Assento 2/86
Recurso extraordinário n.º 1/85
Acórdão
I - Em sessão de 26 de Março de 1985 foi recusado o visto ao diploma de provimento de Maria Manuela Martins Pestana Pires no cargo de técnico superior jurista de 1.ª classe do Instituto António Sérgio do Sector Cooperativo.
Baseou-se tal decisão nos factos seguintes:
a) Na data do encerramento do respectivo concurso interno, aberto por aviso afixado no átrio daquele Instituto - 13 de Setembro de 1984 -, a interessada ainda não tinha 3 anos de bom e efectivo serviço na categoria de técnico superior jurista de 2.ª classe, visto ter tomado posse deste cargo em 6 de Maio de 1983;
b) Não podia, assim, aproveitar da redução de 1 ano, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei 191-C/79, de 25 de Junho, visto não possuir a classificação de serviço de Muito bom em 2 anos consecutivos, não sendo aplicável, ao caso em apreço, o disposto no artigo 46.º do Decreto Regulamentar 44-B/83, de 1 de Junho, uma vez que a Administração não deu cumprimento ao disposto no artigo 45.º do mesmo diploma legal;
c) Por força e em respeito pela hierarquia das leis, nenhuma norma regulamentar, e, designadamente, o Decreto Regulamentar 44-B/83, pode exceder os princípios e regras legais contidos nos limites do diploma base (Decreto-Lei 191-C/79);
d) Não ficou consignada no aviso de abertura do concurso a redução acima referida, como o exige o n.º 2 do artigo 19.º do regulamento dos concursos publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 23, de 28 de Janeiro de 1983.
II - Não se conformando com esta decisão, o Secretário de Estado do Fomento Cooperativo veio interpor recurso extraordinário da mesma, nos termos dos artigos 6.º a 8.º da Lei 8/82, de 26 de Maio, com os fundamentos seguintes:
a) A interessada não teve classificação de serviço relativa ao ano de 1982 em virtude da suspensão do Decreto Regulamentar 57/80, de 10 de Outubro, por força do Decreto Regulamentar 9/82, de 3 de Março, e porque não manteve qualquer contacto funcional com qualquer superior hierárquico que possibilitasse a atribuição de classificação de serviço referente ao ano de 1982 (e não 1983, como se indica);
b) Nos termos do Decreto Regulamentar 44-B/83, a ausência de classificação de serviço não é impeditiva de progressão na carreira, uma vez que pode ser suprida por adequada ponderação do curriculum profissional e ainda porque nos primeiros anos de vigência daquele diploma legal se deve observar o disposto no artigo 22.º do Decreto-Lei 171/82, de 10 de Maio;
c) Este Tribunal visou o diploma de provimento de Joaquim Luís Bento Feliz, que se encontrava em situação factual idêntica;
d) Está-se, assim, perante duas decisões que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, foram completamente opostas, tendo-se baseado a decisão relativa a este funcionário numa interpretação e aplicação correctas dos preceitos legais aplicáveis;
e) Requer, finalmente, que, em face destas decisões, se fixe jurisprudência por meio de assento, nos termos do disposto no artigo 6.º da Lei 8/82, a qual deverá ser no sentido da interpretação dada à lei quando da nomeação de Joaquim Luís Bento Feliz.
III - Por ter sido interposto em tempo e com legitimidade e se verificarem os restantes pressupostos indicados nos artigos 6.º, 7.º e 8.º da Lei 8/82, foi admitido o presente recurso nos termos do n.º 1 do artigo 9.º da mesma lei.
IV - Dada vista ao digno representante do Ministério Público, pronunciou-se este digno magistrado, após judiciosas considerações acerca do problema em discussão, no sentido de que se deve confirmar a resolução recorrida e se tirar assento, para o qual propõe a seguinte fórmula:
Durante a vigência do Decreto-Lei 191-C/79, de 25 de Junho, a ausência de classificação de serviço pode, para os efeitos consignados no n.º 3 do seu artigo 4.º, ser suprida por adequada ponderação de currículo profissional, desde que tal circunstância seja expressamente enunciada e convenientemente fundamentada no processo a remeter ao Tribunal de Contas.
V - Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
VI - De acordo com as disposições legais citadas e como, de resto, vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça em numerosos arestos, por forma contínua e pacífica, com base no disposto no artigo 763.º do Código de Processo Civil, só há oposição sobre a mesma questão fundamental de direito quando se verifique:
a) Identidade das normas legais;
b) Identidade de factos;
c) Aplicação e interpretação dos mesmos preceitos legais diversamente a factos idênticos;
d) Decisões proferidas no domínio da mesma legislação.
No caso em apreço é evidente que são os mesmos os factos a que dizem respeito o processo visado e aquele a que foi recusado o visto (provimento de dois interessados como técnicos superiores do INSCOOP) e são também os mesmos os preceitos legais invocados (artigos 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei 191-C/79, de 25 de Junho, e 44.º, n.º 1, e 45.º, n.os 3 e 4, do Decreto-Lei 98/83, de 18 de Fevereiro).
A circunstância de no processo em que foi proferida a decisão ora em recurso se terem invocado também os artigos 7.º, n.º 4, e 25.º do Decreto-Lei 44/84, de 3 de Fevereiro, é irrelevante, uma vez que estas disposições legais se referem unicamente ao tipo e requisitos do concurso.
Por outro lado, não se põe em dúvida que as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação, tendo aquelas disposições legais sido interpretadas e aplicadas de maneira diversa a factos perfeitamente idênticos.
Verificam-se, assim, todos os pressupostos para que o Tribunal de Contas fixe jurisprudência por meio de assento sobre a questão controvertida.
VII - Está provado no processo que:
a) A interessada tomou posse do cargo de técnico superior jurista de 2.ª classe do quadro do INSCOOP em 6 de Maio de 1983, pelo que à data do encerramento do concurso não tinha os 3 anos de bom e efectivo serviço nesta categoria exigidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 191-C/79;
b) Nesta categoria de técnico jurista de 2.ª classe foi classificada uma única vez, com referência ao período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1983, não obstante ter começado a exercer tais funções em 6 de Maio, como acima referimos;
c) Foi nomeada em 1 de Novembro de 1981, em comissão de serviço, técnico superior de 2.ª classe do mesmo organismo, cargo que exerceu até ser nomeada técnico superior jurista de 2.ª classe.
Dispõe, no entanto, o n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei 191-C/79 que o prazo de 3 anos estabelecido na alínea b) do n.º 1 do seu artigo 2.º pode ser reduzido de 1 ano, desde que o interessado possua a classificação de serviço de Muito bom durante 2 anos consecutivos.
Trata-se de uma disposição de carácter especial e natureza excepcional em relação à regra geral contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e que, portanto, não pode, de modo algum, deixar de ser aplicada nos precisos e rigorosos termos em que está redigida, não comportando, por isso, qualquer aplicação analógica.
De facto, não poderá deixar de se atender às importantes e delicadas consequências que poderão resultar da sua aplicação, não só em relação ao próprio interessado - e em seu benefício - como também relativamente a todos os funcionários integrados na mesma carreira, e às suas naturais e legítimas expectativas de progressão na mesma, decorrido que seja determinado período de tempo.
Não se estranhará, por isso, que seja muito mais rigoroso e exigente na apreciação das classificações de serviço nestas situações do que nos casos de normal progressão e promoção nas carreiras e nos outros indicados no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto Regulamentar 44-B/83, de 1 de Junho.
Como já se decidiu no Acórdão deste Tribunal de 3 de Abril de 1984, proferido nos autos de reclamação n.º 9/84, «o n.º 3 do artigo 4.º deste diploma legal (Decreto-Lei 191-C/79) constitui uma situação excepcional, que deve ser interpretada tendo em conta os princípios que informaram o citado Decreto-Lei 191-C/79, o disposto no n.º 1 do artigo 4.º deste diploma legal e o artigo 8.º do Decreto-Lei 377/79, de 13 de Setembro[...]», pelo que tal «regime só pode ser aplicado à situação normal da exigência de determinada classificação de serviço para a admissão a um concurso (n.º 6 do artigo 45.º do Decreto Regulamentar 44-B/83), e não ao benefício excepcional da classificação para efeito da redução do tempo de serviço necessário para tal admissão.
Ora, na data da abertura dos concursos era precisamente o Decreto Regulamentar 44-B/83 que estava em vigor, que no seu artigo 20.º permite que a classificação de serviço seja suprida por adequada ponderação de currículo profissional do funcionário ou agente na parte correspondente ao período não classificado, mas somente nos casos taxativamente indicados nas suas três alíneas.
Ora, parece-nos indiscutível que, em face da situação funcional em que a interessada se manteve no INSCOOP desde Novembro de 1981, não se verifica nenhuma daquelas hipóteses e, designadamente, a existência de uma situação que inviabilizasse a atribuição de uma classificação de serviço reportada às funções que ali exercia desde aquela data, tendo em conta o disposto nos n.os 1, 4 e 5 do artigo 45.º do citado Decreto Regulamentar 44-B/83.
De resto, e como muito bem salienta o digno representante do Ministério Público, nunca foi remetido a este Tribunal o currículo da interessada, nem tal circunstância foi expressamente enunciada e fundamentada no processo remetido a este Tribunal, como o exige a parte final do n.º 3 do artigo 4.º do mesmo decreto regulamentar, e a redução do tempo de serviço na categoria anterior deveria constar do aviso de abertura do concurso de acordo com o n.º 2 do artigo 19.º do respectivo regulamento.
Finalmente, considera-se irrelevante o argumento que se pretende extrair do artigo 46.º do Decreto Regulamentar 44-B/83, uma vez que este se refere às situações normais de promoção e progressão nas carreiras, e não à situação excepcional prevista no n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei 191-C/79, e n.º 2 do artigo 20.º daquele decreto regulamentar, naturalmente merecedora de um tratamento diferente pelas razões já apontadas.
VIII - No que diz respeito à concessão do visto ao diploma de provimento de Joaquim Luís Bento Feliz, não se fez, de facto, correcta aplicação da lei, o que, no entanto, não justifica nem legitima que se reincida no procedimento adoptado.
IX - Em face do exposto nega-se provimento ao recurso interposto pelo Secretário de Estado do Fomento Cooperativo quanto ao fundo da questão, mantendo-se, assim, a decisão recorrida, deferindo-se, no entanto, o seu pedido de fixação de jurisprudência, e, pondo-se termo à apontada divergência de julgados, firma-se o seguinte assento:
Durante a vigência do Decreto-Lei 191-C/79, de 25 de Junho, a ausência de classificação de serviço para os efeitos do n.º 3 do seu artigo 4.º pode ser suprida por adequada ponderação do currículo profissional do funcionário ou agente, de acordo com o n.º 2 do artigo 20.º do Decreto Regulamentar 44-B/83, de 1 de Junho, e desde que se verifiquem as hipóteses previstas no seu n.º 1, devendo, no entanto, tal ponderação obedecer rigorosamente ao disposto no seu n.º 3 e artigo 21.º e ser expressamente enunciada e devidamente fundamentada no processo a remeter ao Tribunal de Contas.
Não são devidos emolumentos.
Comunique-se e cumpra-se oportunamente o disposto no artigo 11.º da Lei 8/82, de 26 de Maio.
Desapensem-se e voltem ao arquivo os processos juntos por linha.
Tribunal de Contas, 13 de Fevereiro de 1986. - João de Deus Pinheiro Farinha - Pedro Tavares do Amaral (relator) - Francisco Pereira Neto de Carvalho - António Rodrigues Lufinha - José Lourenço de Almeida Castello Branco - Alberto Leite Ferreira - Orlando Soares Gomes da Costa - José Faustino de Sousa. - Fui presente, João Manuel Fernandes Neto.