2. Acerca do condicionamento da existência e plantio de arvoredo à margem das propriedades, preceitua o artigo 2317.º do Código Civil ser lícito aos particulares plantar árvores a qualquer distância da linha divisória, mas o proprietário vizinho poderá cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno ou os ramos que sobre este penderem, embora sem ultrapassar a linha perpendicular divisória, se o dono das árvores, sendo rogado, o não fizer no prazo de três dias.
Até à promulgação do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei 2037, de 19 de Agosto de 1949, nunca aquele direito foi reconhecido aos proprietários particulares em relação às estradas cujos regulamentos incluíam disposições proibitivas e restritivas da sua aplicação nas proximidades da faixa do domínio público de tais vias de comunicação.
Para prevenir inconvenientes para a estrada ou para o trânsito, aqueles regulamentos previam a possibilidade legal para a Administração de suprimir ramos de arvoredo particular que se estendessem sobre o leito das estradas, ultrapassando o plano vertical correspondente à linha divisória do chão do domínio público. Assim dispuseram, sucessivamente, o § 2.º do artigo 157.º do Regulamento da Conservação, Arborização e Polícia das Estradas, aprovado pelo Decreto de 21 de Fevereiro de 1889, o § 2.º do artigo 67.º do Regulamento da Conservação, Arborização, Polícia e Cadastro das Estradas, aprovado pelo Decreto de 19 de Setembro de 1900, e, finalmente, o § 3.º do artigo 88.º do Regulamento das Estradas Nacionais, aprovado pelo Decreto-Lei 36816, de 2 de Abril de 1948.
Nenhum daqueles regulamentos reconhecia, porém, aos proprietários confinantes o direito de exigir o corte de ramos de arvoredo das estradas que pendessem sobre as suas propriedades, certamente por não dever aplicar-se ao domínio público o preceito do artigo 2317.º do Código Civil. Semelhante critério corresponde, aliás, ao interesse geral e, no aspecto jurídico, ao espírito da lei e à jurisprudência consagrada pelos tribunais relativamente aos bens públicos, a qual considera não serem aplicáveis ao domínio público, mas sòmente às relações entre propriedades de domínio privado, as disposições estabelecidas por aquele código ao tratar das restrições impostas à propriedade em defesa da propriedade alheia.
3. Submetido à Assembleia Nacional, o citado Decreto-Lei 36816, de 2 de Abril de 1948, que aprovava e mandava pôr em execução o Regulamento das Estradas Nacionais, foi convertido em proposta de lei e enviado à Câmara Corporativa, que emitiu o parecer 36/IV, de 21 de Abril de 1949, sugerindo nele diversas modificações àquele regulamento, que passou a designar-se por Estatuto das Estradas Nacionais. Embora o antigo critério, até então usado, tivesse sido mantido por aquela Câmara, a Assembleia Nacional, ao discutir e votar a referida proposta de lei, aprovou o aditamento ao § 3.º do artigo 88.º, dispondo que igual direito (o concedido aos serviços das estradas sobre desramação de arvoredo particular) é reconhecido aos proprietários interessados em relação às árvores existentes na área das estradas, o que, afinal, vem a situar no campo do domínio público a doutrina do artigo 2317.º do Código Civil, aplicável ao domínio privado.
Reconhecendo aos proprietários confinantes com as estradas nacionais o direito de exigir o corte de ramos de arvoredo destas que pendam sobre as suas propriedades, tal disposição é incoerente em relação a outras do mesmo estatuto e em relação a outros preceitos legais vigentes.
Com efeito, a doutrina correspondente ao uso daquele direito contraria o espírito e a letra das demais disposições sobre protecção dos arvoredos em geral e muito especialmente sobre a defesa da arborização do domínio público rodoviário nacional.
De tais disposições poderão destacar-se as relativas ao artigo 10.º do Regulamento da Protecção das Árvores Nacionais, aprovado pelo Decreto 682, de 23 de Julho de 1914, ao artigo 6.º do Decreto 13658, de 20 de Maio de 1927, ao artigo 7.º do Decreto 20827, de 27 de Janeiro de 1932, ao artigo 1.º e seu § único do Decreto-Lei 28468, de 15 de Fevereiro de 1938, ao artigo 1.º e seus parágrafos do Decreto-Lei 38271, de 26 de Maio de 1951, e Portaria 13733, de 7 de Novembro de 1951, e ainda, do Estatuto das Estradas Nacionais, as correspondentes ao artigo 82.º, n.º 3.º, aos artigos 87.º e 127.º, ao artigo 88.º, ao artigo 133.º, § 1.º, e ao artigo 138.º 4. Acresce ao que fica exposto que a manutenção do preceituado no último período do § 3.º do artigo 88.º do Estatuto das Estradas Nacionais corresponderia a estabelecer para estas estradas disposições que, em condições perfeitamente análogas, não são aplicáveis ao arvoredo das vias municipais, subordinadas a regulamento mais recente - o Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei 2110, de 19 de Agosto de 1961 -, que foi neste aspecto objecto de parecer favorável da Câmara Corporativa e que mereceu ampla discussão na Assembleia Nacional.
5. Impõe-se, assim, a abolição da parte final do § 3.º do artigo 88.º do Estatuto das Estradas Nacionais.
Considera-se, por outro lado, que o objectivo visado pela primeira parte deste parágrafo ficará mais satisfatòriamente assegurado pela sua substituição por um aditamento ao artigo 118.º do referido estatuto, com redacção semelhante à do n.º 3.º do artigo 71.º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º É suprimido o § 3.º do artigo 88.º do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei 2037, de 19 de Agosto de 1949.
Art. 2.º Ao artigo 118.º do mesmo estatuto é aditado, precedendo o respectivo § único, o n.º 3.º seguinte:
3.º A cortar os troncos e ramos das árvores e arbustos que penderem sobre as estradas nacionais na zona definida no artigo 10.º com prejuízo do trânsito público.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 17 de Novembro de 1962. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Mário José Pereira da Silva - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - Eduardo de Arantes e Oliveira - Adriano José Alves Moreira - Manuel Lopes de Almeida - José do Nascimento Ferreira Dias Júnior - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Henrique de Miranda Vasconcelos Martins de Carvalho.