Decreto-Lei 369/83
de 6 de Outubro
O Governo tem manifestado reiteradamente o seu empenho em prevenir e reprimir possíveis actos de corrupção praticados nos serviços do Estado, nos institutos públicos e nas empresas públicas, na prossecução do objectivo de elevar a actuação da Administração Pública em geral a um nível de moralidade e transparência de processos que a imponham à consideração e ao respeito unânimes dos cidadãos.
Impõe-se, por isso, que quaisquer suspeitas ou indícios de práticas irregulares ou desonestas nesta área sejam investigados e esclarecidos com a maior brevidade, dando-se pronta e completa satisfação à opinião pública.
Procurando, por um lado, não criar zonas de sobreposição com atribuições de instituições já existentes e, por outro, não sobrecarregar a Administração Pública com mais um serviço de estrutura complexa, entendeu o Governo cometer a investigação de eventuais casos de corrupção praticados no aparelho do Estado a uma alta autoridade, cujo titular será nomeado de entre cidadãos de conduta insuspeita e irrepreensível perfil moral, o qual, com a maior economia de encargos e usando processamentos expeditos, livres de formalismos inadequados à protecção dos interesses em jogo, mas sem que sejam postos em causa os interesses legítimos e as garantias dos cidadãos, deverá procurar o total apuramento de responsabilidades no mais curto prazo possível.
Espera-se que a sua actuação possa constituir o instrumento moralizador que se pretende.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Estatuto e princípios gerais
Artigo 1.º É criada uma alta autoridade, tendo por finalidade a prevenção, a averiguação e a denúncia à entidade competente para a acção penal ou disciplinar de actos de corrupção e de fraudes cometidos no exercício da função administrativa, no âmbito da actividade dos serviços da administração pública central, regional e local e das Forças Armadas, dos institutos públicos e das empresas públicas e de capitais públicos participadas pelo Estado ou concessionárias de serviços públicos.
Art. 2.º - 1 - A alta autoridade é um cargo individual de nomeação do Conselho de Ministros, sendo o respectivo titular escolhido de entre cidadãos de reconhecida probidade e independência.
2 - O mandato terá a duração de 4 anos, mas o titular do cargo manter-se-á em funções até à tomada de posse do seu sucessor, só podendo ser exonerado por impossibilidade física permanente, incompatibilidade superveniente ou renúncia ou demitido em resultado de sanção disciplinar.
Art. 3.º - 1 - A alta autoridade funciona junto da Presidência do Conselho de Ministros e é independente no exercício das suas funções.
2 - A sua actividade é exercida sem prejuízo do uso dos meios graciosos e contenciosos previstos na lei e não suspende nem interrompe prazos judiciais de qualquer natureza.
Art. 4.º A alta autoridade está sujeita às incompatibilidades previstas na lei para os magistrados e não pode exercer quaisquer funções ou cargos em órgãos de partidos ou associações de natureza política ou sindical nem desenvolver actividades partidárias ou sindicais.
Art. 5.º - 1 - Para o eficiente exercício das funções da alta autoridade as entidades públicas oficiais, designadamente as dotadas de poderes de investigação judiciária ou policial, de inquérito, de inspecção ou de fiscalização, deverão prestar-lhe a melhor cooperação.
2 - O dever legal de sigilo profissional de quaisquer entidades cede perante o dever de cooperação com a alta autoridade, mas tão-só no que respeita ao âmbito da competência desta.
3 - Para além do dever contemplado no n.º 1, recai sobre a generalidade dos cidadãos e das pessoas colectivas de direito privado o dever geral de cooperação com a alta autoridade, sem prejuízo dos respectivos direitos e interesses legislativos.
Art. 6.º - 1 - A alta autoridade está sujeita ao dever de absoluto sigilo relativamente aos factos de que tenha tido conhecimento no exercício das suas funções.
2 - A alta autoridade deve exercer a sua competência no rigoroso respeito dos direitos individuais e dos interesses legítimos previstos na Constiuição e na lei.
Art. 7.º - 1 - Os actos e diligências da alta autoridade praticados no cumprimento das suas atribuições não estão sujeitos a qualquer formalismo especial, podendo por ela ser adoptados, em matéria de recolha de provas, todos os procedimentos razoáveis que não colidam com direitos, garantias e interesses legítimos dos cidadãos.
2 - Poderá, nomeadamente, solicitar diligências de averiguação de factos concretos às entidades cuja competência é referida no n.º 1 do artigo 5.º
Art. 8.º À alta autoridade é conferido estatuto equivalente ao de secretário de Estado, incluindo direitos, regalias e remuneração.
CAPÍTULO II
Competência da alta autoridade
Art. 9.º - 1 - À alta autoridade compete:
a) Averiguar, a solicitação do Primeiro-Ministro, de qualquer outro membro do Governo ou dos ministros da República para as regiões autónomas, ou ainda por iniciativa própria, sempre que cheguem ao seu conhecimento, devidamente fundamentados, notícias ou indícios que justifiquem suspeitas de actos de corrupção e de fraudes, de delitos contra o património público, de exercício abusivo de funções públicas ou de quaisquer outras actividades lesivas do interesse público ou da moralidade administrativa;
b) Promover a realização de inquéritos, sindicâncias, actos de investigação ou outros tendentes a averiguar da legalidade de determinados actos ou procedimentos administrativos, no âmbito das relações entre a Administração e as entidades privadas;
c) Fiscalizar, por amostragem, a licitude e a correcção administrativa de actos que envolvam interesses patrimoniais, nomeadamente actos de adjudicação de empreitadas de obras públicas e de fornecimento de materiais, de aquisição ou alienação de bens patrimoniais, de importação ou exportação de bens e de outorga de crédito ou perdão de dívida;
d) Levar ao conhecimento das entidades competentes para o exercício da acção penal ou disciplinar ou, quando for caso disso, das entidades competentes para actos complementares de investigação ou inquérito, e, em qualquer caso, ao Primeiro-Ministro, os resultados das suas averiguações;
e) Propor ao Governo a adopção de medidas legislativas e administrativas tendentes a melhorar o funcionamento dos serviços e o grau de respeito pela legalidade administrativa, designadamente no sentido da eliminação dos factores que favoreçam ou facilitem práticas ilícitas ou eticamente condenáveis;
f) Emitir os pareceres que lhe forem solicitados pelo Governo no âmbito das suas atribuições;
g) Dar publicidade, com intuito preventivo, às condenações em processo penal ou disciplinar por infracções do âmbito da sua competência.
Art. 10.º Ficam excluídos da esfera de acção da alta autoridade os actos administrativos praticados pelos titulares dos órgãos de soberania, os quais serão objecto de lei especial.
Art. 11.º São conferidos em especial à alta autoridade os seguintes poderes:
a) De acesso a quaisquer documentos em poder de entidades abrangidas pelo disposto no artigo 1.º, salvo quando constituam segredo de Estado;
b) De solicitar aos serviços públicos para o efeito competentes quaisquer investigações, inquéritos, sindicâncias, peritagens, análises, exames ou diligências técnicas necessários à averiguação de factos do âmbito da sua competência.
Art. 12.º - 1 - A alta autoridade tem direito a cartão de identificação especial, passado pela Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros e assinado pelo Primeiro-Ministro.
2 - O cartão de identificação é simultaneamente de livre trânsito e de acesso a todos os locais de funcionamento dos serviços dos órgãos e instituições referidos no artigo 1.º
3 - Os adjuntos da alta autoridade têm direito a cartão idêntico, em que se mencione a sua qualidade.
CAPÍTULO III
Disposições finais
Art. 13.º A alta autoridade poderá propor ao Primeiro-Ministro a contratação, a requisição ou o destacamento de:
a) Até 2 adjuntos, com estatuto equivalente ao de director-geral;
b) Até 6 assessores, incluindo revisores oficiais de contas;
c) Pessoal de apoio necessário ao cabal desempenho das suas funções.
Art. 14.º Os adjuntos coadjuvam a alta autoridade no exercício das suas competências, no uso dos poderes delegados.
Art. 15.º Os assessores prestarão à alta autoridade apoio técnico especializado.
Art. 16.º A Presidência do Conselho de Ministros providenciará pela instalação da alta autoridade e do seu pessoal de apoio.
Art. 17.º A alta autoridade e o seu pessoal de apoio não podem ser prejudicados na estabilidade da sua carreira, no regime de segurança social e nas demais regalias de que beneficiem, contando designadamente o tempo de serviço, para todos os efeitos legais, como prestado nas funções de origem.
Art. 18.º As despesas com a alta autoridade, o seu pessoal de apoio e respectivos serviços serão cobertos por verba inscrita no orçamento da Presidência do Conselho de Ministros.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 4 de Agosto de 1983. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - António de Almeida Santos - Ernâni Rodrigues Lopes - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Promulgado em 26 de Setembro de 1983.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 28 de Setembro de 1983.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.