conceição (em "Notas sobre protecção social dos empregados bancários", na R. D. E. S., Ano XLVII (n.º 1 e 2), pág. 33):

"...a actual busca de uma alternativa ao Estado-Providência tem vindo a realizar-se através da redução dos atributos da soberania do Estado...pela revitalização da vontade das partes como fonte de direito - neocorporativismo - , modelo nórdico (domina o contrato colectivo como fonte de direito), a vontade das partes versus a vontade geral. Trata-se da denominada refeudalização das sociedades e dos parceiros sociais que vêem reconhecido o seu direito de criar o direito".

Por isso, importa ainda aditar a argumentação actualizada que foi pertinentemente aduzida na declaração de voto aposta pelo Conselheiro Mário Torres, no aludido acórdão 224/2005, que teve em consideração as disposições do Código de Trabalho aprovado em 2003:

"[...] A relevância normativa das cláusulas das convenções colectivas de trabalho enquanto fonte constitucionalmente reconhecida do direito do trabalho (cf., por último, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte I - Dogmática Geral, Coimbra, 2005, pp. 229-236, 469-472 e 799-847) foi reforçada com a publicação do Código do Trabalho (CT), ao consentir o afastamento de normas legais por convencionais mesmo que estas se não mostrassem mais favoráveis para os trabalhadores (artigo 4.º, n.º 1), ao manter a regra da subsidiariedade dos instrumentos não negociais de regulamentação colectiva de trabalho face aos negociais (artigo 3.º) e ao reafirmar que as mesmas vinculam mesmo trabalhadores e empregadores não representados pelas associações signatárias no momento da celebração (artigo 553.º) ou que delas se venham a desfiliar (artigo 554.º). Assinale-se ainda que, como resulta do n.º 21 do Acórdão 306/2003, emitido em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade de diversas normas do CT, a pronúncia do Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade dos regulamentos de extensão radicou, no fundo, no reconhecimento de que eles não representam o exercício (autónomo) do poder regulamentar do Estado, mas antes o alargamento, consentido pelo artigo 56.º, n.º 4, da CRP, do âmbito pessoal das normas constantes de convenções colectivas de trabalho, tidas constitucionalmente como fonte de direito, a par das fontes de origem estatal".

Como resulta demonstrado nos excertos das declarações de voto acima transcritos as disposições constantes das convenções colectivas, apesar da sua origem contratual, constituem hoje não só regras dotadas das características de generalidade e abstracção, mas também verdadeiras normas, num conceito funcionalmente adequado ao sistema de fiscalização de constitucionalidade adoptado.

Na verdade, nelas se encontram os apelidados critérios adicionais que, na óptica da jurisprudência deste Tribunal, justificam a sua sujeição à fiscalização constitucional: a heteronomia (intenção vinculativa não dependente da vontade dos seus destinatários), e o reconhecimento jurídico-político (imposição desse vinculismo pelo ordenamento jurídico) (sobre estes conceitos e a sua constatação nas convenções colectivas de trabalho, vide Vieira de Andrade em "A fiscalização da constitucionalidade de normas privadas pelo Tribunal Constitucional", na R. L. J., Ano 133.º, pág. 357-363).

Ora, estando nós num tempo de apelo à revitalização da contratação colectiva, em que se deseja que cada vez mais as relações laborais sejam reguladas por normas que nasçam da vontade concordante dos representantes dos seus destinatários, não é compreensível que todo um vastíssimo sector da vida dos cidadãos, com particular relevância constitucional, como o que se prende com os direitos dos trabalhadores, fique privado de acesso ao Tribunal Constitucional.

Por todas estas razões deve a constitucionalidade das normas contidas em convenções colectivas de trabalho, ou da interpretação que delas façam os tribunais, poder constituir objecto de recurso para o Tribunal Constitucional.

No caso em apreço a questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente, conforme já se evidenciou na delimitação do objecto de recurso, não respeita ao sentido da decisão recorrida, mas sim a uma determinada interpretação normativa duma cláusula inserida numa Convenção Colectiva de Trabalho, que fundamentou essa decisão, pelo que se conclui pela idoneidade do objecto do recurso.

3 - Do mérito do recurso

O Recorrente entende que as normas constantes da cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário (versão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego 31/1992) são inconstitucionais, quando interpretadas no sentido de que para "efeitos de atribuição de pensão de reforma, a calcular de acordo com o referido instrumento de contratação colectiva, apenas são levados em consideração os valores correspondentes à retribuição-base e diuturnidades, com desconsideração dos demais valores recebidos no activo a título de retribuição."

É o seguinte o texto da mencionada cláusula:

"Cláusula 137.ª

Doença ou invalidez

1 - No caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade (invalidez presumível), os trabalhadores em tempo completo têm direito:

a) Às mensalidades que lhes competirem, de harmonia com a aplicação das percentagens do anexo V, aos valores fixados no anexo VI;

b) A um subsídio de Natal de valor igual ao das mensalidades referidas na alínea a), a satisfazer no mês de Novembro;

c) A um 14.º mês de valor igual ao das mensalidades referidas na alínea a), a satisfazer no mês de Abril, sendo-lhe aplicável o princípio estabelecido no n.º 3 da cláusula 102.ª

2 - Cada uma das prestações a que os trabalhadores têm direito, nos termos do número anterior, não poderá ser de montante inferior ao do valor ilíquido da retribuição ao nível mínimo de admissão do grupo em que estavam colocados à data da sua passagem a qualquer das situações previstas no n.º 1 desta cláusula.

3 - Os trabalhadores em regime de tempo parcial terão direito às prestações referidas nos n.º s 1 ou 2, calculadas proporcionalmente ao período normal de trabalho.

4 - As mensalidades fixadas, para cada nível, no anexo VI serão sempre actualizadas na mesma data e pela aplicação da mesma percentagem em que o forem os correspondentes níveis do anexo II.

5 - Excepcionalmente, e por acordo de ambas as partes, poderá o trabalhador, com mais de 65 anos de idade e menos de 70, continuar ao serviço; a continuação ao serviço dependerá de aprovação do trabalhador em exame médico, feito anualmente, e a instituição pode, em qualquer momento, retirar o seu acordo a essa continuação, prevenindo o trabalhador com 30 dias de antecedência.

6 - O trabalhador que completar 40 anos de serviço antes de atingir 65 anos de idade ou o que completar 35 anos de serviço tendo mais de 60 anos de idade pode ser colocado na situação de invalidez presumível, mediante acordo com a instituição.

7 - Da aplicação do anexo V não poderá resultar diminuição das anteriores mensalidades contratuais cujo pagamento se tenha iniciado.

8 - Todos os trabalhadores abrangidos por esta cláusula têm direito à actualização das mensalidades recebidas sempre que seja actualizado o anexo II, quer tenham sido colocados nas situações de doença, invalidez ou invalidez presumível antes ou depois de cada actualização.

9 - Os direitos previstos nesta cláusula aplicam-se a todos os trabalhadores na situação de doença, invalidez ou invalidez presumível, quer tenham sido colocados nessas situações antes ou depois da entrada em vigor deste acordo."

Na perspectiva do Recorrente a referida interpretação normativa contraria o disposto nos artigos 63.º, n.º 4, da C. R. P., no segmento em que exige que "todo o tempo de trabalho contribui...para o cálculo das pensões de velhice...", e os princípios constitucionais da igualdade e da universalidade.

Relativamente à compatibilidade da referida interpretação normativa com o segmento do artigo 63.º, n.º 4, da C. R. P., e com o princípio da igualdade, este Tribunal já se pronunciou pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade no acórdão 675/2005 (em "Acórdãos do Tribunal Constitucional", 62.º vol., p. 565).

3.1 - Do confronto com o disposto no artigo 63.º, n.º 4, da C. R. P.

Quanto à exigência constitucional de que todo o tempo de trabalho desenvolvido deve contribuir para o cálculo das pensões de velhice, escreveu-se o seguinte no referido acórdão 675/2005:

"(...)

6 - O problema que o recorrente traz a apreciação, nos presentes autos, às várias instâncias é, sinteticamente, o seguinte: é ou não obrigatória a inclusão, no cálculo das pensões de reforma dos trabalhadores do sector bancário, do montante percebido, enquanto trabalhadores no activo, a título de remuneração complementar.

[...]

7 - O recorrente alega que a cláusula 137.ª do ACT seria inconstitucional por violação do artigo 63.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (actual n.º 4).

...

O recorrente pretende, com esta argumentação, conduzir à conclusão de que o artigo 63.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa deve ser lido de uma forma lata, utilizando-se como elemento interpretativo dessa disposição o artigo 26.º da mencionada lei de Bases da Segurança Social, de modo a abranger na sua previsão outros factores para cálculo das pensões que não apenas a antiguidade, desde logo a retribuição efectivamente auferida pelo trabalhador no activo.

No entanto, tal argumentação não procede. A Constituição da República Portuguesa não consagra em qualquer das suas normas ou princípios a exigência de que se tenha em consideração, como critério para o cálculo do montante das pensões de reforma, o montante da retribuição efectivamente auferida pelo trabalhador no activo. Na verdade, a Constituição não define e não concretiza o conteúdo do direito à segurança social, nem estabelece prazos para essa concretização, remetendo para a lei, através do artigo 63.º, n.º 2, essa tarefa. Daqui decorre que não procede a leitura da expressão "todo o tempo de trabalho" como tendo de incluir, em si, a expressão "toda a remuneração mensal" realmente auferida pelo trabalhador durante o tempo de trabalho. Pode - e, numa certa perspectiva, haverá mesmo que - distinguir-se entre a necessária consideração de todo o tempo de trabalho e uma (inexistente) imposição de utilização, como critério de cálculo do valor da pensão, do montante dos rendimentos realmente auferidos (incluindo remuneração base e outros rendimentos complementares) durante o tempo de trabalho.

Quanto à invocação, por parte do recorrente, da pretensa contradição entre o ACT e a lei de Bases da Segurança Social dir-se-á que as normas legais, mesmo aquelas de valor reforçado, não se impõem como elementos interpretativos da Constituição. Acresce que não existe qualquer correspondência entre o artigo 26.º da lei de Bases da Segurança Social e o artigo 63.º, n.º 5 (actual n.º 4), da Constituição da República Portuguesa, e, ainda, que é a própria lei de Bases da Segurança Social que, na sua tarefa de concretização do conteúdo do direito à segurança social, exclui do seu âmbito o sector bancário, satisfazendo-se com o pré-existente regime de segurança social dos bancários, deixando-os de fora do sistema estatal de segurança social..."

No direito constitucional à segurança social (artigo 63.º, da C. R. P.), encontra-se incluído o direito a uma pensão de velhice (o qual não é totalmente estranho ao direito à segurança económica das pessoas idosas enunciado no artigo 72.º, n.º 1, da C. R. P.), que garanta, em época de reconhecido direito ao repouso, o recebimento duma quantia que funcione como um "sucedâneo" da retribuição percebida pelo trabalho anteriormente prestado.

Contudo, a definição dos critérios a que deve obedecer a fixação do montante dessa pensão foi fundamentalmente atribuída ao legislador ordinário, tendo-se apenas imposto a consideração nesse cálculo de "todo o tempo de trabalho...independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado".

Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira "a Constituição é omissa sobre o sistema de pensões e prestações do sistema de segurança social, bem como sobre os critérios da sua concessão e do seu valor pecuniário, ficando essa matéria na livre disposição do legislador [...]. Isso inclui o direito de alterar as condições e requisitos de fruição e de cálculo das prestações (designadamente das pensões) em sentido mais exigente, desde que por motivos justificados (nomeadamente a sustentabilidade financeira do sistema)" (em "Constituição da República Portuguesa anotada", vol. I, pág. 819, da 4.ª edição, da Coimbra Editora).

O "tempo de trabalho" é um elemento perfeitamente distinto e independente do valor da remuneração auferida por esse trabalho, tendo, aliás, unidades de medida diferentes, pelo que não tem o mínimo de suporte uma interpretação que pretendesse incluir no n.º 4, do artigo 63.º, da C. R. P., a obrigatoriedade do valor da pensão de velhice ter em consideração o montante de todo o tipo de remunerações auferidas pelo beneficiário quando trabalhava.

Assim, o disposto na cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário, em nada ofende a exigência constitucional da ponderação do critério enunciado no n.º 4, do artigo 63.º, da C. R. P.

3.2 - Do confronto com o princípio da igualdade

O recorrente invoca ainda que a interpretação recorrida viola o princípio da igualdade.

Também Jorge Miranda (em "Pensões no sector bancário e direito à segurança social (Parecer)", em "Jurisprudência Constitucional", n.º 7, pág. 16), defende que as cláusulas aplicáveis do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário "infringem o princípio da igualdade, por introduzirem diferenciações infundadas entre os trabalhadores bancários e os trabalhadores dos demais sectores económicos e também entre os trabalhadores bancários e os não integrados nos quadros da respectiva instituição".

Todavia, quanto à invocada violação deste princípio constitucional, escreveu-se no citado acórdão 675/2005:

(...)

Quanto ao segundo dos argumentos avançados pelo recorrente - o de que o ACT trata de forma desigual uma idêntica situação remuneratória face ao regime geral da segurança social - , nada na lei de Bases da Segurança Social obriga, porém, a que o cálculo das pensões de reforma seja igual para todos os trabalhadores. Com efeito, e como de resto é dito na decisão recorrida, é essa própria lei que reconhece expressamente a subsistência transitória de regimes especiais (artigo 69.º), os quais podem também contemplar aspectos mais favoráveis. E entre esses regimes conta-se, justamente, o dos trabalhadores bancários, que se rege pelas cláusulas do respectivo ACT, pelo que as expectativas dos trabalhadores bancários quanto à sua pensão de reforma apenas poderão ser aquelas que decorrem do referido ACT, e não do Regime Geral da Segurança Social.

Nestes termos, sendo a forma de cálculo das pensões de reforma igual para todos os trabalhadores do sector bancário, não se verifica, por aqui, violação do princípio da igualdade.

A idêntica conclusão se chega quando se perspectiva a mesma questão em relação aos trabalhadores de outros sectores de actividade. O princípio da igualdade, concretizado relativamente à retribuição no n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, não significa que tenha de existir equiparação absoluta em todas as circunstâncias, nem impede que possa haver um tratamento justificadamente diferenciado. Com efeito, para se poder aferir da admissibilidade de uma diferenciação de tratamento de duas situações não se pode apenas considerá-las de forma isolada. Antes deve considerar-se toda a disciplina de cada uma delas. Como tem sido repetidamente afirmado por este Tribunal, a igualdade desejada pela Constituição não é uma igualdade "matemática", mas antes uma "proporcional" (cf., entre outros, os Acórdãos n.º s 375/89, publicado no Diário da República [D.R.], 2.ª série, de 2 de Fevereiro de 1989, 1167/96, publicado no D.R., 2.ª série, de 7 de Fevereiro de 1997; 454/97, publicado no D.R., 2.ª série, de 10 de Dezembro de 1997; e 672/98, publicado no D.R., 2.ª série, de 3 de Março de 1999). Tal como o regime da reforma dos trabalhadores do sector bancário pode conter diferenciações no sentido positivo, também nada obriga a que, no cálculo do montante da pensão, sejam seguidas regras idênticas às de outros sectores, ou, mesmo, do regime geral da segurança social.

Acresce, ainda, que, do confronto do artigo 59.º com o artigo 63.º, ambos da Constituição, resulta que o direito à reforma não é exclusivo dos trabalhadores por conta de outrem, mas antes um direito de todos os cidadãos, cuja concretização será posteriormente feita por lei, e nada na lei obriga a que as pensões de reforma tenham de ser calculadas para todos de forma igual.

Do exposto decorre que não existe, também quanto a este ponto, qualquer divergência entre a cláusula 137.ª do ACT para o sector bancário e a Constituição da República Portuguesa".

Na verdade, a norma aqui em causa faz parte do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário que, na secção I, do capítulo XI, cria e regula um sistema de segurança social para os trabalhadores bancários abrangidos por aquela convenção.

Desta regulamentação resulta a existência de um sistema de segurança social específico, independente e alheio aos outros sistemas, como é o caso do sistema geral público de segurança social. Daí que alguns trabalhadores bancários - como sucede com o Recorrente - se encontrem abrangidos pela contratação colectiva do sector em matéria de previdência quanto às eventualidades de doença, invalidez, velhice e prestações complementares da segurança social. A utilização da expressão "alguns trabalhadores bancários" é plena de sentido na medida em que, diversamente do que sucede com o Recorrente, existem outros trabalhadores bancários abrangidos por ACT próprios, cujo âmbito material já não inclui o regime da segurança social.

Como é que se chegou a esta situação?

As origens desta diversidade de regimes de segurança social remontam há mais de 60 anos atrás e apresenta contornos que se prendem obviamente com questões de índole financeira.

O legislador constituinte de 1933 incumbiu expressamente o Estado de promover e favorecer as instituições de solidariedade e previdência (artigo 41.º).

No plano da lei ordinária, o artigo 2.º, da Lei 1884, de 16 de Março de 1935, dispunha que "incumbe aos Grémios e aos Sindicatos Nacionais e respectivas Federações a iniciativa e organização das Caixas Sindicais de Previdência, por meio de acordos, ou por efeito dos contratos colectivos de trabalho".

Ao abrigo do referido diploma legal, mais concretamente no ano de 1938, foi aprovada a primeira contratação colectiva do sector bancário, com origem exclusivamente corporativa, e, desde então, o seguro social dos empregados bancários, afinal o seu regime principal, encontra-se apenas previsto na contratação colectiva do sector (vide Menezes Cordeiro, em "Convenções Colectivas de Trabalho e Direito Transitório: com Exemplo no Regime de Reforma no Sector Bancário", in Revista da Ordem dos Advogados, ano 64, 2004, págs. 65 e segs. e Apeles J. B. Conceição em "Notas sobre a protecção social dos empregados bancários", na Revista de Direito e de Estudos Sociais", Ano XLVII, 2006, n.º 1 e 2, pág. 9 e seg.)

Em 1976, a nova Constituição veio determinar que todos têm direito à segurança social, independentemente da sua situação profissional (artigos 12.º, n.º 1, e 63.º, n.º 1, da C. R. P.)

Estabeleceu-se uma garantia constitucional dos pressupostos mínimos para uma existência humana digna, a efectivar de acordo com as condições sociais concretas do país.

Para esse efeito, a Constituição incumbiu o Estado de organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários (artigo 63.º, n.º 2, da C. R. P.)

O direito à segurança social passou a ser um típico direito social de natureza positiva, cuja realização exige o fornecimento de prestações por parte do Estado, impondo-lhe obrigações de fazer e de prestar.

Todavia, o Estado não ignorou a existência dos sistemas de segurança social não estatais pré-existentes, assim como as dificuldades da sua integração num sistema único de natureza pública, pelo que, após a entrada em vigor da Constituição de 1976, com as exigências acima enunciadas, a manutenção do regime de previdência previsto na contratação colectiva do sector bancário foi sendo objecto de salvaguarda pelas disposições transitórias das leis que sucessivamente estabeleceram as bases gerais do sistema público de segurança social (cf. artigo 69.º, da Lei 28/84, de 14 de Agosto; artigo 109.º, da Lei 17/2000, de 8 de Agosto; artigo 123.º, da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro; e, mais recentemente, artigo 103.º, da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro).

A salvaguarda do regime previdencial do sector bancário, através de normas de direito transitório das leis de bases do sistema de segurança social, não pode, obviamente, deixar de ser interpretada no sentido de que futuramente se verificará a integração de todos trabalhadores bancários no regime geral do sistema público de segurança social.

Contudo, essa integração não é fácil, desde logo por causa da ausência da obrigação contributiva que caracteriza grosso modo o regime próprio dos bancários em particular. No regime convencional dos empregados bancários a responsabilidade financeira é assumida directamente pelas próprias instituições bancárias, ao invés do que sucede com o sistema público de segurança social em que o risco social é transferido obrigatoriamente para instituições públicas pelo pagamento das correspondentes contribuições. Assim, a eventual transferência dos trabalhadores bancários para a segurança social a partir de determinada data teria de ser acompanhada de medidas de financiamento e de sustentabilidade, designadamente a responsabilização das entidades bancárias pelo período anterior de carreira daqueles trabalhadores, em relação ao qual não se verificaram contribuições para o sistema.

Enquanto esta difícil integração não se concretiza, as sucessivas leis de bases gerais da segurança social salvaguardaram a vigência do regime previdencial do sector bancário constante dos instrumentos de contratação colectiva.

Através desta forma de actuar, o legislador vincou o enquadramento obrigatório desses regimes especiais e procurou garantir o princípio da plenitude do sistema de segurança social através da manutenção em vigor de uma diversidade de regimes público e privados.

Actualmente, pode-se afirmar que o sistema de segurança social, correspondente ao sector bancário coberto por convenções colectivas que o regulam, é, afinal, o próprio regime principal e obrigatório deste sector instituído por via convencional, e, por isso mesmo, independente e alheio aos outros sistemas, como é o caso do sistema público de segurança social.

"Cada um deles possui individualidade própria, funcionando em relação aos demais com autonomia e não como espécie de um género" (Catarina Pires e João Costa Andrade, em "O regime jurídico relativo à atribuição e cálculo da reforma de certos trabalhadores do sector bancário: tentativa de superação de um (falso) problema de aplicação da lei no tempo", in "O Direito", 2004, I, p. 158).

Perante a admissibilidade desta diversidade de sistemas não faz sentido exigir uma igualação do conteúdo das regras dos sistemas não estatais ao regime geral do sistema público da segurança social. Admitindo-se a vigência de regimes diversos, apoiados em diferentes pressupostos, não é exigível uma identidade de soluções, uma vez que o princípio constitucional da igualdade não exige um tratamento igual para realidades distintas.

Por isso se conclui que a interpretação das normas da cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário, sustentada na decisão recorrida, também não viola o princípio constitucional da igualdade.

3.3 - Do confronto com o princípio da universalidade

Importa, finalmente, abordar a invocada violação do princípio da universalidade que supostamente afecta a interpretação dada pelo tribunal recorrido à referida cláusula.

Segundo o princípio da universalidade todos os cidadãos podem ser titulares dos direitos consagrados na ordem jurídica (artigo 12.º, n.º 1, da C. R. P.), incluindo o direito à segurança social (artigo 63.º, n.º 1, da C. R. P.)

Alega o Recorrente que a violação do referido princípio ocorre na medida em que os trabalhadores abrangidos pelo ACTV dos bancários ficam "afastados das regalias do regime geral da segurança social", uma vez que "não são considerados, para efeitos de reforma, os montantes que os trabalhadores, enquanto no activo, auferiam, por exemplo, a título de isenção de horário de trabalho".

Esta posição também é defendida por Jorge Miranda (na ob. e loc. cit.), ao dizer que as cláusulas do referido acordo colectivo "infringem o princípio da universalidade, por subtraírem as pessoas de determinada categoria profissional à plena efectivação do direito à segurança social".

Note-se, contudo, que o Recorrente não pretende afastar em bloco o regime previdencial particular dos empregados bancários inscrito num instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e sujeitar-se, em alternativa, à aplicação em bloco do regime geral do sistema público de segurança social previsto na lei, pois isso significaria, desde logo, a substituição da Recorrida pelo Estado no lado passivo da lide, enquanto devedor das prestações previdenciais peticionadas, assim como a necessidade de introdução, com efeitos retroactivos, da vertente contributiva na relação jurídico-previdencial do Recorrido.

Bem vistas as coisas, o Recorrente pretende ser equiparado aos beneficiários do regime geral da segurança social apenas na parte em que este seja comparativamente mais generoso para efeito de elevação do quantum da pensão de reforma.

Ora, a interpretação da cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário, efectuada pela decisão recorrida, não afasta o Recorrente do direito à segurança social previsto no n.º 1, do artigo 63.º, da C. R. P., nomeadamente na vertente do direito a auferir uma pensão de velhice, limitando-se a adoptar um critério de cálculo desta diferente do previsto no regime geral do sistema público da segurança social, pelo que não é a universalidade daquele direito que está em causa.

A existência do regime previdencial constante do ACTV dos Bancários encontra-se legalmente salvaguardada pelo Estado e os trabalhadores por ele abrangidos não se encontram privados do direito à segurança social em situação de velhice e invalidez, pelo que não se vê como possa estar em causa o princípio da universalidade do direito à segurança social.

Esta última argumentação do Recorrente surge sob a capa da reivindicação da universalidade do direito à segurança social, mas a verdade é que soa muito mais a uma reiteração do argumento da violação do princípio da igualdade, já atrás analisado e rejeitado

Pode ser discutível se a manutenção em vigor, ainda que transitória, do sistema de segurança social privado para os bancários, constante da referida convenção colectiva, viola um suposto princípio constitucional da unicidade do sistema de segurança social ou do seu carácter público, ou se existe uma inconstitucionalidade por omissão (vide sobre esta questão além do já referido parecer de Jorge Miranda, o parecer de Freitas do Amaral e Rui Medeiros, juntos aos autos, e Apeles J. B. Conceição em "Notas sobre a protecção social dos empregados bancários", na Revista de Direito e de Estudos Sociais", Ano XLVII, 2006, n.º 1 e 2, p. 26), mas essa já não é uma questão da constitucionalidade da interpretação da cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário efectuada pela decisão recorrida, no sentido de que para "efeitos de atribuição de pensão de reforma, a calcular de acordo com o referido instrumento de contratação colectiva, apenas são levados em consideração os valores correspondentes à retribuição-base e diuturnidades, com desconsideração dos demais valores recebidos no activo a título de retribuição". Essa é uma questão de constitucionalidade das sucessivas Leis de Bases da Segurança Social que têm mantido em vigor, paralelamente ao regime geral do sistema público da segurança social, o regime de previdência previsto na contratação colectiva do sector bancário. E esta questão, conforme resultou do explicitado no ponto 1. deste acórdão, encontra-se fora do objecto deste recurso.

4 - Conclusão

Não se revelando que a interpretação da cláusula 137.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário, contida na decisão recorrida, viole qualquer parâmetro constitucional, deve o recurso ser julgado improcedente.

Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto por António José Soares Dias Alves, para o Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido neste processo em 6-6-2007.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios enunciados no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).

Lisboa, 11 de Março de 2008. - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - José Borges Soeiro - Maria João Antunes - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Benjamim Rodrigues (vencido quanto à questão do conhecimento nos termos da declaração anexa) - Gil Galvão [vencido quanto à decisão de conhecer do presente recurso, no essencial, pelas razões constantes do Acórdão 172/93 (de onde consta o voto de vencido que agora serve de fundamentação a este acórdão), bem como de todos os outros que, na sequência, firmaram a jurisprudência que agora se decidiu inverter] - Carlos Pamplona de Oliveira (vencido conforme declaração) - Ana Maria Guerra Martins (vencida quanto ao conhecimento do objecto do recurso, com declaração) - Carlos Fernandes Cadilha (vencido quanto à questão do conhecimento pelas razões constantes do acórdão do Plenário n.º 224/2005, cuja orientação entendo ser de manter) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração

1 - Votei vencido quanto ao conhecimento do recurso, na esteira da jurisprudência sufragada pela grande maioria dos juízes das várias formações do Tribunal Constitucional e de que constitui exemplo o Acórdão 224/2005, tirado em plenário.

2 - Tratando-se de uma jurisprudência que permaneceu maioritária durante vários anos, entendemos que, na ausência de inovações constitucionais ou da emergência clara de um novo sentido do parâmetro constitucional decorrente de uma prática reiterada segundo os valores do Estado de direito democrático - o que, seguramente, não acontece - seria de manter a doutrina anterior, em concretização do princípio da segurança jurídica, ele próprio um princípio estrutural do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição.

3 - A tese que fez vencimento apoia-se essencialmente no argumento de que as normas constantes das convenções colectivas comungam da característica da "heteronomia (intenção vinculativa não dependente da vontade dos seus destinatários) e do reconhecimento jurídico-político (imposição desse vinculismo pelo ordenamento jurídico)".

Mas o critério da heteronomia, como salienta Jorge Miranda (Direito Constitucional, tomo VI, 2001, pp. 164) não se afigura decisivo, porque essa heteronomia "tanto existe na vida das associações e sociedades no confronto com os seus associados como na lei do Estado democrático no confronto com os seus cidadãos", sendo que não se defende a fiscalização pelo Tribunal Constitucional de disposições normativas com tal fonte jurígena.

E quanto ao reconhecimento jurídico irreleva o acórdão o facto de ele não se impor unicamente por força da Constituição, do artigo 56.º, n.º 4, mas que decorre essencialmente da lei ordinária para a qual o preceito remete o estabelecimento das respectivas regras relativas à eficácia das convenções colectivas, tal como de resto, faz o artigo 61.º, n.º 1, relativamente à iniciativa (autonomia) privada.

Do artigo 56.º, n.º 4, conjugado com o seu n.º 3, apenas poderá distrair-se, atinentemente a tal matéria, uma garantia institucional de que a lei ordinária tem de garantir às convenções colectivas um mínimo de eficácia, não decorrendo do preceito constitucional a obrigação da lei ordinária conferir eficácia às convenções colectivas porventura nos aspectos que mais podem denotar a heteronomia, como, por exemplo, em relação a quem não se ache filiado na respectiva associação sindical.

Pela sua relatividade, tais aspectos mostram-se pois imprestáveis para integrar o conceito funcional de norma para o efeito da determinação da competência do Tribunal Constitucional em sede de controlo da constitucionalidade.

Daquele artigo 56.º, n.º 4, apenas resulta que o que poderá sindicar-se perante o Tribunal Constitucional é se a lei ordinária que densifica o direito ou garantia fundamental respeita o respectivo parâmetro constitucional e não se as disposições contratuais colectivas que são emitidas no exercício do direito fundamental e com o âmbito de eficácia estabelecido pela lei ordinária, respeitam elas próprias as normas ou princípios constitucionais.

É claro que as normas convencionais têm de respeitar as normas e princípios constitucionais e que essa conformidade tem de poder ser sindicada.

Mas esse controlo pode ser sempre efectuado pelos outros tribunais, dentro da tarefa de defesa oficiosa da Constituição que lhes é atribuída no artigo 204.º da Constituição, nos termos da qual "nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados", não decorrendo daí a necessidade de uma forçosa intervenção do Tribunal Constitucional.

A determinação da competência do Tribunal Constitucional é uma questão completamente alheia a esse dever de defesa da Constituição, resultando das normas constitucionais que a regem.

Ora, segundo cremos ter demonstrado a jurisprudência maioritária não cabem no conceito funcional de norma para esse efeito normas que não advêm do poder político, político-administrativo ou de poderes de autoridade cuja atribuição decorre da Constituição ou do exercício daqueles dois primeiros poderes.

Na verdade, não vemos que a Constituição tenha concebido o Tribunal Constitucional como órgão sempre forçoso de controlo de todos os juízos de constitucionalidade feitos pelos outros tribunais.

Não é assim desde logo no que importa aos juízos de constitucionalidade feitos relativamente a actos não normativos, sejam eles judiciais, administrativos ou políticos, sempre que estes façam aplicação directa de normas ou princípios constitucionais, pois não adoptou o sistema do recurso de amparo.

E também existem boas razões para que o não seja no caso de actos normativos decorrentes da autonomia privada, individual ou colectiva, pois que estes não se acham vinculados a realizar o bem comum ou os interesses colectivos integrantes das atribuições do Estado ou das pessoas colectivas públicas, territoriais ou não, podendo prosseguir interesses meramente pessoais ou de grupo desde que estes não sejam vedados pela Constituição ou pela lei.

Diferentemente se passam as coisas no que importa aos actos normativos emergentes do exercício do poder político, político-administrativo ou de autoridade que encontram a sua fonte na parte III da Constituição.

É que o poder público deve não só respeitar os direitos e garantias fundamentais, como assegurar o máximo possível da sua tutela.

Por outro lado, ele está também obrigado a prosseguir sempre o bem comum ou o interesse público, concretizando na melhor medida igualmente possível os comandos constitucionais.

Por isso, a sua prática foi também sujeita a específicas regras formais de controlo de evidência e de transparência da prossecução desses interesses.

Ora, foi a actividade desse poder público, quando corporizada em actos normativos (afora o caso excepcional da inconstitucionalidade por omissão - artigo 283.º da Constituição - mas que evidencia bem a adstringência ao dever de prossecução desse bem comum) que a lei fundamental quis subordinar ao controlo do Tribunal Constitucional.

De resto, a tese seguida pelo acórdão acaba por criar uma fissura na unidade do sistema de fiscalização de constitucionalidade, pois que nunca lhe poderá ser aplicado o regime da fiscalização abstracta preventiva ou sucessiva da constitucionalidade (artigos 279.º e 281.º da Constituição), ficando assim cingida à fiscalização concreta (artigo 280.º) e à abstracta resultante de generalização (artigo 281.º, n.º 3).

Por outro lado, mesmo no respeitante a esta, é muito discutível que lhe possa ser atribuído o efeito da repristinação das normas revogadas, previsto no artigo 282.º, n.º 1, da Constituição, pois tal solução, relativamente às normas convencionais, parece atentar contra o direito fundamental da autonomia privada na medida em que as partes quiseram a cessação dos efeitos da norma revogada como consequência de uma outra diferente ponderação dos seus interesses que pode não sair sequer frustrada, mesmo com a declaração de inconstitucionalidade. - Benjamim Rodrigues.

Declaração de voto

1. As razões da minha discordância incidem na parte da decisão relativa ao conhecimento do objecto do recurso.

2. Merece reparo, em primeiro lugar, que o entendimento relacionado com a competência do Tribunal não tenha ficado estabilizado e que, sem um momento de reflexão sobre as consequências práticas da sua inversão, e sem que se invoquem especiais razões premência na reanálise da questão, se assuma que tal competência está apenas dependente da álea resultante da alteração da composição do Tribunal, critério que, como é óbvio, nunca garante um entendimento pacífico e constante nesta matéria, como me pareceria ser desejável.

3. Em segundo lugar, continuo a perfilhar o entendimento sufragado no Acórdão 224/2005, citado no aresto, no sentido de que as regras constantes das cláusulas que compõem os acordos colectivos de trabalho não são "normas" para o efeito de sindicabilidade directa no Tribunal Constitucional. Às razões apontadas no referido Acórdão 224/2005 acrescerá a dificuldade prática da determinação da "norma" repristinada, na sequência da eventual desaplicação de cláusula inconstitucional: é que cada cláusula não vale por si só, antes se inscreve indissociavelmente num texto negociado e contratualizado, representando, por isso, a contraprestação a que uma das partes se obriga num contexto muito preciso de direitos e deveres. Assim, ao contrário do que se passa com as demais normas jurídicas, à eventual erradicação da regra, por inconstitucionalidade, não pode seguir-se, sem mais, a repristinação da norma por ela revogada. Tenho, aliás, dificuldade em acompanhar o julgamento de não inconstitucionalidade da "norma" em causa, sem uma avaliação global da convenção que permita sistematizar o critério de retribuição salarial do recorrente, para efeito de atribuição da pensão de reforma.

4. Acresce que, no caso em presença, não ocorreu a enunciação correcta da norma, nos termos que este Tribunal tem exigido para este efeito - vide Acórdão 66/2005 - o que deveria ter levado o Tribunal a, também por esta razão, não tomar conhecimento do recurso. - Carlos Pamplona de Oliveira.

Declaração de voto

Vencida quanto à questão do conhecimento do objecto do recurso, por entender que as "normas" constantes de convenções colectivas de trabalho não são sindicáveis em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade por este Tribunal, sufragando, no essencial, os fundamentos expostos nos Acórdãos n.º 172/93 e 224/05.

Com efeito, as convenções colectivas de trabalho não são actos jurídico-públicos, com eficácia externa, mas antes manifestações da autonomia, da negociação ou da contratação colectiva. É certo que a autonomia colectiva "não se confunde com a pura autonomia privada. Mas tal como ela é ainda expressão de uma sociedade civil distinta (embora não separada) do Estado. Submeter as normas dela emergentes ao mesmo sistema de controlo das normas de Direito legislado (...) implicaria uma publicização dessas normas deslocada e inconveniente" (neste sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 177), a qual não foi seguramente querida pelas partes.

Acresce ainda que a autonomia colectiva é incindível do sistema de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrado, pelo que o critério da heteronomia, que a tese vencedora neste acórdão e alguma doutrina defendem, é muito relativo (neste sentido, Jorge Miranda, Manual..., cit., p. 177) e, por isso, inadequado para justificar a sindicabilidade das "normas" constantes de convenções colectivas de trabalho.

Em suma, as "normas" das convenções colectivas de trabalho não passam, em nosso entender, o teste do conceito funcional de norma que este Tribunal tem acolhido em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade. - Ana Maria Guerra Martins.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1680608.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1935-03-16 - Lei 1884 - Presidência do Conselho

    Especifica as instituições que ficam reconhecidas como sendo de Previdência Social.

  • Tem documento Em vigor 1979-12-29 - Decreto-Lei 519-C1/79 - Ministério do Trabalho

    Estabelece o regime jurídico das relações colectivas de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-08-14 - Lei 28/84 - Assembleia da República

    Lei de Bases da Segurança Social.

  • Tem documento Em vigor 1992-10-02 - Decreto-Lei 209/92 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Altera o Decreto-Lei nº 519-C/79 de 29 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico das relações colectivas de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-08 - Lei 17/2000 - Assembleia da República

    Aprova as bases do sistema de solidariedade e de segurança social.

  • Tem documento Em vigor 2002-12-20 - Lei 32/2002 - Assembleia da República

    Aprova as bases gerais da segurança social, bem como as atribuições prosseguidas pelas instituições de segurança social e a articulação com entidades particulares de fins análogos.

  • Tem documento Em vigor 2003-07-18 - Acórdão 306/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade e não se pronuncia pela inconstitucionalidade de várias normas do decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, que aprova o Código do Trabalho. (Processo nº 382/2003).

  • Tem documento Em vigor 2007-01-16 - Lei 4/2007 - Assembleia da República

    Aprova as bases gerais do sistema de segurança social.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2019-03-19 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 1/2019 - Supremo Tribunal de Justiça

    Interpretação de Convenção Coletiva de Trabalho - I. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros. II. Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histór (...)

  • Tem documento Em vigor 2021-07-01 - Acórdão do Tribunal Constitucional 318/2021 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 112.º, n.º 1, alínea b), subalínea iii), do Código do Trabalho, na redação introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, na parte que se refere aos trabalhadores que «estejam à procura do primeiro emprego», quando aplicável a trabalhadores que anteriormente tenham sido contratados, com termo, por um período igual ou superior a 90 dias, por outro(s) empregador(es); não declara a inconstitucionalidade da norma conti (...)

Aviso

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