de 18 de Setembro
As instituições prestadoras de cuidados de saúde, designadamente os hospitais, são unidades complexas, diferenciadas entre si, que dispõem de elevados recursos técnicos e tecnológicos e avultados meios financeiros para a produção de bens e serviços.A gestão destas unidades implica uma forte componente empresarial cuja dinâmica não é compatível com a concentração do processo da tomada de decisão, do planeamento e do controlo dos recursos no sistema organizacional actualmente vigente.
Com efeito, a lei de gestão hospitalar em vigor manteve, como células básicas da organização dos hospitais, os serviços, posteriormente agrupáveis em departamentos, numa visão organizativa essencialmente técnica e desligada da visão global da gestão dos recursos disponíveis.
Simultânea e paralelamente, previu-se a possibilidade de estruturação funcional dos hospitais, assente, essencialmente, numa perspectiva contabilística, em centros de custo e de responsabilidade, a qual nunca foi estimulada e acabou mesmo por ser desvirtuada, visando-se apenas a legitimação do exercício da medicina privada de que constituía pressuposto legal.
Os fins sociais que os cidadãos têm direito a esperar dos hospitais não se compadecem com a actual inoperacionalidade do seu sistema de organização, pelo que no presente diploma se pretende conciliar um conjunto de instrumentos para desburocratizar, agilizar e defender o melhor uso dos recursos, com a essência e os valores que o hospital público deve defender.
Assim, sendo a melhoria contínua da qualidade dos cuidados de saúde um objectivo estratégico fundamental, torna-se imperativo redefinir a estrutura funcional dos hospitais, através de soluções que permitam identificar ganhos em saúde, assim como aumentar o grau de satisfação dos utilizadores e dos profissionais.
Concretamente a organização interna dos estabelecimentos hospitalares em centros de responsabilidade integrados tem como objectivo atingir uma maior eficiência e melhorar a acessibilidade, mediante um maior envolvimento e responsabilização dos profissionais pela gestão dos recursos postos à sua disposição.
Os centros de responsabilidade integrados agrupam serviços e ou unidades de dimensão gestionária adequada segundo critérios de homogeneidade, afinidade e complementaridade, visando a articulação operativa entre as diferentes especialidades médicas, a redução de custos e a maior capacidade competitiva.
Os centros de responsabilidade integrados visam também a assunção de um processo de reengenharia hospitalar reconhecendo a necessidade de alterar a actual estrutura dos cuidados, de acordo com lógicas assistenciais direccionadas para a globalização dos cuidados, aproveitando sinergias e complementaridade de funções e especialidades, prosseguindo a maior efectividade e utilidade social das prestações.
Por outro lado, pretende-se que os centros de responsabilidade integrados constituam verdadeiros órgãos de gestão intermédia que, sem quebrar a unidade de conjunto, sejam dotados de poder decisório, possibilitando-se a desconcentração da tomada de decisão nos termos e no âmbito dos orçamentos-programa previamente contratualizados com o conselho de administração do hospital.
Pretende-se replicar, ao nível interno, a lógica da contratualização externa da actividade hospitalar e incrementar sistemas de informação de gestão adequados à monitorização da actividade dos centros de responsabilidade integrados, permitindo a tomada oportuna de decisões correctivas.
Acresce ainda que este novo modelo organizacional, tendo como objectivo primordial a obtenção de um elevado grau de eficiência, por parte dos serviços e respectivos profissionais, implica a definição de novas regras de financiamento e de remuneração directamente dependentes do volume da actividade realizada, dos níveis de produtividade e da qualidade dos resultados obtidos.
Foram observados os procedimentos decorrentes da Lei 23/98, de 26 de Maio.
Assim:
No desenvolvimento do regime jurídico previsto no n.º 1 da base XXXVI da Lei 48/90, de 24 de Agosto, e nos termos da base XLIII da mesma lei e da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma estabelece o regime geral a que deve obedecer a criação dos centros de responsabilidade integrados, adiante designados por CRI, nos hospitais e centros hospitalares do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Artigo 2.º
Definição
1 - Os CRI constituem estruturas orgânicas de gestão intermédia, agrupando serviços e ou unidades funcionais homogéneos e ou afins.2 - Os CRI podem coincidir com os departamentos, podendo excepcionalmente coincidir com os serviços quando a sua dimensão o justificar.
Artigo 3.º
Objectivo
Os CRI têm por objectivo final melhorar a acessibilidade, a qualidade, a produtividade, a eficiência e a efectividade da prestação de cuidados de saúde, através de uma melhor gestão dos respectivos recursos.
Artigo 4.º
Princípios
Os CRI devem orientar a sua actividade de acordo com os seguintes princípios: a) Integração das funções de administração com as de direcção técnica e de chefia operacional, tornando mais ágil, adequado e oportuno o processo de tomada de decisão;b) Promoção da gestão clínica articulada e participada dos recursos existentes, com base em procedimentos clínicos fundamentados na evidência científica;
c) Avaliação objectiva e permanente dos meios existentes e da capacidade instalada;
d) Avaliação sistemática dos resultados e correcção dos desvios detectados susceptíveis de comprometer o cumprimento dos objectivos definidos;
e) Participação dos profissionais na gestão, de forma a melhorar o seu desempenho e a aumentar a sua satisfação profissional;
f) Promoção da actividade assistencial articulada com a formação dos profissionais e com a investigação científica.
CAPÍTULO II
Órgãos
Artigo 5.º
Órgãos
São órgãos dos CRI o director e a comissão consultiva.
Artigo 6.º
Nomeação do director
1 - O director é nomeado pelo conselho de administração, de entre médicos com perfil adequado, segundo critérios de formação, competência, experiência e liderança.2 - A nomeação é em comissão de serviço, por três anos, podendo esta ser dada por finda, a todo o tempo:
a) Por incumprimento ou desvios graves, e sem justificação atendível, do contrato-programa;
b) Na sequência de procedimento disciplinar;
c) A requerimento do interessado;
d) Pela tomada de posse seguida de exercício de outro cargo ou função.
3 - O director tem direito a um acréscimo remuneratório de 15% sobre a sua categoria e escalão em dedicação exclusiva e horário de trinta e cinco horas semanais.
Artigo 7.º
Competências
Compete ao director dirigir o CRI, coordenando a acção dos serviços e unidades funcionais que o compõem, visando assegurar o funcionamento eficiente e harmónico dos serviços e a boa gestão dos recursos disponíveis, e em especial:a) Promover a elaboração da proposta de contrato-programa, bem como os documentos que o compõem, designadamente o plano de acção e o orçamento do CRI e submetê-la ao administrador-delegado para posterior aprovação pelo conselho de administração;
b) Elaborar e submeter ao conselho de administração o regulamento interno do CRI;
c) Acompanhar a execução e assegurar o cumprimento dos planos de acção, do orçamento e do regulamento interno, promovendo as alterações e correcções necessárias;
d) Elaborar os relatórios intercalares e finais de execução do plano de acção e do orçamento do CRI e submetê-los ao administrador-delegado para posterior aprovação pelo conselho de administração;
e) Estabelecer a ligação com os órgãos de administração e direcção do hospital e com os directores dos restantes CRI;
f) Propor as nomeações dos directores de serviço e dos responsáveis pelas unidades funcionais;
g) Propor a admissão de pessoal nos termos previstos no contrato-programa e participar nos respectivos processos de selecção ou colocação;
h) Exercer as demais competências que lhe sejam delegadas pelos órgãos de administração ou direcção técnica.
Artigo 8.º
Direcção
1 - Excepcionalmente, e sempre que a especificidade dos serviços o justifique, os CRI poderão ser dirigidos por um director não médico ou por uma direcção colegial de três elementos, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 6.º e 7.º do presente diploma.2 - Nos casos em que os profissionais nomeados para a direcção não possuam categorias com funções de direcção ou chefia, terão direito à remuneração estabelecida para o 1.º escalão da categoria imediatamente superior da respectiva carreira ou para o escalão com valor imediatamente superior ao que possuírem.
Artigo 9.º
Administrador
Junto de cada CRI existirá um administrador, preferencialmente da carreira de administração hospitalar, designado pelo administrador-delegado, a quem compete, em colaboração com o director, coordenar as actividades do CRI, e em especial:a) Preparar a proposta de contrato-programa do CRI;
b) Acompanhar a execução orçamental do CRI e assegurar a conformidade e controlo dos níveis de custos e proveitos previstos;
c) Promover, em articulação com os órgãos de administração do hospital, adequado sistema de informação para a gestão;
d) Identificar oportunidades e resolver ou propor a resolução de problemas, por forma a melhorar o nível de proveitos, a produtividade e reduzir os custos do CRI;
e) Exercer outras competências que lhe sejam delegadas pelos órgãos de administração.
Artigo 10.º
Comissão consultiva
A comissão consultiva é constituída pelos seguintes elementos:a) Director ou direcção do CRI;
b) O administrador;
c) Os directores dos serviços e os responsáveis pelas unidades funcionais que integram o CRI;
d) Os enfermeiros com funções de supervisão de áreas e ou de chefia de cada um dos serviços que integram o CRI;
e) Os técnicos com funções de chefia ou coordenação dos serviços ou unidades funcionais que integram o CRI.
Artigo 11.º
Competências
Compete à comissão consultiva dar parecer sobre:a) O projecto de regulamento interno do CRI;
b) A proposta de contrato-programa do CRI;
c) Os relatórios de actividades do CRI.
Artigo 12.º
Apoio técnico
O CRI poderá dispor de uma estrutura técnica de apoio ao exercício das suas funções, em conformidade com o aprovado em sede de contrato-programa.
CAPÍTULO III
Recursos financeiros
Artigo 13.º
Contratos-programa
1 - Os CRI deverão estabelecer com os conselhos de administração dos respectivos hospitais contratos-programa anuais que fixem os objectivos e os meios necessários para os atingir e definam os mecanismos de avaliação periódica.2 - Os contratos-programa devem traduzir e incluir como partes integrantes o plano de actividades anual do CRI, o projecto de orçamento-programa anual, o plano de investimentos e o plano de formação e investigação.
3 - Os contratos-programa do CRI integram e devem ser coerentes com o plano de actividades e o orçamento do hospital.
Artigo 14.º
Receitas
Constituem proveitos dos CRI:a) As dotações do orçamento do hospital que lhes sejam afectas nos termos do artigo 16.º;
b) O valor das taxas moderadoras cobradas pelos actos praticados pelos CRI;
c) Os valores cobrados por prestações de serviços a outras entidades, nos termos fixados pelo conselho de administração:
d) Outras receitas que por lei, contrato ou qualquer outro título lhes sejam atribuídas.
Artigo 15.º
Custos
Constituem custos dos CRI todos os resultantes do seu normal funcionamento, devendo ser discriminados:a) Os custos directos, nomeadamente os resultantes dos encargos de pessoal e dos consumos correntes dos CRI;
b) Os custos indirectos obtidos através da contabilidade analítica do hospital, segundo critérios que reflictam a sua efectiva utilização.
Artigo 16.º
Dotações orçamentais
1 - As dotações do orçamento do hospital afectas aos CRI devem traduzir a produção destes, tendencialmente com base na tabela de preços do SNS.2 - Inicialmente as dotações deverão traduzir o sistema de afectação de recursos financeiros em vigor nos hospitais do SNS.
3 - O sistema de codificação e classificação de doentes em GDH e GDA, bem como as tabelas de ponderação e de preços de exames e técnicas de diagnóstico e terapêutica, deverão ser aperfeiçoados de forma a adaptar o sistema ao financiamento directo da actividade dos CRI, garantindo-se que os preços e as ponderações constantes da tabela correspondam aos recursos necessários à sua produção.
Artigo 17.º
Afectação de desvios positivos
Quando o valor dos proveitos obtidos pelo CRI seja superior aos custos da actividade realizada, poderá o resultado de exercício ser afecto em percentagens a acordar com o conselho de administração a:a) Fundo de coesão institucional, destinado ao financiamento de eventuais défices da instituição;
b) Fundo de reserva do CRI, destinado a cobrir eventuais défices de exercícios futuros;
c) Sistema de incentivos.
Artigo 18.º
Sistema de incentivos
1 - O sistema de incentivos tem como objectivo apoiar e estimular o desempenho colectivo dos profissionais do CRI, tendo em conta os ganhos de eficiência conseguidos.2 - Constituem modalidades de incentivos, designadamente:
a) Melhoria das condições de trabalho;
b) Participação em acções de formação e estágios;
c) Apoio à investigação;
d) Prémios de desempenho.
3 - O projecto de contrato-programa do CRI deverá enunciar os critérios de aplicação e distribuição, tendo por referência a melhoria da produtividade, da eficiência, da efectividade e da qualidade dos cuidados prestados.
CAPÍTULO IV
Procedimentos de criação
Artigo 19.º
Pressupostos
1 - Previamente à criação dos CRI, deverão os hospitais dispor dos seguintes elementos:a) Regulamento interno do hospital contendo a sua organização em CRI;
b) Sistema de informação para a gestão;
c) Contabilidade analítica e sistema de codificação e classificação de doentes de acordo com as disposições vigentes.
2 - Quando a proposta de regulamento interno do hospital não possa ser apresentada com os primeiros projectos de criação de CRI, deverá o conselho de administração apresentar o desenho global dos CRI a criar, devendo a proposta de regulamento interno do hospital ser apresentada no prazo máximo de 180 dias.
Artigo 20.º
Processo de criação
1 - A aprovação dos projectos de criação dos CRI é efectuada por despacho do Ministro da Saúde, com a faculdade de delegação.2 - Para efeitos do disposto no n.º 1 devem os conselhos de administração dos hospitais, após discussão interna, apresentar os projectos de criação, que devem incluir os seguintes documentos:
a) Projecto de regulamento interno do CRI, donde conste a estrutura, constituição dos órgãos, funcionamento, sistema de avaliação e critérios de distribuição de incentivos;
b) Plano de actividades do CRI para três anos;
c) Projecto de contrato-programa;
d) Programa de garantia de qualidade.
CAPÍTULO V
Avaliação Artigo 21.º Avaliação
1 - A avaliação de desempenho dos CRI deve ser realizada pelo conselho de administração, com periodicidade no mínimo trimestral, devendo ser elaborado relatório anual e final.
2 - Os relatórios de avaliação são apresentados às ARS respectivas e a uma comissão de acompanhamento nacional, que será designada por despacho do Ministro da Saúde.
CAPÍTULO VI
Disposições finais e transitórias
Artigo 22.º
Regime remuneratório
1 - Os profissionais de serviços ou unidades integrados em CRI têm direito, para além da remuneração base correspondente às respectivas categorias, escalões e regimes de trabalho, a uma remuneração variável constituída por acréscimos remuneratórios calculados em função do desempenho, avaliado com base em critérios objectivos e parâmetros mínimos de produtividade e qualidade.2 - As remunerações variáveis são objecto de diploma especial.
Artigo 23.º
Directores de serviço
1 - As competências do director de serviço previstas no artigo 29.º do Decreto Regulamentar 3/88, de 22 de Janeiro, deverão ser exercidas por referência e de acordo com as orientações da direcção do CRI, em concordância com o respectivo contrato-programa.2 - Quando não existam na instituição profissionais com a competência de direcção exigida nos termos do artigo 41.º, n.º 2, do Decreto-Lei 73/90, de 6 de Março, poderá o director do CRI propor ao conselho de administração, para o desempenho do cargo de direcção de serviço e com a observância dos critérios enunciados no referido artigo, profissionais de outras instituições.
3 - Excepcionalmente, nos casos em que a dimensão gestionária do CRI o permitir, poderá o director de um dos serviços integrantes do CRI acumular funções com as de direcção do CRI, pelo qual será remunerado.
Artigo 24.º
Cessação de comissões de serviço
Com a tomada de posse do director ou da direcção dos CRI, cessam as comissões de serviço dos directores dos departamentos ou dos directores de serviço que com eles coincidam.
Artigo 25.º
Calendário de implementação
Todos os hospitais e centros hospitalares do SNS deverão estar organizados em CRI até Dezembro de 2003, devendo os respectivos conselhos de administração desenvolver os trabalhos preparatórios para tal necessários, de acordo com o plano de implementação delineado pelas ARS respectivas.
Artigo 26.º
CRI de psiquiatria e saúde mental
As disposições do presente diploma são aplicáveis aos centros de responsabilidade dos serviços de saúde mental previstos no Decreto-Lei 35/99, de 5 de Fevereiro.
Artigo 27.º
Revogação
1 - São revogados os n.os 2, 3 e 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei 19/88, de 21 de Janeiro, e o artigo 32.º do Decreto Regulamentar 3/88, de 22 de Janeiro, continuando transitoriamente a aplicar-se aos centros de responsabilidade existentes até à sua transformação em CRI.2 - É revogado o n.º 3 do artigo 12.º do Decreto-Lei 35/99, de 5 de Fevereiro, mantendo-se transitoriamente em vigor enquanto os serviços locais de saúde mental não se organizarem em CRI.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 22 de Julho de 1999. - Jaime José Matos da Gama - António Luciano Pacheco de Sousa Franco - Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - Francisco Ventura Ramos.
Promulgado em 2 de Setembro de 1999.
Publique-se.O Presidente da República, JORGE SAMPAIO.
Referendado em 9 de Setembro de 1999.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.