Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 785/2025
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional I. Relatório 1-O Presidente da República vem, ao abrigo do artigo 278.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, submeter à apreciação deste Tribunal, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, um conjunto de normas constantes do Decreto 6/XVII da Assembleia da República, que altera a Lei 23/2007, de 4 de julho, diploma que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, Decreto esse aprovado pela Assembleia da República em 16 de julho de 2025, que lhe foi enviado para promulgação como lei. Tais normas são:
(i) as normas constantes dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 98.º, alterado pelo artigo 2.º do Decreto;
(ii) as normas constantes dos n.os 1 e 3 do artigo 101.º, alterado pelo artigo 2.º do Decreto;
(iii) a norma constante do n.º 1 do artigo 105.º, alterado pelo artigo 2.º do Decreto; e (iv) a norma constante do artigo 87.º-B, aditada pelo artigo 3.º do Decreto.
2-As referidas normas têm o seguinte o conteúdo:
Artigo 2.º
Alteração à Lei 23/2007, de 4 de julho Os artigos 45.º, 46.º, 52.º, 52.º-A, 57.º-A, 75.º, 87.º-A, 89.º, 98.º, 101.º, 104.º, 105.º, 106.º e 122.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, passam a ter a seguinte redação:
Artigo 98.º
[...]
1-O cidadão com autorização de residência válida e que resida legalmente em território nacional tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da família, menores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, e que com ele coabitem e dele dependam.
2-Os titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A e 121.º-A têm direito ao reagrupamento familiar com os membros da família, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, e que com ele coabitem e dele dependam.
3-O cidadão com autorização de residência válida e que resida, há pelo menos 2 anos, legalmente em território nacional, tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da família que se encontrem fora do território nacional, nos termos do artigo 99.º, que comprovadamente com ele tenham vivido noutro Estado ou que dele dependam, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente.
4-(Anterior n.º 3.)
Artigo 101.º
1-[...]
a) Alojamento, comprovadamente próprio ou arrendado, considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade, tal como definido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações e da habitação;
b) Meios de subsistência suficientes para sustentar todos os membros do agrupamento familiar, sem recurso a apoios sociais, tal como definido por portaria aprovada pelos membros do Governo com competência pelas áreas das migrações e da segurança social.
2-[...]
3-O requerente e os respetivos familiares devem cumprir medidas de integração, designadamente relativas à aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais portugueses, bem como da frequência do ensino obrigatório no caso de menores, conforme regulado em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações, da educação e do trabalho.
Artigo 105.º
[...]
1-O pedido deve ser decidido no prazo de nove meses, podendo, em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido, ser prorrogado pelo órgão competente para a decisão final por igual período, sendo o requerente informado desta prorrogação.
2-(Revogado.)
3-(Revogado.)
4-(Revogado.)
»Artigo 3.º
Aditamento à Lei 23/2007, de 4 de julho É aditado o artigo 87.º-B à Lei 23/2007, de 4 de julho, com a seguinte redação:
Artigo 87.º-B
Tutela jurisdicional
1-No âmbito do presente capítulo, as ações judiciais relativas às decisões ou omissões da AIMA, IP, revestem a forma de ação administrativa, nos termos do artigo 37.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem prejuízo do recurso à tutela cautelar, nos termos gerais.
2-Só é admissível o recurso à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, quando, para além dos pressupostos referidos no artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a atuação ou omissão da AIMA, IP, comprometa, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades e garantias pessoais, cuja tutela não possa ser eficazmente assegurada através dos meios cautelares disponíveis.
3-Na decisão a adotar no processo de intimação, em caso de ausência atempada de atuação da AIMA, IP, o juiz deve ponderar, se requerido, o número de procedimentos administrativos que correm junto daquela entidade, em face de eventuais pressões anormais de pedidos e solicitações, os meios humanos, administrativos e financeiros disponíveis, que é razoável esperar, bem como ter em conta as consequências que possam resultar da intimação para o tratamento equitativo de todos os requerimentos dirigidos à AIMA, IP.
4-Nas situações previstas no n.º 2, tem lugar a aplicação dos artigos 109.º a 111.º, com as devidas adaptações impostas pelo presente artigo.
»3-A argumentação apresentada pelo Requerente desenvolve-se em dois planos.
O primeiro, de ordem geral, diz respeito, por um lado, às vicissitudes do procedimento legislativo que precedeu a aprovação do Decreto 6/XVII e, por outro, à completude da disciplina que emerge das alterações introduzidas à Lei 23/2007, de 4 de julho, tendo em atenção que tais alterações denotam o emprego de um significativo conjunto de conceitos de natureza indeterminadaou, pelo menos, de difícil (ou mesmo impossível) determinação-, remetendo, em algumas situações, para regulamentação por mera Portaria do Governo, com possível invasão da competência legislativa reservada da Assembleia da República. Relativamente ao procedimento legislativo, o Requerente, não obstante reconhecer que os poderes de cognição atribuídos ao Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização preventiva da constitucionalidade não contemplam a apreciação de
questões de legalidade
» como as que poderiam configurar-se a partir da preterição da efetiva consulta das entidades que a lei prevê que sejam ouvidas sobre as iniciativas legislativas que se relacionem com a jurisdição administrativa e fiscal (artigo 74.º, n.º 2, alínea l), do Estatuto de Tribunais Administrativos e Fiscais), com a administração da justiça em geral (artigo 155.º, alínea b), da Lei de Organização do Sistema Judiciário, e artigo 21.º, n.º 2, alínea i), do Estatuto do Ministério Público) e ou interessem ao exercício da advocacia e ao patrocínio judiciário em geral (artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto da Ordem dos Advogados), não deixa de notar que tal preterição, assim como a opção de não consultar entidades direta e ou indiretamente relacionadas com as matérias em causa, enfraquece a garantia de legitimidade democrática da lei aprovada, para além de inviabilizar a antecipação de problemas na sua aplicação. Já no que diz respeito ao emprego de conceitos indeterminados, o Requerente considera que tal opção pode pôr em causa o princípio constitucional da segurança jurídica, ou mesmo gerar um tratamento diferenciado e discriminatório, dando como exemplos desse risco os conceitos decompetências técnicas especializadas
»(artigo 57.º-A, alínea a)), de
alojamento, [...], considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade
», de
meios de subsistência suficiente para sustentar todos os membros de agrupamento familiar
»(artigo 101.º), de
[...] circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise
»(artigo 105.º) e de
[...] gravidade da evolução da situação de ordem pública ou segurança pública em parte ou na totalidade do território nacional
»(artigo 106.º).
O segundo plano de argumentação centra-se em cada uma das normas (ou bloco de normas) que integram o objeto do pedido.
No que diz respeito às alterações introduzidas relativamente ao direito ao reagrupamento familiar, decorrentes da nova redação dos n.os 1 a 3 do artigo 98.º da Lei 23/2007, o Requerente considera que as mesmas, ao restringirem o recurso ao reagrupamento familiar aos membros da família, menores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem (n.º 1), ao mesmo tempo que impõem ao titular do direito ao reagrupamento uma espera de dois anos após a atribuição do título de residência para poder agrupar outros membros da família (n.º 3), parecem restringir, de forma desproporcional e desigual, o princípio da união familiar, podendo não acautelar o superior interesse da criança, forçada a lidar com separações prolongadas. O que, no confronto com a flexibilização dos critérios de reagrupamento familiar para os titulares de autorização de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A, e 121.º-A da Lei 23/2007 (n.º 2), pode comprometer, pelo diferente tratamento dispensado num e noutro caso, os princípios da igualdade e da não discriminação, consagrados no artigo 13.º da Constituição, para além de se afastar do espírito inerente à Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003.
No que concerne à alteração das condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar, decorrentes da modificação do artigo 101.º da Lei 23/2007, o Requerente assinala o nível de indeterminação dos conceitos de
alojamento, [...], considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade
» e demeios de subsistência suficiente para sustentar todos os membros de agrupamento familiar
» empregues para definir os pressupostos estabelecidos para aquele efeito, que considera dificilmente conciliável com o princípio constitucional da segurança jurídica, entendendo ainda que a remissão da densificação desses conceitos para Portaria do Governo, assim como a operada no n.º 3, se afiguram potencialmente invasivas da reserva de competência legislativa reservada da Assembleia da República.Relativamente à modificação do prazo de apreciação e decisão dos pedidos de autorização de residência para o reagrupamento familiar, decorrentes na nova redação conferida ao n.º 1 do artigo 105.º da Lei 23/2007, o Requerente chama a atenção para o facto de o novo regime preconizado no Decreto, que eleva para o triplo do atualmente previsto o prazo de decisão relativo ao pedido de autorização de residência para o reagrupamento familiar, com simultânea eliminação da possibilidade de deferimento tácito, ter como consequência, quando conjugado com o novo pressuposto do próprio direito ao reagrupamento familiar decorrente da modificação do n.º 3 do artigo 98.º, que o reagrupamento de um familiar em Portugal poderá demorar, no mínimo, cerca de 3 anos e meio, período que o Requerente considera violador do princípio da união familiar e do superior interesse da criança, desrespeitador do princípio da celeridade administrativa, previsto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, e potencialmente desproporcional, com lesão dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da união familiar, previstos, respetivamente, nos artigos 13.º, 18.º e 36.º, da Constituição. Para além disso, o Requerente considera que, ao admitir-se a possibilidade de prorrogação desse prazo com base em
circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido
», poderá permitir-se a administração eventuais prorrogações sem fundamentação objetiva, potenciando decisões discricionárias e desiguais.
Por último, o Requerente põe em causa a compatibilidade dos n.os 2 e 3 do artigo 87.º-B, aditado pelo artigo 3.º do Decreto, quer com o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que consagra o direito a uma proteção jurisdicional efetiva, especialmente quando estejam em causa decisões administrativas em matéria de imigração e asilo, quer com a Constituição, no primeiro caso por difícil conciliação do pressuposto específico do recurso à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias com disposto nos n.os 1, 4 e 5 do respetivo artigo 20.º, e, no segundo, por introduzir uma subordinação dos direitos, liberdades e garantias a constrangimentos operacionais, nomeadamente da AIMA, I. P., o que poderá atentar, de forma direta, contra os princípios constitucionais de acesso à justiça, da igualdade, da celeridade administrativa e da tutela jurisdicional efetiva, bem como da proporcionalidade, consagrados, respetivamente, nos artigos 20.º, 13.º, 18.º e 266.º da Constituição.
4-Concretizando os fundamentos do pedido, o Requerente invoca, para o efeito, os seguintes argumentos:
[...]
1.º
O Decreto em apreciação, consultados os elementos constantes do Diário da Assembleia da República, tem origem na Proposta de Lei 3/XVII/l, da autoria do Governo, e no Projeto de Lei 61/XVII/l, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido CHEGA. No decurso do procedimento legislativo parlamentar, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, aprovou um texto de substituição das duas iniciativas que foi ainda objeto de propostas de alteração aprovadas já em Plenário.
2.º
O Decreto em apreciação, conforme consta da exposição de motivos da Proposta de Lei apresentada pelo Governo à Assembleia da República, visa:
reformar os mecanismos legais à disposição dos cidadãos estrangeiros para imigrarem para Portugal, adaptando a legislação às necessidades do País e à sua capacidade de acolhimento.
Impõe-se, por isso, reforçar o combate das rotas de imigração ilegal e de melhoria dos canais de imigração legal, em alinhamento com a necessidade de captação de talento e capital humano altamente qualificado.”.
3.º
Neste pressuposto, o Decreto em apreciação, entre outras matérias, (i) limita a atividades altamente qualificadas o visto para procura de trabalho;
(ii) altera as condições para a concessão de autorização de residência aos cidadãos nacionais de EstadosMembros da CPLP, em território nacional, restringindo a autorização de residência aos detentores de visto de residência CPLP;
(iii) relativamente ao reagrupamento familiar e, conforme referido na exposição de motivos da Proposta de Lei apresentada pelo Governo, de harmonia com a Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, passa a consagrar o seguinte:
“Artigo 98.º
[...]
1-O cidadão com autorização de residência válida e que resida legalmente em território nacional tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da família, menores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, e que com ele coabitem e dele dependam.
2-Os titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A e 121.º-A têm direito ao reagrupamento familiar com os membros da família, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, e que com ele coabitem e dele dependam.
3-O cidadão com autorização de residência válida e que resida, há pelo menos 2 anos, legalmente em território nacional, tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da família que se encontrem fora do território nacional, nos termos do artigo 99.º que comprovadamente com ele tenham vivido noutro Estado ou que dele dependam, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente.
4-(Anterior n.º 3.)”
4.º
Ainda em sede de reagrupamento familiar, o texto aprovado para o novo n.º 1 do artigo 105.º da lei, tal como alterado pelo Decreto em apreço, consagra que o pedido de autorização de residência para o reagrupamento familiar deve ser decidido no prazo de nove meses, podendo, em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido, tal prazo ser prorrogado pelo órgão competente para a decisão final, por igual período, sendo o requerente informado desta prorrogação, e terminando com o mecanismo de deferimento tácito atualmente previsto na legislação vigente.
5.º
No que respeita às condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar, previstas no artigo 101.º, tal como alterado pelo artigo 2.º do Decreto em apreço, a redação aprovada introduz novos conceitos indeterminados, cuja densificação é enformadora do próprio direito. Tanto as alíneas a) e b) do n.º 1, como o n.º 3 do referido artigo, remetem toda essa densificação para mera Portaria do Governo.
6.º
O Decreto em apreço, determina, ainda, o estabelecimento de uma datalimite à possibilidade de recorrer ao aludido regime transitório, na parte introduzida pela Lei 40/2024, de 7 de novembro, tendo sido cumprido, no entender do Governo, o propósito do regime transitório constante dos n.os 2 e 3 do artigo 3.º do Decreto Lei 37-A/2024, de 3 de junho, na sua atual redação.
7.º
Por último, o texto aprovado adita, através do seu artigo 3.º, o artigo 87.º-B à Lei 23/2007, de 4 de julho, que determina o seguinte:
Artigo 87.º-B
Tutela jurisdicional
1-No âmbito do presente capítulo, as ações judiciais relativas às decisões ou omissões da AIMA, IP, revestem a forma de ação administrativa, nos termos do artigo 37.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem prejuízo do recurso à tutela cautelar, nos termos gerais.
2-Só é admissível o recurso à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, quando, para além dos pressupostos referidos no artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a atuação ou omissão da AIMA, IP, comprometa, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades e garantias pessoais, cuja tutela não possa ser eficazmente assegurada através dos meios cautelares disponíveis.
3-Na decisão a adotar no processo de intimação, em caso de ausência atempada de atuação da AIMA, IP, o juiz deve ponderar, se requerido, o número de procedimentos administrativos que correm junto daquela entidade, em face de eventuais pressões anormais de pedidos e solicitações, os meios humanos, administrativos e financeiros disponíveis, que é razoável esperar, bem como ter em conta as consequências que possam resultar da intimação para o tratamento equitativo de todos os requerimentos dirigidos à AIMA, IP.
4-Nas situações previstas no n.º 2, tem lugar a aplicação dos artigos 109.º a 111.º, com as devidas adaptações impostas pelo presente artigo.
»8.º
Pese, embora, o facto de a fiscalização preventiva se concentrar exclusivamente na análise da conformidade das normas com a Constituição, não apreciando, portanto, questões de legalidade, importa referir que o presente processo legislativo foi tramitado na Assembleia da República de forma urgente, não tendo havido-efetivas-consultas e audições, nomeadamente audições constitucionais, legais e/ou regimentaisobrigatórias ou não ou, quando solicitadas, foramno sem respeito pelos prazos legalmente fixados e/ou, em prazos incompatíveis com a efetiva consulta.
Algumas dessas audições estão consagradas como obrigatórias em preceitos legais, como é o caso da audição ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (cf. disposto no artigo 74.º, n.º 2, alínea l) do Estatuto de Tribunais Administrativos e Fiscais); da consulta ao Conselho Superior da Magistratura (em decorrência do disposto no artigo 155.º, alínea b) da Lei de Organização do Sistema Judiciário), bem como à Ordem dos Advogados e ao Conselho Superior do Ministério Público (como decorre, respetivamente, do artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do Estatuto da Ordem dos Advogados e do artigo 21.º, n.º 2, i) do Estatuto do Ministério Público). E outras audições e consultas haveria de organizar, nomeadamente com entidades direta e/ou indiretamente relacionadas com as matérias em causa, que, não sendo legalmente obrigatórias, se justificariam como forma de garantir a legitimidade democrática da lei aprovada e de antecipar problemas na sua aplicação.
9.º
Por outro lado, verifica-se, ainda, que o presente Decreto introduz ou altera um conjunto significativo de conceitos de natureza indeterminada ou, pelo menos, de difícil (ou, mesmo, impossível) determinação concreta, remetendo-se a regulamentação, em algumas das situações, para mera Portaria do Governo, alargando o âmbito de densificação dos conceitos por esta via.
10.º
Tais conceitos podem, naturalmente, dificultar a aplicação da Lei, não contribuindo para a necessária e desejadas segurança jurídica e certeza do Direito, princípios constitucionalmente garantidos, podendo mesmo gerar um tratamento diferenciado e discriminatório e, certamente, aportando um risco acrescido e considerável de litigância numa matéria fundamental e de grande importância para o nosso País e para os interessados. Acresce que, numa matéria com esta sensibilidade, não é de todo aconselhável que exista indefinição conceptual e recurso a conceitos indeterminados, potencialmente violadores do princípio constitucional da segurança jurídica. São exemplo de tais conceitos, nomeadamente, os seguintes:
o conceito de “competências técnicas especializadas” (artigo 57.º-A, alínea a), de “alojamento,
...
», considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade”, de “meios de subsistência suficiente para sustentar todos os membros de agrupamento familiar” (artigo 101.º, alíneas, de “
...
»”circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise” (artigo 105.º),”, de “
...
» gravidade da evolução da situação de ordem pública ou segurança pública em parte ou na totalidade do território nacional” (artigo 106.º).Ou seja, o Decreto não densifica conceitos que são enformadores do próprio regime aprovado e que deveriam, por isso, constar do mesmo, tanto mais que os atos regulamentares, como as portarias, são fontes secundárias de Direito e não podem invadir a competência legislativa reservada da Assembleia da República.
11.º
O presente Decreto trata de matéria de elevada sensibilidade política, social e jurídica, sendo indispensável assegurar, com urgência, a segurança jurídica e a certeza do Direito, relativamente ao dispositivo legal aprovado, evitando potenciais tratamentos diferenciados e discriminatórios, tendo ainda em conta que o Governo considera imperioso e urgente regular esta matéria.
12.º
Por outro lado, já quanto à redação proposta pelo artigo 2.º do presente Decreto para o artigo 98.º da Lei 23/2007, de 4 julho, (i) Restringe o recurso ao reagrupamento familiar aos “membros da família, menores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem”, impossibilitando o reagrupamento de outros membros da família que já se encontrem em território nacional, designadamente os cônjuges e equiparados, uma vez que para estes surge, agora, um período de espera de dois anos de residência legal para que o titular da autorização de residência possa iniciar o pedido (cf. redação para o n.º 3 do artigo 98.º ora proposta) Por outro lado, já quanto à redação proposta pelo artigo 2.º do presente Decreto para o artigo 98.º da Lei 23/2007, de 4 julho, (i) Restringe o recurso ao reagrupamento familiar aos “membros da família, menores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem”, impossibilitando o reagrupamento de outros membros da família que já se encontrem em território nacional, designadamente os cônjuges e equiparados, uma vez que para estes surge, agora, um período de espera de dois anos de residência legal para que o titular da autorização de residência possa iniciar o pedido (cf. redação para o n.º 3 do artigo 98.º ora proposta);
(ii) Flexibiliza os critérios de reagrupamento familiar para os titulares de autorização de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A, e 121.º-A da Lei 23/2007, de 4 julho, permitindo aos titulares do direito ao reagrupamento familiar reagrupar “os membros da família, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem”, ao contrário do que estabelece para os titulares de outras autorizações de residência; e
(iii) Acrescenta um novo encargo ao titular do direito ao reagrupamento:
uma espera de dois anos após a atribuição de título de residência para poder agrupar outros membros da família que comprovadamente com ele tenham vivido noutro Estado ou que dele dependam, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente, sendo apenas possível reagrupar os familiares caso se encontrem fora do território nacional.
13.º
Tais alterações, incidentes sobre um mecanismo essencial para a integração em sociedade e para a vida em família, parecem restringir, de forma desproporcional e desigual, o princípio da união familiar, podendo não acautelar o superior interesse da criança, forçada a lidar com separações prolongadas.
Contrariando os objetivos do Decreto, tais alterações podem, potencialmente, provocar o aumento dos percursos migratórios irregulares por parte de outros membros da família que passam a estar excluídos do direito ao reagrupamento, como é o caso do cônjuge.
Acresce que as crianças merecem também especial proteção em instrumentos de direito internacional e regional dos quais Portugal é Estadoparte, nomeadamente, a Convenção sobre os Direitos da Criança (artigos 9.º e 10.º), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (artigos 12.º, 23.º e 24.º); a Carta Europeia dos Direitos Sociais Revista do Conselho da Europa (artigo 19.º) Acresce que as crianças merecem também especial proteção em instrumentos de direito internacional e regional dos quais Portugal é Estadoparte, nomeadamente, a Convenção sobre os Direitos da Criança (artigos 9.º e 10.º), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (artigos 12.º, 23.º e 24.º); a Carta Europeia dos Direitos Sociais Revista do Conselho da Europa (artigo 19.º); o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (artigo 79.º/2) e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 7.º).
14.º
Já a flexibilização dos critérios de reagrupamento familiar para os titulares de autorização de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A, e 121.º-A da Lei 23/2007, de 4 julho, na nova redação aprovada por este Decreto, pode contribuir, pelo diferente tratamento previsto em cada um destes artigos, para uma maior estratificação entre pessoas migrantes, em função da respetiva qualificação e setor de atividade, afastando-se do espírito inerente à Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, e comprometendo o princípio da igualdade e o princípio da não discriminação, consagrados no artigo 13.º da Constituição.
Por outro lado, o diploma não altera o tratamento mais favorável de reagrupamento familiar aplicável a refugiados, requerentes de asilo e beneficiários de proteção internacional, o que parece adequado dado tratar-se de um regime próprio.
15.º
Ainda no que respeita às condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar, previstas no artigo 101.º da lei, e conforme decorre da alteração operada pelo artigo 2.º do Decreto, a redação aprovada introduz, também, novos conceitos indeterminados, cuja densificação é enformadora do próprio direito ao reagrupamento familiar. Tanto as alíneas a) e b) do n.º 1, como o n.º 3 do artigo 101.º, remetem integralmente para Portaria do Governo a referida densificação, o que, como referido supra no artigo 10.º do presente requerimento ao Tribunal Constitucional, pode invadir a reserva de competência legislativa reservada da Assembleia da República.
16.º
Por sua vez, a redação proposta pelo artigo 2.º do presente Decreto para o n.º 1 do artigo 105.º da Lei 23/2007, de 4 julho, referida no artigo 4.º do presente requerimento, aumentasubstancialmente, para o triplo-o prazo de decisão relativo ao pedido de autorização de residência para o reagrupamento familiar, eliminando a possibilidade de deferimento tácito.
Tal significa que, efetivamente, e conjugando tal disposição com o disposto na redação aprovada pelo presente Decreto para o n.º 3 do artigo 98.º, reagrupar um familiar em Portugal poderá demorar, no mínimo, cerca de 3 anos e meio, período exigente face às decisões administrativas a tomar, violador do princípio da união familiar e do superior interesse da criança, desrespeitador do princípio da celeridade administrativa, previsto no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição, e potencialmente desproporcional à luz da nossa lei fundamental, com eventual violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da união familiar, previstos, respetivamente, nos artigos 13.º, 18.º e 36.º também da Constituição.
Acresce que a possibilidade de prorrogação do prazo decorre do já referido conceito indeterminado (“circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise”), que poderá permitir à administração a eventual prorrogação sem fundamentação objetiva e potenciadora de decisões discricionárias e desiguais.
17.º
No que respeita à norma constante do artigo 87.º-B, aditada pelo artigo 3.º do Decreto, e reproduzida no artigo 7.º do presente requerimento ao Tribunal Constitucional, alteração introduzida na fase final do processo legislativo, a disposição, de natureza eminentemente técnica e com uma redação formalmente complexa, parece limitarno seu n.º 2-o uso da ação especial de “intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias”, prevista no artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para além dos pressupostos contantes no referido artigo, ou seja, apenas será legítima quando a atuação ou omissão da AIMA, IP, comprometa, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades e garantias pessoais, cuja tutela não possa ser eficazmente assegurada através dos meios cautelares disponíveis.
18.º
A presente limitação e a imposição de critério adicional e de difícil definição (“grave, direto e irreversível”) parecem contrariar o disposto nos n.os 1, 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição, que garantem a todos o direito a acesso efetivo e célere aos tribunais para defesa dos seus direitos fundamentais, incluindo tutela urgente quando estejam em causa direitos, liberdades e garantias.
19.º
Finalmente, a redação aprovada para o n.º 3 do artigo 87.º-B, aditada pelo artigo 3.º do Decreto, e reproduzida no artigo 7.º do presente requerimento ao Tribunal Constitucional, parece introduzir uma subordinação dos direitos, liberdades e garantias a constrangimentos operacionais, nomeadamente da AIMA, I. P., o que parece atentar, de forma direta, os princípios constitucionais de acesso à justiça, da igualdade, da celeridade administrativa e da tutela jurisdicional efetiva, bem como da proporcionalidade, consagrados, respetivamente, nos artigos 20.º, 13.º 18.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa.
20.º
Coloca-se, ainda, a questão da compatibilização destas normas com o Direito da União Europeia, tendo em conta, nomeadamente, que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no seu artigo 47.º, consagra o direito a uma proteção jurisdicional efetiva, especialmente quando estejam em causa decisões administrativas em matéria de imigração e asilo.
Com tais fundamentos, o Presidente da República requer ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva urgente da constitucionalidade das normas constantes dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 98.º, das alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 101.º, do n.º 1 do artigo 105.º, da Lei 23/2007, de 4 de julho, alteradas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da Assembleia da República, e da norma constante do artigo 87.º-B, aditada pelo artigo 3.º do Decreto em apreço, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, da proporcionalidade na restrição de direitos e do acesso à justiça, igualdade e tutela jurisdicional efetiva, da união familiar, da vinculação da atividade administrativa à Constituição, decorrentes das disposições dos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.os 1 e 2, 20.º, n.os 1, 4 e 5, 36.º, 266.º, n.º 2 e 268.º n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa.
5-Notificado para o efeito previsto no artigo 54.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante,
LTC
»), o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos, enviando ainda uma nota técnica sobre os trabalhos preparatórios que precederam a aprovação do Decreto 6/XVII da Assembleia da República, elaborada pelos serviços de apoio à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
6-Na pendência do processo, o PrimeiroMinistro remeteu ao Tribunal Constitucional um parecer elaborado pelo CEJURECentro Jurídico do Estado, tendo sido determinada a respetiva apensação aos presentes autos.
IIFundamentação A. Conhecimento do pedido 7-Considerada a legitimidade do Requerente, a circunstância de o pedido conter todas as indicações a que se refere o artigo 51.º, n.º 1, da LTC e a observância dos prazos aplicáveis (artigo 278.º, n.º 3, da Constituição e artigos 54.º, 56.º, n.º 4, 57.º, n.os 1 e 2, e 58.º da LTC), nada obsta ao conhecimento das questões de constitucionalidade formuladas nos presentes autos.
B. Objeto do pedido e poderes de cognição do Tribunal Constitucional 8-Tendo em conta a amplitude dos fundamentos invocados pelo Requerente, importa começar por delimitar negativamente o objeto do pedido, nomeadamente em face das competências atribuídas ao Tribunal Constitucional pelo artigo 278.º da Constituição.
No pedido que formulou ao Tribunal Constitucional, o Requerente começa por centrar-se no processo legislativo que culminou na aprovação do Decreto 6/XVII da Assembleia da República, onde foi tramitado de forma urgente, criticando-o por não ter contemplado a realização de
-efetivas consultas e audições
», nomeadamente do que designa por
audições constitucionais, legais e/ou regimentaisobrigatórias ou não
», pondo em evidência o facto de as audições solicitadas o terem sido
sem respeito pelos prazos legalmente fixados e/ou, em prazos incompatíveis com a efetiva consulta
», como refere ter sucedido com
audições consagradas como obrigatórias em preceitos legais
»-como a audição ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (artigo 74.º, n.º 2, alínea l), do Estatuto de Tribunais Administrativos e Fiscais), do Conselho Superior da Magistratura (artigo 155.º, alínea b), da Lei de Organização do Sistema Judiciário), da Ordem dos Advogados (artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto da Ordem dos Advogados) e do Conselho Superior do Ministério Público (artigo 21.º, n.º 2, alínea i), do Estatuto do Ministério Público). De acordo com o Requerente, a consulta de tais entidades, bem como de outras
direta e/ou indiretamente relacionadas com as matérias em causa
», justificar-se-ia como forma de garantir a legitimidade democrática da lei aprovada e de antecipar problemas na sua aplicação.
Ainda que sem o afirmar expressamente, o Recorrente parece associar à preterição do dever legal de efetiva audição das entidades mencionadas, em simultâneo com a não utilização pela Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da faculdade de audição de outras,
direta e/ou indiretamente relacionadas com as matérias em causa
», o desrespeito pelo princípio democrático, consagrado, desde logo, no artigo 2.º da Constituição, que vincula o
Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas
», ao
aprofundamento da democracia participativa
».
Não há dúvida de que o legislador, ao tornar obrigatória a consulta, por parte da comissão parlamentar competente, das entidades às quais foi atribuída competência para emitir pareceres sobre projetos ou propostas de lei que incidam sobre matérias da sua área de atuação, visou garantir a participação desses organismos no processo de deliberação parlamentar, abrindo o procedimento legislativo à contribuição dos entes que, em razão das suas competências próprias, se encontrem especialmente habilitados a fornecer indicações e elementos relevantes para a apreciação da iniciativa legislativa em causa. Essa lógica de reforço da democracia participativa é ainda prosseguida através da abertura do procedimento legislativo a outros
interessados
», mediante a possibilidade conferida à comissão parlamentar competente de promover, para além das consultas legalmente obrigatórias, outras audições junto de interessados ou especialistas, com vista à recolha de contributos adicionais, através da realização de audições parlamentares ou do pedido de pareceres e informações por escrito. É o regime que resulta no n.º 4 do artigo 134.º do Regimento da Assembleia da República (Regimento 1/2020, de 31 de agosto, com as alterações introduzidas pelo Regimento 1/2023, de 9 de agosto, retificado pela Declaração de Retificação n.º 20/2023, de 19 de setembro).
Simplesmente, não obstante consubstanciarem um instrumento de reforço da democracia participativa, as audições-quer as previstas na lei, quer as que podem ser promovidas discricionariamente pela comissão parlamentar competentenão assumem, nem por essa razão adquirem, o estatuto que têm as audições constitucionalmente obrigatórias (como é o caso, por exemplo, do direito das associações sindicais a participarem na elaboração da legislação do trabalho, consagrado no artigo 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa).
Se se admitisse a possibilidade de invalidação, com fundamento na preterição do princípio democrático, de normas aprovadas pela Assembleia da República sem realização prévia das consultas previstas apenas na lei ou ao dispor da comissão parlamentar competente, tal significaria a equiparação de umas e ou de outras às consultas impostas pela própria Constituição, apesar de só estas constituírem, à face da Lei Fundamental, um requisito de validade formal ou procedimental do processo legislativo.
Não impondo a Constituição a audição de qualquer entidade no âmbito de iniciativas legislativas relacionadas com o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacionalnem indicando o Requerente qualquer preceito constitucional de onde essa audição pudesse resultar-, a única conclusão possível é a de que as normas constantes do Decreto apenas não beneficiam do reforço de legitimidade democrática que teria sido proporcionado pela realização, pelo menos, das consultas legalmente impostas. Todavia, e uma vez que foram aprovadas pela Assembleia da República, tais normas continuam a dispor da garantia de legitimidade democrática inerente ao princípio da democracia representativa, o que afasta qualquer problema de constitucionalidade que a este respeito o Requerente pretendesse colocar. As questões que poderiam suscitar-se neste domínio são, como não deixa de reconhecer o Requerente, meras
questões de legalidade
», em razão da eventual violação de lei sem valor reforçado e, sobre essas, o Tribunal Constitucional não pode pronunciar-se, designadamente no âmbito do processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade.
9-O segundo aspeto em que o objeto do pedido carece de ser precisado, designadamente em face do n.º 5 do artigo 51.º da LTC, prende-se com o universo de conceitos indeterminados/cláusulas gerais empregues na formulação das normas alteradas pelo Decreto. Embora o Requerente dê como exemplos do que considera ser um grau de indeterminação suscetível de
pôr em causa o princípio constitucional da segurança jurídica, ou mesmo gerar um tratamento diferenciado e discriminatório
» as referências acompetências técnicas especializadas
»(artigo 57.º-A, alínea a)),
alojamento, [...], considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade
»,
meios de subsistência suficiente para sustentar todos os membros de agrupamento familiar
»(artigo 101.º, n.º 1, alínea a))),
[...] circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise
»(artigo 105.º, n.º 1) e
[...] gravidade da evolução da situação de ordem pública ou segurança pública em parte ou na totalidade do território nacional
»(artigo 106.º, n.º 2, alínea a)), o certo é que apenas a segunda e a terceira menções se encontram compreendidas nas normas cuja fiscalização foi requerida e, consequentemente, no objeto do pedido. Não tendo o Requerente solicitado a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas constantes do artigo 57.º-A, alínea a), e ou do artigo 106.º, n.º 2, alínea a), da Lei 23/2007, alteradas pelo artigo 2.º do Decreto, o grau de indeterminação ou abertura porventura denotado pelos conceitos que delas figuram apenas poderá ser considerada se e na medida em que se projete sobre a disciplina contida dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 98.º, das alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 101.º, do n.º 1 do artigo 105.º, da Lei 23/2007, na versão decorrente do artigo 2.º do Decreto, e ou nos n.os 2 e 3 do artigo 87.º-B, aditado pelo artigo 3.º do mesmo Decreto, que são as únicas normas sobre as quais o Tribunal Constitucional pode emitir pronúncia, tendo em conta o disposto no n.º 5 do artigo 51.º da LTC.
10-O terceiro aspeto em que o objeto do pedido deverá ser precisado diz respeito ao artigo 87.º-B, aditado pelo artigo 3.º do Decreto.
Apesar de o Requerente iniciar e concluir o pedido solicitando a fiscalização
da norma constante do artigo 87.º-B, aditada pelo artigo 3.º do Decreto em apreço
», sem qualquer outra especificação ou menção, resulta claramente dos fundamentos invocados para esse efeito que as dúvidas de constitucionalidade suscitadas se dirigem exclusivamente às normas previstas nos n.os 2 e 3 do referido artigo, não abrangendo, por isso, a norma constante do seu n.º 1.
11-O quarto e último aspeto em que o objeto do pedido carece de ser clarificado prende-se a competência do Tribunal Constitucional para apreciar a compatibilidade das normas constantes dos n.os 2 e 3 do artigo 87.º-B, aditado pelo artigo 3.º do Decreto, com o Direito da União Europeia. Quanto às referidas normas o requerente suscita
a questão da compatibilização destas normas com o Direito da União Europeia, tendo em conta, nomeadamente, que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no seu artigo 47.º, consagra o direito a uma proteção jurisdicional efetiva, especialmente quando estejam em causa decisões administrativas em matéria de imigração e asilo
».
11.1-A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (
CDFUE
») constitui um catálogo de direitos fundamentais que vincula, em primeiro lugar, a própria União Europeia (n.º 1 do artigo 6.º do Tratado da União Europeia [
TUE
»]; n.º 1 do artigo 51.º da CDFUE). Trata-se de assegurar que o exercício de poderes estaduais através das instituições da União Europeia não comporta uma desproteção dos cidadãos, já que os órgãos e instituições da União Europeia ficam vinculados a um corpo jusfundamental. Ora, porque as instituições não executam os seus próprios atoscabendo tal missão às autoridades nacionais (cf. artigo 291.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia [
TFUE
»]), a CDFUE vincula também os EstadosMembros quando estes apliquem direito da União Europeia (artigo 51.º CDFUE). Tal sucederá, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (
TJUE
»), sempre que os EstadosMembros atuam para cumprimento das obrigações decorrentes dos Tratados (cf. KOEN LENAERTS, “Exploring the Limits of the EU Charter of Fundamental Rights”, European Constitutional Law Review, vol. 8, n.º 3, 2012, p. 378):
quando os Estados intervêm como agentes da União Europeia, efetivando as suas normasdesignadamente transpondo diretivas; quando os Estados intervêm como agentes da União Europeia, efetivando as suas normasdesignadamente transpondo diretivas; quando utilizam a margem decisória para apreciação nacional conferida por regras de direito da União Europeia (Acórdão do TJUE de 21.12.2011, N.S., proc. C-411/10 e C-493/10, n.os 65 a 69); quando os Estados intervêm como agentes da União Europeia, efetivando as suas normasdesignadamente transpondo diretivas; quando os Estados intervêm como agentes da União Europeia, efetivando as suas normasdesignadamente transpondo diretivas; quando utilizam a margem decisória para apreciação nacional conferida por regras de direito da União Europeia (Acórdão do TJUE de 21.12.2011, N.S., proc. C-411/10 e C-493/10, n.os 65 a 69); ou ainda quando legislam em domínios cobertos por regras europeias. Quer isto dizer que as normas cuja pronúncia de inconstitucionalidade é pedida estão indiscutivelmente no âmbito de aplicação do direito da União Europeia e, assim, da CDFUE:
trata-se de regras relativas às ações judiciais relativas às decisões ou omissões da AIMA quanto a todo o Capítulo VI da Lei 23/2007-Residência em Território Nacional-, abrangendo assim domínios expressamente regulados pelo direito da União Europeia, como sejam todas as diretivas transpostas pela Lei 23/2007 e enumeradas no respetivo artigo 2.º
11.2-Tal como reconhece o disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição, o direito da União Europeia é aplicado na ordem jurídica interna nos termos por ele próprio definidos, assim se garantindo o seu efeito útil em todos os EstadosMembros. Por assim ser, cabe também ao Tribunal Constitucional, enquanto expressão do princípio da cooperação leal (artigo 10.º, n.º 3, do TFUE) realizar o princípio da efetividade do direito da União Europeia nos seus vários corolários (efeito direto; primado; interpretação conforme; e responsabilidade do Estado pela violação do direito da Uniãocf. Miguel GorjãoHenriques, Direito da União, 10.ª edição, Almedina, 2025, pp. 401 e ss.). Incluindo as respetivas consequências limitativas da jurisdição do Tribunal Constitucional para apreciar a validade de normas organicamente europeias, como se concluiu no Acórdão 422/2020:
[...] constitui tarefa do Tribunal Constitucional, confrontado que seja com questões de inconstitucionalidade referidas ao DUE, proceder à filtragem, num plano de exercício da competência da competênciaaqui perspetivada no sentido em que esta expressão é usada na teoria da jurisdição-, das situações nas quais está em causa a aplicação do trecho inicial do n.º 4-à luz das exigências do primado no mesmo ínsito e da ordem jurídica da União-, com o consequente descartar de tudo aquilo que se situe, tendo presente a teleologia que subjaz ao segmento final da mesma disposição, fora do alcance jurisdicional do Tribunal Constitucional. E isto não deixará de ser assim (de conduzir ao descartar da situação pretensamente correspondente ao inciso final do artigo 8.º, n.º 4) mesmo quando a construção da questão de inconstitucionalidade pretendida colocar assente na invocação de parâmetros constitucionais aos quais, pese embora poderem integrar, num plano abstrato, traços caracterizadores do Estado de direito democrático, falte densidade axiológica suficiente para elevar essas referências a um patamar concreto de fundamentalidade e especificidade identitária nacional, sem correspondência na garantia propiciada pelo plano global de incidência e de atuação do DUE
».
11.3-O problema da relevância do direito da União Europeia, mormente da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) para a apreciação da constitucionalidade de normas nacionais que se coloquem sob o domínio de aplicação da CDFUE não é inédito para o Tribunal Constitucional. No Acórdão 268/2022 concluiu-se:
[...] o Tribunal Constitucional desde cedo excluiu a possibilidade de incluir as normas de direito europeu nos parâmetros de inconstitucionalidade. Esclareceu-se não só que
é de rejeitar a “qualificação da incompatibilidade do direito interno com o direito comunitário como uma situação de ‘inconstitucionalidade’ que ao Tribunal Constitucional caiba apreciar”
»(Acórdão 621/98) como que
a ordem jurídica comunitária, globalmente recebida pelo direito português, por via de uma cláusula do próprio texto constitucional-n.º 2 do artigo 8.º-compreende uma instância jurisdicional precipuamente vocacionada para a tutela de direito comunitário, que não funciona apenas no plano das relações interestaduais ou intergovernamentais, concentrando nessa instância a competência para velar pela aplicação uniforme e pela prevalência das respectivas normas, o que tornaria incongruente que, para o mesmo efeito, se fizesse intervir, no plano interno, uma outra instância do mesmo ou semelhante tipo, como seria o Tribunal Constitucional
»Percebe-se que assim seja. Tal solução é a única que assegura a uniformidade de aplicação da ordem jurídica europeia e que conduz à harmonização da competência do Tribunal Constitucional com a do Tribunal de Justiça, salvaguardando a autonomia do direito da União Europeia e a primazia na aplicação ao caso concreto (com eventual intervenção do TJUE em sede de reenvio prejudicial) sem que se impute a tal circunstância uma transgressão da Constituição. Na verdade, não só a própria natureza do princípio do primado se dirige a dirimir conflitos aplicativos ao nível da eficáciacomo o Tribunal de Justiça repetidamente tem afirmadocomo a recondução de uma contrariedade a normas europeias a uma questão de constitucionalidade poria em causa a uniformidade de aplicação do direito europeu, já que a desaplicação das normas nacionais contrárias a regras europeias ficaria dependente do sistema de controlo de constitucionalidade vigente nesse EstadoMembro.
Deste modo, a incompatibilidade de certa norma nacional com o direito da União Europeia não implica, de forma automática, um juízo de inconstitucionalidade; provoca, ao invés, uma afetação da sua eficácia no plano interno, na medida em que contradiga regras europeias simultaneamente mobilizáveis. E, nos termos como o direito da União Europeia o define, este efeito dá-se independentemente da fonte das normas conflituantes Deste modo, a incompatibilidade de certa norma nacional com o direito da União Europeia não implica, de forma automática, um juízo de inconstitucionalidade; provoca, ao invés, uma afetação da sua eficácia no plano interno, na medida em que contradiga regras europeias simultaneamente mobilizáveis. E, nos termos como o direito da União Europeia o define, este efeito dá-se independentemente da fonte das normas conflituantes:
quer a norma europeia conste de direito originário (como a CDFUE, nos termos do artigo 6.º do TUE) ou derivado (como uma diretiva ou um Regulamento); quer a norma europeia conste de direito originário (como a CDFUE, nos termos do artigo 6.º do TUE) ou derivado (como uma diretiva ou um Regulamento); quer a norma nacional conste de ato regulamentar, de ato legislativo ou mesmo da Constituição.
Pelo que a demonstração da contradição das normas em crise com o direito da União Europeia não permite inferir uma conclusão pela respetiva inconstitucionalidade. O juízo de inconstitucionalidade-e, assim, da invalidade da norma nacionaldepende da desconformidade das normas fiscalizadas com o seu parâmetro hierarquicamente superiormaxime, a Constituição
».
11.4-A circunstância de a invocada incompatibilidade das normas sob apreciação com o direito primário da União Europeia (a CDFUE) não determinar, de modo automático, um juízo de inconstitucionalidade (cf., entre muitos, Acórdãos n.os 354/1997, 122/1998, 624/1998, 650/1998, 682/2014, 268/2022, 651/2022, 6/2023 e 597/2024), não significa que a CDFUE seja irrelevante para a pronúncia solicitada a este Tribunal. Desde logo, porque colocando-se as normas fiscalizadas sob o domínio de aplicação da CDFUE, o princípio da cooperação leal (n.º 3 do artigo 4.º do Tratado da União Europeia) impõe que o Tribunal Constitucional, na fixação do sentido a dar aos parâmetros constitucionais de validade das normas internas, privilegie uma consonância com as normas europeias, sendo eventuais conflitos solucionados
by seeking to interpret the Constitution according to Community law
»(Rui Moura Ramos, “The adaptation of the Portuguese Constitutional Order to Community Law”, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 76, 2000, p. 8), como se frisou no Acórdão 268/2022:
[O] direito da União Europeia, em decorrência do princípio da cooperação leal (cf. n.º 3 do artigo 4.º do TUE), consagra uma imposição aos EstadosMembros de garantir o efeito útil das normas europeias; e é de entre as suas várias refrações que se encontra o princípio da interpretação conforme ao Direito da União Europeia.
O princípio da interpretação conformenascido na década de 70 do século XX a propósito da obrigação de os tribunais nacionais alcançarem, através da interpretação do direito nacional, o efeito útil de diretivas insuscetíveis de produzir efeito direto (cf., entre muitos outros, Acórdãos do TJUE Mazzalai, de 20.05.1976, proc. 111/75, e Von Colson, de 10.04.1984, proc. 14/83;
Marleasing, de 13.11.1990, proc. 106/89)-foi sendo reconduzido a um cânone geral de interpretação do direito nacional (de todo o direito nacional) de modo a atingir a plena eficácia do direito da União Europeia. Determina tal princípio que os tribunais nacionais, ao aplicar o direito interno, são obrigados a interpretálo, na medida do possível, à luz do direito europeu:
Esta obrigação de interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema do Tratado FUE, na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decidem dos litígios que lhes são submetidos
»(Acórdão do TJUE de 24.01.2012, Maribel Dominguez, proc. C-282/10).
Assim, os tribunais dos EstadosMembros, na fixação do sentido das normas de direito nacional, estão vinculados ao efeito útil do direito europeu e devem, dentro da margem permitida pelas regras interpretativas internas, escolher a exegese que melhor se acomode às normas europeias. No fundo, no seio da obrigação de as autoridades nacionais tomarem as medidas que garantam a efetividade do direito da União,
uma dessas medidas consiste precisamente na obrigação de os tribunais, e as restantes autoridades nacionais, interpretarem a lei nacional em conformidade com o direito da União
»(cf. SOFIA OLIVEIRA PAIS, “Princípio da interpretação conforme”, Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia, 3.ª Edição, Almedina, 2016, p. 96). Trata-se, pois, de uma garantia de eficácia do direito europeu plenamente recebida pelo disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição.
Ora, pedindo-se ao Tribunal Constitucional a fiscalização de normas organicamente nacionais por referência ao seu parâmetro hierárquico de validade, é na interpretação da Constituição que intervém o Direito da União Europeia (incluindo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [CDFUE]).
[...]
Bem se compreende que assim seja. No quadro da rede comunicante de proteção dos direitos fundamentais, a uniformidade de aplicação do direito da União pelos EstadosMembros estaria em causa se os parâmetros fossem díspares, fixando um nível de proteção inferior àquele que é garantido pela CDFUE (Acórdãos do TJUE de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C-399/11, n.º 60 e Âkerberg Fransson, C-617/10, n.º 29). Por esta razão,
A congruência constitucional implica que, no respeito pelos princípios hermenêuticos pertinentes, se procure sempre obter uma interpretação das normas nacionais que seja conforme com o direito da UE
»(MIGUEL GORJÃOHENRIQUES, “Compreensões e précompreensões sobre o primado na aplicação do direito da União:
breves notas jurídicoconstitucionais relativamente ao Tratado de Lisboa”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. III, 2012, p. 369).
A atuação do princípio de interpretação conforme alastra às condições de restrição dos direitos fundamentais:
o juízo de proporcionalidade na limitação dos direitos fundamentais assegurados pela CDFUE não se desliga daquele que é operado pelo Tribunal de Justiça. No fundo, ainda que o parâmetro de validade das normas de direito interno seja encontrado na Constituição, a reflexão constitucional deixa de ter como horizonte exclusivo de referência o quadro nacional, pelo que a multiplicidade de fontes de proteção dos direitos fundamentaisassociada à diversidade de instâncias jurisdicionais de tutela, inseridas em ordenamentos jurídicos distintos e entre os quais não existe uma relação de hierarquiaimplica uma concordância prática entre os parâmetros convocados. Que é assegurada, justamente, pelo cânone da interpretação conforme
».
11.5-A menção à compatibilidade das normas em crise com o disposto no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 20.º do pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade) tem, justamente, o sentido que lhe vem sendo dado pela jurisprudência constitucional. O Presidente da República não requereu ao Tribunal Constitucional que apreciasse a conformidade das normas sindicadas com o direito da União Europeia; diferentemente, frisou a necessidade de o parâmetro constitucional cuja violação é invocada (o direito à tutela jurisdicional efetiva, contido no artigo 20.º da Constituição) ser interpretado em consonância com o direito à proteção jurisdicional consagrado na CDFUEpara o que é especialmente relevante a jurisprudência do TJUE.
Nem poderia ser de outra forma.
Por força do princípio da autonomia, o direito da União Europeia tem os seus próprios expedientes de interpretação, controlo e garantia de aplicação. Dele decorre que é ao TJUE que cabe fixar o sentido a dar às normas de direito da União Europeia e ajuizar se elas se opõem ou não a dada regra nacionalnão tendo o Tribunal Constitucional tal jurisdição.
Por assim ser, a apreciação da constitucionalidade das normas dos n.os 2 e 3 do artigo 87.º-B (aditados pelo artigo 3.º do Decreto sob fiscalização) por referência ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da Constituição) tem necessariamente em conta, face à sujeição das normas fiscalizadas ao âmbito de aplicação da CDFUE, o sentido dado pelo Tribunal de Justiça ao direito fundamental contido no artigo 47.º da CDFUE.
C. Normas a apreciar e respetivo enquadramento 12-As normas que integram o objeto do pedido emergem das alterações à Lei 23/2007, que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, introduzidas pelo Decreto 6/XVII da Assembleia da República, que altera ainda o Decreto Lei 37-A/2024, de 3 de junho, que alterou a Lei 23/2007, de 4 de julho, procedendo à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse.
Como decorre da Exposição de Motivos constante da Proposta de Lei 3/XVII/1, que esteve na génese do referido Decreto, tais alterações partem da constatação de que, como dado a conhecer na sequência da criação da Estrutura de Missão para a Recuperação dos Processos Pendentes na AIMA (Estrutura de Missão) através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 87/2024, de 10 de julho, alterada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 99-A/2025, de 29 de maio, o número de cidadãos estrangeiros em Portugal ascendia, no final do ano de 2024, pelo menos a 1.546.521, o que representa uma quase quadruplicação relativamente a 2017, ano da criação da manifestação de interesse. Neste contexto, pretende-se, com as alterações à Lei 23/2007, reformar os mecanismos legais à disposição dos cidadãos estrangeiros para imigrarem para Portugal, adaptando a legislação às necessidades do país e à sua capacidade de acolhimento, tendo em vista o reforço do combate das rotas de imigração ilegal e a melhoria dos canais de imigração legal, em linha com a necessidade de captação de talento e capital humano altamente qualificado.
Inscrevendo-se na referida linha programática, as normas que integram o presente pedido prendem-se com alterações introduzidas na Lei 23/2007 em dois planos distintos:
direito ao reagrupamento familiar (n.os 1, 2 e 3 do artigo 98.º, alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 101.º e n.º 1 do artigo 105.º) e tutela jurisdicional (artigo 87.º-B) dos cidadãos estrangeiros residentes em território nacional.
13-As alterações introduzidas em matéria de reagrupamento familiar dizem respeito aos pressupostos do próprio direito, que são redefinidos, às condições do seu exercício e ao prazo de decisão dos pedidos apresentados.
13.1-Na atual redação do artigo 98.º da Lei 23/2007, o cidadão com autorização de residência válida que resida legalmente em território nacional tem direito ao reagrupamento familiar:
(i) com os membros da família que se encontrem fora do território nacional, que com ele tenham vivido noutro país, que dele dependam ou que com ele coabitem, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente (n.º 1); e (ii) com os membros da família que tenham entrado legalmente em território nacional, que com ele tenham vivido noutro país, que dependam ou com ele coabitem, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do titular da autorização de residência (n.º 2).
Com a nova redação do artigo 98.º passam a distinguir-se três situações.
O cidadão com autorização de residência válida e que resida legalmente em território nacional tem direito ao reagrupamento familiar:
(i) com os membros da família, menores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, e que com ele coabitem e dele dependam (n.º 1);
(ii) com os membros da família, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, e que com ele coabitem e dele dependam, se o cidadão for titular de uma autorização de residência para atividade de docência, altamente qualificada ou cultural (artigos 90.º) ou para atividade de investimento (artigo 90.º-A) ou for beneficiário do
cartão azul UE
»(artigo 121.º-A);
(iii) com os membros da família que se encontrem fora do território nacional, nos termos do artigo 99.º, que comprovadamente com ele tenham vivido noutro Estado ou que dele dependam, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente, se o cidadão com autorização de residência válida residir, há pelo menos 2 anos, legalmente em território nacional.
Tal como estabelece o artigo 98.º vigente (n.º 3), o refugiado, reconhecido nos termos da lei que regula o asilo, continua a ter direito ao reagrupamento familiar com os membros da sua família que se encontrem no território nacional ou fora dele, sem prejuízo das disposições legais que reconheçam o estatuto de refugiado aos familiares (n.º 4 do artigo 98.º, na versão decorrente das alterações introduzidas pelo Decreto).
A nova redação do artigo 98.º não prevê expressamente em que condições o cidadão com autorização de residência válida que resida legalmente em território nacional tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da família, maiores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e aqui se encontrem, e que com ele coabitem ou dele dependam. No artigo 12.º do pedido, o Requerente parece interpretar esta omissão de duas distintas formas, inconciliáveis entre si.
Ao afirmar que o n.º 1 do artigo 98.º
restringe o recurso ao reagrupamento familiar aos “membros da família, menores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem”, impossibilitando o reagrupamento de outros membros da família que já se encontrem em território nacional, designadamente os cônjuges e equiparados, uma vez que para estes surge, agora, um período de espera de dois anos de residência legal para que o titular da autorização de residência possa iniciar o pedido (cf. redação para o n.º 3 do artigo 98.º ora proposta) (sublinhado aditado), o Requerente assume que a reconfiguração do direito ao reagrupamento familiar levada a cabo no artigo 98.º tem como efeito que o cidadão com autorização de residência válida que resida legalmente em território nacional mantém o direito ao reagrupamento familiar com os membros da família maiores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, mas agora apenas nas condições estabelecidas no n.º 3, isto é, desde que
resida, há pelo menos 2 anos, legalmente em território nacional
».
Porém, ao afirmar que o n.º 3 do artigo 98.º impõe
uma espera de dois anos após a atribuição de título de residência
» para o titular da autorizaçãopoder agrupar outros membros da família que comprovadamente com ele tenham vivido noutro Estado ou que dele dependam [...] sendo apenas possível reagrupar os familiares caso se encontrem fora do território nacional
»(sublinhado aditado), o Requerente parece assumir que o Decreto, ao mesmo tempo que redefiniu as condições para que possa haver lugar ao reagrupamento familiar com os membros da família, menores e maiores de idade, que se encontrem fora do território nacional, eliminou o direito ao reagrupamento familiar com os membros da família maiores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem.
Ora, tendo em conta que a lei deve ser interpretada partindo do princípio de que
o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados
»-conforme dispõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil-, só a primeira interpretação pode ser razoavelmente sustentada. Com efeito, não sendo plausível admitir que o legislador, ao mesmo tempo que regulou o direito ao reagrupamento com os membros da família maiores de idade que se encontrem fora do território nacional, tivesse pretendido excluir o direito ao reagrupamento com os membros da família maiores de idade que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, este direito não pode deixar de extrair-se, a fortiori, do n.º 3 do artigo 98.º, com apoio num argumento de maioria de razão. Nesta hipótese-a primeira das seguidas pelo Recorrente-, o direito ao reagrupamento com os membros da família maiores de idade que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem ficará subordinado aos pressupostos estabelecidos para o direito ao reagrupamento familiar com os membros da família maiores de idade que se encontrem fora do território nacional, o que significa que o cidadão com autorização de residência válida que resida legalmente em território nacional só terá direito ao reagrupamento familiar com os membros da família, maiores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e aqui se encontrem, e que com ele coabitem ou que dele dependam, se residir, há pelo menos 2 anos, legalmente em território nacional, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente.
13.2-A segunda alteração ao regime do reagrupamento familiar respeita às condições do exercício do direito.
O atual n.º 1 do artigo 101.º estabelece, como condição para o exercício do direito ao reagrupamento familiar, que o requerente disponha de:
(i) alojamento; e (ii) meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º-isto é, a Portaria 1563/2007, de 11 de dezembro, que fixa os meios de subsistência de que devem dispor os cidadãos estrangeiros para a entrada e permanência em território nacional, designadamente para a concessão de vistos e prorrogação de permanência e concessão e renovação de títulos de residência. De acordo com o artigo 9.º da referida Portaria, o cidadão estrangeiro que requeira o reagrupamento familiar deve dispor, no seu agregado familiar, de
recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para as necessidades essenciais do cidadão estrangeiro e, quando seja o caso, da sua família, designadamente para alimentação, alojamento e cuidados de saúde e higiene
»(artigo 2.º, n.º 1) assegurados por período não inferior a 12 meses. O critério de determinação dos meios de subsistência-e da sua suficiência-é efetuado por referência à retribuição mínima mensal garantida nos termos do n.º 1 do artigo 266.º do Código do Trabalho, de acordo com a fórmula de capitação estabelecida no n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 1563/2007.
Com a nova redação conferida ao artigo 101.º tais condições são alteradas. Assim, o cidadão estrangeiro que requeira o reagrupamento familiar passará a ter de dispor de:
(i) alojamento, comprovadamente próprio ou arrendado, considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade, tal como definido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações e da habitação (alínea a) do n.º 1); e (ii) meios de subsistência suficientes para sustentar todos os membros do agrupamento familiar, sem recurso a apoios sociais, tal como definido por portaria aprovada pelos membros do Governo com competência pelas áreas das migrações e da segurança social (alínea b) do n.º 1). Ademais, tanto o requerente como os respetivos familiares devem cumprir medidas de integração, designadamente relativas à aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais portugueses, bem como da frequência do ensino obrigatório no caso de menores, conforme regulado em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações, da educação e do trabalho (n.º 3).
13.3-A terceira alteração, que decorre da nova redação conferida ao n.º 1 do artigo 105.º, diz respeito ao prazo de que dispõe a AIMA, I. P. para decidir o pedido de reagrupamento familiar. Esse prazo, atualmente fixado em três meses, prorrogável por mais três em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido, é elevado para nove meses, mantendo-se prorrogável por igual período em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido. A par disso, é revogado o atual n.º 3 do artigo 105.º que determina que a ausência de decisão no prazo de seis meses corresponde a deferimento tácito do pedido. Tal norma não é substituída por nenhuma outra com o mesmo conteúdo, por referência ao novo prazo fixado no n.º 1.
13.4-A par da modificação do regime do reagrupamento familiar, o Decreto adita à Lei 23/2007 o que passará a ser o seu artigo 87.º-B, onde se estabelece um regime especial no que diz respeito à tutela jurisdicional no âmbito do contencioso relativo à residência em território nacional.
O referido artigo insere-se sistematicamente na secção que contém as disposições comuns aplicáveis à residência em território nacional, o que revela a sua vocação para uma aplicação de largo espectro. Trata-se, assim, de um regime especial que se estende ao contencioso relativo aos pedidos de concessão, renovação e cancelamento de autorizações de residência temporárias e permanentesabrangendo, desta forma, os pedidos de reagrupamento familiar-, aos pedidos de concessão da autorização de residência CPLP, bem como aos direitos reconhecidos aos titulares de autorização de residência e aos deveres de comunicação que sobre estes impendem perante a AIMA, I. P.
De acordo com o regime constante do referido artigo 87.º-B, as ações judiciais relativas às decisões ou omissões da AIMA, I. P. revestem a forma de ação administrativa, nos termos do artigo 37.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (
CPTA
»), sem prejuízo do recurso à tutela cautelar, nos termos gerais (n.º 1), o mesmo é dizer, da faculdade de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão (artigo 2.º, n.º 2, do CPTA), em processo a que a lei atribui natureza urgente (artigo 36.º, n.º 1, alínea f), do CPTA).
Porém, o recurso à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias só será admissível quando, para além dos pressupostos referidos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, a atuação ou omissão da AIMA, I. P. comprometa, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades e garantias pessoais, cuja tutela não possa ser eficazmente assegurada através dos meios cautelares disponíveis (n.º 2). Trata-se de uma restrição, no domínio do contencioso relacionado com a autorizações de residência, da possibilidade de recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, que, em geral, pode ser requerida
quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar
»(artigo 109.º, n.º 1, do CPTA).
Para além disso, nas situações em que se verifiquem os pressupostos de admissibilidade do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, a decisão a adotar pelo juiz no processo deverá ponderar, em caso de ausência atempada de atuação da AIMA, I. P. e se requerido, o número de procedimentos administrativos que correm junto daquela entidade, em face de eventuais pressões anormais de pedidos e solicitações, os meios humanos, administrativos e financeiros disponíveis, que é razoável esperar, bem como ter em conta as consequências que possam resultar da intimação para o tratamento equitativo de todos os requerimentos dirigidos à AIMA, I. P. (n.º 3).
D. Considerações de ordem geral
a) A proteção dos estrangeiros segundo a Constituição 14-O n.º 1 do artigo 15.º da Constituição consagra o chamado princípio da equiparação. Dele decorre que os estrangeiros e apátridas (em sentido amplo, estrangeiros) que residam ou se encontrem em Portugal gozam, em regra, dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que os cidadãos portugueses.
A equiparação dos estrangeiros e apátridas aos cidadãos nacionais no que se refere aos direitos de que estes gozam e aos deveres a que se encontram sujeitos subentende que aqueles se encontrem em Portugal ou residam no nosso país. Este requisito tem vindo a ser densificado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que tem sublinhado a necessidade de uma ligação efetiva ao território e à comunidade portuguesa, para que possa operar o tratamento equiparado. Nesse sentido, o Acórdão 365/2000 esclarece que,
para se obter o tratamento nacional de que falam Gomes Canotilho e Vital MoreiraConstituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pág. 134-isto é, “um tratamento pelo menos tão favorável como o concedido ao cidadão do país, designadamente no que respeita a um certo número de direitos fundamentais”, se exige uma ligação, que não seja meramente esporádica ou fortuita, com o território e a comunidade nacionais
».
O
tratamento nacional
» dos estrangeiros que decorre do princípio da equiparação releva do caráter universalista da tutela dos direitos fundamentais assegurada pela ordem jurídicoconstitucional, assentandona dignidade do homem, como sujeito moral e sujeito de direitos, como “cidadão do mundo”
»(Acórdão 962/96). Com efeito, ao definir Portugal como um Estado de direito democrático, fundado na dignidade da pessoa humana (artigo 1.º), a Constituição vincula a ordem jurídica nacional ao reconhecimento de direitos de modo universal no respeito pelo princípio da igualdade. É nesse sentido que os artigos 12.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, da Constituição, estabelecem que todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres constitucionais, que têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. A dignidade da pessoa humana assume-se, assim, como valor fundamental e estruturante do Estado, funcionando como critério de aferição e fundamento de reconhecimento de direitos fundamentais. A titularidade desses direitos funda-se, por isso, no valor universal da pessoa humana, o que explica que outros fatorescomo ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, condição económica, situação social ou orientação sexual-sejam considerados irrelevantes na definição do estatuto jurídico dos estrangeiros. Esses fatores são, aliás, explicitamente rejeitados como fundamentos de discriminação pelo artigo 13.º, n.º 2, da Constituição.
No que respeita à definição do âmbito objetivo da equiparação consagrada no artigo 15.º da Constituição, tanto a jurisprudência como a doutrina vêm perfilhando, como assinalado no Acórdão 96/2013, uma interpretação ampla deste princípio. Segundo esta visão, os direitos abrangidos pelo n.º 1 do artigo 15.º da Constituição
não serão apenas os direitos fundamentais, os direitos, liberdades e garantias ou os direitos constitucionalmente garantidos, mas também os direitos consignados aos cidadãos portugueses na lei ordinária (cf. os Acórdãos n.os 423/2001 e 72/2002; não serão apenas os direitos fundamentais, os direitos, liberdades e garantias ou os direitos constitucionalmente garantidos, mas também os direitos consignados aos cidadãos portugueses na lei ordinária (cf. os Acórdãos n.os 423/2001 e 72/2002; e Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., anot. III ao artigo 15.º, p. 357; não serão apenas os direitos fundamentais, os direitos, liberdades e garantias ou os direitos constitucionalmente garantidos, mas também os direitos consignados aos cidadãos portugueses na lei ordinária (cf. os Acórdãos n.os 423/2001 e 72/2002; não serão apenas os direitos fundamentais, os direitos, liberdades e garantias ou os direitos constitucionalmente garantidos, mas também os direitos consignados aos cidadãos portugueses na lei ordinária (cf. os Acórdãos n.os 423/2001 e 72/2002; e Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., anot. III ao artigo 15.º, p. 357;
Jorge Pereira da Silva, ob. cit., anot. I ao artigo 15.º, p. 263;
Mário Torres, Prefácio a Direitos dos Estrangeiros, de Ana Vargas e Joaquim Ruas, Lisboa, 1995, p. 17; e Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª ed., 2012, pp. 127 a 129). Tal compreensão, para além de consonante com o resultado de uma interpretação histórica, sistemática e literalmente conformada do n.º 1 do artigo 15.º da Constituição, é justificada pelo caráter universalista da tutela dos direitos fundamentais num Estado de Direito Democrático baseado na dignidade da pessoa humana (cf. o citado Acórdão 423/2001), sendo considerada, por isso, inerente ao texto constitucional (cf. o Acórdão 345/2002) Mário Torres, Prefácio a Direitos dos Estrangeiros, de Ana Vargas e Joaquim Ruas, Lisboa, 1995, p. 17; e Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª ed., 2012, pp. 127 a 129). Tal compreensão, para além de consonante com o resultado de uma interpretação histórica, sistemática e literalmente conformada do n.º 1 do artigo 15.º da Constituição, é justificada pelo caráter universalista da tutela dos direitos fundamentais num Estado de Direito Democrático baseado na dignidade da pessoa humana (cf. o citado Acórdão 423/2001), sendo considerada, por isso, inerente ao texto constitucional (cf. o Acórdão 345/2002)
»(Acórdão 96/2013). Assim, para além dos direitos enumerados nos artigos 24.º a 47.º da Constituição, como sejam o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º) e o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade (artigo 36.º, n.º 1, da Constituição), os estrangeiros que se encontrem em Portugal ou residam no nosso país beneficiam, prima facie, em condições semelhantes às dos cidadãos portugueses, da proteção concedida pelos direitos sociais, designadamente pelo direito da família à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (artigo 67.º, n.º 1), pelo direito dos pais e das mães à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (artigo 68.º, n.º 1), pelo direito das crianças à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão (artigo 69.º, n.º 1) e pelo direito das pessoas portadoras de deficiência física ou mental à sua proteção pelo Estado (artigo 71.º, n.º 2).
15-O princípio da equipação não é, no entanto, absoluto.
Para além das exceções previstas na própria Constituição, que se fundam essencialmente na circunstância de a relação entre o estrangeiro e a comunidade política portuguesa ser naturalmente mais ténue, a Lei Fundamental autoriza o legislador a estabelecer outras (artigo 15.º, n.º 2). Todavia, para além de não poderem limitar o princípio da equipação
ao ponto de desvirtuar o estatuto dos estrangeiros constitucionalmente fixado
»(Acórdão 962/1996), tais exceções encontram-se, elas próprias, sujeitas a diversos parâmetros condicionadores, em particular aos que decorrem do princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), cujas exigências devem ser observadas pelas leis que, no todo ou em parte, excluam da titularidade de determinados direitos os estrangeiros e apátridas presentes ou residentes em Portugal (cf. o Acórdão 345/2002). Daqui decorre, como se disse no Acórdão 96/2013, que
qualquer restrição legal do princípio da equiparação só será constitucionalmente legítima se for exigida pela salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, e se se limitar ao necessário para assegurar tal salvaguarda. Nesta perspetiva, a medida restritiva deverá subordinar-se ao princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade em sentido amplo, com as suas três dimensões-necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito (cf. o Acórdão 340/95) −, daqui resultando que, quanto aos direitos que a Constituição consente que possam ser colocados pelo legislador ordinário sob reserva da nacionalidade, tal reserva não poderá ser desnecessária, arbitrária ou desproporcionada, sob pena de esvaziamento e inutilização do próprio princípio da equiparação consagrado no n.º 1 do artigo 15.º (cf. os Acórdãos n.os 54/87, 423/2001, 72/2002 e 345/2002)
».
16-No domínio das medidas de política migratória que atinjam cidadãos estrangeiros que residam legalmente em Portugal, o controlo a exercer pelo Tribunal Constitucional quando se trate de aferir da conformidade das restrições legais ao princípio da equiparação com as exigências decorrentes do princípio da proibição do excesso deverá revestir uma intensidade particularmente elevada. A razão é facilmente explicável. Por força, desde logo, da ressalva contida no n.º 2 do artigo 15.º da Constituição, que reserva os direitos políticos aos cidadãos nacionais, os cidadãos estrangeiros residentes em território nacional não gozam de capacidade eleitoral ativa nas eleições para a Assembleia da República (Lei 14/79, artigos 1.º e 3.º), encontrando-se igualmente excluídos do universo de eleitores do Presidente da República (Decreto-Lei 319-A/76, de 3 de maio, com alterações subsequentes, artigo 1.º). Nessa medida, não dispõem da faculdade de contribuir para a formação da vontade política da comunidade, nem de influenciar ou conformar por essa via as opções políticas dos órgãos do Estado. Daí que o dever de autocontenção do Tribunalsimétrico da deferência devida ao legislador democráticodeva conhecer neste domínio uma compressão assinalável. Neste quadro, o Tribunal Constitucional afirma-se como o garante principal dos direitos fundamentais dos cidadãos estrangeiros residentes em território nacional, incumbindolhe assegurar que a quebra do princípio do tratamento igual observa os parâmetros constitucionais e não se traduz em limitações desproporcionadas ou arbitrárias. Tal papel de garante aponta para uma intensificação do escrutínio, justificando, designadamente, a mobilização plena dos subprincípios integrantes do princípio da proporcionalidadeadequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estritoenquanto critérios de aferição da legitimidade das restrições impostas.
b) A proteção dos estrangeiros segundo a Convenção Europeia dos Direitos Humanos 17-Para além do estatuto que lhes é assegurado pelo princípio da equiparação, os cidadãos estrangeiros que residam ou se encontrem em Portugal beneficiam ainda da proteção concedida por instrumentos de direito internacional, desde logo pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos (
CEDH
»).
Logo no artigo 1.º, a Convenção estabelece que os direitos e liberdades consagrados nos respetivos artigos 2.º a 18.º são direitos reconhecidos a todas as pessoas que se encontrem sob jurisdição dos Estados Contratantes, pelo que o respetivo gozo deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação. É o que decorre do princípio da proibição da discriminação constante do artigo 14.º da CEDH, cujo âmbito foi estendido ao
gozo de todo e qualquer direito previsto na lei
» pelo artigo 1.º do Protocolo 12.º Os direitos consagrados no Título I da Convenção, onde se inclui o direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo 8.º), constituem, portanto, direitos de todas as pessoas humanas, o que significa que o seu gozo não pode ser objeto de tratamento discriminatório pelos Estados. Daí não se segue, contudo, que a CEDH imponha um tratamento absolutamente igualitário entre nacionais e estrangeiros. Tal como interpretada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH
»), a proibição da discriminação não obsta ao estabelecimento de diferenciações, nomeadamente em razão da nacionalidade, desde que essa diferenciação assente numa justificação objetiva e razoávelisto é, prossiga uma finalidade legítima-e constitua um meio proporcional ao objetivo a atingir. Nessa medida, os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para avaliar se e em que medida as diferenças em situações semelhantes justificam um tratamento diferente, sem prejuízo de a amplitude dessa margem variar de acordo com as circunstâncias, o assunto e o seu contexto (Andrejeva v. Latvia, 18 de fevereiro de 2009, § 81, 82).
18-A amplitude da margem de apreciação conferida aos Estados Contratantes no que diz respeito à conformação do direito à vida privada e familiar de cidadãos estrangeiros foi já por diversas vezes apreciada pelo TEDH a propósito da compatibilidade com o artigo 8.º da CEDH de certos regimes de direito interno relativos ao reagrupamento familiar. Baseando a sua resposta numa ponderação entre o peso daquele direito e os interesses legítimos dos Estados no controlo da imigração e a segurança nacional, o TEDH parte da ideia de que o direito consagrado no artigo 8.º da CEDH tem uma dimensão essencialmente negativa, protegendo fundamentalmente os indivíduos contra ingerências arbitrárias do Estado nas famílias constituídas. Porém, não deixa de considerar que dele podem derivar obrigações positivas para os Estados em ordem a assegurar que o direito à vida familiar é garantido efetivamente (Marckx v. Bélgica, de 13 de junho de 1979, § 31).
Nessa medida, no domínio da proteção da vida familiar, a jurisprudência do TEDH tem vindo a reconhecer não apenas o direito a permanecer no território de acolhimento, com vista a evitar a separação familiar, mas também, embora com menor intensidade, o direito a entrar nesse território para permitir a reunião familiar. Com efeito, o Tribunal tem afirmado que a proteção conferida pelo artigo 8.º da CEDH é particularmente robusta quando está em causa a preservação de uma vida familiar já estabelecida no Estado de acolhimento, sendo significativamente mais limitada quando se trata da simples intenção de constituir essa vida familiar ou de escolher o local para a sua instalação (Jeunesse c. Países Baixos, de 3 de outubro de 2014, §§ 107 e 108).
Assim, se estiver em causa o direito dos familiares a permanecerem no território do Estado Contraente, a medida de expulsão apenas será legítima se observar os requisitos estabelecidos no n.º 2 do artigo 8.º, o que pressupõe, segundo o TEDH, que a ingerência se encontre prevista na lei, prossiga uma finalidade legítima e seja considerada necessária numa sociedade democrática. Entre os aspetos a ter em conta nessa ponderação, tal como sistematizados na decisão do caso Boultif c. Suiça (2 de agosto de 2001, § 48) e desenvolvidos na subsequente jurisprudência do Tribunal, figuram, como elementos destinados a determinar o peso do direito à proteção da vida familiar:
(i) a situação pessoal e familiar do requerente, nomeadamente o seu grau de ligação ao país de acolhimento, a duração dessa permanência, a frequência do sistema de ensino e a atividade profissional aí desenvolvida;
(ii) a importância dos laços familiares em causa, designadamente a duração da relação conjugal quando esteja em causa a expulsão do cônjuge ou unido de facto do estrangeiro residente; e (iii) a existência de filhos menores nascidos no Estado de acolhimento e aí residentes, bem como a idade dos mesmos. No polo contraposto, releva a razão de ser da expulsão, sendo certo que se esta for determinada apenas pela irregularidade da presença no território-e não por motivos relacionados com preservação da segurança e a ordem pública, nomeadamente em razão da prática de crime graveos interesses estaduais terão um peso menor (Alim c. Rússia, 27 de setembro de 2011, § 96) (para uma análise deste e dos demais critérios seguidos pelo TEDH, v. Ana Rita Gil, Imigração e Direitos Humanos, 2.ª edição revista e ampliada, p. 398 a 404).
Já se estiver em causa o direito à proteção da vida familiar através da reunificação da família, que se realiza mediante a permissão de entrada e permanência dos familiares do estrangeiro residente, o TEDH reconhece uma maior margem apreciação aos Estados Contratantes (Abdulaziz, Cabales e Balkandali c. Reino Unido, de 28 de maio de 1985, § 67), quer quanto à existência da obrigação, quer quanto ao seu âmbito e pressupostos. Neste caso, saber se ocorreu uma violação do artigo 8.º, n.º 1, da CEDH, dependerá de um juízo de proporcionalidade fundado nas circunstâncias de cada caso concreto, dando o TEDH um peso especial ao interesse superior da criança em matéria de reunificação familiar ao reconhecer, através do subsídio interpretativo retirado na Convenção dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, que a presença de filhos menores exige uma ponderação mais favorável (Sen c. Países Baixos, de 21 de dezembro de 2001, § 40).
c) A proteção dos estrangeiros segundo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia 19-Os estrangeiros residentes em Portugal oriundos de países fora do território da União Europeia beneficiam igualmente da proteção concedida pela CDFUE.
Em termos não muito divergentes daqueles que decorrem do artigo 15.º da Constituição, a Carta reserva aos cidadãos da União Europeia a titularidade dos direitos relativos à cidadania (artigos 39.º a 46.º), tornando os demais dependentes apenas da condição de pessoa, com exceção daqueles que são reconhecidos somente aos que residam e se desloquem legalmente no interior da União, como o direito às prestações de segurança social e às regalias sociais (artigo 34.º, n.º 2). Em virtude do princípio da universalidade subjacente à consagração da generalidade dos direitos reconhecidos na Carta, todas as pessoas têm
direito ao respeito pela sua vida [...] familiar (artigo 7.º), o
direito de contrair casamento e o direito de constituir família
»(artigo 9.º), assistindo a todas as crianças, em condições de igualdade,
o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores, exceto se isso for contrário aos seus interesses
»(artigo 24.º, n.º 3), o que releva também da proteção da família nos planos jurídico, económico e social, que deve ser assegurada (artigo 33.º).
Justamente em ordem a proteger a unidade familiar e facilitar a integração dos cidadãos de países não pertencentes à União Europeia, a Diretiva 2003/86/CE do Conselho de 22 de setembro de 2003, veio consagrar um conjunto de medidas relativas ao agrupamento familiar para serem ser adotadas pelos EstadosMembros de acordo com a sua obrigação de proteção da família e de respeito pela vida familiar consagrada em numerosos instrumentos de direito internacional, mormente no artigo 8.º da CEDH e na própria CDFUE (Considerando 2). O artigo 8.º da CEDH, tal como interpretado pelo TEDH, é, aliás, encarado pelo TJUE como um instrumento de proteção do direito ao respeito pela vida familiar de todos os cidadãos sujeitos à aplicação de normas do Direito da União, recordando aquele Tribunal que o
direito ao respeito pela vida familiar, na aceção do artigo 8.º da CEDH, faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, são protegidos na ordem jurídica comunitária (acórdãos, já referidos, Carpenter, n.º 41, e Akrich, n.os 58 e 59)
». No que diz respeito aos cidadãos oriundos de países terceiros que residam num EstadoMembro, o TJUE considera, em linha com a jurisprudência do TEDH, que o
direito a viver com os familiares chegados cria obrigações para os EstadosMembros, que podem ser negativas, quando são obrigados a não expulsar uma pessoa, ou positivas, quando são obrigados a permitir que uma pessoa entre e resida no seu território
»(Acórdão do TJUE, de 27 de junho de 2006, no processo Parlamento c. Conselho, C-540/03, EU:
C:
2006:
429, § 52).
20-Para além disso, todas as pessoas que se encontrem em território da União cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados têm direito a uma ação perante um tribunal, assim como a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, sendo concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efetividade do acesso à justiça (artigo 47.º da CDFUE).
Segundo jurisprudência constante do TJUE,
o reconhecimento, num determinado caso, do direito à ação previsto no artigo 47.º da Carta pressupõe que a pessoa que o invoca se baseie em direitos ou liberdades garantidos pelo direito da União
»(Krasiliva, acórdão de 27 de fevereiro de 2025, processo C-753/23, § 35), devendo considerar-se que ocorre a violação daquele direito quando não há um meio de recurso previsto na legislação nacional. As modalidades dessa via de recurso são, no entanto, como o TJUE repetidamente afirma, da competência dos legisladores nacionais, de acordo com o princípio de autonomia processual e institucional dos EstadosMembros fixado desde o caso MolkereiZentrale Westfalen/Lippe GmbH v. Hauptzollamt Paderborn (acórdão de 03 de abril de 1968, processo 28/67). Esta ideia foi particularmente desenvolvida no acórdão de 13 de dezembro de 2017 (processo C-403/16, Soufiane El Hassani) relacionado com a concessão de vistos de entrada em território da União, tendo o TJUE afirmado que o artigo 47.º da Carta
impõe aos EstadosMembros a obrigação de prever um processo de recurso contra as decisões de recusa de vistos, cujas modalidades são definidas pela ordem jurídica de cada EstadoMembro no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade
»(§ 42). Assim, as normas processuais internas a criar pelos EstadosMembros não podem ser formuladas de modo tal que possa tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício por cidadãos estrangeiros dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (R.N.N.S. e K.A, processos C-225/19 e C-226/19, § 49).
d) A proteção dos estrangeiros segundo outros instrumentos de direito internacional e regional 21-Para além da tutela conferida pela CEDH e pela CDFUE, os cidadãos residentes em Portugal oriundos de países fora do território da União contam ainda com a proteção dispensada por outros instrumentos de direito internacional e regional, cabendo aqui nomear, por terem sido invocados pelo Requerente como standards do nível da proteção devida às crianças filhas de cidadãos estrangeiros visados pelas normas alteradas pelo Decreto, a Convenção sobre os Direitos da Criança, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, a Carta Social Europeia Revista do Conselho da Europa e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
A eles se regressará mais à frente.
E. Das normas objeto do pedido E.1. As normas relativas ao direito ao reagrupamento familiar 22-A redefinição dos pressupostos do direito ao reagrupamento familiar do cidadão com autorização de residência válida que resida legalmente em território nacional decorre das alterações introduzidas nos n.os 1 a 3 do artigo 98.º da Lei 23/2007.
No confronto com a solução que deriva do artigo 98.º vigente, constata-se que as alterações preconizadas no Decreto visam restringir as possibilidades de reagrupamento familiar. Continua a ser reconhecido um direito ao reagrupamento familiar por parte do cidadão com autorização de residência válida e ao refugiado. O novo regime constante do Decreto afeta apenas o primeiro.
Atualmente, o cidadão estrangeiro com autorização de residência válida tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da família que se encontrem fora do território nacional, que com ele tenham vivido noutro país, que dele dependam ou que com ele coabitem, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente (artigo 98.º, n.º 1); nessas circunstâncias, é-lhe igualmente reconhecido o direito ao reagrupamento familiar com os membros da família que tenham entrado legalmente em território nacional e que dele dependam ou com ele coabitem (artigo 98.º, n.º 2).
Com a nova redação do artigo 98.º tal regime é substancialmente modificado.
Apesar de a articulação entre os n.os 1, 2 e 3 do artigo 98.º não ser particularmente clara, parece resultar dessa conjugação que a nova regulação do direito ao reagrupamento familiar se estrutura na previsão de um regime geral, acompanhado de duas exceções.
O regime geral aplicável encontra-se estabelecido no n.º 3 do artigo 98.º De acordo com esse regime, e ao contrário do que sucede atualmente, o cidadão titular de autorização de residência válida apenas terá direito ao reagrupamento familiar com os membros da família contemplados no elenco que consta dos artigos 99.º e 100.º da Lei 23/2007, quer estes se encontrem dentro ou fora do território nacional, se residir legalmente em Portugal há, pelo menos, 2 anos. Assim será relativamente o cônjuge ou unido de facto (artigos 99.º, n.º 1, alínea a), e 100.º, n.º 1), aos filhos maiores incapazes a cargo do casal ou de um dos cônjuges ou unido de facto (artigo 99.º, n.º 1, alínea b)), aos filhos maiores a cargo do casal ou de um dos cônjuges ou unido de facto que sejam solteiros e se encontrem a estudar num estabelecimento de ensino em Portugal, e aos ascendentes na linha reta e em 1.º grau do residente ou do seu cônjuge ou unido de facto, desde que se encontrem a seu cargo (artigo 99.º, n.º 1, alíneas d) e f)).
Este regime geral conhece duas exceções.
A primeira exceção, prevista no n.º 1, diz respeito aos membros da família menores de idade. De acordo com o n.º 1 do artigo 98.º, o cidadão com autorização de residência válida e que resida legalmente em território nacional tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da família menores de idade, independentemente de residir legalmente em Portugal há mais ou menos de 2 anos. Esta exceção abrange quer os membros da família menores de idade que tenham entrado legalmente em território nacional e aqui se encontrem, que coabitem com o titular da autorização de residência válida e dele dependam, quer os membros da família menores de idade que permaneçam fora de território nacional.
A segunda exceção, prevista no n.º 2 do artigo 98.º, dirige-se aos cidadãos estrangeiros que sejam titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A e 121.º-A da Lei 23/2007, ou seja:
(i) àqueles a quem foi concedida autorização de residência para efeito de exercício de uma atividade docente em instituição de ensino superior ou estabelecimento de ensino ou de formação profissional, de atividade altamente qualificada ou de atividade cultural (artigo 90.º);
(ii) àqueles a quem foi concedida autorização de residência para efeito de exercício de uma atividade de investimento (artigo 90.º-A); e (iii) aos beneficiários do
cartão azul UE
», que habilita o seu titular a residir e a exercer, em território nacional, uma atividade altamente qualificada (artigo 121.º-A). De acordo com o n.º 2 do artigo 98.º, os cidadãos titulares de qualquer uma destas autorizações de residência têm direito ao reagrupamento familiar com os membros da família maiores de idade que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, e que com ele coabitem e dele dependam, bem como com os membros da família maiores de idade que permaneçam fora de território nacional, independentemente de residirem legalmente em Portugal há mais ou menos de 2 anos.
23-O problema de constitucionalidade suscitado no pedido no que respeita ao novo regime do reagrupamento familiar pode sintetizar-se do seguinte modo. Face às alterações constantes do Decreto, o cidadão com autorização de residência válida e que vive legalmente em território português tem direito ao reagrupamento familiar com os filhos menores de idade que tenham entrado legalmente em território nacional, que aqui se encontrem e que com ele coabitem e dele dependam. Mas, quanto a outros membros da família que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontremna aceção dos artigos 99.º e 100.º da Lei 23/2007, o cônjuge ou unido de facto, os filhos maiores incapazes, os filhos maiores que se encontrem a estudar num estabelecimento de ensino em Portugal, assim como os ascendentes na linha reta e em 1.º grau do residente ou do seu cônjugeesse direito apenas existe decorridos que sejam dois anos de residência válida e legal em Portugal. Por outro lado, quanto a todos os membros da família que residam no estrangeiro, com exceção apenas dos menores de idade, o direito ao reagrupamento familiar apenas existe decorridos os referidos dois anos. Só assim não será em relação aos titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A e 121.º-A da Lei 23/2007, que mantêm o direito ao reagrupamento familiar com qualquer dos membros da família enumerados nos artigos 99.º e 100.º da mesma Lei, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, que com ele coabitem e dele dependam, ou se encontrem fora do território nacional.
24-As alterações introduzidas pelo Decreto implicam, como salienta o Requerente, uma restrição ao direito de reagrupamento familiar face ao regime atualmente em vigor. Esta restrição pode, no caso do n.º 1 do artigo 98.º, resultar na separação da família, designadamente de filhos menores do cidadão titular de residência válida relativamente ao seu outro progenitor, sempre que este, na impossibilidade de exercício do direito ao reagrupamento familiar, se veja forçado a abandonar o território nacional, designadamente por não cumprir os requisitos da alínea k) do n.º 1 do artigo 122.º da Lei 23/2007. Já no caso do n.º 3 do artigo 98.º, as alterações introduzidas pelo Decreto, ao mesmo tempo que impõem uma moratória de dois anos para o reagrupamento familiar com o cônjuge ou unido de facto que tenha entrado legalmente em território nacional e aqui se encontre, cria um obstáculo à reunificação familiar com igual duração mínima de dois anos, prolongando a separação entre o cidadão residente e o cônjuge ou unido de facto que permaneça no país de origem, bem como deste relativamente aos filhos comuns menores de idade que com aquele coabitem em Portugal. O Requerente entende que ambas as soluções restringem
de forma desproporcional [...] o princípio da união familiar, podendo não acautelar o superior interesse da criança, forçada a lidar com separações prolongadas
», em violação dos artigos 2.º, 18.º, n.os 1 e 2, e 36.º da Constituição, importando ainda a primeira um tratamento diferenciando de categorias de migrantes, proibido pelo artigo 13.º da Lei Fundamental.
25-Como assinala o Requerente, o direito ao reagrupamento familiar visa a proteção da unidade familiar, em especial da criança.
Em matéria de proteção da unidade familiar o Tribunal Constitucional dispõe de importante acervo jurisprudencial, que explicita os termos da proteção constitucionalmente devida à família enquanto elemento fundamental da sociedade.
Dessa jurisprudência decorre que a Constituição, ao reconhecer a família como um pilar essencial da sociedade, garantelhe
o direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros
»(artigo 67.º, n.º 1). Neste contexto, a
insubstituível ação [dos pais e das mães] em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação
» deve ser valorizada e protegida, reconhecendo-se quea maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes
»(artigo 68.º, n.os 1 e 2). O desenvolvimento integral das crianças é igualmente objeto de especial proteção, garantindo-se a defesa
contra todas as formas de abandono, discriminação e opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições
». Compete ainda ao Estado assegurar
proteção especial às crianças [...] por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal
»(artigo 69.º, n.os 1 e 2).
Como se observou também no Acórdão 193/2016, a valorização da família e dos laços de convivência entre os seus membros, se assenta, por um lado, numa justificação objetiva, baseada em razões de ordem social, releva, por outro, do reconhecimento da sua importância subjetiva, enquanto condição essencial para o desenvolvimento da personalidade de cada um dos seus membros, sejam pais ou filhos. Por isso, a tutela dos direitos dos membros da família surge como um corolário naturaltanto no que respeita à constituição da família como à sua preservaçãoconforme reconhecido no artigo 36.º da Constituição.
A complementaridade entre as dimensões objetiva e subjetiva da tutela constitucional da família e dos seus membros, reconhecida tanto na jurisprudência constitucional como na doutrina, foi assinalada logo no Acórdão 181/1997 nos termos que se seguem:
À família, considerada na Lei Fundamental como
elemento fundamental da sociedade
», hãode ser facultadas “todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”, seguramente porque se entende depender o harmonioso desenvolvimento do ser humano das relações estabelecidas com a família. Afinal, é aí que o ser humano inicia as suas relações com os outros e desenvolve a sua personalidade, sendo no relacionamento, nomeadamente afetivo, que estabelece com os pais, que desperta a sua consciência individual e coletiva, a sua própria forma de ver o mundo.
A família, sobretudo a família nuclear, contribui, pois, decisivamente para a identificação do próprio indivíduo, sendo aí que ele encontra as suas raízes e os seus primeiros laços afetivos.
Como afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., anotação V ao artigo 67.º, pág. 351):
A proteção da família significa, desde logo e em primeiro lugar, proteção da unidade da família. A manifestação mais relevante desta ideia é o direito à convivência, ou seja, o direito dos membros do agregado familiar a viverem juntos. [...] Incumbindo aos pais primordial e insubstituível papel na tarefa de educação e acompanhamento dos filhos, apenas em casos extremos, de irresponsabilidade ou negligência, se justificará, assim, a respetiva separação ou afastamento.
»26-O artigo 36.º, n.º 1, da Constituição, reconhece a todosincluindo, portanto, os estrangeiros e apátridas que se encontrem em Portugal ou residam no nosso país-,
o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade
». Esse direito, como decorre do que ficou dito, não se esgota no momento da constituição da relação familiar, compreendendo, a par do direito das pessoas a constituírem família, o direito à convivência entre os membros da família, isto é, entre pais e filhos e entre cônjuges. Em ambos os casos, trata-se de posições jurídicas subjetivas constitucionalmente protegidas enquanto direitos, liberdades e garantias.
No que diz respeito à convivência entre pais e filhos, isto é, ao direito fundamental de os pais conviverem com os seus filhos, assim como ao direito fundamental de estes últimos conviverem com os seus pais (Acórdão 193/2016), a tutela conferida pelo artigo 36.º da Constituição é uma tutela qualificada, na medida em que conta ainda com a garantia de que
os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial
» consagrada no n.º 6.Como houve oportunidade de esclarecer logo no Acórdão 181/97:
Esta garantia, que consiste em os filhos não poderem, em princípio, ser separados dos pais, não constitui apenas um direito subjectivo dos próprios pais a não serem separados dos seus filhos, mas também um direito subjectivo dos filhos a não serem separados dos respectivos pais. Eventuais restrições aos mesmos direitos apenas serão possíveis mediante decisão judicial, nos casos especialmente previstos por lei e verificados os pressupostos expressamente previstos na Constituição:
quando se torne necessário salvaguardar os direitos dos menores, por os pais não cumprirem os seus deveres para com eles
».
Esta proteção constitucional dada à família, bem como a concedida à paternidade e à maternidade, nos termos dos artigos 67.º e 68.º da Lei Fundamental, permite compreender a importância de que se reveste, na nossa ordem constitucional, a específica norma de garantia estabelecida pelo artigo 36.º, n.º 6, que reflete, afinal, em sede de direitos, liberdades e garantias, aquela proteção
».
Conforme se observou também no Acórdão 193/2016, este entendimento é corroborado pela doutrina:
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA referem que a garantia de não privação dos filhos (n.º 6) é também um direito subjetivo a favor dos pais. As restrições a esse direito estão sob reserva da lei (pois compete a esta estabelecer os casos em que os filhos poderão ser separados dos pais, quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais) e sob reserva de decisão judicial, quando se trate de separação forçada contra a vontade dos pais (v. Autores cits., Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. VIII ao artigo 36.º, p. 566). JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, depois de delimitarem cuidadosamente o âmbito de proteção do direito em causaapenas
as situações de separação dos filhos dos pais decretada pelos poderes públicos em consequência do incumprimento ou cumprimento defeituoso das responsabilidades parentais
»-, salientam:
Não basta [...] que os pais não cumpram os seus deveres para com os filhos, sendo necessário que esteja em causa o incumprimento de “deveres fundamentais”. [...] Por outro lado, estando em causa uma medida gravemente restritiva de direitos, liberdades e garantias, não pode deixar o legislador de densificar os deveres fundamentais cuja violação, ainda que objetiva, legitima a imposição de que os filhos sejam separados dos pais. As intervenções dos poderes públicos estão, pois, neste domínio, sujeitas a reserva de lei [...]. O princípio da proporcionalidade exige, por último, que a separação, sendo a medida mais gravosa, constitua a ultima ratio, não podendo ser decretada quando existirem outras soluções menos gravosas
»(v. Autores cits., Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XXVIII ao artigo 36.º, pp. 834-835).
No mesmo sentido, ANABELA COSTA LEÃO, destaca a importância do artigo 36.º, n.º 6, no quadro da tutela constitucional multifacetada da família:
“A proteção da família implica a proteção da unidade da família, que tem no direito à convivência entre os seus membros a sua manifestação mais relevante. Tal implica, desde logo, para o Estado, uma obrigação de facerecriação de condições que permitam essa convivência-e uma obrigação de non facerenão impedir essa convivência. Nessa dimensão jurídicadefensiva, ou negativa (de não ingerência) o direito à convivência reveste natureza de direito, liberdade e garantia, seja diretamente a partir do artigo 36.º, seja analogamente a partir do artigo 67.º
No n.º 6 do artigo 36.º é visível o cruzamento de técnicas de proteção da família enquanto bem constitucionalmente protegido na sua dupla dimensão objetivasubjetiva, uma vez que o princípio da não separação entre pais e filhos é, simultaneamente, uma garantia da unidade familiar e, no plano subjetivo, não apenas um direito subjetivo dos pais a não serem separados dos filhos, mas também um direito subjetivo dos filhos a não serem separados dos pais. Daí que, por imposição constitucional, os pais só possam ser separados dos filhos nos casos extremos de, por irresponsabilidade ou negligência, não cumprirem para com eles os seus deveres fundamentais, e por decisão judicial.
»(v. Autora cit., “Anotação ao Acórdão TC n.º 232/2004 (expulsão de estrangeiros com filhos menores a cargo)” in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, (jul./set. 2004), pp. 25 e ss., pp. 31”
».
27-Tanto na sua vertente objetiva, enquanto instituição e elemento fundamental da sociedade, como numa vertente subjetiva, perspetivada a partir das posições jurídicas dos seus membros, a proteção da família é assegurada também no plano jurídicointernacional, resultando de diversos instrumentos internacionais aos quais o Estado Português se encontra vinculado. Para além dos direitos conferidos pela CEDH e pela CDFUE, acima referidos, essa proteção decorre ainda do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, (artigos 17.º e 33.º), do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (artigos 10.º e 11.º), da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (artigo 4.º) e, de forma particular, da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos da Criança, que, como se referiu, vem sendo reconhecida pelo TEDH como um relevante elemento de auxílio no estabelecimento do nível de proteção conferido pelo artigo 8.º da CEDH. Sem prejuízo de não conter, explicitamente, qualquer direito ao reagrupamento familiar, a Convenção sobre os Direitos da Criança obriga os Estados a garantirem que
a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem [...] que essa separação é necessária no interesse superior da criança
»(artigo 9.º, n.º 1), e, bem assim, a respeitarem o
direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança
»(artigo 9.º, n.º 3). Para além disso, determina que
os pedidos formulados por uma criança ou por seus pais para entrar num Estado Parte ou para o deixar, com o fim de reunificação familiar, são considerados pelos Estados Partes de forma positiva, com humanidade e diligência
»(artigo 10.º, n.º 1).
Desde logo por força da tutela multinível dos direitos fundamentais, desde há um longo tempo acolhida na jurisprudência constitucional (v. Acórdão 199/2024), quer o nível de proteção da vida familiar dos cidadãos estrangeiros residentes que o TEDH extrai do artigo 8.º da CEDH, quer aquele que o TJUE lhe confere ao abrigo da CDFUE, devem ser adotados como standards pelo Tribunal Constitucional na aplicação das normas da Constituição que consagram direitos congéneres. Neste último caso, essa adoção impõe-se especialmente, tendo em conta que as normas fiscalizadas, na medida em que transpõem a Diretiva 2003/86/CE, do Conselho, de 22 de setembro, se inscrevem no domínio de aplicação da CDFUE, valendo aqui, como acima referido (v. supra, o n.º 11), o princípio da cooperação leal (n.º 3 do artigo 4.º do Tratado da União Europeia), que impõe que o Tribunal Constitucional, na fixação do sentido a dar aos parâmetros constitucionais de validade das normas internas, privilegie uma consonância com as normas europeias, integrando como condicionante no iter da ponderação que lhe foi solicitada o chamado standard europeu de controlo de proporcionalidade.
É o que se fará em seguida.
28-A questão de constitucionalidade que o Requerente coloca em primeiro lugar diz respeito a saber se o regime de reagrupamento familiar que emerge do n.º 1 do artigo 98.º, na redação constante do Decreto, é compatível com a obrigação estadual de não ingerência no direito à convivência entre os membros da família (artigo 36.º, n.º 1, da Constituição), mormente no direito fundamental dos pais conviverem com os seus filhos e no direito fundamental destes últimos conviverem com os seus pais (artigo 36.º, n.º 6, da Constituição) e ou com a obrigação estadual de proteção da família (artigo 67.º, n.º 1), da maternidade e da paternidade e, em particular, da infância (artigo 69.º, n.os 1 e 2).
O Requerente considera que o novo regime
restringe o recurso ao reagrupamento familiar aos membros da família, menores de idade, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem”, impossibilitando o reagrupamento de outros membros da família que já se encontrem em território nacional, designadamente os cônjuges e equiparados, uma vez que para estes surge, agora, um período de espera de dois anos de residência legal para que o titular da autorização de residência possa iniciar o pedido (cf. redação para o n.º 3 do artigo 98.º ora proposta)
».
29-Comece-se por notar que o direito ao reagrupamento familiar é reconhecido pelo legislador como um direito do cidadão titular de autorização de residência válida (artigo 98.º da Lei 23/2007). Através do exercício deste direito, e verificados que sejam os respetivos pressupostos legais, permite-se que os membros da sua família sejam autorizados a permanecer ou entrar em Portugal. Desse modo, o exercício de tal direito garante a preservação da unidade familiar, se esses familiares já residiam legalmente em território português, ou habilita à reunificação familiar, no caso de estes se encontrarem no estrangeiro.
As normas relativas ao reagrupamento familiar decorrem da transposição da Diretiva 2003/86/CE, do Conselho, de 22 de setembro (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Lei 23/2007), que o consagra como um direito subjetivo à
entrada e residência num EstadoMembro dos familiares de um nacional de um país terceiro que resida legalmente nesse Estado, a fim de manter a unidade familiar, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente
»(artigo 2.º, alínea d)). Embora restrinja o universo dos elementos da família reagrupáveis ao cônjuge do requerente do reagrupamento e aos filhos menores de um, de outro ou de ambos (artigo 4.º, n.º 1), a Diretiva concede aos EstadosMembros a faculdade de ampliarem esse elenco de modo a incluir também os ascendentes diretos em primeiro grau do requerente do reagrupamento ou do seu cônjuge, se estiverem a seu cargo e não tiverem o apoio familiar necessário no país de origem, os filhos solteiros maiores do requerente do reagrupamento ou do seu cônjuge, objetivamente incapazes de assegurar o seu próprio sustento por razões de saúde (artigo 4.º, n.º 2), assim como os unidos de facto e respetivos filhos menores e maiores, desde que verificado, quanto a estes, aquele pressuposto (artigo 4.º, n.º 3). O legislador nacional, como acima se viu (supra, o n.º 22.) exerceu esta prerrogativa, incluindo no elenco dos membros da família cuja entrada e permanência em território nacional pode ser autorizada e que consta dos artigos 99.º e 100.º da Lei 23/2007, entre outros, os filhos maiores incapazes a cargo do casal ou de um dos cônjuges (ou unido de facto) equiparados, os filhos maiores a cargo do casal ou de um dos cônjuges (ou unido de facto) que sejam solteiros e se encontrem a estudar num estabelecimento de ensino em Portugal, assim os ascendentes na linha reta e em 1.º grau do residente ou do seu cônjuge (ou unido de facto), desde que se encontrem a seu cargo (artigo 99.º, n.º 1, alíneas b), d) e f)).
30-A primeira alteração introduzida no regime do reagrupamento familiar decorre da nova redação do n.º 1 do artigo 98.º da Lei 23/2007, que limita aos membros menores de idade da família dos cidadãos estrangeiros que residam validamente em Portugal há menos de dois anos o direito ao reagrupamento com os membros da sua família que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem.
Tal limitação afeta gravemente a preservação da unidade familiar sob duas distintas formas.
Em primeiro lugar, ao não abranger o cônjuge ou o unido de facto do cidadão estrangeiro titular de autorização de residência válida que tenha entrado legalmente em território nacional, nomeadamente através de algum dos vistos previstos no artigo 45.º da Lei 23/2007, e que aqui se encontre, o novo n.º 1 do artigo 98.º impõe uma restrição do direito à convivência conjugal ou equiparada. Expirado que se encontre o período de permanência correspondente ao visto concedido, o cônjuge ou unido de facto deixará de poder permanecer legalmente no país, independentemente do seu grau de ligação a Portugal, da duração da sua permanência no país, da atividade que aqui desenvolva, da duração da relação conjugal ou equiparada com o estrangeiro residente e da intensidade dos laços afetivos entre ambos.
Em segundo lugar, e ainda por não abranger o cônjuge ou o unido de facto do cidadão estrangeiro titular de autorização de residência válida, o novo n.º 1 do artigo 98.º impõe uma restrição do direito fundamental dos pais conviverem com os seus filhos, bem como do direito fundamental destes últimos conviverem com os seus pais, sempre que os filhos menores do estrangeiro residente que permanecerem em território nacional forem também filhos do cônjuge ou unido de facto. Basta pensar na situação de uma mãe, que cuida diariamente do seu filho menor de idade, e, pelo facto de o seu cônjuge, titular de autorização de residência válida, se encontrar em território nacional há menos de dois anos, se vê na contingência de abandonar o país, designadamente por não cumprir os requisitos da alínea k) do n.º 1 do artigo 122.º da Lei 23/2007.
31-Como se vê, a solução adotada no novo n.º 1 do artigo 98.º, na medida em que não inclui o cônjuge ou unido de facto, impõe a desagregação da família nuclear do cidadão estrangeiro titular de autorização de residência válidaou seja, a quebra da estrutura familiar composta por pai, mãe e filhos-, com todos os custos, afetivos, emocionais, sociais e económicos, associados à interrupção da convivência familiar e à consequente erosão dos vínculos respetivos. Ao conduzir à separação dos membros da família constituída do cidadão estrangeiro que resida validamente em Portugal há menos de dois anos, preservando apenas a subsistência da sua própria relação com os filhos menores, o novo regime de reagrupamento familiar decorrente do n.º 1 do artigo 98.º restringe radicalmente o direito à convivência entre os membros da família, anulando a possibilidade de convivência dos cônjuges (ou unidos de facto) entre si e, mais relevantemente ainda, de os pais conviverem com os seus filhos e de estes conviverem com aqueles, caso haja filhos menores comuns. O que, para além de consubstanciar uma agressão aos direitos consagrados nos n.os 1 e 6 do artigo 36.º, constitui uma medida de sentido contrário à obrigação do Estado proteger a família (artigo 67.º, n.º 1), os pais e as mães, na sua insubstituível ação relativamente aos filhos, e o desenvolvimento integral das crianças, em especial contra todas as formas de abandono (artigo 69.º, n.os 1 e 2).
32-Ao não ser abrangido pela exceção prevista no n.º 1 do artigo 98.º, o cônjuge ou unido de facto passa a estar sujeito ao regime geral do reagrupamento familiar estabelecido no respetivo no n.º 3. Deste regime decorre, como se viu (supra, o n.º 2), que o cidadão titular de autorização de residência válida apenas terá direito ao reagrupamento familiar com qualquer dos membros da família maiores de idade contemplados no elenco dos artigos 99.º e 100.º da Lei 23/2007, que tenha entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontre, se residir legalmente em Portugal há pelo menos 2 anos.
Como resulta do n.º 3 do artigo 98.º, o prazo de dois anos constitui um pressuposto do direito ao reagrupamento familiar, o mesmo é dizer, uma condição de verificação necessária para que esse direito surja na esfera jurídica do titular de autorização de residência válida. Assim, se tal período não tiver ainda decorrido, o titular de residência válida não terá direito ao reagrupamento familiar, desde logo, com o seu cônjuge ou unido de facto que tenha entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontre. Mas também não terá direito ao reagrupamento familiar com os filhos maiores de idade que com ele coabitem e dele dependam, independentemente da sua especial vulnerabilidadecomo sucede com os filhos maiores incapazes-, do seu grau de ligação ao território nacional, da duração da sua permanência, bem como do seu grau de inserção e nível de desempenho no sistema de ensino frequentado. Assim como não terá direito ao reagrupamento familiar com os seus ascendentes em linha reta, que com ele coabitem e dele dependam, independentemente da situação de vulnerabilidade em que qualquer destes se encontre, designadamente em razão da idade, do seu grau de dependência em relação ao filho, da sua ligação ao território nacional e da existência de outros laços familiares no país de origem. Tal como não terá ainda direito ao reagrupamento familiar com outros membros da família maiores de idade que com ele convivam e dele dependam, e se encontrem numa situação de especial vulnerabilidade, designadamente em razão de serem portadores de um elevado grau de deficiência, independentemente da existência ou não de laços familiares ou condições de apoio no país de origem. Quanto a todos os membros da família referidos que tenham entrado legalmente em Portugal e aqui se encontrem, o reagrupamento familiar não poderá ter lugar, por força do n.º 3 do artigo 98.º, se o titular de autorização de residência válida residir em Portugal há menos de dois anos.
33-No parecer elaborado pelo CEJURECentro Jurídico do Estado, junto aos autos por iniciativa do PrimeiroMinistro, refere-se que o n.º 3 do artigo 106.º da Lei 23/2007 contém uma espécie de cláusula de salvaguarda, permitindo, em determinadas circunstâncias, a dispensa do decurso do prazo de dois anos.
Crê-se, contudo, que o regime constante do n.º 3 do artigo 106.º não só não tem esse sentido e alcance, como não permite atingir tal desiderato.
Do n.º 3 do artigo 98.º resulta de forma inequívoca que o prazo de dois anos aí estabelecido constitui, à semelhança da legalidade da permanência, um pressuposto de existência do direito ao reagrupamento familiarou seja, uma condição da qual depende o surgimento desse direito na esfera jurídica do titular da autorização de residência.
Ora, o artigo 106.º da Lei 23/2007 dispõe sobre as condições de indeferimento do pedido, uma vez exercido o direito. Assim, de acordo com o artigo 106.º, o pedido de reagrupamento familiar pode ser indeferido nos seguintes casos:
(i) quando não estejam reunidas as condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar (alínea a) do n.º 1);
(ii) quando o membro da família esteja interdito de entrar e de permanecer em território nacional ou indicado no SIS para efeitos de regresso ou de recusa de entrada e de permanência (alínea b) do n.º 1);
(iii) quando a presença do membro da família em território nacional constitua uma ameaça à ordem pública, à segurança pública ou à saúde pública (alínea c) do n.º 1);
(iv) quando à decisão de deferimento de pedido de reagrupamento familiar obstem razões de ordem pública ou segurança pública, devem ser tomadas em consideração a gravidade ou o tipo de ofensa à ordem pública ou à segurança pública cometida pelo familiar, ou os perigos que possam advir da permanência dessa pessoa em território nacional (n.º 2). Porém, antes de ser proferida decisão de indeferimento, são tidos em consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa, o seu tempo de residência em Portugal e a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem (n.º 3).
Como se depreende, desde logo pela sua inserção sistemática, o n.º 3 do artigo 106.º da Lei 23/2007 visa permitir que a não verificação de alguma das condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar (v., infra, os n.os 54. a 61.), ou a verificação de alguma das situações impeditivas do deferimento do pedido, possa ser compensada e neutralizada mediante a consideração da natureza e solidez dos laços familiares entre o titular da autorização de residência e a pessoa a reagrupar, do tempo de residência desta em Portugal, bem como da existência de vínculos familiares, culturais e sociais com seu o país de origem. No âmbito da ponderação atribuída à Administração, tais elementos poderão assumir um peso suficientemente relevante para afastar os efeitos que, de outro modo, decorreriam, por exemplo, da falta de correspondência entre o alojamento do requerentecomprovadamente próprio ou arrendado-e aquele que, no país de origem, seria considerado normal para uma família comparável (cf. artigo 101.º, n.º 1, alínea a), da Lei 23/2007, na redação introduzida pelo Decreto). Trata-se, portanto, de uma norma a ser aplicada num domínio em que existe discricionariedade administrativa, o que não sucede com o prazo de dois anos, que constitui um pressuposto do próprio direito ao reagrupamento familiar, e não uma mera condição do seu exercício.
Em suma, por força do regime fixado no n.º 3 do artigo 98.º, todos os familiares do titular de residência válida maiores de idade que se encontrem em território nacional, incluindo o seu cônjuge ou unido de facto, apenas poderão ser abrangidos pelo reagrupamento familiar se aquele residir legalmente em Portugal há, pelo menos, 2 anos.
34-As razões invocadas para a reconfiguração do regime do reagrupamento familiar prendem-se, como já referido, com a necessidade de adaptar a Lei 23/2007 às exigências do país e à sua capacidade de acolhimento, tendo em vista, por um lado, o reforço do combate às rotas de imigração ilegal e, por outro, a melhoria dos canais de imigração legal. Trata-se, portanto, de uma medida integrada no âmbito das políticas públicas de imigração, cuja definição cabe ao legislador democrático. Tendo em conta a relação entre território e soberania, o legislador democrático dispõe, claro está, de uma ampla margem de conformação na definição destas políticas públicas. Com efeito, a soberania traduz-se na autoridade plena que o Estado exerce sobre o seu território, constituindo o controlo das fronteiras uma das suas expressões mais evidentes. As políticas de imigração concretizam esta prerrogativa soberana, estabelecendo critérios e condições que refletem prioridades nacionais, preocupações de ordem pública e segurança, necessidades económicas e obrigações internacionais que emergem para o Estado das convenções a que se vinculou. Não há, dúvida, portanto, de que soberania, território, controlo de fronteiras e imigração constituem dimensões interdependentes que estão na base do poder reconhecido ao Estado de regular a entrada e permanência de cidadãos estrangeiros em Portugal.
Sucede que, quando as medidas adotadas no âmbito das políticas públicas de imigração têm por efeito comprometer a preservação da unidade familiar dos cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência válida-seja através da restrição do direito à convivência conjugal (ou equiparada), seja pela afetação do direito fundamental dos pais conviverem com os seus filhos e de estes conviverem com os seus pais-, as opções do legislador democrático não podem deixar de submeter-se a um rigoroso escrutínio de proporcionalidade. Desde logo, porque o direito à convivência familiar constitui uma expressão essencial da dignidade da pessoa humana, em cujo respeito se baseia a ordem jurídicoconstitucional portuguesa (artigo 1.º da Constituição), o que conduz a que a aplicação do princípio da equiparação (artigo 15.º da Constituição) se justifique aqui com particular acuidade. Ao definir Portugal como um Estado de direito democrático, fundado na dignidade da pessoa humana (artigo 1.º) e comprometido com o caráter universalista da tutela dos direitos fundamentais de que é expressão o princípio do
tratamento nacional
»(artigo 15.º), a Constituição não consente modelos de governação que tratem os cidadãos estrangeiros com base apenas na sua utilidade económica, aceitando a sua presença para fins produtivos sem lhes reconhecer direitos fundamentais correlacionados com a sua condição de pessoas e membros de comunidades familiares.
35-Como se disse, as razões invocadas para a modificação do regime jurídico do reagrupamento familiar prendem-se reforço do combate das rotas de imigração ilegal e a melhoria dos canais de imigração legal, através da reforma dos mecanismos legais à disposição dos cidadãos estrangeiros para imigrarem para Portugal e da adaptação da legislação nacional às necessidades do País e à sua capacidade de acolhimento.
A conexão entre o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional e o controlo dos fluxos migratórios é evidente, tal como evidente é o interesse público que existe nesse controlo. Com efeito, os fluxos migratórios interferem necessariamente com
os mais nucleares interesses públicos que cabe ao Estado proteger, como seja a demografia, a sustentabilidade das contas públicas, o mercado de trabalho, a ordem pública e a composição da população
»,
as necessidades de equilíbrio da segurança social
», tendo em conta que os recursos do Estado Social são
finitos
» e, consequentemente, queas capacidades de acolhimento do Estado são limitadas
». A política de imigração deve, por isso, atender à realidade, sob pena de o
país aceitar que vivam entre nós pessoas sem habitação condigna, crianças sem acesso à escola ou hospitais
». Ademais, as normas relativas à imigração prosseguem ainda os interesses da própria União Europeia, que postula uma política comum no controlo das fronteiras internas, nos termos dos artigos 67.º e 80.º do TFUE (Ana Rita Gil, “O fim das “manifestações de interesse” na lei de imigração:
uma encruzilhada normativa”, Julgar, n.º 54, 2024, pp. 83, 86 e 87).
Nessa medida, é reconhecida ao legislador uma ampla margem de conformação para disciplinar o controlo da entrada e permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional, podendo, nomeadamente, estabelecer critérios restritivos nesse domínio. Contudo, quando o legislador opta por exercer essa liberdade de conformação através da redefinição do regime do reagrupamento familiaraplicável a cidadãos estrangeiros cuja entrada foi autorizada e a quem foi concedida autorização de residência válida-, agravando as condições de acesso ao reagrupamento com membros da família maiores de idade que se encontrem em território nacional-e, com isso, potencialmente conduzindo à separação familiar-, tal opção encontra-se necessariamente sujeita a um rigoroso controlo de constitucionalidade baseado no princípio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º 2).
36-Como é sabido, o princípio da proibição do excesso desdobra-se
analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos:
a adequação das medidas aos fins; a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”
»Assim, e recorrendo às palavras do Acórdão 1182/96, deverá perguntar-se, num primeiro momento, se a medida legislativa em causarestrição do direito ao reagrupamento familiar com o cônjuge ou unido de facto do titular de residência válida que emerge dos n.os 1 e 3 do artigo 98.º-
é apropriada à prossecução do fim a ela subjacente (v. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6.ª ed., Coimbra 1993, p. 382/383)
». Seguidamente, haverá que perguntar se o legislador
poderia ter adotado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos
» afetados pela medida em ordem a alcançar a finalidade que com essa medida prossegue. Por fim,[h]averá, então, que pensar em termos de “proporcionalidade em sentido restrito”, questionando-se “se o resultado obtido (...) é proporcional à carga coactiva”
» que a medida comporta; isto é, seas vantagens (obtidas por todos)
» através da restrição do direito ao reagrupamento familiar, nos termos assinalados, sãoproporcionais às desvantagens
» que tal medida causa aosmembros da comunidade jurídica
» por ela direitamente afetados (Maria Lúcia Amaral, A Forma da República-Uma introdução ao estudo do direito constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 186); ou, por outras palavras ainda, se essas vantagens são de modo a compensar o nível de afetação das posições jusfundamentais dos cidadãos estrangeiros visados pela medida-o titular da autorização de residência, o seu cônjuge ou unido de facto e os filhos menores de ambosou se esta afetação se mostra, face ao ganho de interesse público, excessiva e desequilibrada.37-A reconfiguração do direito de reagrupamento familiar que decorre dos n.os 1 e 3 do artigo 98.º tem como consequência a redução de autorizações de residência que serão concedidas por esta via. Embora se possa questionar até que ponto a imposição de uma moratória de dois anos para o reagrupamento familiar com o cônjuge ou unido de facto do titular de autorização de residência válida constitui uma medida idónea para o reforço do combate às rotas de imigração ilegal ou à melhoria dos canais de imigração legal, não se pode afirmar que tal medida seja inadequada à prossecução das finalidades tidas em vista pelo legislador, já que estas compreendem também o acautelamento das exigências do país e da sua capacidade de acolhimento, num quadro de gestão dos fluxos migratórios. Por essa razão, não se pode concluir que a medida seja inidónea.
Simplesmente, fica por demonstrar que a expulsão do cônjuge ou unido de facto dos cidadãos titulares de autorização de residência válida que residam há menos de dois anos em território nacional, que tenham entrado legalmente em Portugal e que aqui se encontrem, constitua, perante a existência de uma série de instrumentos que permitem reduzir a presença de cidadãos estrangeiros em Portugal através do reforço do controlo das entradas, uma medida necessária para acautelar as exigências do país e da sua capacidade de acolhimento ou que para tal desígnio contribua em medida relevante. O que se revela com maior evidência é que essa solução tende a produzir um efeito contrário ao interesse público em promover a integração de migrantes com as suas famílias, elemento reconhecidamente associado a uma permanência mais estável, com maior coesão social e menor propensão a fenómenos de marginalização ou exclusão.
Mas mais importante do que isso é que, mesmo a ser possível tal demonstração, os benefícios alcançados na ótica do interesse público prosseguido sempre seriam insuscetíveis de compensar o intenso nível de agressão a que é sujeito o direito à convivência entre os membros da família nuclear, mormente o direito fundamental dos pais conviverem com os seus filhos, assim como o direito fundamental destes últimos conviverem com os seus pais. Com efeito, ao limitar aos filhos menores de idade dos cidadãos estrangeiros que residam validamente em Portugal há menos de dois anos o direito ao reagrupamento com os membros da sua família que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem (n.º 1), sujeitando o reagrupamento com o cônjuge ou unido de facto que tenha entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontre a uma moratória de dois anos (n.º 3), o artigo 98.º da Lei 23/2007 faz cessar a convivência do cidadão estrangeiro residente em território nacional há menos de dois anos com o seu cônjuge ou equiparado, assim como faz cessar a convivência dos filhos menores comuns com o seu outro progenitor, apesar de essa relação dever ser especialmente acautelada pelo Estado, não apenas por imposição do n.º 6 do artigo 36.º da Constituição, como ainda do artigo 9.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, que, não é demais referilo, obriga os Estados a garantirem que
a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem [...] que essa separação é necessária no interesse superior da criança
». Nessa medida, a solução que emerge dos n.os 1 e 3 do artigo 98.º consubstancia uma restrição desproporcionada do direito à convivência conjugal ou equiparada e do direito dos pais conviverem com os seus filhos e de estes conviverem com os seus pais, violando, desse modo, os artigos 36.º, n.os 1 e 6, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição.
38-Mas este não é o único efeito produzido pelo regime geral fixado no n.º 3 do artigo 98.º
Como se viu, ao impor, de forma indistinta e indiferenciada, uma moratória de dois anos para o reagrupamento familiar com todos os demais membros da família do residente maiores de idade que tenham entrado legalmente em Portugal e aqui se encontrem, independentemente da sua especial vulnerabilidadecomo sucede com os filhos maiores portadores de deficiência e com os ascendentes na linha reta do residente ou do seu cônjuge ou unido de facto, que se encontrem a seu cargo-, do seu grau de ligação ao território nacional, da duração da sua permanência e da existência de outros laços familiares no país de origem, assim como do seu grau de inserção e desempenho no sistema de ensino frequentadocomo ocorre com os filhos maiores que sejam solteiros e se encontrem a estudar num estabelecimento de ensino em Portugal-, sem qualquer abertura à consideração da particular condição do membro da família a reagrupar, o regime consagrado no n.º 3 do artigo 98.º compromete ainda a proteção constitucionalmente devida à família (artigo 67.º, n.º 1), à juventude (artigo 70.º, n.º 1, alínea a)), e às pessoas especialmente vulneráveis em razão da idade (artigo 72.º, n.º 1) ou de deficiência (artigo 71.º, n.º 2), que se encontrem em território nacional.
39-É verdade que, no caso de o cidadão estrangeiro requerente do reagrupamento residir validamente em Portugal há, pelo menos, dois anos, desaparece a limitação do universo dos familiares reagrupáveis que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, que decorre do regime estabelecido no n.º 3 do artigo 98.º Nesta situação, o cidadão estrangeiro terá direito ao reagrupamento familiar com qualquer dos membros da família compreendidos no elenco fixado nos artigos 99.º e 100.º da Lei 23/2007 que se encontrem em território nacional, desde que comprovadamente com ele tenham vivido noutro Estado ou que dele dependam, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente. Simplesmente, para além deste período de dois anos de espera ser, na prática, consideravelmente ampliado pelos novos prazos fixados à AIMA I. P. para apreciar e decidir os pedidos de reagrupamento familiar (v. infra, os n.os 62. a 67.), o que importa essencialmente colocar em evidência é que o tempo de permanência do cidadão estrangeiro em território nacional não pode ser o único e decisivo critério atendível para efeitos de reagrupamento familiar com os outros membros da família do titular de autorização de residência que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem. E, sobretudo, que esse critério não pode ter como efeito a eliminação pura e simples da tutela da unidade da família constituída e da convivência entre os seus membros nas situações em que aquele período não tenha sido atingido. É justamente por proceder a essa eliminação em tudo o que excede a preservação da subsistência do convívio familiar do estrangeiro residente com os seus filhos menores, que dele dependam e com ele coabitem, que a solução emergente dos n.os 1 e 3 do artigo 98.º revela, em suma, um nível de ingerência nos incompatível com o artigo 36.º, n.os 1 e 6, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, todos da Constituição, no que se refere ao cônjuge ou unido de facto, mostrando-se ainda inconciliável com os artigos 67.º, n.º 1, 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.º 1, e 71.º, n.º 2, todos da Lei Fundamental, no que diz respeito aos demais membros da família maiores de idade que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, neste caso por não contemplar a possibilidade de ponderação da particular condição desses familiares antes de decorrido o prazo de dois anos.
40-O resultado a que se chega por via da integração do standard de proteção que deriva do artigo 8.º da CEDH, tal como interpretado pelo TEDH, não é distinto.
Em rigor, o que deste standard de proteção no essencial resulta é a impossibilidade de expulsão dos membros da família do estrangeiro residente por recusa de reagrupamento familiar atendendo apenas ao período da sua permanência em território nacional e desconsiderando em absoluto todos os outros, como a sua própria condição e a condição das pessoas de quem são separados. Embora estivesse em causa um período de residência superior a dois anos, tal conclusão não deixa, ainda assim, de extrair-se da decisão do caso Berrehab c. Países Baixos, de 21 de junho de 1988, na qual o TEDH concluiu que a preservação da vida familiar do recorrente, um cidadão marroquino, com a sua filha, nascida em agosto de 1979, e residente em território neerlandês juntamente com a sua mãe, deveria ter obstado à expulsão daquele cidadão do referido país porque existia uma vida familiar real entre pai e filha que beneficiava da proteção conferida pelo artigo 8.º da CEDH. Como não deixa de extrair-se também da decisão do caso Martinez Alvarado v. the Netherlands, de 18 de maio de 2023, relativo a um cidadão peruano com deficiência intelectual que vivia com as irmãs residentes na Holanda desde 2015, tendo o TEDH considerado que a recusa de reagrupamento familiar consubstanciara uma violação do artigo 8.º da CEDH por ausência de avaliação individualizada da situação, tendo em conta a existência de uma dependência emocional e prática para lá dos laços familiares normais.
41-Relativamente ao regime estabelecido no novo n.º 3 do artigo 98.º, as dúvidas suscitadas pelo Requerente prendem-se ainda com o requisito estabelecido para que possa haver lugar à reunificação familiar, considerando o Requerente que o novo encargo imposto ao titular do direito ao reagrupamentouma espera de dois anos após a atribuição de título de residência para poder agrupar, através da respetiva entrada no país, outros membros da família que comprovadamente com ele tenham vivido noutro Estado ou que dele dependam, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente-, na medida em que incide sobre
um mecanismo essencial para a integração em sociedade e para a vida em família
», parece
restringir, de forma desproporcional e desigual, o princípio da união familiar, podendo não acautelar o superior interesse da criança, forçada a lidar com separações prolongadas
».
Do ponto de vista da Constituição, o que pode estar em causa no novo regime previsto para a reunificação da família do cidadão estrangeiro com autorização de residência válida no nosso país é o cumprimento insuficiente ou defeituoso da obrigação que impende sobre o Estado de proteger a unidade familiar através de prestações positivasno caso, a permissão de entrada e permanência no nosso país do cônjuge ou unido de facto do titular da autorização de residência-, domínio em que a margem de liberdade de conformação do legislador é significativamente mais ampla. Porém, nem por isso isenta de escrutínio, tendo em conta as obrigações que derivam dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, da Constituição.
42-Segundo o artigo 8.º da Diretiva 2003/86/CE, relativa ao direito ao reagrupamento familiar,
[o]s EstadosMembros podem exigir que o requerente do reagrupamento tenha residido legalmente no respetivo território, durante um período não superior a dois anos, antes que os seus familiares se lhe venham juntar
».
Ao transpor esta disposição da Diretiva, o regime fixado no n.º 3 do artigo 98.º determina que o direito ao reagrupamento familiar do estrangeiro titular de autorização de residência válida com os membros da família incluídos no elenco dos artigos 99.º e 100.º da Lei 23/2007 que se encontrem fora do território nacional e comprovadamente com ele tenham vivido noutro Estado ou que dele dependam, só pode ocorrer decorrido que seja o prazo de dois anos a que alude o artigo 8.º da referida Diretiva. Trata-se, como se viu, de um prazo automático, absoluto e inalterável de dois anosao qual acresce, como melhor se verá adiante, o tempo de espera pela decisão sobre o reagrupamento familiar-, que funciona como condição necessária para que o titular da autorização de residência obtenha a reunificação familiar, o mesmo é dizer, regresse ao convívio com qualquer dos membros da sua famíliaincluindo, portanto, o cônjuge ou unido de facto e deste com os filhos menores comuns que se encontrem em território nacionalatravés da entrada e permanência destes em território nacional.
Ora, como bem se vê, a imposição de um período mínimo de permanência inderrogável, sem qualquer abertura à consideração do grau de intensidade e impacto que esse prazo tem na convivência familiar, na relação do estrangeiro residente com os familiares a reagrupar, nos laços afetivos existentes entre ambos e, em especial, na posição dos filhos menores que se encontram em território nacional ao abrigo do n.º 1 do artigo 98.º, não permite assegurar a
proteção da família
» ecriação da vida familiar
» a que, como é dito nos respetivos considerandos, se propõe a Diretiva 2003/86/CE (cf. considerando 6). Basta pensar na situação da progenitora que se vê obrigada a emigrar para sustentar a sua família e, tendo autorização para residir em Portugal, se vê impossibilitada de se reunir com o seu cônjuge ou unido de facto, progenitor comum dos filhos menores que com ela se encontram em território nacional. A imposição de um prazo absoluto e imperativo de dois anos, sem atender à condição do membro da família a reagrupar, não permite assegurar, pois, a proteção da família dos cidadãos com autorização de residência válida que residam legalmente em território nacional, designadamente nos termos preconizados na Diretiva 2003/86/CE, sendo contrária aos deveres positivos que emergem para o Estado dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, da Constituição.43-O sentido em que o parágrafo primeiro do artigo 8.º da Diretiva 2003/86/CE vem sendo interpretado pelo TJUE apenas reforça esta conclusão.
Como se viu, tal parágrafo alude efetivamente a um período de permanência de dois anos para que o titular da autorização de residência consiga o reagrupamento familiar através da entrada e permanência no país dos membros da sua família. Mas fálo apenas a título de faculdade conferida aos EstadosMembros e não como uma condição para o reagrupamento familiar. Daqui resulta que a imposição do prazo de dois anos como conditio sine qua non para a reunificação familiar não visa a prossecução de um interesse que a União Europeia tenha considerado imprescindível para uma política comum de imigração. É o que resulta muito claramente da jurisprudência do TJUE, que afastou a possibilidade de o citado artigo 8.º da Diretiva 2003/86/CE ser interpretado no sentido de atribuir aos EstadosMembros a faculdade de imporem um prazo legal automático, absoluto e inalterável, designadamente de dois anos, como condição insuprível para o reagrupamento familiar.
De acordo com o TJUE, esta disposição da Diretiva
não tem por efeito impedir em absoluto o reagrupamento familiar, mas sim manter em benefício dos EstadosMembros uma margem de apreciação limitada, ao permitirlhes assegurarem-se de que esse reagrupamento terá lugar em boas condições, após o requerente do reagrupamento ter residido no Estado de acolhimento durante um período suficientemente longo para que se possa presumir uma instalação estável e um certo nível de integração
»(Acórdão do TJUE, de 27 de junho de 2006, no processo Parlamento c. Conselho, C-540/03, EU:
C:
2006:
429, § 98). Nessa medida, ainda que os EstadosMembros possam considerar o período de permanência do cidadão estrangeiro como critério de ponderação na apreciação dos pedidos de reagrupamento familiar, o que resulta da Diretiva, em particular do seu 17.º, é que
o tempo de residência no EstadoMembro é apenas um dos elementos que devem ser tidos em conta por este último ao examinar um pedido e que não pode ser imposto um período de espera sem ter em consideração, em casos específicos, todos os elementos pertinentes
»(idem, § 99). Do referido artigo 17.º decorre que, a par do tempo de residência do requerente no EstadoMembro, estes
devem tomar em devida consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa [...], a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem
»(§ 99, sublinhado aditado), prestando especial atenção ao interesse das crianças a reagrupar, em atenção à idade, à sua situação no seu país de origem e o seu grau de dependência em relação aos pais (§ 56). O TJUE extrai, assim, da Diretiva 2003/86/CE a consagração de um regime relativo ao reagrupamento familiar de acordo com o qual o tempo de permanência do requerente no EstadoMembro constitui apenas um dos critérios a ponderar na decisão do pedido. A fixar-se um período de espera, este nunca poderá ser absoluto, devendo admitir-se exceções que permitam sopesar os outros critérios elencados pelo artigo 17.º, que apontam para uma avaliação multidimensional da pretensão formulada pelo requerente. A necessidade de preservação dos laços afetivos, a proteção da unidade familiar, principalmente quando estão envolvidas crianças, enquanto circunstâncias que devem ser atendidas, vem sendo, de resto, reiterada na jurisprudência mais recente do TJUE. Como o referido Tribunal tem vindo a sublinhar,
o objetivo prosseguido pela Diretiva 2003/86 é favorecer o reagrupamento familiar e que esta diretiva visa, além disso, conferir proteção aos nacionais de países terceiros, nomeadamente aos menores
»(Acórdão do TJUE, de 1 de agosto de 2022, processos apensos C-273/20 e C-355/20), que deve ser tido em conta
a necessidade da criança de manter regularmente relações pessoais com ambos os progenitores
»(Acórdão do TJUE, de 30 de janeiro de 2024, processo C-560/20) e que o reagrupamento familiar deve ser examinado
no interesse das crianças em causa e com o intuito de favorecer a vida familiar
»(idem).
44-Não é outro, aliás, o sentido das orientações emitidas pela Comissão Europeia com respeito à aplicação da disciplina consagrada da Diretiva 2003/86/CE (cf. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre as orientações para a aplicação da Diretiva 2003/86/CE relativa ao direito ao reagrupamento familiar, datada de 3/04/2014, disponível para consulta em https:
//eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A52014DC0210). Muito embora o
período de espera
» de dois anos corresponda ao limite máximo permitido pelo artigo 8.º da Diretiva 2003/86/CE, a Comissão entende que,[s]e um EM optar por exercer esta opção, não pode impor um período de espera geral aplicado uniformemente a todos os requerentes, sem ter em conta as circunstâncias particulares de casos específicos e o interesse superior de crianças menores
»(cf. artigos 17.º e 5.º, n.º 5, da referida Diretiva).
Apesar de comungar das preocupações dos EstadosMembros sobre possíveis utilizações abusivas do direito ao reagrupamento familiar e consequência sociais daí decorrentes, a Comissão considera, assim, que a exigência de um período de espera
não pode ser utilizado com o único objetivo
» de evitar ou obstaculizar o direito ao reagrupamento familiar, na medida em que a finalidade primordial do artigo 8.º da Diretiva é permitir um certo grau de estabilidade de residência e integração por parte do cidadão estrangeiro residente, de modo a garantir que o reagrupamento familiar dos seus parentes ocorra em condições favoráveis. Nas aludidas orientações, a Comissão lança ainda mão de jurisprudência do TJUE, recordando que aí sesublinhou que o tempo de residência no EM é apenas um dos elementos que devem ser tidos em conta por este último ao examinar um pedido e não pode ser imposto um período de espera sem ter em consideração, em casos específicos, todos os elementos pertinentes, sempre na perspetiva de assegurar o interesse superior dos filhos menores
», concluindo, nesta esteira, que
[a] admissibilidade ao abrigo da diretiva de um período de espera e a respetiva duração dependem de este requisito servir este propósito e respeitar o princípio da proporcionalidade
»(cf. Processo C-540/03, Parlamento Europeu contra Conselho da União Europeia, 27 de junho de 2006, n.os 99-101).
45-Relevante neste domínio é ainda a jurisprudência do TEDH, em particular o Acórdão M.A. c. Dinamarca, de 9 de julho de 2021. Embora a referida decisão tivesse sido proferida num caso em que o requerente tinha o estatuto de refugiado, o TEDH não deixou de tecer um conjunto de considerações, de âmbito geral, que importa ter presentes. Reconhecendo, na linha do que acima ficou já dito (v. supra, o n.º 18), que os Estados dispõem de uma ampla margem de liberdade na conformação das regras relativas ao controlo de fronteiras e à permissão de entrada e, bem assim, que o artigo 8.º da CEDH não consagra qualquer direito absoluto ao reagrupamento familiar, o TEDH não deixou de apontar, como condição para uma compatibilização dos regimes de permissão de entrada dos membros da família do estrangeiro residente com a dimensão positiva do direito à vida privada e familiar, a possibilidade de uma análise casuística, que permita ponderar um justo equilíbrio entres os interesses estaduais de controlo da imigração e os interesse individual de reunificação familiar, com principal atenção ao interesse na proteção das crianças. Reconhecendo que a partir dos dois anos de espera a prevalência a dar à reunificação familiar se intensifica, o TEDH não deixou, ainda assim, que sublinhar que o requerente deverá ter a possibilidade real de obter uma avaliação individualizada sobre se um período inferior ao tempo de espera fixado na legislação nacional que consta da legislação do Estado pode justificar o reagrupamento por considerações de unidade familiar. Posteriormente, no Acórdão B.F. e Outros c. Suíça, de 4 de outubro de 2023, o TEDH voltou a reafirmar que, apesar do período de residência ser um dos critérios a atender, os prazos rígidos não devem obstar a uma avaliação casuística do direito ao reagrupamento familiar, atendendo ao circunstancialismo em concreto, pois só assim se poderá encontrar o justo equilíbrio, impondo-se um redobrado cuidado na aferição do interesse da criança na reunificação familiar. Já anteriormente, no Acórdão El Ghatet c. Suíça, de 8 de novembro de 2016, o TEDH havia apontado para a necessidade de se admitir uma análise casuística, sublinhando uma vez mais que, nos casos relativos à reunificação familiar, deve ser prestada especial atenção à existência de filhos menores e às suas circunstâncias, devendo o interesse superior da criança ser colocado no centro das considerações e serlhe atribuído um peso crucial, nomeadamente em atenção à sua idade, à sua situação no país de origem e grau de dependência relativamente aos seus pais. É possível, assim, extrair desta jurisprudência, que um prazo absoluto e rígido de espera, sem conferir a possibilidade de uma ponderação de interesses no caso concreto, não se revela compatível com obrigações positivas que emergem para os Estados do artigo 8.º da CEDH em ordem a assegurar que o direito à vida familiar é garantido de modo efetivo.
46-Este standard de proteção deve ser integrado no juízo de ponderação que o Tribunal Constitucional deve levar a cabo para responder à questão de saber se o regime do reagrupamento familiar com os membros da família que se encontrem fora do território nacional, previsto no n.º 3 do artigo 98.º, com as alterações introduzidas pelo Decreto, é compatível com os deveres que decorrem para o Estado dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, todos da Constituição.
Não quer isto dizer que a Constituição impeça o legislador de fazer uso, como um dos critérios de admissão do reagrupamento familiar através da permissão de entrada e residência dos membros da família do titular da autorização de residência válida, da duração da permanência deste em território nacional. Ou até mesmo de apontar um prazoregra. O que já não pode ser admitido, por ser manifestamente contrário à proteção devida à família, aos pais e às mães no exercício da sua ação insubstituível em relação aos filhos, e às próprias crianças, tendo em vista o seu desenvolvimento integral, é a exclusão da possibilidade de se demonstrar que, apesar de não ter decorrido o prazo legal previsto, a entrada em Portugal dos concretos familiares a reagrupar se justifica, no caso concreto e à luz de uma avaliação ponderada de todos os elementos relevantes, como forma de assegurar de modo efetivo o direito à vida familiar. No caso do cônjuge ou unido de facto do titular da autorização de residência válida, que se encontre fora do território nacional, o problema ganha, aliás, particular acuidade, tendo em conta que o período de espera de dois anos, sobretudo quando ampliado por via do prazo previsto para a decisão do pedido de reagrupamento familiar (v. infra, o n.º 65), pode pôr em causa a própria subsistência da relação conjugal ou equiparada.
Nessa medida, o regime previsto no n.º 3 do artigo 98.º, ao impor um prazo absoluto de dois anos até à apresentação do pedido de reagrupamento familiar com todos os membros da família maiores de idade que se encontrem fora do território nacional é incompatível com a proteção constitucionalmente devida à família, em particular à convivência dos cônjuges ou equiparados entre si e à de qualquer deles com os respetivos filhos menores de idade (artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, todos da Constituição).
Resta acrescentar que à mesma conclusão sempre se chegaria, em todo o caso, por força do efeito ampliador que o regime constante do n.º 1 do artigo 105.º da Lei 23/2007, alterado pelo Decreto, exerce sobre o período efetivo de espera pela reunificação familiar, conforme se explicará no n.º 67.
47-Mas este não é o único problema que o Requerente aponta à solução que emerge dos novos n.os 1 e 3 do artigo 98.º
Tendo em conta que os titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A e 121.º-A da Lei 23/2007 têm direito ao reagrupamento familiar com os membros da família que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, e que com ele coabitem e dele dependam, independentemente do tempo passado sobre a sua própria entrada no país, o Requerente considera que o regime fixado nos n.os 1 e 3 do artigo 98.º
contribui para uma maior estratificação entre pessoas migrantes, em função da respetiva qualificação e setor de atividade, afastando-se do espírito inerente à Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, e comprometendo o princípio da igualdade e o princípio da não discriminação, consagrados no artigo 13.º da Constituição
».
Nesta perspetiva, o problema que se coloca é um problema de comparação, o que aponta para um controlo de constitucionalidade baseado no princípio da igualdade.
48-O princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição encerra, como é sabido, três distintas dimensões, a que correspondem, no plano operativo, diferentes metódicas de controlo. Trata-se:
(i) da proibição do arbítrio (cf. n.º 1 do artigo 13.º);
(ii) da proibição de discriminação (cf. n.º 2 do artigo 13.º); e (iii) da obrigação de diferenciação, como forma de compensação das desigualdades fácticas.
Como se depreende dos fundamentos que acompanham o pedido, o Requerente considera que a diferenciação estabelecida entre os cidadãos estrangeiros titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A e 121.º-A e os cidadãos estrangeiros titulares de outras autorizações de residência importa a violação tanto a primeira como da segunda dimensões do princípio da igualdade.
49-Adiante-se, desde já, porém, que a violação da proibição de discriminação, constante do n.º 2 do artigo 13.º da Constituição, é, desde logo, de afastar.
Vejamos.
Os cidadãos estrangeiros a quem o legislador procurou, nas palavras do Requerente, flexibilizar o direito ao reagrupamento familiar inscrevem-se em três distintas categorias:
(i) aqueles a quem foi concedida autorização de residência para efeito de exercício de uma atividade docente em instituição de ensino superior ou estabelecimento de ensino ou de formação profissional, de atividade altamente qualificada ou de atividade cultural (artigo 90.º);
(ii) aqueles a quem foi concedida autorização de residência para efeito de exercício de uma atividade de investimento (artigo 90.º-A); e (iii) beneficiários do
cartão azul UE
», que habilita o seu titular a residir e a exercer, em território nacional, uma atividade altamente qualificada (artigo 121.º-A). Para o Requerente, esta opção estratifica as pessoas migrantes em função da respetiva qualificação e setor de atividade, o que, apesar de não ser expressamente referido, evidenciará uma distinção em razão da
instrução, situação económica, condição social
» e, nessa medida, uma diferenciação baseada em certas das chamadascategorias suspeitas
» a que alude o n.º 2 do artigo 13.º da Constituição.Essa perspetiva não pode ser, no entanto, acompanhada.
Com efeito, nada autoriza a concluir que a diferenciação positiva dos titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º, 90.º-A e 121.º-A no que diz respeito ao conteúdo do direito ao reagrupamento familiar com os membros da família, que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, e que com ele coabitem e dele dependam, tenha por fundamento o facto de os cidadãos estrangeiros selecionados serem mais instruídos, terem um maior poderio económico ou terem um curriculum universitário mais impressionante. Para excluir a relevância de qualquer das categorias suspeitas previstas no n.º 2 artigo 13.º da Constituição, basta pensar que um cidadão estrangeiro com diversos doutoramentos, mas que pretende residir em Portugal, sem aqui exercer a atividade de docência em instituição universitária portuguesa, ou um milionário que residir em Portugal, sem fazer investimentos de vulto, teriam, como qualquer outro cidadão estrangeiro, de aguardar o decurso normal do prazo de dois anos. Daqui resulta que não é a maior ou menor instrução, a posse de mais ou menos mais títulos académicos e/ou a maior ou menor capacidade económica do estrangeiro residente em Portugal que está na génese da escolha legislativa. A causa é distinta. O que o legislador pretende com essa diferenciação é captar investimentos económicos para o país ou tentar angariar pessoas cujos préstimos contribuam o desenvolvimento tecnológico e científico de Portugal, com o fim de servir os interesses nacionais. E, para servir esse propósito de captação, flexibilizou o regime do reagrupamento familiar, tornando-o mais favorável. Nesta medida, não se afigura que o tratamento diferenciado destes grupos de pessoas atinja desproporcionada ou fundamentalmente determinadas categorias de cidadãos migrantes, unidos pela pertença a qualquer das categorias que correspondem aos fatores de discriminação ilegítimos consagrados no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição.
50-O afastamento da violação da proibição da discriminação não significa, no entanto, a exclusão de outras possíveis violações do princípio da igualdade, amplamente entendido.
Enquanto corolário da igual dignidade de todos os indivíduos, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual a situações de facto desiguais, ao mesmo tempo que proíbe o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais. Na base do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição encontra-se a ideia de igualdade enquanto proibição do arbítrio, que tanto pode ser violada pela própria opção de estabelecer um tratamento diferenciado, como pela medida em que a diferenciação surge em concreto concretizada Conforme se afirmou no Acórdão 157/2018, tirado em Plenário:
Estavelmente firmado na jurisprudência constitucional encontra-se [...] o entendimento segundo o qual o princípio da igualdade, operando essencialmente enquanto proibição do arbítrio, enseja um controle externo das opções do legislador ordinário baseado num escrutínio de baixa intensidade. Partindo do reconhecimento de que é ao legislador democraticamente legitimado que cabe ponderar, dentro da ampla margem de valoração e conformação de que dispõe,
os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica
»(Acórdão 231/94)-definindo ou qualificando
as situações de facto ou as relações da vida que hãode funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente
»(Acórdão 369/97)-, assinala-se ao princípio da igualdade a função de invalidar as escolhas do poder legislativo quando a desigualdade de tratamento que nelas se contém for, quanto ao seu fundamento ou quanto à medida, extensão ou grau em que surge concretizada, à evidência irrazoável.
»A ideia de um controlo jurisdicional das leis baseado numa conceção da igualdade como proibição do arbítrio e desta como um critério essencialmente negativo, assente no chamado
teste do “merecimento”
»(cf. Acórdão 546/2011), não exclui, porém, o reconhecimento da existência de domínios da normação em que, pela natureza da matéria regulada, o Tribunal Constitucional pode ser chamado a exercer um controlo de maior intensidade.
Como igualmente se afirmou no Acórdão 157/2018:
Para além das hipóteses de tratamento diferenciado baseado no sexo, raça, língua, religião e demais “categorias suspeitas” identificadas no artigo 13.º da Constituiçãorelativamente às quais vale uma proibição tendencialmente absoluta de discriminação-, domínios há em que, pela natureza das posições afetadas, a averiguação da viabilidade constitucional do estabelecimento de diferenciações entre grupos ou categorias de sujeitos postulará um escrutínio mais rigoroso ou um controlo mais intenso das escolhas realizadas pelo legislador, quer quanto ao seu fundamento, quer quanto à sua dimensão ou medida.
Sempre que assim suceder, a possibilidade de uma censura baseada no princípio da igualdade não dependerá da ausência evidente de um qualquer fundamento ou motivo objetivo, que se afigure compreensível face à ratio do regime questionado. Ao invés, a conclusão de que determinada lei é arbitrária apenas será evitada em presença de um fundamento razoável, suscetível não apenas de tornar racionalmente inteligível a opção por um tratamento desigual, como ainda de assegurar a adequação ou razoabilidade da medida da diferença que é imposta, face ao fundamento invocado.
»Seja qual for o ponto em que a fronteira entre aqueles dois domínios deva ser em definitivo traçada, é seguro que a densidade do escrutínio postulado pelo princípio da igualdade, para além de gradativa, deverá ser tanto mais intensa quanto mais inequívoca for a jusfundamentalidade das posições tituladas pelas categorias sujeitas a tratamento desigual. Ou, inversamente, tanto menos intensa quanto mais acentuada se revelar a ligação da medida sob escrutínio ao espectro das escolhas políticas inerentes à definição do interesse público e ou à seleção dos meios adequados para o concretizar.
51-A diferença de tratamento introduzida no âmbito do regime de reagrupamento familiar diz respeito ao regime unitário criado para os titulares das autorizações de residência identificadas na norma, que lhes permite tanto manter a convivência com os membros da família que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, quanto requerer o reagrupamento dos membros da família ainda residentes no estrangeiro. Sempre estarão, pois, em causa, formas de exercício do direito à família, como o direito à convivência entre todos os seus membros, com destaque para pais e filhos, e para os cônjuges. Nestes termos, e atendendo a que a projeção da diferenciação levada a cabo pelo legislador afeta, de forma óbvia, direitos, liberdades e garantias, tudo aponta para a mobilização de um critério mais exigente, que imponha a existência de uma justificação ponderosa para considerar constitucionalmente justificada a distinção.
No que diz respeito aos cidadãos titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º e 121.º-A da Lei 23/2007, a solução constante do novo n.º 2 do artigo 98.º resulta da transposição da Diretiva (UE) 2016/801 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2016, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação, de estudos, de formação, de voluntariado, de programas de intercâmbio de estudantes, de projetos educativos e de colocação au pair, e da Diretiva (UE) 2021/1883, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado, em vigor desde novembro de 2023. A primeira revogou a Diretiva 2005/71/CE, do Conselho, de 12 de outubro, relativa a um procedimento específico de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica, tendo a segunda revogado a Diretiva 2009/50/CE, de 25 de maio, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado.
Em matéria de reagrupamento familiar, o regime estabelecido na Diretiva (UE) 2016/801 encontra-se explicitado no respetivo considerando 11, onde pode ler-se o seguinte:
A fim de tornar a União mais atrativa para os nacionais de países terceiros que pretendam realizar uma atividade de investigação na União, os membros das suas famílias, tal como definido na Diretiva 2003/86/CE do Conselho deverão poder acompanhálos e deverão beneficiar das disposições em matéria de mobilidade no interior da União. Esses membros da família deverão ter acesso ao mercado de trabalho do primeiro EstadoMembro e, em caso de mobilidade de longo prazo, dos segundos Estados-Membros
».
A esse mesmo propósito, lê-se no considerando 50 da Diretiva (UE) 2021/1883:
As condições favoráveis ao reagrupamento familiar e ao acesso ao mercado de trabalho para os cônjuges deverão constituir um elemento fundamental da presente diretiva por forma a atrair melhor trabalhadores altamente qualificados de países terceiros. (...) Com o objetivo de facilitar a rápida entrada dos trabalhadores altamente qualificados, os títulos de residência dos respetivos membros da família deverão ser concedidos ao mesmo tempo que o Cartão Azul UE, sempre que estejam preenchidas as condições pertinentes e os pedidos tenham sido apresentados em simultâneo.
»Como se vê, trata-se, em ambos os casos, de um regime destinado a favorecer a entrada, permanência e mobilidade em território da União Europeia dos membros da família do titular da autorização de residência para efeitos de (i) investigação, de estudos, de formação, de voluntariado, de programas de intercâmbio de estudantes, de projetos educativos e de colocação au pair e de (ii) emprego altamente qualificado, que consiste basicamente em estender àqueles o regime de que beneficia o próprio titular da autorização de residência enquanto esta se mantiver válida. O n.º 4 do artigo 26.º da Diretiva (UE) 2016/801 estabelece que
as autorizações de residência para os familiares são concedidas pelos EstadosMembros, se estiverem preenchidas as condições para o reagrupamento familiar no prazo de 90 dias a contar da data em que o processo completo é apresentado. A autoridade competente do EstadoMembro em causa trata o pedido para os familiares em simultâneo com o pedido de admissão ou de mobilidade de longo prazo para o investigador, caso o pedido para os familiares seja apresentado ao mesmo tempo
». Por seu turno, o artigo 17.º, n.º 2 da Diretiva (UE) 2021/1883 dispõe o seguinte:
o reagrupamento familiar não fica subordinado a o titular do Cartão Azul (...) ter cumprido um período mínimo de residência
».
Nestes termos, é inequívoco que o teor da norma questionada, numa interpretação conforme o direito da União Europeia, visa, efetivamente, permitir um reagrupamento célere dos familiares dos titulares das autorizações de residência em causa, por razões de interesse público, que se prendem com a importância de atrair e fixar no território da União pessoas com determinadas formação e qualificações.
52-Quanto aos titulares da autorização de residência previstas no artigo 90.º-A da Lei 23/2007, não resultando o regime especial de obrigações ao abrigo do direito da União Europeia, ele obedece, porém, às mesmas lógica e razão de ser-a de desenhar um regime jurídico relativo ao agrupamento familiar que seja atrativo de investidores.
Ou seja, neste caso, a opção de permitir aos titulares de autorização de residência para atividade de investimento que preencham os pressupostos previstos no artigo 90.º-A da Lei 23/2007 o reagrupamento familiar com qualquer dos familiares referidos nos artigos 99.º e 100.º da mesma Lei é inteiramente imputável ao legislador nacional, mas tem exatamente os mesmos propósitos e justificação jurídicoconstitucional.
Com efeito, ainda que o regime jurídico ora em causa seja evidentemente mais favorável que o regime geral resultante dos novos n.º 1 e n.º 3 do artigo 98.º, a verdade é que, tendo em consideração o que acima se explicou, pode concluir-se pela existência de um fundamento razoável, racionalmente inteligível e adequado à teleologia da arquitetura legal. Não se diga, em sentido contrário, que daqui resulta uma instrumentalização dos standards de direitos fundamentais, em favor de objetivos definidos pelo legislador. Na realidade, este sempre estará limitado pelo nível de proteção imposto pela Constituição, no que respeita ao regime geral. Do que se trata, neste plano, é da possibilidade de ir além do nível de proteção constitucionalmente exigível, com vista à prossecução de interesses públicos definidos em termos democráticos.
De facto, é inegável a existência de um interesse público relevante na facilitação da entrada e permanência em Portugal de cidadãos oriundos de países terceiros que se proponham investir no país através da constituição novas empresas, com tudo o que isso implica, desde a criação de novos postos de trabalho até ao aumento da receita fiscal. O mesmo sucede com os cidadãos altamente qualificados, que podem dar contributos para o desenvolvimento da sociedade e economia nacionais de enorme importância e valia, proporcionando uma melhoria do nível de vida coletivo.
Não é menos verdade que essa facilitação pode ocorrer de múltiplas e variadas formas; todavia, a escolha das vantagens conferidas a tais cidadãos, com vista à atratividade do país, encontra-se, em larga medida, na margem de conformação do legislador democrático, que o Tribunal Constitucional sempre reconheceu e respeitou. E, por outro lado, a solução jurídica encontrada não implica um distinto nível de consideração pela unidade da família constituída e de respeito pelos direitos à convivência entre os membros da família, em especial direito fundamental dos pais conviverem com os seus filhos e de estes conviverem com os seus pais, assegurados pelo artigo 36.º, n.º 1 e 6, da Constituição. Efetivamente, o legislador não pode pôr isso em causa, devendo assegurar a todos o nível de proteção desses direitos que a Lei Fundamental lhe exige. Simplesmente, a situação em análise vai além disso, na medida em que o Parlamento, por uma razão que este Tribunal não pode considerar arbitrária, decidiu querer atrair para o território nacional pessoas em determinadas circunstâncias, isentandoas, em relação ao reagrupamento da totalidade dos membros da família (ou seja, mesmo para além da família nuclear, constituída por cônjuge e filhos menores) de um período de espera e prova da permanência estável no país, sem que, de modo algum, se possa concluir que essa escolha reflita qualquer diferença de dignidade.
Nesta medida, não se tem por comprovada a violação do princípio da igualdade, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição.
53-Aqui chegados, é possível concluir que:
(i) a norma constante do n.º 1 do artigo 98.º da Lei 23/2007, na redação decorrente das alterações aprovadas pelo Decreto, viola o artigo 36.º, n.os 1 e 6, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, todos da Constituição;
(ii) a norma constante do n.º 2 do artigo 98.º da Lei 23/2007, na redação decorrente das alterações aprovadas pelo Decreto, não viola a proibição da discriminação estabelecida no n.º 2 do artigo 13.º, nem é incompatível com o princípio da igualdade consagrado no respetivo n.º 1;
(iii) a norma constante do n.º 3 do artigo 98.º da Lei 23/2007, na redação decorrente das alterações aprovadas pelo Decreto, é incompatível com os artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, todos da Constituição.
E.2. As normas relativas às condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar 54-Através da nova redação conferida ao artigo 101.º da Lei 23/2007, o Decreto procura redefinir as condições de que o requerente deve dispor para o exercício do direito ao reagrupamento familiar. Tais condições passarão a ser as seguintes:
Artigo 101.º
1-[...]
a) Alojamento, comprovadamente próprio ou arrendado, considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade, tal como definido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações e da habitação;
b) Meios de subsistência suficientes para sustentar todos os membros do agrupamento familiar, sem recurso a apoios sociais, tal como definido por portaria aprovada pelos membros do Governo com competência pelas áreas das migrações e da segurança social.
2-[...]
3-O requerente e os respetivos familiares devem cumprir medidas de integração, designadamente relativas à aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais portugueses, bem como da frequência do ensino obrigatório no caso de menores, conforme regulado em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações, da educação e do trabalho.
»Como se extrai dos artigos 10.º e 15.º do pedido, são dois os problemas que o Requerente aponta à nova redação do artigo 101.º O primeiro prende-se com o emprego dos conceitos de
alojamento [...] considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade
» e demeios de subsistência suficiente para sustentar todos os membros de agrupamento familiar
», respetivamente nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 101.º, que o Requerente considera comportarem um grau de indeterminação potencialmente violador do princípio constitucional da segurança jurídica. O segundo problema prende-se com a possível invasão da competência legislativa reservada da Assembleia da República, que o Requerente considera resultar quer da remissão da densificação dos referidos conceitos para ato regulamentar, quer da remissão para Portaria do Governo operada pelo n.º 3.
Ambas as questões colocadas pelo Requerente dizem, assim, respeito à insuficiente densidade normativa da lei no que diz respeito às condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar:
no primeiro caso, por fazer uso de conceitos que não garantem aos destinatários da normação um conhecimento preciso, exato e atempado dos critérios legais que a Administração há de usar para verificar se o requerente do reagrupamento familiar observa as condições para o efeito exigidas; no primeiro caso, por fazer uso de conceitos que não garantem aos destinatários da normação um conhecimento preciso, exato e atempado dos critérios legais que a Administração há de usar para verificar se o requerente do reagrupamento familiar observa as condições para o efeito exigidas; no segundo caso, por reenviar para ato regulamentar a regulação primária de matéria que se inscreve na esfera própria da função legislativa, mais concretamente no âmbito da reserva de lei parlamentar.
55-Embora as alterações constantes do Decreto tenham sido aprovadas ao abrigo da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, a definição das condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar constitui matéria sob reserva relativa de competência da Assembleia da República por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, não podendo deixar de convocar, e de modo particularmente significativo, as exigências de determinabilidade que decorrem do princípio do Estado de direito democrático. Está em causa, como se referiu anteriormente, o estabelecimento dos requisitos que o cidadão estrangeiro, titular de autorização de residência válida, deve cumprir para evitar a separação da sua família residente em território nacional ou para possibilitar a reunião com familiares que permaneçam no país de origem e pretendam juntar-se-lhe em Portugal. Trata-se, portanto, de normas potencialmente conformadoras da restrição do direito fundamental à convivência familiar, que se encontra consagrado no artigo 36.º, n.os 1 e 6, da Constituição, com o estatuto de direito, liberdade e garantia, e ou potencialmente modeladoras do acesso à proteção da família, dos pais e das mães, na sua insubstituível ação em relação aos filhos, e das crianças, assegurada pelos artigos 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, da Constituição.
56-De acordo com a jurisprudência consolidada deste Tribunal (v., por exemplo, o Acórdão 225/2018), a regulamentação legislativa em matéria de direitos, liberdades e garantias, cuja disciplina está sujeita a reserva de lei parlamentar, deve observar exigências de precisão e determinabilidade, especialmente quando implique restrições a esses direitos. Estas exigências decorrem do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição. Como já afirmado no Acórdão 285/92, e reiterado em decisões posteriores:
[A] questão da relevância do princípio da precisão ou determinabilidade das leis anda associada de perto à do princípio da reserva de lei e reconduz-se a saber se, num dado caso, o âmbito de previsão normativa da lei preenche ou não requisitos tidos por indispensáveis para se poder afirmar que o seu conteúdo não consente a atribuição à Administração, enquanto executora da lei, de uma esfera de decisão onde se compreendem elementos essenciais da própria previsão legal, o que, a verificar-se, subverteria a ordem de repartição de competências entre o legislador e o aplicador da lei. [...]
Reconhece-se, sem dificuldade, que o princípio da determinabilidade ou precisão das leis não constitui um parâmetro constitucional “a se”, isto é, desligado da natureza das matérias em causa ou da conjugação com outros princípios constitucionais que relevem para o caso. Se é, pois, verdade que inexiste no nosso ordenamento constitucional uma proibição geral de emissão de leis que contenham conceitos indeterminados, não é menos verdade que há domínios onde a Constituição impõe expressamente que as leis não podem ser indeterminadas, como é o caso das exigências de tipicidade em matéria penal constantes do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, e em matéria fiscal (cf. artigo 106.º da Constituição) ou ainda enquanto afloramento do princípio da legalidade (nulla poena sine lege) ou da tipicidade dos impostos (null taxation without law).
Ora, atento o especial regime a que se encontram sujeitas as restrições aos direitos, liberdades e garantias, constante do artigo 18.º da Constituição, em especial do seu n.º 3, e em articulação com o princípio da segurança jurídica inerente a um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), forçoso se torna reconhecer que, em função de um critério ou princípio de proporcionalidade a que deverão estar obrigadas as aludidas restrições [...], o grau de exigência de determinabilidade e precisão da lei háde ser tal que garanta aos destinatários da normação um conhecimento preciso, exato e atempado dos critérios legais que a Administração háde usar, diminuindo desta forma os riscos excessivos que, para esses destinatários, resultariam de uma normação indeterminada quanto aos próprios pressupostos de atuação da Administração; e que forneça à Administração regras de conduta dotadas de critérios que, sem jugularem a sua liberdade de escolha, salvaguardem o “núcleo essencial” da garantia dos direitos e interesses dos particulares constitucionalmente protegidos em sede de definição do âmbito de previsão normativa do preceito (Tatbestand) Ora, atento o especial regime a que se encontram sujeitas as restrições aos direitos, liberdades e garantias, constante do artigo 18.º da Constituição, em especial do seu n.º 3, e em articulação com o princípio da segurança jurídica inerente a um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), forçoso se torna reconhecer que, em função de um critério ou princípio de proporcionalidade a que deverão estar obrigadas as aludidas restrições [...], o grau de exigência de determinabilidade e precisão da lei háde ser tal que garanta aos destinatários da normação um conhecimento preciso, exato e atempado dos critérios legais que a Administração háde usar, diminuindo desta forma os riscos excessivos que, para esses destinatários, resultariam de uma normação indeterminada quanto aos próprios pressupostos de atuação da Administração; e que forneça à Administração regras de conduta dotadas de critérios que, sem jugularem a sua liberdade de escolha, salvaguardem o “núcleo essencial” da garantia dos direitos e interesses dos particulares constitucionalmente protegidos em sede de definição do âmbito de previsão normativa do preceito (Tatbestand); e finalmente que permitam aos tribunais um controlo objetivo efetivo da adequação das concretas atuações da Administração face ao conteúdo da norma legal que esteve na sua base e origem.
»Da sujeição a reserva de lei da definição das condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar decorre ainda outra consequência. A regulação primária dessas condições tem que constar de lei, não podendo ser reenviada para ato de outra natureza.
Como se afirma no Acórdão 538/2015:
O princípio da reserva de lei parlamentar assume, como se sabe, no ordenamento jurídicoconstitucional português um duplo significado:
por um lado, proíbe a administração de invadir as matérias reservadas sem autorização expressa do legislador parlamentar, dotado de uma maior intensidade de legitimação democrática; por um lado, proíbe a administração de invadir as matérias reservadas sem autorização expressa do legislador parlamentar, dotado de uma maior intensidade de legitimação democrática; por outro, proíbe que o legislador delegue na administração poderes regulamentares relativamente a quaisquer aspetos pertencentes à disciplina normativa primária, circunscrevendo o âmbito de atuação normativa da administração a aspetos técnicos ou secundários, sob a forma de regulamentos de execução.
»Nesta última aceção, aquilo que decorre do princípio da reserva de lei é que
o regime material tem de constar de um ato legislativo, ou seja, de lei em sentido formal
»(Acórdão 474/2021). No que diz respeito à matéria regulada no artigo 101.º da Lei 23/2007, significa isto que a remissão para Portaria do Governo apenas poderá ter por objeto a especificação dos pormenores técnicos ou operacionais necessários à aplicação das condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar fixadas previamente na lei, não podendo esta delegar naquela a possibilidade de inovar autonomamente no que diz respeito ao estabelecimento desses requisitos.
57-Importa agora verificar se os n.os 1 e 3 do artigo 101.º da Lei 23/2007, na redação alterada pelo Decreto, cumprem tais exigências.
O artigo 101.º da Lei 23/2007 procede à transposição do artigo 7.º da Diretiva 2003/86/CE, relativo às condições do exercício do direito de reagrupamento familiar. Este artigo 7.º dispõe o seguinte:
Artigo 7.º
1-Por ocasião da apresentação do pedido de reagrupamento familiar, o EstadoMembro em causa pode exigir ao requerente do reagrupamento que apresente provas de que este dispõe de:
a) Alojamento considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade em vigor no EstadoMembro em causa;
b) Um seguro de doença, para si próprio e para os seus familiares, que cubra todos os riscos normalmente cobertos no EstadoMembro em causa para os próprios nacionais;
c) Recursos estáveis e regulares que sejam suficientes para a sua própria subsistência e para a dos seus familiares, sem recorrer ao sistema de assistência social do EstadoMembro em causa. Os EstadosMembros devem avaliar esses recursos por referência às suas natureza e regularidade e podem ter em conta o nível do salário mínimo nacional e das pensões e o número de familiares.
2-Os EstadosMembros podem exigir que os nacionais de países terceiros cumpram medidas de integração, em conformidade com o direito nacional.
»Da confrontação das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 101.º com as alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 7.º da Diretiva não resultam quaisquer diferenças a que possa ser atribuído um significado relevante.
Relativamente à alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Diretiva, a alínea a) do n.º 1 do artigo 101.º limita-se a precisar que o alojamento de que o requerente do reagrupamento familiar deve dispor deverá resultar de contrato de arrendamento ou de aquisição de habitação própria. Apenas a definição dos indicadores de comparabilidade, por região, quanto à normalidade da tipologia de habitação adequada à família do requerente, bem como dos critérios de segurança e salubridade exigíveis nos termos das normas gerais aplicáveis nesta matéria, é remetida para regulamentação por Portaria. Já relativamente à alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º da Diretiva, verifica-se que a alínea b) do n.º 1 do artigo 101.º apenas remete para Portaria a fórmula de apuramento dos
meios de subsistência suficientes para sustentar todos os membros do agrupamento familiar, sem recurso a apoios sociais
», exigidos ao requerente do realojamento familiar.
58-Quando confrontadas com as normas congéneres das legislações de outros EstadosMembros que procederam à transposição da Diretiva 2003/86/CE, as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 101.º não parecem revelar um grau de abertura e ou de imprecisão significativamente superior.
Na vizinha Espanha, a Diretiva 2003/86/CE foi transposta para o ordenamento jurídico interno através da Ley Orgánica 4/2000, de 11 de enero, sobre derechos y libertades de los extranjeros en España y su integración social, recentemente regulamentada pelo Real Decreto 1155/2024, de 19 de noviembre, por el que se aprueba el Reglamento de la Ley Orgánica 4/2000, de 11 de enero, sobre derechos y libertades de los extranjeros en España y su integración social. De acordo com aquela lei (artigo 18.º, n.º 2), o requerente do reagrupamento familiar deverá demonstrar a verificação dos seguintes requisitos:
a) ser titular de meios económicos suficientes para cobrir as suas necessidades e as da sua família, incluídos os rendimentos do cônjuge residente em Espanha e que conviva com o reagrupante, mas não se contabilizando os rendimentos provenientes do sistema de assistência social;
b) dispor de habitação/acomodação adequada nos mesmos termos. Prevê-se ainda a intervenção da Administração na determinação da adequação do alojamento.
No caso italiano, a Diretiva 2003/86/CE foi transposta para o ordenamento jurídico interno através do Decreto Legislativo 3 ottobre 2008, n. 160, “Modifiche ed integrazioni al decreto legislativo 8 gennaio 2007, n. 5, recante attuazione della direttiva 2003/86/CE relativa al diritto di ricongiungimento familiare”. De acordo com o n.º 3 do respetivo artigo 29.º, o requerente do reagrupamento familiar deve comprovar que dispõe do seguinte:
(i) habitação/acomodação que cumpra regras de higiene e de salubridade, devidamente certificada pelas autoridades municipais;
(ii) rendimento mínimo anual proveniente de fontes legais de valor variável, consoante o número de pessoas que integram o agregado familiar; e (iii) seguro de saúde ou equivalente que garanta o custo de tratamentos a ascendentes maiores de sessenta e cinco anos, ou a respetivo registo no Sistema Nacional de Saúde.
Tendo em conta o que consta das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 7.º da própria Diretiva e, bem assim, o subsídio argumentativo que se retira dos exemplos dados, não parece que o conceito de
alojamento [...] considerado normal para uma família comparável na mesma região e que satisfaça as normas gerais de segurança e salubridade
» padeça do grau de indeterminabilidade que lhe aponta o Requerente, nem que a remissão para Portaria da definição dos critérios para aferir se o alojamento, comprovadamente próprio ou arrendado, do requerente pode ser considerado normal para uma família comparável na mesma região e satisfaz as normas gerais de segurança e salubridade confira à Administração a faculdade de vir a modificar ou a ampliar as condições exigidas para o exercício do direito ao reagrupamento familiar.Ainda que de forma porventura menos evidente, a mesma conclusão deverá estender-se à alínea c) do n.º 1 do artigo 101.º Por duas razões. Em primeiro lugar, o conceito de
meios de subsistência suficientes para sustentar todos os membros do agrupamento familiar, sem recurso a apoios sociais
», para além de similar ao que é empregue para definir a mesma condição de exercício do direito ao reagrupamento familiar nas legislações congéneres de outros EstadosMembros, parece ser suficientemente determinável, desde logo porque aponta para a exigência de um rendimento per capita superior ao que seria necessário para que o requerente e a sua família pudessem beneficiar do Rendimento Social de Inserção. É verdade que a definição da fórmula de apuramento do rendimento exigido é remetida para Portaria. Simplesmente, confrontada a alínea b) do n.º 1 do artigo 101.º alterada pelo Decreto com a sua redação vigente, verifica-se que essa remissão já existe, tendo cabido à Portaria 1563/2007, de 11 de dezembro, a fixação dos meios de subsistência de que devem dispor os cidadãos estrangeiros para a entrada e permanência em território nacional (v., supra, o n.º 13.2.). Fixação essa que, por força do disposto na segunda parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º da Diretiva, levou em conta, como não podia deixar de ser, a natureza e regularidade dos rendimentos disponíveis para a subsistência do requerente e dos seus familiares, tendo em atenção a retribuição mínima mensal garantida nos termos do n.º 1 do artigo 266.º do Código do Trabalho (artigos 2.º, n.os 1 e 2, e 9.º da Portaria 1563/2007). Além disso, a exclusão dos apoios sociais do rendimento relevante para este efeito reflete a fórmula empregue na alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º da Diretiva, que prevê que o reagrupante detenha recursos suficientes sem
recorrer ao sistema de assistência social do EstadoMembro em causa
», o que naturalmente não permite incluir nessa exceção os rendimentos do sistema previdencial.
Em suma, deve concluir-se que as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 101.º da Lei 23/2007, na versão resultante das alterações introduzidas pelo Decreto, não são incompatíveis com o princípio da determinabilidade das leis, enquanto corolário do princípio do Estado de direito democrático, nem importam a violação da reserva de lei parlamentar. Nessa medida, mostram-se conformes aos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
59-O caso da norma constante do novo n.º 3 do artigo 101.º é diferente.
Aí, estabelece-se uma condição autónoma para o exercício do direito ao reagrupamento familiar, que é definida nos seguintes termos:
O requerente e os respetivos familiares devem cumprir medidas de integração, designadamente relativas à aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais portugueses, bem como da frequência do ensino obrigatório no caso de menores, conforme regulado em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações, da educação e do trabalho
»(itálico aditado).
Ainda que o Requente o não tenha apontado de forma expressa, pode dizer-se que, no essencial, são dois os problemas que a referida norma suscita.
Não distinguindo entre reagrupamento familiar com os membros da família que se encontrem fora do território nacional e o reagrupamento familiar com os membros da família que tenham entrado legalmente em Portugal e aqui se encontrem, as medidas de integração previstas no novo n.º 3 do artigo 101.º devem ser cumpridas em ambas as situações. Contudo, o n.º 3 do artigo 101.º não esclarece se as outras medidas de integração para lá da obrigação de frequência do ensino obrigatório no caso de menores devem ser cumpridas antes ou depois da apresentação do pedido de reagrupamento familiar e, neste último caso, se antes ou depois da decisão da AIMA, I. P. Mais rigorosamente, o n.º 3 do artigo 101.º não esclarece se o cumprimento de tais medidas de integração consubstancia uma verdadeira condição do exercício do direito ao reagrupamento que deve estar verificada antes da apresentação do pedido ou se constitui, pelo contrário, um mero efeito jurídico do deferimento do pedido, sob a forma de dever a cumprir em momento subsequente.
A questão é particularmente relevante tendo em conta que o n.º 2 do artigo 7.º da Diretiva se limita a prever a possibilidade de os EstadosMembros exigirem que
os nacionais de países terceiros cumpram medidas de integração, em conformidade com o direito nacional
», não contendo qualquer outro elemento ou indicação que pudesse servir de subsídio interpretativo. Aliás, o que dessa disposição parece extrair-se é que os EstadosMembros podem impor o cumprimento de medidas de integração antes ou depois de concedido o reagrupamento familiar. Só assim, na realidade, se compreende que, no segundo paragrafo desse n.º 2, se estabeleça que, relativamente aos refugiados e/ou aos seus familiares, as medidas de integração só poderão ser aplicadas depois de concedido o reagrupamento familiar aos interessados. Como só assim se compreende também que a Diretiva (UE) 2016/801,
[e]m derrogação do artigo 4.º, n.º 1, último parágrafo, e do artigo 7.º, n.º 2, da Diretiva 2003/86/CE
», estabeleça que
as [...] medidas de integração apenas se aplicam depois de as pessoas em causa terem recebido uma autorização de residência
»(artigo 26.º, n.º 3). E, de forma análoga, que a Diretiva (UE) 2021/1883, uma vez mais
[e]m derrogação do disposto no artigo 4.º, n.º 1, terceiro parágrafo, e no artigo 7.º, n.º 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/86/CE
», determine que
as condições e medidas de integração referidas nessas disposições podem ser aplicadas, mas só depois de concedido o direito de reagrupamento familiar às pessoas interessadas
»(artigo 17.º, n.º 3).
Aliás, no caso do reagrupamento familiar com membros da família que se encontrem fora do território nacional, a interpretação do n.º 2 do artigo 7.º da Diretiva adotada pela Comissão Europeia no âmbito das orientações emitidas com respeito à sua aplicação (cf. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre as orientações para a aplicação da Diretiva 2003/86/CE relativa ao direito ao reagrupamento familiar, datada de 3/04/2014, loc. cit.) é justamente no sentido de que tal disposição
autoriza os EstadosMembros a exigir que os nacionais de países terceiros cumpram medidas de integração
», quais sejam que
os familiares deem provas da vontade de se integrarem através, por exemplo, da participação em cursos de línguas ou de inserção, antes ou depois de chegarem
».
Sucede que, apesar de exigir que o requerente e os respetivos familiares cumpram medidas de integração relativas à aprendizagem da língua portuguesa dos princípios e valores constitucionais portugueses, o n.º 3 do artigo 101.º não esclarece se esse cumprimento constitui uma condição prévia ao deferimento do pedido de reagrupamento familiar-a ter lugar, portanto, no país de origemou, não o sendo, se o reagrupamento familiar, uma vez concedido, pode vir a ser revertido na hipótese de tais medidasque a lei qualifica de condições do exercício do direito ao reagrupamento-, não virem a ser observadas em território nacional.
A norma que emerge da nova redação do n.º 3 do artigo 101.º distancia-se nesta matéria, da legislação francesa de transposição da Diretiva 2003/86/CE-o Code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile. Partilhando as preocupações relativas ao domínio da língua nativa do país de acolhimento e ao conhecimento dos seus valores fundamentais, evidenciadas no n.º 3 do artigo 101.º, a legislação francesa estabelece expressamente que, para promover a “integração republicana” na sociedade francesa, o familiar do requerente com idade entre os 16 e os 65 anos deve ser submetido, no seu país de residência, a uma avaliação do seu nível de conhecimento da língua francesa e dos valores da República (artigos L. 411-1 e seguintes).
O n.º 3 do artigo 101.º, pelo contrário, não contém qualquer elemento que permita determinar, com a necessária precisão e o indispensável rigor, o momento em que o cumprimento desse dever deve ocorrer, reenviando esse esclarecimento para
portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações, da educação e do trabalho
». Nessa medida, é forçoso concluir que a norma ali consagrada não satisfaz os requisitos exigidos pela reserva de lei em matéria de direitos, liberdades e garantias.
Note-se que os elementos em falta não podem deixar de integrar a normação primária do regime do direito ao reagrupamento familiar pois dizem respeito à definição de um requisito positivo que o requerente deverá observar para, por um lado, obstar à ingerência do Estado no direito à convivência familiar caso o reagrupamento familiar pretendido seja com membros da família que tenham entrado legalmente em Portugal e aqui se encontrem; e, por outro, aceder à prestação que concretiza a obrigação estadual de proteção da família, da maternidade e da paternidade e, em particular, da infância-a permissão de entrada e permanência em território nacionalcaso o reagrupamento familiar pretendido seja com os membros da família que se encontrem fora do país. Os aspetos relativos às condições do exercício do direito ao reagrupamento familiar que o legislador se absteve de regular no n.º 3 do artigo 101.º encontram-se, assim, sob reserva de lei, o que conduz a ter por violada a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Até porque a reserva de lei prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, como salientado na doutrina, Note-se que os elementos em falta não podem deixar de integrar a normação primária do regime do direito ao reagrupamento familiar pois dizem respeito à definição de um requisito positivo que o requerente deverá observar para, por um lado, obstar à ingerência do Estado no direito à convivência familiar caso o reagrupamento familiar pretendido seja com membros da família que tenham entrado legalmente em Portugal e aqui se encontrem; e, por outro, aceder à prestação que concretiza a obrigação estadual de proteção da família, da maternidade e da paternidade e, em particular, da infância-a permissão de entrada e permanência em território nacionalcaso o reagrupamento familiar pretendido seja com os membros da família que se encontrem fora do país. Os aspetos relativos às condições do exercício do direito ao reagrupamento familiar que o legislador se absteve de regular no n.º 3 do artigo 101.º encontram-se, assim, sob reserva de lei, o que conduz a ter por violada a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Até porque a reserva de lei prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, como salientado na doutrina,
abrange as matérias versadas nos títulos I e II da parte I, por referência a todos os seus preceitos, independentemente da análise estrutural das situações aí contempladas, mesmo que, em rigor, algumas não possam ser qualificadas como direitos fundamentais, mas apenas como garantias institucionais
»(cf. Jorge Miranda/Catarina Santos Botelho, Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda/Rui Medeiros, 2018, Tomo II, 2.ª edição revista, p. 544).
60-O segundo problema, porventura mais grave ainda do ponto de vista do princípio da reserva de lei, é gerado pelo emprego do advérbio
designadamente
», que torna o elenco das medidas de integração previstas no n.º 3 meramente exemplificativo.
Ora, se o cumprimento das medidas de integração constitui uma condição do exercício do direito ao reagrupamento familiar e este direito, como se disse já, uma condição da preservação da unidade familiar e ou de acesso à reunificação da família, é evidente que a tipologia das medidas admissíveis tem de ser taxativamente fixada pelo legislador na lei, que só poderá remeter para Portaria a regulamentação dos aspetos técnicos ou acessórios relativos às medidas de integração que ela própria prevê. É por isso que, ao não proceder à tipificação exaustiva das medidas de integração que podem ser exigidas ao requerente e aos seus familiares, autorizando a Administração a fixar outras para além das
relativas à aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais portugueses
» e àfrequência do ensino obrigatório no caso de menores
», o n.º 3 do artigo 98.º não exaure a regulação das condições para o exercício do direito ao reagrupamento familiar em termos compatíveis com o princípio da reserva de lei. Tal conclusão torna-se, aliás, particularmente evidente se tomarmos em consideração os fatores de ponderação enunciados no Acórdão 474/2021 para determinar o quanto à lei deve ser exigido. São eles os seguintes:
Primeiro fator de ponderação:
a reserva de lei é mais exigente quando a matéria reservada integra o objeto principal do diploma do que quando se situa na sua periferia ou é atingida de forma acidental. Segundo fator de ponderação:
quanto maior a novidade política ou o carácter polémico do objeto de regulação, maior é o valor do pluralismo político, da publicidade do debate e da dialética deliberativa privativos da lei parlamentar. Terceiro fator de ponderação:
quanto menores as qualidades procedimentais do ato normativo para o qual o diploma legal reenvia a sua regulamentação-decreto-lei, decreto regulamentar ou outros tipos de regulamento-, mais apertada deve ser a exigência de reserva de lei. Quarto fator de ponderação:
quanto maior a necessidade, atenta a morfologia do objeto de regulação, de uma normação flexível, com características de proximidade, mutabilidade e adaptabilidade, maior é a adequação funcional do poder regulamentar
».
Ora, até pela
elevada sensibilidade política, social e jurídica
» que o Requerente, com razão, aponta ao tema do reagrupamento familiar dos cidadãos estrangeiros com autorização de residência válida em Portugal, o nível de exigência quanto à extensão da regulação legal é, neste contexto, suficientemente elevado para que não possa ser reenviada ao poder regulamentar a tipificação de outras medidas de integração a cumprir pelo requerente do reagrupamento familiar e pelos seus familiares para além daquelas que o legislador definiu. Detetando-se esse reenvio, em consequência do emprego do advérbiodesignadamente
», há que concluir, também com este fundamento, pela violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
61-Tendo em conta que o Requerente, ao invés do que fez relativamente às normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 101.º, não imputa a qualquer dos conceitos empregues na norma do respetivo n.º 3 o que define como sendo um grau de indeterminabilidade
potencialmente violado[r] do princípio constitucional da segurança jurídica
», cabe apenas referir que não se suscitam a este propósito problemas de maior. Com efeito, tanto o conceito de
aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais portugueses
», como o de
frequência do ensino obrigatório no caso de menores
», permitem aos cidadãos requerentes do apoio familiar e respetivos familiares darem-se atempadamente conta das medidas de integração que ficarão obrigados a cumprir, não parecendo, por outro lado, que a remissão para Portaria da definição das condições de operacionalização daquela aprendizagem conceda ao Governo um poder de conformação incompatível com o princípio da reserva de lei em matéria de direitos, liberdades e garantias.
Em conclusão:
(i) as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 101.º, na redação dada pelo Decreto, não são inconstitucionais;
(ii) a norma do n.º 3 do artigo 101.º, na redação dada pelo Decreto, viola o princípio da reserva de lei contido na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
E.3. As normas relativas ao prazo de decisão do pedido de reagrupamento familiar 62-Atentemos agora no artigo 105.º da Lei 23/2007, cuja redação, segundo o Decreto 6/XVII, passará a ser a seguinte:
Artigo 105.º
[...]
1-O pedido deve ser decidido no prazo de nove meses, podendo, em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido, ser prorrogado pelo órgão competente para a decisão final por igual período, sendo o requerente informado desta prorrogação.
2-(Revogado.)
3-(Revogado.)
4-(Revogado.)
Relativamente às alterações introduzidas no artigo 105.º, importa começar por delimitar rigorosamente o objeto do pedido. Apesar não deixar de referir o término do deferimento tácito que decorre da revogação do n.º 3 do artigo 105.º vigente, o Requerente não pede a fiscalização da constitucionalidade da norma que o revogaisto é, o artigo 6.º do Decreto 6/XVII.
O deferimento tácito, como se sabe, encontra-se previsto no artigo 130.º Código do Procedimento Administrativo, cujo n.º 1 estabelece que
[e]xiste deferimento tácito quando a lei ou regulamento determine que a ausência de notificação da decisão final sobre pretensão dirigida a órgão competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento
». Por força da revogação do n.º 3 do artigo 105.º vigente, o silêncio da administração deixa de poder considerar-se deferimento, pelo que é eliminada nos processos administrativos de apreciação do pedido de reagrupamento familiar a figura do deferimento tácito. Ora, dos fundamentos que acompanham o pedido não resulta que esta opção, em si mesma, tenha suscitado ao Requerente quaisquer dúvidas de constitucionalidade-o que, aliás, bem se compreende, tendo em conta o acórdão proferido pelo TJUE, de 20 de novembro de 2019 (processo C-706/18), que considera que o deferimento tácito dos pedidos de reagrupamento familiar prejudica o efeito útil da Diretiva 2003/86/CE e é contrário aos seus objetivos (§ § 36 a 38).
Da revogação do n.º 3 do artigo 105.º vigente o Requerente extrai apenas um argumento de reforço, destinado a demonstrar que, com a alteração do n.º 1 do artigo 105.º, passa a existir um
período exigente face às decisões administrativas a tomar, violador do princípio da união familiar e do superior interesse da criança, desrespeitador do princípio da celeridade administrativa, previsto no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição, e potencialmente desproporcional à luz da nossa lei fundamental, com eventual violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da união familiar, previstos, respetivamente, nos artigos 13.º, 18.º e 36.º também da Constituição
».
63-No primeiro parágrafo do artigo 16.º do pedido, o Requerente começa por destacar que, devido às alterações introduzidas pelo Decreto, é aumentado
-substancialmente, para o triplo-o prazo de decisão relativo ao pedido de autorização de residência para o reagrupamento familiar
». No entanto, no âmbito da apreciação da constitucionalidade da medida, o Requerente não extrai qualquer consequência jurídica dessa circunstância, isoladamente considerada. Isto é, o Requerente não afirma, nem sugere, que o prazo de 9 meses, prorrogável, fixado no n.º 1 do novo artigo 105.º compromete, em si mesmo, o direito e as garantias dos requerentes do reagrupamento familiar, enquanto cidadãos administrados (artigos 266.º e 268.º da Constituição).
As dúvidas de constitucionalidade são de outra natureza. Elas encontram-se enunciadas no parágrafo seguinte do referido artigo 16.º, onde o Requerente procede à delimitação do objeto do pedido quanto à norma que pretende ver efetivamente apreciada. Trata-se, nas palavras do Requerente, da norma que resulta da conjugação do n.º 1 do artigo 105.º
com o disposto na redação aprovada pelo presente Decreto para o n.º 3 do artigo 98.º
», por dela resultar que
reagrupar um familiar em Portugal poderá demorar, no mínimo, cerca de 3 anos e meio, período exigente face às decisões administrativas a tomar, violador do princípio da união familiar e do superior interesse da criança, desrespeitador do princípio da celeridade administrativa, previsto no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição, e potencialmente desproporcional à luz da nossa lei fundamental, com eventual violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da união familiar, previstos, respetivamente, nos artigos 13.º, 18.º e 36.º também da Constituição
».
Isto é, para o Requerente, a violação
do princípio da celeridade administrativa, previsto no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição
», e, potencialmente, dos
princípios da igualdade, da proporcionalidade e da união familiar, previstos, respetivamente, nos artigos 13.º, 18.º e 36.º também da Constituição
» não decorre diretamente do novo prazo de nove meses que é fixado à AIMA I. P. para decidir os pedidos de reagrupamento familiar, nem da possibilidade da sua prorrogação. Tal violação é determinada antes pela circunstância de este prazo, que pode serprorrogado pelo órgão competente para a decisão final por igual período
», se associar a um outroao estabelecido no n.º 3 do artigo 98.º, na redação do Decreto-, importando assim que, entre a entrada em Portugal do titular de residência válida e a decisão do seu pedido de reagrupamento familiar, possa mediar o período
mínimo
» de três anos e meio. Assim, o que o Requerente, na realidade, sustenta é que o prazo totalmínimo
» de espera de três anos e seis meses é de tal forma excessivo que impõe, no essencial, uma restrição desproporcionada, desde logo, do direito à preservação da unidade familiar consagrado no artigo 36.º da Constituição, desrespeitando ainda o superior interesse da criança. Daí que o seu pedido de fiscalização se fundamente na conjugação das normas constantes dos artigos 98.º, n.º 3, e 105.º, n.º 1, da Lei 23/2007.64-Para além desta questão, o Requerente coloca ainda uma outra, que diz respeito ao pressuposto da prorrogação do prazo de decisão, tal como enunciado no n.º 1 do artigo 105.º Considera o Requerente que, ao facultar à AIMA, I. P. a possibilidade de prorrogação do prazo de decisão com base
em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido
», o legislador lançou mão de um conceito indeterminado, potencialmente violador do princípio constitucional da segurança jurídica (artigo 10.º do pedido), que
poderá permitir à administração a eventual prorrogação sem fundamentação objetiva e potenciadora de decisões discricionárias e desiguais
».
Comecemos por aqui.
A possibilidade de prorrogação do prazo de decisão dos pedidos de reagrupamento familiar prevista no n.º 1 do artigo 105.º deve ser lida em conjugação com o regime geral relativo aos prazos de decisão e à sua prorrogação que consta do artigo 128.º do Código de Procedimento Administrativo, aqui necessariamente aplicável. Ora, o que desse regime geral resulta é que a prorrogação do prazo de decisão só pode ter lugar em
circunstâncias excecionais devidamente fundamentadas
»-isto é, desde que a complexidade do procedimento o justifique e a prorrogação seja devidamente fundamentada-, sendo a decisão de prorrogação, necessariamente anterior ao termo do prazo inicial, notificada ao interessado (n.º 2). Aliás, a possibilidade de prorrogação do prazo para decisão do pedido de reagrupamento familiar com base em
circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido
» encontra-se já contemplada no n.º 1 do artigo 105.º vigente, não tendo sido colocado até ao momento em causa que a invocação pela AIMA I.P de circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido requer, em qualquer situação em que venha a ocorrer, uma justificação objetiva, sujeita a controlo jurisdicional.A cláusula empregue na lei é, na verdade, propositadamente aberta, de modo a compreender o diverso e variado tipo de constrangimentos objetivos que podem surgir no âmbito análise do pedido e dificultar a respetiva instrução, como seja a necessidade de uma análise mais exaustiva da documentação apresentada, que pode implicar a remessa de certidões comprovativas dos laços familiares a partir do país terceiro, de realização de consultas consulares, de controlo de autenticidade de documentos ou de acautelar situações com elevados riscos de fraude.
Por não ser exigível ao legislador que categorize e enuncie exaustivamente todo o tipo de circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido que podem justificar a prorrogação do prazo de decisão dos pedidos de reagrupamento familiar, não é possível acompanhar, em nenhum dos planos invocados, as dúvidas de inconstitucionalidade a este propósito colocadas pelo Requerente.
65-Resta então verificar se, por dela decorrer que
reagrupar um familiar em Portugal poderá demorar, no mínimo, cerca de 3 anos e meio, período exigente face às decisões administrativas a tomar
», a norma que deriva da conjugação do n.º 1 do artigo 105.º com o disposto no n.º 3 do artigo 98.º, ambos na redação aprovada pelo Decreto, viola, como afirma o Requerente, o
princípio da união familiar e do superior interesse da criança
», desrespeitando ainda o
princípio da celeridade administrativa, previsto no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição
», e ou
é potencialmente desproporcional à luz da nossa lei fundamental, com eventual violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da união familiar, previstos, respetivamente, nos artigos 13.º, 18.º e 36.º também da Constituição
».
As dúvidas do Requerente partem do pressuposto de que, por força do novo regime constante do decreto,
reagrupar um familiar em Portugal poderá demorar, no mínimo, cerca de 3 anos e meio
». Não é isso, porém, que decorre da articulação do n.º 1 do artigo 105.º com o n.º 3 do artigo 98.º O que dessa articulação resulta é que o período total de espera até à efetiva unificação familiar pode ascender a três anos e seis meses.
Como acima se observou, o prazo de dois anos previsto no n.º 3 do artigo 98.º representa um pressuposto do próprio do direito ao reagrupamento familiar (v. supra, o n.º 33). Tal como assinala o Requerente, este requisito significa, na prática, que apenas após o decurso desses dois anos poderá ser dado início ao respetivo procedimento administrativo. Deste modo, e como acima se referiu também, o cidadão titular de autorização de residência poderá ter de aguardar, no mínimo, dois anos até poder desencadear o processo de reagrupamento familiar. A este período inicial acresce ainda o tempo necessário à tramitação do procedimento administrativo, que, segundo a nova redação do n.º 1 do artigo 105.º, poderá agora estender-se até 18 meses. Além disso, em caso de indeferimento, deverá igualmente ser contabilizado o tempo necessário à prolação de decisão sobre uma eventual impugnação judicial.
66-Já houve oportunidade de expor as razões pelas quais a imposição de um prazo absoluto de dois anos até à apresentação do pedido importa, no caso do reagrupamento familiar de membros da família maiores de idade que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem, uma restrição desproporcional do direito fundamental à convivência familiar que emerge do 36.º, n.os 1 e 6, em conjugação com os artigos 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, 71.º, n.º 2, 72.º, n.º 1, todos da Constituição, e, no caso do reagrupamento familiar com os membros da família maiores de idade que se encontrem fora do território nacional, uma inobservância do dever estadual de proteção da família e da infância decorrente dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, da Constituição.
O que importa agora verificar é se o prazo total de esperaresultante da soma entre o período inicial, exigido como condição para o reconhecimento do direito ao reagrupamento familiar, e o prazo subsequente necessário à decisão do pedido-se revela compatível com o
princípio da união familiar e do superior interesse da criança
», indicados pelo Requerente.
Como pode facilmente antecipar-se, a resposta não poderá deixar de ser negativa.
67-O artigo 8.º da Diretiva 2003/86/CE estabelece, no seu parágrafo segundo, que, a
título de derrogação, se a legislação de um EstadoMembro em matéria de reagrupamento familiar, em vigor à data de aprovação da presente diretiva, tiver em conta a sua capacidade de acolhimento, o EstadoMembro pode impor um período de espera, não superior a três anos, entre a apresentação do pedido de reagrupamento e a emissão de uma autorização de residência em favor dos familiares
». De acordo com a jurisprudência do TJUE, o parágrafo segundo do artigo 8.º da Diretiva é compatível com o direito à vida familiar, desde que o prazo de espera seja fundamentado na capacidade de acolhimento nacional, seja proporcional e seja exercido mediante avaliação individual de cada pedido, integrando os princípios do interesse superior da criança e do respeito pela vida familiar. Nessa medida, não haverá violação ao artigo 8.º da CEDH quando um EstadoMembro adota tal período de espera, desde que a legislação nacional que incorpora essa derrogação seja proporcional, observe a capacidade de acolhimento nacional e garanta a análise individualizada de cada pedido. Nas palavras do TJUE,
[...] uma disposição nacional que prevê um prazo de espera de até três anos, baseada na capacidade de acolhimento do EstadoMembro, não é contrária ao respeito pela vida familiar consagrado no artigo 8.º da CEDH, desde que exista possibilidade de apreciação casuística do pedido e o prazo seja razoável e justificado
»(Processo C-540/03, Parlamento Europeu vs. Conselho da UE, de 27 de junho de 2006, § 97 e 105).
Para saber se o período de espera entre a apresentação do pedido de reagrupamento e a emissão de uma autorização de residência em favor dos familiares previsto na legislação nacional é razoável e justificado haverá que levar em linha de conta, como parece resultar do Acórdão do TEDH no caso M.A. c. Dinamarca, de 9 de julho de 2021, que, quanto maior for o tempo efetivo de espera, maior será a probabilidade de se considerar violado o artigo 8.º da CEDH.
No referido acórdão, o TEDH salientou que a apreciação da conformidade das normas relativas ao reagrupamento familiar com o artigo 8.º da CEDH exige uma ponderação casuística entre o interesse legítimo do Estado no controlo da imigração e o grau de afetação da vida privada e familiar do requerente que pretende o reagrupamento familiar. O Tribunal identificou vários critérios relevantes para essa análise, entre os quais se destaca, de forma expressiva, o tempo de demora até à efetiva unificação familiar. No caso concreto, o TEDH considerou que um prazo de espera de três anos para a apresentação do pedido, ao qual ainda acrescia o tempo necessário para a decisão administrativa, violava o artigo 8.º da CEDH. Embora o prazo para a apresentação do pedido resultante das alterações introduzidas pelo Decreto seja de dois anos, contados da entrada do requerente em território nacional, o que importa essencialmente reter é que o período que tem que decorrer até que o requerente se reúna com a sua família poderá ser significativamente superior. Com efeito, por força do novo n.º 1 do artigo 105.º, é possível que a decisão do pedido apenas venha a ser proferida após três anos e seis meses, prazo que pode ainda ser dilatado quando, após uma eventual decisão de indeferimento, o requerente se veja compelido a recorrer aos tribunais para obter a respetiva reversão. Naturalmente que, se no final desse longo percurso, se concluir que o requerente não preenchia os requisitos legais para o reagrupamento, então prevalecerá legitimamente o interesse do Estado no controlo da imigração. No entanto, se vier a ser reconhecido que o requerente tinha efetivamente direito ao reagrupamento familiar, o período de três anos e meio (ou mais) em que esteve privado do convívio com a sua família revelar-se-á excessivo, importando uma grave desproteção ao direito à vida familiar, mormente se estiver em causa a entrada no país do seu cônjuge ou unido de facto e este for progenitor comum dos filhos menores de idade que com aquele permaneceram em território nacional.
Nessa medida, deve concluir-se que o n.º 3 do novo artigo 98.º, ao somar um prazo de decisão de nove meses, prorrogável até dezoito meses, ao período de dois anos de espera que o titular de residência válida deverá em qualquer caso observar para requerer o reagrupamento familiar com qualquer um dos membros da sua família, maior ou menor de idade, que se encontre fora do território nacional, não é compatível com os deveres de proteção a que o Estado se encontra vinculado por força dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, da Constituição. Ao contrário do Requerente, já não se crê, contudo, que tal solução importe a violação do princípio da igualdade e ou do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, no primeiro caso porque o prazo fixado e as condições da sua prorrogação são aplicáveis a todos os titulares de autorização de residência válida que requeiram o reagrupamento familiar e, no segundo, porque do n.º 2 do referido artigo 266.º da Lei Fundamental não se retira um princípio de celeridade administrativa que pudesse constituir parâmetro autónomo de invalidação da norma fiscalizada.
E.4. As normas relativas à tutela jurisdicional 68-Por último, importa apreciar as normas constantes do artigo 87.º-B, aditado pelo artigo 3.º do Decreto à mencionada Lei 23/2007, com a seguinte redação:
Artigo 87.º-B
Tutela jurisdicional
1-No âmbito do presente capítulo, as ações judiciais relativas às decisões ou omissões da AIMA, IP, revestem a forma de ação administrativa, nos termos do artigo 37.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem prejuízo do recurso à tuteia cautelar, nos termos gerais.
2-Só é admissível o recurso à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, quando, para além dos pressupostos referidos no artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a atuação ou omissão da AIMA, IP, comprometa, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades e garantias pessoais, cuja tutela não possa ser eficazmente assegurada através dos meios cautelares disponíveis.
3-Na decisão a adotar no processo de intimação, em caso de ausência atempada de atuação da AIMA, IP, o juiz deve ponderar, se requerido, o número de procedimentos administrativos que correm junto daquela entidade, em face de eventuais pressões anormais de pedidos e solicitações, os meios humanos, administrativos e financeiros disponíveis, que é razoável esperar, bem como ter em conta as consequências que possam resultar da intimação para o tratamento equitativo de todos os requerimentos dirigidos à AIMA, IP.
4-Nas situações previstas no n.º 2, tem lugar a aplicação dos artigos 109.º a 111.º, com as devidas adaptações impostas pelo presente artigo.
»Considerando que o Decreto 6/XVII não introduz alterações à estrutura sistemática da Lei 23/2007, o novo artigo 87.º-B será integrado na Secção I-“Disposições gerais” do Capítulo VI da referida lei. Este capítulo compreende ainda uma extensa Secção II, especificamente dedicada ao regime da autorização de residência, nas suas diversas modalidades e finalidades.
Deste enquadramento resulta que o regime consagrado no novo artigo 87.º-B terá, conforme atrás referido (v. supra, o n.º 13.4.), um âmbito de aplicação alargado, abrangendo todas as situações relativas a autorizações de residência, onde se incluem os pedidos de reagrupamento familiar, já que estes, nos termos da Lei 23/2007, são designados por
autorização de residência para reagrupamento familiar
».
69-As dúvidas de constitucionalidade do Requerente dirigem-se às normas constantes dos n.os 2 e 3 do novo artigo 87.º-B. Quanto à primeira, o Requerente considera que é limitado de forma inadmissível o recurso à ação especial de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, já que se exige que o prejuízo causado pela atuação ou omissão da AIMA, I. P. seja
comprovadamente grave, direto e irreversível
», devendo entender-se que a imposição desse critério adicional, não previsto na lei processual administrativa, restringe de forma desproporcionada o direito fundamental de acesso efetivo à justiça, consagrado nos n.os 1, 4 e 5 do artigo 20.º da Constituição, incluindo o direito à tutela jurisdicional urgente em matéria de direitos, liberdades e garantias. Quanto à segunda, o Requerente considera que a mesma aponta para que a efetivação de direitos fundamentais fique subordinada a limitações operacionais da AIMA, I. P., o que atenta contra os princípios constitucionais da igualdade (artigo 13.º), acesso à justiça e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º), celeridade administrativa e proporcionalidade (artigos 266.º e 18.º, respetivamente).
O Requerente parece colocar ainda uma terceira questão, que se prende com a conformidade das normas do artigo 87.º-B com o artigo 47.º da CDFUE, que garante a proteção jurisdicional efetiva, especialmente relevante em matérias de imigração e asilo, onde se exige o acesso célere e eficaz à justiça administrativa. Contudo, conforme se referiu já (v. supra, n.º 11), a correta interpretação do pedido conduz à conclusão de que a referência feita pelo Requerente visa apenas alertar o Tribunal Constitucional para a necessidade de interpretar o parâmetro constitucional invocado-o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituiçãoem conformidade com o direito à proteção jurisdicional previsto no artigo 47.º da CDFUE, tal como este tem sido interpretado pelo TJUE. Em todo o caso, como anteriormente exposto (v. supra, o n.º 20.), não parece retirar-se da jurisprudência do TJUE qualquer elemento que permita concluir que, no que respeita às normas objeto do pedido, o artigo 47.º da CDFUE assegura um nível de proteção superior ao que resulta do artigo 20.º da Constituição.
70-Para se perceber o sentido e alcance da norma constante do n.º 2 do artigo 87.º-B, aditado pelo Decreto, convém começar por recordar, ainda que de forma necessariamente sintética, em que consiste e para que serve a ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
A ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias foi introduzida, como se sabe, pela Reforma do Contencioso Administrativo de 2002, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2004 com o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (
CPTA
») e o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. A introdução desta figura, que representou uma novidade absoluta no ordenamento jurídico português, sem precedentes no contencioso administrativo anterior (cf. João Caupers/Vera Eiró, Introdução ao Direito Administrativo, 12.ª ed., Lisboa, 2016, p. 493), teve como base os artigos 20.º, n.º 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição, resultantes da revisão constitucional de 1997.
Embora o artigo 268.º, n.º 4, da Constituição não faça referência expressa à ação de intimação, o n.º 5 do artigo 20.º, introduzido em 1997, impôs ao legislador ordinário o dever de criar
procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade
», assegurando aos cidadãos por essa via
a obtenção de uma tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações
» dos seusdireitos, liberdades e garantias pessoais
». Ao cumprir tal injunção constitucional, o legislador definiu o exato âmbito de aplicação desta intimação, ampliando-a para além do limiar dos direitos, liberdades e garantias pessoais.
O regime geral da ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias consta dos artigos 109.º a 111.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Os respetivos pressupostos encontram-se estabelecidos no artigo 109.º, resultando do respetivo n.º 1 que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias
pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar
».
O recurso à intimação tem, assim, natureza residual ou de ultima ratio, assentando na impossibilidade ou insuficiência do decretamento, no caso concreto, de uma providência cautelar, de tal modo que, quando, na pendência do processo, se concluir pela não verificação dos respetivos pressupostos, o processo deve ser convolado num processo cautelar (cf. artigo 110.º-A, n.º 1), não obstando a essa convolação a especial urgência da situação (cf. artigo 110.º-A, n.º 2). Todavia, neste caso, o juiz deve, no mesmo despacho liminar, e sem quaisquer outras formalidades ou diligências, decretar provisoriamente a providência cautelar que julgue adequada (cf. artigo 110.º-A, n.º 2). Os poderes atribuídos ao juiz administrativo são, aliás, bastante amplos e intensos no âmbito desta intimação, envolvendo, nomeadamente, a possibilidade de optar, no despacho liminar, pela adoção de medidas de gestão processual, traduzidas no encurtamento de prazos e simplificação de diligências e atos processuais, quando esteja em causa uma situação de especial urgência, evidenciada pela possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia (cf. artigo 110.º, n.º 3), bem como a possibilidade de exercício de poderes de substituiçãoquando o ato seja estritamente vinculado (cf. artigo 109.º, n.º 3)-e, quando essa hipótese não se verifique, a fixação de um prazo para cumprimento, acompanhado da sujeição a sanções pecuniárias compulsórias que incidem sobre o próprio titular do órgão (cf. artigo 111.º, n.º 4).
No que diz respeito à subsidiariedade da intimação relativamente ao uso de meios cautelares, a doutrina vem entendendo que a intimação pode ser utilizada
quando a emissão célere de uma decisão de mérito do processo que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa seja indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito liberdade ou garantia
», pelo que
a urgência da decisão para evitar a lesão ou inutilização do direito
» é sempre um pressuposto indispensável, embora deva destacar-seo carácter relativo ou gradativo da urgência, que depende das circunstâncias do caso concreto, avaliadas de acordo com um critério composto, que, nas espécies radicais de “especial urgência”, associa apreciações temporais de iminência a juízos de valor, numa ponderação própria das situações de necessidade
»[Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 18.ª ed., Coimbra, 2020, p. 265 (itálicos originais)]. Já quanto à exigência de que
não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar
», prevalece o entendimento de que se trata de uma condição
de algum modo pleonástica, pois que, se é indispensável uma decisão de mérito urgente para evitar a lesão do direito, então isso exclui automaticamente a admissibilidade de um processo cautelar
», porquanto este
não tem sentido quando a questão de fundo deva ser resolvida imediatamente
», tendo em conta a natureza necessariamente instrumental e provisória das providências cautelares (ibidem, p. 266, itálicos originais). O que explica, aliás, a razão pela qual o artigo 110.º-A, n.º 2, do CPTA contempla a convolação da intimação em processo cautelar, mesmo em situações de especial urgência:
é que a distinção entre a primeira e o segundo não repousa na urgência em si, mas a necessidade de uma decisão de fundo urgente. Quando tal necessidade não se verifique,
eventuais perigos de lesão, mesmo que de lesões imediatas e irreversíveis, podem ser impedidos
», no contexto de processos de tramitação normal, através de providências cautelares (ibidem, p. 267).
Em suma, extrai-se da doutrina que
a intervenção da intimação está [...] excluída nas situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que ponha definitivamente termo ao litígio, não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, bastando, para o efeito, a propositura de uma ação não urgente, complementada pelo decretamento de uma providência cautelar que dê uma regulação provisória ao caso
»(Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª ed., 2021, Coimbra, p. 934). Ou, por outras palavras, que
o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações-e apenas nessasem que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas para assegurar a proteção efetiva de direitos, liberdades e garantias
»(ibidem, pp. 935-936, itálicos originais).
71-Relativamente às condições de acesso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstas no artigo 109.º a 111.º do CPTA, no âmbito do contencioso relacionado com as pretensões de autorização de residência, não pode deixar de referir-se o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 11/2024, de 11 de julho, que, ainda que com três votos de vencido, uniformizou jurisprudência no sentido de que,
[e]stando em jogo o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro, mas cuja efetividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência por banda da Administração, a garantia do gozo de tais direitos por parte do mesmo não se compagina com uma tutela precária, traduzida na atribuição de uma autorização provisória, antes reclama uma tutela definitiva, pelo que o meio processual adequado, de que o cidadão deve lançar mão, é o processo principal de intimação previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA.
».
Deste aresto do STA, importa, fundamentalmente, destacar dois aspetos.
O primeiro, e mais evidente, é a uniformização de jurisprudência no sentido de que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual tipicamente adequado para a tutela de pretensões relacionadas com a autorização de residência, precisamente por se afigurar ser aí necessária uma decisão de mérito urgente e revelar-se insuficiente a mera tutela outorgada por providência cautelar. Neste grupo de casos, o STA afirmou, assim, estar preenchido o pressuposto ou requisito que habilita ao recurso a este meio processual, ainda que levando em linha de conta a sua natureza residual ou subsidiária relativamente aos comuns meios processuais administrativos, se suficientes para assegurarem uma tutela judicial efetiva.
O segundo aspeto prende-se, mais abstratamente, com o âmbito de aplicação reconhecido àquela intimação e a diversidade dos direitos fundamentais cuja tutela possa albergar. Na verdade, neste mesmo acórdão de uniformização de jurisprudência, o STA não deixou de afirmar, que,
ligando a previsão legal deste meio ao n.º 5 do artigo 20.º da CRP, não se pode deixar de dizer que a admissão da Intimação se justifica para salvaguardar, entre os direitos pessoais, o direito de cidadania, previsto no n.º 1 do artigo 26.º, entendido no sentido lato que resulta da previsão do artigo 15.º, relativo à equiparação entre estrangeiros e cidadãos nacionais
». (§ 55, itálico aditado). Parecendo seguir na mesma direção, o STA assinala ainda que
a nossa jurisprudência tem feito uma leitura generosa do conceito de direito, liberdade e garantia para efeitos do artigo 109.º e das pretensões amparáveis enquanto exercício de tais direitos, estendendo mesmo a proteção a concretizações legislativas de direitos fundamentais sociais, como o ensino superior, a saúde ou a segurança socialcf. Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina, pág. 139. Também o princípio da dignidade da pessoa humana tem sido invocado em alguns acórdãos onde se releva a afetação de dimensões nucleares de direitos fundamentais, designadamente, de direitos sociaiscf. Ac. do TCAS, de 15.02.2018, proc. 2482/17.2BELSB
»(§ 60, itálico aditado). Como nota Sofia David, deste acórdão do STA pode, pois, extrair-se razoavelmente a ilação de que aquele Tribunal adotou ou firmou um entendimento segundo o qual se inserem no âmbito da intimação em causa
quer a proteção direta e imediata de direitos, liberdades e garantias e de direitos de natureza análoga, quer a proteção indireta, mediata ou reflexa destes direitos, associada à defesa direta e imediata de direitos fundamentais sociais, que imbriquem especialmente com direitos pessoais e de personalidade, tal como decorre dos direitos ligados à imigração ou à saúde, ao trabalho, à educação, etc.
». Assim, e
seguindo esta jurisprudência, provavelmente, ficará garantida a tutela jurisdicional efetiva no contencioso da imigração
»(“Em busca da tutela jurisdicional efetiva no contencioso da imigração”, in Julgar, n.º 54, 2024, p. 26.).
72-Feito este excurso pelo regime geral da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, tal como consagrado no CPTA, tornam-se evidentes a finalidade e o critério orientador das normas agora sindicadasem particular, do n.º 2 do artigo 87.º-B. Com efeito, ao aprovar o Decreto 6/XVII, o legislador pretendeu de forma clara restringir a aplicação do regime geral da intimação no contexto das pretensões relacionadas com a autorização de residência, introduzindo pressupostos adicionais àqueles que já decorrem do artigo 109.º do CPTA. Assim, no âmbito daquele contencioso, o recurso à intimação só será admissível se:
(i) o direito, liberdade ou garantia carecido de tutela for pessoal; e (ii) a atuação ou omissão da AIMA, IP, comprometer de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil, daquele direito.
73-Importa relembrar que, por força do princípio da equiparação consagrado no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição, os cidadãos estrangeiros que residam ou se encontrem em Portugal gozam, em regra, dos mesmos direitos que são reconhecidos aos cidadãos nacionais. Um desses direitos é justamente o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, em todas as dimensões em que surge consagrado no artigo 20.º da Constituição.
Ainda que com especial enfoque no instituto do apoio judiciário, o Tribunal Constitucional dispõe de abundante jurisprudência no que diz respeito ao princípio da equiparação em matéria de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva. Dessa jurisprudência, importa atentar sobretudo no Acórdão 962/1996, tirado em Plenário, aresto no qual, depois de se afirmar que o direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva
é garantido a “todos” pela Constituição
», se explicitaram as consequências que daí advêm para o legislador ordinário nos termos que se seguem:
Os mandados da norma do artigo 20.º, de asseguramento do acesso ao direito e aos tribunais, constituem mesmo a estrutura central da ordem constitucional democrática, que é ordem aberta à dimensão internacional dos direitos do homem.
Da centralidade no sistema constitucional da norma do artigo 20.º, enquanto momento de defesa e enquanto momento de pretensão a uma atuação positiva do Estado, ou seja, do significado da tutela judicial como direito à garantia dos direitos, resulta que o acesso ao tribunal integra o núcleo irredutível do princípio da equiparação de tratamento entre nacionais e estrangeiros e apátridas, estabelecido no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição.
Esse princípio de equiparação, se bem que suscetível de exceções a ditar pelo legislador (artigo 15.º, n.º 2), não pode ser limitado ao ponto de desvirtuar o estatuto dos estrangeiros constitucionalmente fixado (artigo 15.º).
Esse estatuto assenta na dignidade do homem, como sujeito moral e sujeito de direitos, como “cidadão do mundo”. Daí que seja a própria semântica do artigo 15.º da Constituição a ditar os limites heterónomos da atuação legislativa (cf., neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pág. 135).
O direito à tutela judicial fixa, indubitavelmente, um desses limites
».
Tendo em conta que o artigo 87.º-B aditado pelo Decreto não elimina a possibilidade de os cidadãos oriundos de países fora do território da União recorrerem à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no âmbito do contencioso relativo às respetivas autorizações de residência, não se pode dizer que a medida adotada, que consiste na restrição daquela possibilidade mediante o adicionamento de novos pressupostos, atinja o
núcleo irredutível do princípio da equiparação de tratamento entre nacionais e estrangeiros e apátridas, estabelecido no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição
». Os cidadãos estrangeiros mantêm a possibilidade de aceder à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, ainda que agora apenas para tutela de direitos, liberdades e garantias pessoais cujo exercício, em tempo útil, seja comprometido, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, pela atuação ou omissão da AIMA, IP.
74-Em face das alterações preconizadas no Decreto, a primeira questão a que cumpre dar resposta consiste em saber se o legislador se encontra impedido pela Constituição, nomeadamente pelo n.º 5 do seu artigo 20.º, de reconfigurar as condições de acesso à intimação para proteção de direitos, liberdades nos termos que resultam do n.º 2 do artigo 87.º-B, isto é, mediante adicionamento dos dois novos pressupostos que aí são fixados.
Da jurisprudência constitucional relativa aos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias estabelecidos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA (em especial, dos Acórdãos n.os 5/2006 e 198/2007), extraem-se dois dados essenciais:
por um lado, o reconhecimento de que o n.º 5 do artigo 20.º da Constituição se limita aos direitos, liberdades e garantias pessoais; por um lado, o reconhecimento de que o n.º 5 do artigo 20.º da Constituição se limita aos direitos, liberdades e garantias pessoais; por outro, a afirmação da compatibilidade com a Constituição do carácter residual ou subsidiário da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, tal como plasmada no CPTA, tendo como critério a necessidade de uma tutela de mérito urgente e a insuficiência dos comuns meios processuais disponíveis, incluindo aí o recurso a uma providência cautelar.
A doutrina, por sua vez, destaca a
ampla liberdade constitutiva
» do legislador ordinário no cumprimento da injunção que lhe é dirigida pelo n.º 5 do artigo 20.º da Constituição, assinalando quedireitos, liberdades e garantias pessoais, na aceção utilizada pelo artigo 20.º, n.º 5, são os enumerados nos artigos 24.º a 47.º da Constituição
», chegando a pôr em dúvida que
o artigo 20.º, n.º 5, se aplique igualmente aos direitos fundamentais com uma estrutura análoga à dos direitos, liberdades e garantias pessoais
»(Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada (coord. Jorge Miranda/Rui Medeiros), vol. I, 2.ª ed., Lisboa, 2017, pp. 331-332).
75-Como se extrai do que ficou dito, a restrição do recurso do meio previsto no artigo 109.º do CPTA à tutela de direitos, liberdades e garantias pessoais não parece suscitar problemas de maior.
Aliás, a opção do legislador vertida no n.º 1 do artigo 109.º do CPTAque, como se disse, ampliou para além do limiar dos direitos, liberdades e garantias pessoais o âmbito de aplicação desta intimaçãosuscitou, desde cedo, aceso debate na doutrina. De um lado, aplaudia-se a opção do legislador ordinário no sentido de alargar o âmbito de proteção da ação sumária consagrada no artigo 109.º do CPTA, em face do imperativo constitucional mínimo decorrente do n.º 5 do artigo 20.º da CRP
», ainda que sem deixar de reconhecer que
a extensão indiscriminada a quaisquer direitos, liberdades e garantias fora do Capítulo I do Título II da CRP pode, em abstrato, induzir a uma banalização da utilização de um meio jurisdicional que, devido à sua sumariedade, deve ver a sua aplicação restrita a um número selecionado de casos
»(Carla Amado Gomes, “Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias”, in Revista do Ministério Público, n.º 104, 2005, p. 113, (itálicos originais). No polo oposto, criticava-se a extensão do âmbito de aplicação da intimação a outros direitos, liberdades e garantias para além dos referidos no n.º 5 do artigo 20.º da Constituição, considerando-se que ilegítima
a extensão da intimação para proteção de eventuais interesses ou até direitos, substanciais ou procedimentais, no âmbito de relações jurídicas administrativas, que, fundamentando-se em preceitos de direito ordinário, tenham uma ligação meramente instrumental com a realização dos direitos constitucionais, ou constituam concretizações legislativas de direitos fundamentais de conteúdo insuscetível de determinação no plano constitucional
»(Vieira de Andrade, ob. cit., pp. 255-256-itálicos nossos).
Seja qual for a direção em que se siga, o que deste debate no essencial se retira é que a ampliação do âmbito de aplicação da intimação para lá dos direitos, liberdades e garantias a que se refere o n.º 5 do artigo 20.º da Constituição consubstancia uma opção que se inscreve na margem de conformação do legislador ordinário. Naturalmente que, se essa ampliação for revertida, o nível de proteção já alcançado é reduzido. Porém, na medida em que continue a contemplar os
direitos, liberdades e garantias pessoais
», a ação de intimação manter-se-á conforme ao n.º 5 do artigo 20.º da Constituição pois não perderá as propriedades inerentes a um procedimento judicial caracterizado pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos. Na verdade, através do adicionamento deste pressuposto, aquilo que o legislador terá pretendido foi afastar amplitude conferida ao artigo 109.º do CPTA e aceite pelos tribunais e doutrina administrativa (Sofia David, loc. cit., p. 18, assim como a doutrina citada na nota de rodapé 3), no sentido de que esta abrange a tutela urgente dos direitos, liberdades e garantias que estão previstos no Título II, da Parte I, da Constituição, a saber, os direitos, liberdades e garantias pessoais, políticos, dos trabalhadores, assim como abrange os direitos de natureza análoga, por força do artigo 17.º da Lei Fundamental, aceitação essa com reflexos, mais recentemente, no acórdão de uniformização de jurisprudência datado de 06.06.2024-amplitude que, como se viu, não é imposta pela Constituição, embora também não seja por ela vedada.
76-Já quanto à exigência de que a lesão em causa seja comprovadamente grave e irreversível, a resposta não é tão linear, na medida em que a introdução deste pressuposto adicional pode contender, se não com o n.º 5 do artigo 20.º da Constituição, pelo menos com o respetivo n.º 1, bem como com o n.º 4 do seu artigo 268.º
No Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no contexto da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias, a irreversibilidade é entendida como uma das hipóteses de conformar a urgência numa decisão de mérito, no sentido da sua indispensabilidade (n.º 1 do 109.º)-e por isso vertida no n.º 3 do 110.º, ao aqui se prever, com esse fundamento, uma faculdade de aceleração processual-, para acautelar situações de um evento único, identificado e irrepetível no tempo. A irreversibilidade tem sido, assim, enquadrada e aplicada pelos tribunais administrativos e fiscais, muito em particular no contexto a que nos referimos, por referência a situações de urgência fora do normal, nas palavras da lei
situações de especial urgência
»(n.º 3 do artigo 110.º do CPTA).
Desta forma, a comprovada irreversibilidade do comprometimento de um direito, liberdade ou garantia pessoal, agora consagrada, de forma inovadora, no novo artigo 87.º-B do CPTA, adquire a natureza de pressuposto processual autónomo. Deixa, assim, de funcionar apenas como condição de aceleração processual para se afirmar como requisito específico do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, particularmente no contexto das pretensões relacionadas com a autorização de residência. O que, como é bom de ver, restringe substancialmente o âmbito da tutela jurisdicional até aqui garantida aos destinatários do artigo 109.º do CPTA que passam a estar abrangidos pelo disposto no regime especial de tutela previsto no novo artigo 87.º-B.
77-Esta restrição pode perspetivar-se em duas vertentes.
Por um lado, o pressuposto processual de irreversibilidade deixará de fora do âmbito de aplicação do novo artigo 87.º-B-e, por conseguinte, da possibilidade de uma tutela definitiva urgente-, todas as situações relacionadas com a situação pessoal dos indivíduos e das famílias em que é a própria substância do direito que é lesada pelo decurso do tempo. Um exemplo paradigmático serão todos aqueles casos em que o ato legalmente devido seja uma autorização de residência para alguém que está no estrangeiro, como sucede com o reagrupamento familiar de filhos menores ou do cônjuge do cidadão estrangeiro residente em território nacional. Com efeito, com a concessão de uma autorização de residência para reagrupamento familiar o que se pretende é que quem seja titular de uma autorização de residência não veja especialmente dificultada a sua vida familiar.
Por outro lado, estando em causa direitos emergentes e temporários, a tutela cautelar é inadequada à proteção jurisdicional de muitos, se não da maioria, destes direitos em matéria de imigração, pois que este tipo de questões deve ou tem de obter, quanto ao respetivo mérito, uma resolução definitiva pela via judicial num tempo curto (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 18.ª ed., 2020, p. 242). A tutela cautelar, revelar-se-á, assim, para uma grande maioria de casos, inidónea porque o que aqui se pede a título provisório irá esgotar e esvaziar o que se peticionar a título principal, tornando inútil a decisão a proferir, face aos efeitos de facto e de direito da tutela cautelar concedida. Tal sucederá sempre que, pelo normal decurso do tempo em que se tem de aguardar a decisão do processo principal, se esvazie a utilidade da decisão a proferir neste processo, por via dos efeitos da decisão provisória no tempo, por nada mais restar para decidir a título definitivo (Sofia David, loc. cit., pp. 15-17).
Assim, e com estes novos pressupostos, casos haverá em que, não podendo os interessados beneficiar do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias na medida em que a sua situação não consubstanciará uma lesão irreversível do direito invocado, ainda que esteja em causa um direito, liberdade ou garantia pessoal, também não terão aberta a via da tutela cautelar, que se revelará inacessível na medida em que os pedidos, necessariamente provisórios, que ali se fizerem serão pedidos ilegais, porque esgotariam, total ou parcialmente, o que se pedirá na ação principal.
Ao que acresce que a tutela principal não urgente, por via da ação administrativa, considerando o tempo de esperaque não tem sequer de ser excessivo, bastando que não exceda o prazo de três anos, que é aceite como sendo, em regra, justificado na jurisprudência do TEDH-, para a decisão de uma decisão num tribunal de 1.ª instância, é claramente incompatível com a subsistência do direito quando é necessária tutela urgente.
Apesar de não estar em causa a eliminação do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias por parte dos interessados, designadamente, dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal no âmbito do contencioso relativo às respetivas autorizações de residência, assiste-se, em suma, a uma assinalável restrição dessa possibilidade, comparativamente com o regime de acesso àquele meio de tutela avançada de direitos, liberdades e garantias que é mantido em termos gerais. Pondo-se em causa a própria subsistência do direitocomo ocorrerá, pelo menos, em todos os casos de reagrupamento familiar de familiares fora do país-, por via da transformação da irreversibilidade da lesão em pressuposto do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, no contexto das pretensões relacionadas com a autorização de residência, é evidente o efeito restritivo que a medida exercer sobre o direito ao direito e a um tutela jurisdicional efetiva, com consequente afetação das posições garantidas pelos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, ambos da Constituição.
78-Por força do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, essa restrição apenas será constitucionalmente legítima se observar as exigências que decorrem do princípio da proibição do excesso.
Recorrendo uma vez mais à metódica do triplo teste que o Tribunal Constitucional vem desde há muito aplicando no controlo de constitucionalidade baseado no princípio da proibição do excesso (v. o Acórdão 634/1993), importará essencialmente determinar se a medida concretizada no n.º 2 artigo 87.º-B é adequada, necessária e proporcional à finalidade que através dela se prossegue.
Tal medida, importa recordálo uma vez mais, consiste no agravamento dos pressupostos de acesso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no âmbito do contencioso relacionado com autorizações de residênciaincluindo as autorizações de residência para agrupamento familiarrelativamente ao regime geral previsto no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Nos termos do primeiro, o recurso à intimação é possível
quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar
». Agora, e se o recorrente for um requerente de um pedido de autorização de residência, designadamente para reagrupamento familiar, que vê a sua decisão indeferida e/ou é confrontado com alguma atuação ou omissão da AIMA. I. P. que o afete, o recurso a essa intimação só pode ocorrer se tal comprometer
de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades e garantias pessoais, cuja tutela não possa ser eficazmente assegurada através dos meios cautelares disponíveis.
»79-Apesar de tal não ser expressamente referido pelo legislador na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 3/XVII/1.ª, que culminou no Decreto em apreciação, o motivo subjacente a esta opção legislativa prender-se-á com o elevado número de intimações para tutela de direitos relacionados com autorizações de residência pendentes nos tribunais administrativos que têm vindo a divulgado pelos representantes máximos dos próprios operadores judiciários (cf. https:
//eco.sapo.pt/2024/05/24/presidente-do-supremo-tribunal-administrativo-avisa-problema-da-imigracao-e-dramatico-e-crueldade-absoluta/?utm_source=chatgpt.com). E prender-se-á também, sobremaneira, com a situação de incapacidade de resposta a estes pedidos por parte da AIMA, I. P.. É deste ponto de vista que cumpre aferir da idoneidade e a adequação da medida, tendo por contrapondo a garantia, por um lado, da tutela jurisdicional efetiva dos interessados (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e, bem assim, o direito a um tratamento equitativo dos processos junto da AIMA, I. P. (artigo 266.º, n.º 4, da Constituição).
Agravando os pressupostos de acesso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no âmbito do contencioso relacionado com autorizações de residência, o legislador limitou a possibilidade de recurso a este instrumento de tutela jurisdicional, o que significa que, previsivelmente, o número de pedidos de intimação para proteção destes direitos decrescerá. Contudo, daqui não se pode concluir que o número de processos ou a pressão sobre os tribunais venha a diminuir. Com efeito, a redução do recurso a este meio processual não elimina a necessidade de tutela por parte dos interessados, a qual tenderá, aliás, a agravar-se, enquanto a AIMA, I. P. não conseguir dar resposta aos pedidos pendentes, que continuam a aguardar registo inicial, agendamento ou decisão. Como se viu, nestas circunstâncias, a via que resta é o recurso à ação administrativa, não urgente, acompanhada de requerimento para o decretamento de providência cautelar, como forma de assegurar a tutela jurisdicional necessáriarecurso esse que previsivelmente aumentará em medida equivalente ou próxima da medida em que venha a diminuir o recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantia. E isto independentemente do desfecho das ações e providências cautelares intentadas, uma vez que a pressão sobre os tribunais continuará a verificar-se, tal como atualmente sucede, qualquer que venha a ser o sentido das decisões jurisdicionais proferidas em concreto. Pode, assim, afirmar-se que não é expectável que ao agravamento dos pressupostos de acesso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no âmbito do contencioso relacionado com autorizações de residência venha a corresponder uma efetiva e relevante diminuição da pendência de processos relativos ao contencioso gerado no contexto das pretensões de autorização de residência. O que, na verdade, se antevê com maior probabilidade é uma mudança na natureza e na qualificação processual desse mesmo contencioso, que poderá, inclusivamente, vir a aumentar em volume.
Acresce que, no que respeita ao impacto das decisões judiciais na atuação da AIMA, I. P., os ganhos também não são facilmente antecipáveis:
a ingerência decorrente de uma decisão favorável ao requerente, seja ela de intimação ou de decretamento de providência cautelar antecipatória, é praticamente idêntica em termos práticos. Ou seja, os efeitos produzidos por ambas as decisões são equivalentes no que toca à obrigação de resposta e cumprimento por parte da AIMA, I. P.
Assim sendo, pode legitimamente duvidar-se da adequação da medida, tendo em conta a finalidade que com ela se pretende alcançar.
80-Em qualquer caso, ainda que a medida fosse idónea, sempre falhariam os testes da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
Quanto ao primeiro, e como se disse no Acórdão 578/2023, são dois os requisitos que devem ser considerados:
por um lado, mostrar a existência de medidas alternativas menos onerosas ou ingerentes (
alternativas mais amigas dos direitos fundamentais
»-grundrechtsfreundlicheren Alternativen); por outro, que elas não soçobram quando analisadas na ótica da eficácia para a realização da finalidade prosseguida
».
Ora, a norma do n.º 2 do artigo 87.º-B, aditado pelo Decreto à Lei 23/2007, não é manifestamente o que se poderia designar por norma temporária. Isto é, uma norma destinada a vigorar apenas durante um determinado período de tempo, que no caso seria o tempo necessário a pôr termo à situação de estrangulamento que se verifica atualmente nos tribunais administrativos no que diz respeito ao número de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no âmbito do contencioso relacionado com autorizações de residência. Trata-se, ao invés, de uma norma permanente, destinada vigorar por tempo indeterminado, o que significa que se manterá em vigor até ser alterada ou revogada. Ora, não tendo um prazo de validade prédefinido, mas antes pressupondo a sua aplicação contínua, o regime especial de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no âmbito do contencioso relacionado com autorizações de residência constitui, quanto à sua medida, uma restrição desnecessária do direito dos interessados à tutela jurisdicional efetiva garantida pelo artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, pois ultrapassa o quantum que seria necessário, face às razões que o poderiam justificar.
Mas ainda que se tratasse de uma norma temporária, a medida nela prevista sempre falharia o teste da proporcionalidade em sentido estrito.
Já se sabe que a previsão de um regime agravado de acesso por parte dos cidadãos estrangeiros à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no âmbito do contencioso relacionado com autorizações de residência se funda em razões de natureza essencialmente pragmática. Estas razões prendem-se, sobretudo, com o alívio da pressão exercida sobre os tribunais administrativos e sobre a AIMA, I. P., tendo em conta o complexo contexto social, amplamente conhecido, que Portugal enfrenta atualmente no que respeita à regularização da situação administrativa de imigrantes. O benefício que poderia resultar, para a comunidade, reside na satisfação do interesse público na normalização das pendências nos tribunais, contribuindo para uma maior celeridade e eficiência do sistema judicial e maior equidade na prestação deste concreto serviço público prestado pela AIMA, I. P. Trata-se de razões que têm, não se discute, evidente ressonância constitucional.
Contudo, ainda que não se verifique, em todos os casos, uma eliminação absoluta do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias por parte dos interessadosdesignadamente dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, no âmbito do contencioso relativo às autorizações de residência-, assiste-se, em determinados contextos, a uma significativa restrição dessa possibilidade, sobretudo quando comparada com o regime geral de acesso àquele meio de tutela jurisdicional avançada, que se mantém, em princípio, disponível nos demais casos.
Importa não perder de vista que a restrição decorrente artigo 87.º-B, n.º 2, como se assinalou já (v., supra, o n.º 76.), assume contornos de particular gravidade quando o direito fundamental cujo exercício em tempo útil se pretende assegurar por via da intimação em apreço for um direito, liberdade ou garantia relativamente ao qual o decurso do tempo compromete a própria possibilidade de exercício desse direito fundamental. Nesta situação estarão todos aqueles que pretendam requerer o reagrupamento familiar do cônjuge e dos filhos que estejam no estrangeiro, na medida em que se veem impossibilitados de recorrer a esta intimação, atento o novo pressuposto processual de comprovada irreversibilidade da lesão. Tal conclusão torna-se particularmente evidente se se atentar no modo como este conceito foi generalizadamente interpretado pelos tribunais administrativos no contexto da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias no âmbito do contencioso relacionado com autorizações de residência antes do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 11/2024, de 11 de julhocuja jurisprudência o legislador pretende, precisamente, reverter, por via do aditamento deste artigo 87.º-B à Lei 23/2007.
Por outro lado, a tutela que é apresentada como disponível, em alternativa, por via do n.º 1 do novo artigo 87.º-B-que será o recurso à ação administrativa e à tutela cautelar, nos termos gerais da lei de processo aplicável aos tribunais administrativo-, revela-se manifestamente insuficiente em algumas das situações de necessidade de autorização de residência, na medida em que, seja pelo esvaziamento da utilidade da decisão a proferir no processo principal, após o decretamento de uma providência cautelar antecipatória, seja pela demora normal de um processo não urgente, a decisão que vier a ser prolatada na ação principal, ou se revelará inútil, ou a sua prolação sempre chegará fora do tempo. Para além disso, casos haverá em que o recurso ao meio de tutela urgente que permanece disponível se revela desde logo inadequado, uma vez que a tutela cautelar tem uma natureza de provisoriedade intrínseca, o que determina a ilegalidade desta pretensão, por impossibilidade do decretamento das concretas providências requeridas, por antecipatórias, em todas as situações em que o direito posto em causa também se esgota e se cumpre com o seu exercício (v., supra, o n.º 76.).
Todas estas considerações evidenciam uma assinalável restrição do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, assegurado no n.º 1 artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º, ambos da Constituição, cuja justificação não encontra respaldo suficiente nas razões que poderiam amparála. Tais razões ligam-se, como se viu, ao benefício que a comunidade retirará da maior celeridade e eficiência do sistema de administração da justiça e funcionamento da própria AIMA.IP. que advirá, por sua vez, da limitação do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias no âmbito do contencioso relativo às autorizações de residência. Simplesmente, como se viu, a redução da pendência processual e do nível de pressão sobre aquela entidade em razão da limitação do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, ou não é em rigor antecipável ou, ainda que o seja, não é razoavelmente expectável que venha a registar-se em medida ou com expressão suficientes para justificar, em toda a sua extensão, a restrição imposta em matéria de acesso à tutela jurisdicional efetiva por parte dos destinatários do regime especial estabelecido no n.º 2 do artigo 87.º-B.
Daí que deva concluir-se que a norma do n.º 2 do artigo 87.º-B, aditado pelo artigo 3.º do Decreto, é inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, ambos da Constituição.
81-Fica a restar apenas a apreciação do n.º 3 do artigo 87.º-B, aditado pelo Decreto.
Recorde-se a formulação literal dessa disposição:
3-Na decisão a adotar no processo de intimação, em caso de ausência atempada de atuação da AIMA, IP, o juiz deve ponderar, se requerido, o número de procedimentos administrativos que correm junto daquela entidade, em face de eventuais pressões anormais de pedidos e solicitações, os meios humanos, administrativos e financeiros disponíveis, que é razoável esperar, bem como ter em conta as consequências que possam resultar da intimação para o tratamento equitativo de todos os requerimentos dirigidos à AIMA, IP
».
Tendo como pressuposto o âmbito, abrangência e sentidos típicos da decisão da intimação para estes casos, o que esta norma solicita ao juiz administrativo é a ponderação dos aspetos aqui referidos, aquando do decretamento da intimação, para efeitos da fixação de um prazo para cumprimento por parte da AIMA, I. P., ao abrigo do disposto nos n.os 2 a 4 do artigo 111.º do CPTA, ex vi do n.º 4 deste artigo 87.º-B, designadamente quando o faça sob cominação de aplicação de sanção pecuniária compulsória incidente sobre o titular do órgão responsável. Na verdade, o regime geral atualmente vigente também não proscreve, ele próprio, a possibilidade de ponderação desses elementos nesta componente da decisão a proferir pelo tribunal, ponderação essa que, evidentemente, não pode deixar de ser, também, adequada à preservação, no caso concreto, da efetividade da tutela jurisdicional que os artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição sempre exigem.
Claro está que a conclusão poderia ser diversa se tais elementos constantes da norma fossem tomados pelo juiz administrativo como critérios materiais de decisão, i.e., de decretamento (ou não) da intimação, pois então assumiriam plenamente a sua dimensão de aspetos de natureza administrativa (aqui ponderados, ademais, a requerimento da própria administração pública). Nesse caso, seria o legislador a solicitar ao juiz administrativo que fizesse ponderações sobre juízos de oportunidade ou de conveniência que cabem exclusivamente à administração pública, o que dificilmente conviveria com o princípio da separação de poderes no nosso sistema jurídicoconstitucional (não são, aliás, aspetos específicos dos tipos de procedimento regidos pela Lei 23/2007; apenas se colocam quanto a estes de modo premente no momento presente Claro está que a conclusão poderia ser diversa se tais elementos constantes da norma fossem tomados pelo juiz administrativo como critérios materiais de decisão, i.e., de decretamento (ou não) da intimação, pois então assumiriam plenamente a sua dimensão de aspetos de natureza administrativa (aqui ponderados, ademais, a requerimento da própria administração pública). Nesse caso, seria o legislador a solicitar ao juiz administrativo que fizesse ponderações sobre juízos de oportunidade ou de conveniência que cabem exclusivamente à administração pública, o que dificilmente conviveria com o princípio da separação de poderes no nosso sistema jurídicoconstitucional (não são, aliás, aspetos específicos dos tipos de procedimento regidos pela Lei 23/2007; apenas se colocam quanto a estes de modo premente no momento presente; o que implicaria, então, aceitar idêntica ponderação sempre que a administração tivesse dificuldades em desempenhar as suas tarefas em qualquer procedimento massificado). Ora, isso equivaleria não só a uma relativização dos deveres administrativos, quer dizer, da própria legalidade e constitucionalidade que impende sobre a administração pública e sobre os tribunais, o que, além do princípio da separação de poderes, como se dizia, constituiria uma afronta aos princípios da legalidade e da atuação administrativa no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (cf. artigo 266.º, n.os 1 e 2, da Constituição). Como também, e por outro lado, ao exigir-se a ponderação pelo juiz administrativo daqueles elementos como critério decisório material da intimação-e em especial das Claro está que a conclusão poderia ser diversa se tais elementos constantes da norma fossem tomados pelo juiz administrativo como critérios materiais de decisão, i.e., de decretamento (ou não) da intimação, pois então assumiriam plenamente a sua dimensão de aspetos de natureza administrativa (aqui ponderados, ademais, a requerimento da própria administração pública). Nesse caso, seria o legislador a solicitar ao juiz administrativo que fizesse ponderações sobre juízos de oportunidade ou de conveniência que cabem exclusivamente à administração pública, o que dificilmente conviveria com o princípio da separação de poderes no nosso sistema jurídicoconstitucional (não são, aliás, aspetos específicos dos tipos de procedimento regidos pela Lei 23/2007; apenas se colocam quanto a estes de modo premente no momento presente Claro está que a conclusão poderia ser diversa se tais elementos constantes da norma fossem tomados pelo juiz administrativo como critérios materiais de decisão, i.e., de decretamento (ou não) da intimação, pois então assumiriam plenamente a sua dimensão de aspetos de natureza administrativa (aqui ponderados, ademais, a requerimento da própria administração pública). Nesse caso, seria o legislador a solicitar ao juiz administrativo que fizesse ponderações sobre juízos de oportunidade ou de conveniência que cabem exclusivamente à administração pública, o que dificilmente conviveria com o princípio da separação de poderes no nosso sistema jurídicoconstitucional (não são, aliás, aspetos específicos dos tipos de procedimento regidos pela Lei 23/2007; apenas se colocam quanto a estes de modo premente no momento presente; o que implicaria, então, aceitar idêntica ponderação sempre que a administração tivesse dificuldades em desempenhar as suas tarefas em qualquer procedimento massificado). Ora, isso equivaleria não só a uma relativização dos deveres administrativos, quer dizer, da própria legalidade e constitucionalidade que impende sobre a administração pública e sobre os tribunais, o que, além do princípio da separação de poderes, como se dizia, constituiria uma afronta aos princípios da legalidade e da atuação administrativa no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (cf. artigo 266.º, n.os 1 e 2, da Constituição). Como também, e por outro lado, ao exigir-se a ponderação pelo juiz administrativo daqueles elementos como critério decisório material da intimação-e em especial das
consequências que possam resultar da intimação para o tratamento equitativo de todos os requerimentos dirigidos à AIMA, I. P.
»-sempre constituiria a transferência para os tribunais de juízos de oportunidade ou de conveniência que lhes é vedado fazer em substituição da administração pública.
Mas a melhor interpretação da norma contida no preceito em análise é a primeira, e não esta última. Desde logo, como se disse, porque nada parece impedir que a mesma conviva harmoniosamente com o regime geral da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias consagrado no CPTA. Depois, porque a inconstitucionalidade do antecedente n.º 2 pela qual o Tribunal se pronuncia (v., supra, o n.º 80), leva a considerar a norma do n.º 3 de forma autónoma:
isto é, esta norma não se soma ao sentido restritivo provindo do n.º 2 que acrescentava restrições constitucionalmente inaceitáveis ao regime geral; isto é, esta norma não se soma ao sentido restritivo provindo do n.º 2 que acrescentava restrições constitucionalmente inaceitáveis ao regime geral; e interpretada autonomamente, numa relação sistemática direta com o regime geral do CPTA, sem intermediação do n.º 2, o seu melhor sentido é o primeiro, não o segundo. Por estas razões, o Tribunal não se pronuncia pela inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 87.º-B, aditado à Lei 23/2007 pelo artigo 3.º do Decreto.
IIIDecisão Com os fundamentos acima expostos, o Tribunal Constitucional:
a) Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 98.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, na redação decorrente das alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da Assembleia da República, por violação dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 18.º, n.º 2, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, 71.º, n.º 2, 72.º, n.º 1, da Constituição;
b) Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 98.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, na redação decorrente das alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da Assembleia da República, por violação dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, da Constituição;
c) Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 101.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, na redação decorrente das alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da Assembleia da República, por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição;
d) Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 105.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, na redação decorrente das alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da Assembleia da República, quando conjugado com o n.º 3 do artigo 98.º, na redação decorrente das alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da Assembleia da República por violação dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, da Constituição.
e) Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 87.º-B, aditado à Lei 23/2007, de 4 de julho, pelo artigo 3.º do Decreto 6/XVII da Assembleia da República, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, da Constituição.
f) Não se pronuncia pela inconstitucionalidade das demais normas que integram o pedido.
Lisboa, 8 de agosto de 2025.-Joana Fernandes Costa [parcialmente vencida quanto à alínea f) conforme declaração junta]-Carlos Medeiros de Carvalho (parcialmente vencido, conforme declaração que anexo)-José Teles Pereira (Vencido, nos termos da declaração junta)-Gonçalo Almeida Ribeiro (vencido, nos termos da declaração junta)-Mariana Canotilho (com declaração de voto conjunta)-Rui Guerra da Fonseca [parcialmente vencido quanto à alínea f) do dispositivo, nos termos da declaração conjunta anexa; e com declaração de voto conjunta em anexo]-Maria Benedita Urbano (vencida, nos termos da declaração de voto junta)-Dora Lucas Neto [parcialmente vencida relativamente à alínea f) do dispositivo, conforme declaração de voto junta]-António José da Ascensão Ramos [parcialmente vencido quanto à alínea f) do dispositivo, nos termos da declaração conjunta anexa, e com declaração de voto conjunta em anexo]-Afonso Patrão [vencido quanto à alínea a) e não subscrevendo a totalidade da fundamentação relativa à alínea b) do dispositivo, nos termos da declaração de voto junta]-João Carlos Loureiro (parcialmente vencido nos termos da Declaração junta)-José João Abrantes (parcialmente vencido, nos termos da declaração junta) Lisboa, 8 de agosto de 2025.-Joana Fernandes Costa [parcialmente vencida quanto à alínea f) conforme declaração junta]-Carlos Medeiros de Carvalho (parcialmente vencido, conforme declaração que anexo)-José Teles Pereira (Vencido, nos termos da declaração junta)-Gonçalo Almeida Ribeiro (vencido, nos termos da declaração junta)-Mariana Canotilho (com declaração de voto conjunta)-Rui Guerra da Fonseca [parcialmente vencido quanto à alínea f) do dispositivo, nos termos da declaração conjunta anexa; e com declaração de voto conjunta em anexo]-Maria Benedita Urbano (vencida, nos termos da declaração de voto junta)-Dora Lucas Neto [parcialmente vencida relativamente à alínea f) do dispositivo, conforme declaração de voto junta]-António José da Ascensão Ramos [parcialmente vencido quanto à alínea f) do dispositivo, nos termos da declaração conjunta anexa, e com declaração de voto conjunta em anexo]-Afonso Patrão [vencido quanto à alínea a) e não subscrevendo a totalidade da fundamentação relativa à alínea b) do dispositivo, nos termos da declaração de voto junta]-João Carlos Loureiro (parcialmente vencido nos termos da Declaração junta)-José João Abrantes (parcialmente vencido, nos termos da declaração junta) O presente Acórdão tem voto de conformidade do Senhor Juiz Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias, que se encontra parcialmente vencido quanto à alínea f) do dispositivo nos termos da declaração conjunta anexa e com declaração de voto conjunta em anexo, e que não assina por não estar presente. Joana Fernandes Costa DECLARAÇÃO DE VOTO Fiquei vencido quanto às alíneas b), d) e e), acompanhando em parte o juízo quanto às alíneas a), c) e f) do dispositivo do Acórdão, nos termos e pelos fundamentos seguintes:
1-Não acompanho, desde logo, a motivação e o juízo firmado na alínea e) do dispositivo quando reportado à pronúncia no sentido da inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 87.º-B, aditado à Lei 23/2007, de 4 de julho, pelo artigo 3.º do Decreto 6/XVII da Assembleia da República (AR), por violação do artigo 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 268.º, n.º 4, todos da Constituição, tendo pugnado por um juízo negativo de inconstitucionalidade.
2-Por outro lado, divergi igualmente do juízo firmado na alínea f) do dispositivo quando reportado à pronúncia pela não inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do referido artigo 87.º-B, aditado à Lei 23/2007, pelo artigo 3.º do Decreto 6/XVII da AR, tendo pugnado por um juízo positivo de inconstitucionalidade por violação dos artigos 20.º, n.º 4, 18.º, n.º 2, 202.º e 268.º, n.º 4, todos da Constituição.
3-Por fim, apenas acompanhei a pronúncia no sentido da inconstitucionalidade:
-das normas do n.º 1 do artigo 98.º, da Lei 23/2007, na redação decorrente das alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da AR, por violação dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1 e 71.º, n.º 2, todos da Constituição, no estrito segmento em que, na derrogação do regime regra previsto naquele n.º 3, não resultaram incluídos o cônjuge ou equiparado do requerente do reagrupamento familiar, bem como os filhos incapazes do mesmo ou do casal, que estão a seu cargo ou do casal, ou ainda dos filhos menores (incluindo os adotados) do cônjuge ou equiparado;
-da norma do n.º 3 do artigo 101.º, decorrente das alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da AR, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição, no estrito segmento em que a definição do elenco ou leque de medidas de integração a que ficam sujeitos os requerentes do pedido de reagrupamento familiar e dos respetivos familiares surge enunciada de modo que interpreto como meramente exemplificativo ao fazer recurso do sintagma adverbial
designadamente
».
E não descortinei a inconstitucionalidade considerada sob as alíneas b) e d), mormente na sua articulação com o prazo previsto no n.º 3 do artigo 98.º e este per se, não acompanhando as razões e motivação desenvolvida.
4-Explicitando e motivando o meu entendimento e juízo divergente, feitos em termos mais sumários do que os que seriam os devidos, temos que dissenti, desde logo, da motivação e do juízo firmado quanto à alínea e) do dispositivo quando reportado à pronúncia no sentido da inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 87.º-B, que se pretendia aditar à Lei 23/2007 pelo artigo 3.º do Decreto 6/XVII da AR (cf. §§ 68.-80. do Acórdão), porquanto não considero que a mesma seja atentatória do artigo 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, todos da Constituição, reclamando, assim, ao invés um juízo negativo de inconstitucionalidade.
4.1-Mostra-se, em causa, uma mudança ou uma alteração ao regime do contencioso administrativo mediante a definição e introdução de regras de tutela específica nos litígios abrangidos pela matéria dos procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, bem como o estatuto de residente de longa duração disciplinados pela Lei 23/2007, ainda que pelos seus termos, reportando-se a
decisões ou omissões da AIMA, IP
» ou àatuação ou omissão da AIMA, IP
»(cf. n.os 1 e 2 do artigo 87.º-B pretendido aditar à referida Lei), se possa antever que tal alteração venha a ter uma abrangência mais vasta presente aquilo que é o quadro da missão e atribuições/competências da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P. (abreviadamente
AIMA, IP
») (cf. o artigo 3.º do Anexo relativo à
Orgânica da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P.
» a que se refere o artigo 2.º do Decreto Lei 41/2023, de 2 de junho, diploma que criou a referida Agência), que não se cinge ao definido e disciplinado pela referida Lei.4.2-Se nenhuma mudança efetivamente relevante resultaria aportada pelo regime previsto no n.º 1 do artigo 87.º-B, já que o mesmo corresponde ao que derivava/deriva da leitura e aplicação do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante
CPTA
») que vinham e vêm sendo feitas, de forma uniforme e reiterada, pelos tribunais e pela doutrina produzida, já com o n.º 2 do preceito visa-se, efetivamente, introduzir uma nova disciplina ao nível da ação intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, regulada nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, ainda que circunscrita aos dissídios ou litígios envolvendo
decisões ou omissões da AIMA, IP
» ouatuação ou omissão da AIMA, IP
».
4.3-Decorre do artigo 109.º do CPTA que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias
pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º
»[n.º 1] e de que a mesma
também pode ser dirigida contra particulares, designadamente concessionários, nomeadamente para suprir a omissão, por parte da Administração, das providências adequadas a prevenir ou reprimir condutas lesivas dos direitos, liberdades e garantias do interessado
»[n.º 2], sendo que
[q]uando, nas circunstâncias enunciadas no n.º 1, o interessado pretenda a emissão de um ato administrativo estritamente vinculado, designadamente de execução de um ato administrativo já praticado, o tribunal emite sentença que produza os efeitos do ato devido
»[n.º 3].
Extrai-se do quadro normativo inserto no preceito convocado que são pressupostos do pedido de intimação nesta ação os seguintes:
i) a necessidade de emissão em tempo útil e, por isso, com caráter de urgência de uma decisão de fundo que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia;
ii) o pedido se refira à imposição de uma conduta positiva ou negativa à Administração, ou a particulares, que se mostre apta a assegurar esse direito; e iii) que não seja possível ou suficiente acautelar o direito por outro meio processual, mormente através de processo cautelar conexo e neste com recurso ao decretamento provisório de uma providência cautelar (cf. nomeadamente, os artigos 112.º e 131.º ambos do CPTA) ou de uma qualquer outra forma de processo urgente principal 4.3.1-Como referido constituía e constitui entendimento uniformemente aceite o de que o meio normal, ou regra, de defesa ou de tutela dos direitos fundamentais é a ação administrativa (tratando-se de situações de inércia ou de omissões da Administração através da ação administrativa para condenação à prática de ato devidocf. artigos 66.º a 71.º do CPTA) complementada ou conexionada com a tutela cautelar, sendo que o recurso a formas de tutela principal urgente (cf., nomeadamente, a da intimação disciplinada nos artigos 109.º e seguintes do CPTA) estava e está reservada apenas para as situações em que aquela via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício em tempo útil e a título principal do direito, liberdade ou garantia que esteja em causa e cuja defesa reclame uma intervenção jurisdicional, ou, ainda, quando aquelas situações não encontrem enquadramento contencioso num outro meio/forma processual principal urgente.
Esta opção do legislador afigura-se compreensível, mostrando-se justificado que se recorra, por norma, aos processos não urgentes, devidamente complementados por um sistema eficaz de atribuição de providências cautelares, efetivamente apto a evitar a constituição de situações irreversíveis ou a emergência de danos de difícil reparação, reservando os processos urgentes para situações de verdadeira premência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa, ou seja, para aquelas em que a utilização de um processo não urgente, ainda que complementado pelo decretamento de providências cautelares se necessário e as circunstâncias o justificarem, não se mostre possível ou suficiente, incluindo com recurso a decretamento provisório (cf. n.º 5 do artigo 131.º do CPTA).
4.3.1.1-Nessa medida, a ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, enquanto processo declarativo, constituía e constitui, como é reconhecido no presente Acórdão (cf. v.g., seu § 70.), um meio subsidiário de tutela [cf., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 07.10.2009 (Proc. n.º 0884/09), de 18.02.2010 (Pleno) (Proc. n.º 0884/09), de 14.12.2011 (Proc. n.º 01078/11), de 05.06.2012 (Pleno) (Proc. n.º 01078/11), de 30.05.2013 (Proc. n.º 0237/13), de 27.11.2013 (Proc. n.º 01413/13), de 29.01.2014 (Proc. n.º 01370/13), de 12.02.2015 (Proc. n.º 018/15) e de 26.06.2019 (Proc. n.º 01005/18.0BELSB)-todos consultáveis in
www.dgsi.pt/jsta
»; na doutrina, José Carlos Vieira de Andrade, em A Justiça AdministrativaLições, 18.ª edição, p. 266;Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição (2021), pp. 935-937;
Mário Aroso de Almeida, em Manual de Processo Administrativo, 5.ª edição, p. 357;
Carla Amado Gomes, em “O Regresso de Ulisses:
um olhar sobre a reforma da justiça cautelar administrativa” in Cadernos Justiça Administrativa, n.º 39, págs. 4 e segs.; um olhar sobre a reforma da justiça cautelar administrativa” in Cadernos Justiça Administrativa, n.º 39, págs. 4 e segs.;
Anabela Costa Leão, em Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, em Comentário à Legislação Processual Administrativa (coordenação Carla Amado Gomes, Ana F. Neves e Tiago Serrão), vol. II, 6.ª edição (2024), p. 731], destinado a ser utilizado como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, ou seja, apenas nas situações em que as outras formas de processo não se mostrem ou não se apresentem como meios adequados ou aptos à realização e efetiva proteção dos direitos, liberdades e garantias, assegurando uma efetiva e plena tutela jurisdicional.
4.3.1.2-Tal como afirmam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha (in ob. cit., p. 936) uma tal opção
afigura-se compreensível, não parecendo, na verdade, que o âmbito de intervenção desta forma de processo esteja configurado em moldes excessivamente restritivos
», para o efeito tendo convocado inclusive o entendimento deste Tribunal Constitucional, firmado no Acórdão 5/2006 (entendimento reiterado no Acórdão 198/2007, ambos consultáveis em
https:
//www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/
»-sítio e Tribunal a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos sem expressa menção em contrário), que, em face do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição, se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade do condicionamento que decorre da regra de subsidiariedade prevista na parte final do n.º 1 deste artigo 109.º do CPTA, interpretado no sentido de não permitir o uso do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias quando a colocação em risco do direito em causa supõe uma atuação da Administração contra a qual é possível reagir, em tempo útil, mediante o recurso a um meio processual não urgente, associado a uma providência cautelar.
Extrai-se e pode ler-se nesse Acórdão que
[o]s direitos constitucionais de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efetiva são satisfeitos pela previsão legal de mecanismos processuais que possibilitem, de modo adequado e suficiente, aos interessados a defesa dos seus direitos perante os tribunais, mas obviamente não asseguram a todos eles o sucesso nas suas pretensões
» e que acircunstância de, por decisão judicial de mérito, terem sido indeferidos quer o pedido de decretamento provisório da providência cautelar quer a própria providência solicitada, não implica que seja constitucionalmente imposto a concessão à interessada, em regime de cumulatividade, do acesso ao meio excecional e subsidiário da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias
».
4.3.2-Trata-se, pois, de processo autónomo que implica a emissão duma decisão definitiva e cuja criação em sede de CPTA se destinou a dar cumprimento, no plano do contencioso administrativo, à exigência ditada pelo artigo 20.º, n.º 5, da Constituição quando nele se estatui que para
defesa dos direitos liberdades e garantais pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caraterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos
».
4.3.2.1-Ora ainda que haja sido debatida a leitura fazer do âmbito fixado à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias disciplinada no artigo 109.º do CPTA, e a possibilidade de este ser objeto de interpretação restritiva (vide sobre a problemática, por todos, Anabela Costa Leão, em ob. cit., pp. 716-717, nota 27), tem-se como consensual o reconhecimento de que aquele âmbito é claramente mais vasto do que aquele que seria o imposto pelo n.º 5 do artigo 20.º da Constituição, onde se refere apenas à previsão de meios destinados à
defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais
»(sublinhado nosso).
4.3.2.2-Tal como afirmam Mário Aroso de Almeia e Carlos Cadilha (in ob. cit., p. 930)
[e]stão abrangidos todo e qualquer tipo de direitos, liberdades e garantias, sem que haja que distinguir entre direitos, liberdades e garantias pessoais e direitos, liberdades e garantias de conteúdo patrimonial
», sendo que se
[é] verdade que, com a introdução desta forma de processo, o propósito primacial do Código foi dar cumprimento a uma imposição constitucional que apenas se reporta aos direitos, liberdades e garantias pessoais (cf. artigo 20.º, n.º 5, da CRP)
»,
o que é certo é que o legislador não introduziu qualquer restrição, nem nos artigos que integram a presente Secção, nem no próprio título da Secção. Embora pudesse não o ter feito, o legislador optou, assim, por ir além da mera concretização da imposição constitucional e estender o âmbito de intervenção deste processo de intimação à proteção de todo e qualquer direito, liberdade ou garantia
», e
[p]or outro lado, como o regime dos direitos, liberdades e garantias se aplica aos direitos fundamentais de natureza análoga (cf. artigo 17.º da CRP), também os direitos de natureza análoga estão, por definição, incluídos no âmbito das situações jurídicas que podem ser objeto de tutela através da utilização desta forma de processo
».
4.3.2.3-E na prática, observa-se que a aplicação jurisprudencial deste meio, tem sido
generosa
» nesta matéria (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in ob. cit., p. 931), até em demasia segundo alguns autores mais críticos (cf. v.g., nomeadamente, José Carlos Vieira de Andrade, in ob. cit., p. 264, nota 657/658), admitindo-se com amplitude a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades ou garantias em vários tipos e domínios e situações jurídicas (sem preocupações exaustivas, ver v.g. o direito manifestação, o direito à greve, o direito ao asilo, o direito à inviolabilidade do domicilio e das comunicações, a defesa da liberdade de expressão/direito de resposta, da liberdade religiosa, da liberdade de escolha e acesso à profissão, o direito ao reagrupamento familiar, o direito de acesso à educação e ao ensino superior e à igualdade de acesso ao ensino superior, o direito à segurança social e o direito à habitação-cf., exemplificando e convocando a variada jurisprudência produzida, Anabela Costa Leão, em ob. cit., pp. 723-727; também José Carlos Vieira de Andrade, in ob. cit., p. 264, notas 656/657).4.3.2.4-Neste contexto, como assinalado no presente acórdão (cf. seu § 71.) importa, sobretudo, ter em atenção a jurisprudência uniformizada fixada pelo Acórdão do STA n.º 11/2024 (de 6 de junho de 2024 e publicado no DR de 11 de julho 2024) no sentido de que
[e]stando em jogo o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro, mas cuja efetividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência por banda da Administração, a garantia do gozo de tais direitos por parte do mesmo não se compagina com uma tutela precária, traduzida na atribuição de uma autorização provisória, antes reclama uma tutela definitiva, pelo que o meio processual adequado, de que o cidadão deve lançar mão, é o processo principal de intimação previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA
».
Através da referida jurisprudência uniformizada resultou firmado um entendimento segundo o qual a intimação da proteção de direitos, liberdades e garantias passa a ter como seu âmbito não apenas a proteção direta e imediata de direitos, liberdades e garantias e de direitos de natureza análoga, mas também a proteção indireta, mediata ou reflexa destes direitos, associada à defesa direta e imediata de direitos que com aqueles se conexionem ou de que dependa o seu exercício efetivo.
4.3.2.5-No contexto das públicas e notórias dificuldades, das insuficiências e dos enormes atrasos na resposta da AIMA, IP ao elevado volume de pedidos e procedimentos entrados e pendentes, assistiu-se a um uso massivo da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias disciplinada pelo artigo 109.º do CPTA (cujas consequências são mencionadas e reconhecidas no § 79. do presente Acórdão), como meio para lograr obter uma injunção judicial para que aquela agência proceda ao agendamento e prática de atos omitidos, tentando tornear ou contornar, com recurso aos meios judiciais, não só os referidos constrangimentos na resposta, mas essencialmente as listas de espera e a ordem de programação dos atendimentos. E efetivamente uma breve análise dos dados estatísticos permitenos constatar que o TAC de Lisboa, como tribunal administrativo competente para julgamento destes processos dirigidos contra a AIMA, IP, viu refletir-se isso claramente nas suas entradas e pendências [entraram 653 processos (em 2021), 2.149 (em 2022), 3.121 (em 2023) e 55.452 (2024)-consultável em
https:
//estatisticas.justica.gov.pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/Movimento-de-processos-nos-tribunais-administrativos-e-fiscais-de-1-instancia.aspx
»;9.031 processos entrados no período que mediou entre 14 de julho e 1 de agosto do corrente ano (processos relativos à 6.ª espécie correspondente à deste tipo de processo de intimação)-consulta de entradas naquele Tribunal feita com recurso
https:
//www.citius.mj.pt/portal/consultas/consultastribunaisadminfiscais.aspx
»].
4.3.3-Presentes os considerandos de enquadramento normativo e traçados os termos e âmbito do quadro aplicativo e, bem assim, aquilo que são alguns dos dados de contexto que foi possível reter e coligir, importa, agora, analisar a concreta norma pretendida aditar e aferir das suas implicações no contexto da tutela jurisdicional conferida e do que possam ser ou não défices ou limitações/restrições.
4.3.3.1-Com o n.º 2 do artigo 87.º-B pretendido aditar visou-se, por um lado, limitar o âmbito ou amplitude do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias quando envolvendo
atuação ou omissão da AIMA, IP
» apenas quando estejam em causa direitos, liberdades e garantias pessoais. E, por outro lado, introduz-se como requisitos de dedução/uso do referido meio contencioso que a atuação/omissão daquele entecomprometa, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil
» daqueles direitos, liberdades e garantias ecuja tutela não possa ser eficazmente assegurada através dos meios cautelares disponíveis
».
4.3.3.2-Ora a limitação da amplitude do âmbito do referido meio enquanto reconduzido à tutela de lesões de direitos, liberdades e garantias pessoais goza de plena cobertura do n.º 5 do artigo 20.º da Constituição, na medida em que à luz da estrita previsão deste comando não decorre, nem se mostra imposta ou exigida a criação de procedimentos judiciais pelo legislador com um âmbito de tutela aplicativa que extravase a natureza pessoal dos direitos, liberdades e garantias assim caraterizados no texto constitucional.
Reportando-se ao n.º 5 do artigo 20.º da Constituição, Rui Medeiros reconhece a
delimitação restritiva
» da previsão daquele preceito, sustentando que[o] legislador dispõe, nesta matéria, de uma ampla liberdade constitutiva, podendo optar, designadamente, entre a introdução, nos meios processuais existentes, de regras que assegurem a celeridade e a prioridade da defesa de direitos, liberdades e garantias ameaçados ou, em alternativa, na esteira de processos de amparo legal, criar vias próprias para a tutela jurisdicional desses direitos
», e sem que o mesmo impeça o legislador de prever
processos céleres e prioritários para defesa de outras categorias de direitos
»[in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, volume I, 2.ª edição revista, (2017), pp. 331-332; cf., também, J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2003, p. 507].
4.3.3.3-O entendimento acabado de referir e sustentar resulta admitido e reconhecido pelo entendimento maioritário do presente Acórdão (cf. seu §§ 74. e 75.), quando no mesmo se afirma, por um lado, que da
jurisprudência constitucional relativa aos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias estabelecidos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA (em especial, dos Acórdãos n.os 5/2006 e 198/2007), extraem-se dois dados essenciais:
por um lado, o reconhecimento de que o n.º 5 do artigo 20.º da Constituição se limita aos direitos, liberdades e garantias pessoais; por um lado, o reconhecimento de que o n.º 5 do artigo 20.º da Constituição se limita aos direitos, liberdades e garantias pessoais; por outro, a afirmação da compatibilidade com a Constituição do carácter residual ou subsidiário da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, tal como plasmada no CPTA, tendo como critério a necessidade de uma tutela de mérito urgente e a insuficiência dos comuns meios processuais disponíveis, incluindo aí o recurso a uma providência cautelar
» e, por outro lado, quea restrição do recurso do meio previsto no artigo 109.º do CPTA à tutela de direitos, liberdades e garantias pessoais não parece suscitar problemas de maior
», já que
consubstancia uma opção que se inscreve na margem de conformação do legislador ordinário
» e quese essa ampliação for revertida, o nível de proteção já alcançado é reduzido
», mas, porém,
na medida em que continue a contemplar os “direitos, liberdades e garantias pessoais”, a ação de intimação manter-se-á conforme ao n.º 5 do artigo 20.º da Constituição pois não perderá as propriedades inerentes a um procedimento judicial caracterizado pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos
».
4.3.4-Já divirjo do entendimento firmado pela maioria quando entende que a exigência enunciada no n.º 2 do artigo 87.º-B, de que a lesão em causa seja
comprovadamente grave e irreversível
», vindo a irreversibilidade a ser
enquadrada e aplicada pelos tribunais administrativos e fiscais …por referência a situações de urgência fora do normal, nas palavras da lei
situações de especial urgência
»(n.º 3 do artigo 110.º do CPTA)
», implica que a mesma, no contexto das pretensões relacionadas com a autorização de residência,
adquire a natureza de pressuposto processual autónomo
», deixando de
funcionar apenas como condição de aceleração processual para se afirmar como requisito específico do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias
», no que se traduziria numa violação dos artigos 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, todos da Constituição.
4.3.4.1-Não se acompanha nem a análise e a interpretação feitas, nem a conclusão que delas se extrai.
4.3.4.2-Com efeito, da leitura conjugada e articulada dos artigos 109.º, n.º 1, 110.º, n.º 3, 131.º, n.º 5, todos do CPTA, não se extrai que o conceito de
irreversibilidade
» estivesse ausente do juízo e pressupostos decorrentes do n.º 1 do artigo 109.º na sua concatenação com a tutela cautelar, incluindo o seu regime de decretamento provisório (artigo 131.º, n.º 5, do CPTA), e que o mesmo apenas surgisse no n.º 3 do artigo 110.º do CPTA, em situações de especial urgência, enquanto mero requisito ou fator justificador que conduzisse e/ou justificasse a adoção de mecanismos de agilização/aceleração processual de modo a lograr a prolação de uma decisão judicial em e num tempo útil no e para o assegurar da tutela do direito, liberdade ou garantia alvo de lesão.4.3.4.3-É que na articulação da tutela urgente principal assegurada pela intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias com a tutela principal não urgente (leia-se ação administrativa) conexa com a tutela cautelar o conceito de
irreversibilidade
» sempre surgiu e constituiu um traço/pressuposto que importava e importa ser aferido e avaliado pelo julgador para decidir da adequação/idoneidade e da necessidade do recurso à intimação para efeitos do assegurar da tutela efetiva do direito, liberdade e garantia em causa, sendo por este reclamada de um modo definitivo, por firmada através de umadecisão de mérito
», e não meramente provisório.
4.3.4.4-Sustentam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha
[o] processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias
», já que a
via normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente, associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação
»(in ob. cit., p. 933).
4.3.4.5-Se assim efetivamente é, pois só quando, no caso concreto, se verifica que a utilização das vias não urgentes de tutela em conexão com a tutela cautelar não permitem, não tornam possível ou suficiente o assegurar do exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia é que se deverá fazer uso do processo de intimação, então constitui elemento essencial o aferir da capacidade das providências cautelares para serem efetivamente aptas no e para o evitar da constituição de situações irreversíveis ou da produção ou emergência de danos de difícil reparação.
4.3.4.6-Analisando as questões da
irreversibilidade
» que se vêm colocando na análise e julgamento de vários casos pelos tribunais administrativos ante o uso dos meios cautelares e da intimação do artigo 109.º do CPTA, sustentou Mário Aroso de Almeida (in Manual de Processo Administrativo, 5.ª edição, pp. 150-153) que[a] exigência, imposta na parte final do artigo 109.º, n.º 1, de “não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” coloca a delicada questão da delimitação em concreto do âmbito das situações em que se deve entender que a eventual adoção de uma providência cautelar-e, porventura, o seu decretamento provisório, segundo o disposto no artigo 131.º-não é capaz de evitar a constituição de uma situação irreversível ou a emergência de danos de difícil reparação e, por conseguinte, que existe uma situação de verdadeira urgência que justifica o recurso a esta forma de intimação
». E socorrendo-se da distinção entre situações em que a adoção da providência cautelar origina uma situação de irreversibilidade jurídica e situações em que ela apenas pode provocar uma situação de irreversibilidade fáctica afirma que
[a] adoção da providência origina uma situação de irreversibilidade jurídica quando, no plano jurídico, a providência decide formalmente a própria questão de fundo sobre a qual versa o processo principal, esvaziando desse modo o objeto do processo. É o que sucede no exemplo atrás sugerido da providência que permitisse a realização de uma manifestação que tinha sido proibida, como também sucede no caso da providência que concedesse um tempo de antena ou impusesse a realização de um debate entre candidatos durante um determinado período eleitoral. Em situações deste tipo, justifica-se o recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias na medida em que a única solução é, de facto, decidir se a manifestação ou o debate devem ser ou não autorizados, ou se o tempo de antena deve ser ou não concedido, e essa decisão não pode, por natureza, ser tomada a título precário e provisório, só podendo ser, por isso, tomada no âmbito de um processo principal
».
E continua o mesmo Autor que
[a] questão de saber se a adoção ou a recusa da providência envolvem o risco da constituição de uma situação de irreversibilidade fáctica, em virtude dos eventuais efeitos materiais que dela decorrem, já não contende com a fronteira entre processo urgente e tutela cautelar, mas diz apenas respeito à ponderação dos critérios de que depende a atribuição das providências cautelares. Com efeito, não está aqui em causa a adoção de uma providência que, no plano jurídico, decida formalmente a questão de fundo colocada no processo principal, esvaziando desse modo o objeto desse processo, mas a adoção de uma providência cujo conteúdo jurídico não se confunde com aquele que deve corresponder à sentença a proferir no processo principal, por claramente se assumir como provisório e cautelar. [...] Note-se que é da natureza das providências cautelares que, muitas vezes, para evitar consequências irreversíveis ou de difícil reparação de certo tipo, é necessário adotar providências que comportam, também elas, o risco da produção de consequências irreversíveis ou difíceis de reverter de tipo diferente no plano puramente fáctico. A nosso ver, esta circunstância não faz, só por si, com que se transite para o terreno da intimação. O que se impõe é, no momento de aplicar os critérios do artigo 120.º, ponderar devidamente as alternativas, de modo a escolher a solução mais equilibrada, atendendo à concreta configuração (e, portanto, ao peso relativo) dos interesses em presença. [...] Como é natural, a jurisprudência sobre a matéria mostra-se um tanto titubeante. No entanto, têm sido tomadas decisões importantes de convolação de processos cautelares em processos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em situações de irreversibilidade fáctica do tipo apontado
».
Para depois, a propósito da convolação do processo de intimação previsto no artigo 109.º do CPTA em processo cautelar quando não se preenchesse o requisito estabelecido na parte final do n.º 1 do referido preceito, considerar que o juiz, quando chamado a proferir uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, deve aferir se existe
o risco da lesão iminente e irreversível de um direito, liberdade e garantia
» e caso entendaque não se encontrava preenchido um pressuposto de que, nos termos da lei processual, depende a utilização dessa via principal, por ser suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar, ele devia ser admitido a proceder a tal convolação
».
4.3.4.7-Flui, assim, do exposto e como atrás avançado que não se vê que o conceito de
irreversibilidade
» estivesse ausente, bem pelo contrário, do juízo e pressupostos decorrentes do n.º 1 do artigo 109.º na sua concatenação com a tutela cautelar, incluindo o seu regime de decretamento provisório (cf. artigo 131.º, n.º 5, do CPTA), termos em que não se descortina que a norma do n.º 2 do artigo 87.º-B na redação pretendida aditar à Lei 23/2007, ao ver inscrito tal conceito, aporte ou implique a criação de um pressuposto processual autónomo indutor de uma qualquer restrição ao uso deste meio contencioso, a ponto de restringirsubstancialmente o âmbito da tutela jurisdicional até aqui garantida aos destinatários do artigo 109.º do CPTA
» por comparação com o regime de tutela previsto no novo artigo 87.º-B como se afirma e conclui no acórdão (cf. seu § 76.), nem se vislumbra que, ante o expendido, estejam em causa perigos ou se gerem as consequências avançadas também no acórdão (cf. seu § 77.).4.3.4.8-Aliás, socorrendonos de novo dos ensinamentos de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha em anotação ao artigo 131.º do CPTA, assinala-se que
[o] artigo em anotação tem em vista situações em que os interesses do requerente necessitam de ser protegidos através da adoção de uma providência cautelar durante a própria pendência do processo cautelar, sem prejuízo da decisão que venha a ser proferida no processo principal e até sem prejuízo da decisão definitiva que venha a ser proferida no termo do próprio processo cautelar [...]. O regime nele consagrado pretende, portanto, dar resposta a situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa não é indispensável para proteger os interesses do requerente, sendo, para o efeito, suficiente o decretamento de uma providência cautelar, desde que se assegure que a providência é decretada com especial urgência, durante a pendência do processo cautelar
», sinalizando como
[s]ituação paradigmática de intervenção do decretamento provisório de uma providência cautelar, para efeitos do presente artigo 131.º, poderá ser, pelo contrário, a situação de indeferimento da autorização de permanência de um cidadão estrangeiro em território nacional
», argumentando que
[c]omo é evidente, a questão não tem de ser decidida de imediato e compadece-se perfeitamente com uma definição cautelar
», pois
se o tribunal emitir, com a maior urgência e mesmo a título provisório, nos termos do presente artigo 131.º, uma providência cautelar que permita ao interessado permanecer em território nacional, ele não está, desse modo, a dar em definitivo o que só a decisão sobre o mérito da causa poderá assegurar. Pelo contrário, é perfeitamente possível permitir à pessoa em causa que permaneça em território nacional durante a pendência do processo principal, sem prejuízo de essa situação poder cessar se a sua posição nesse processo vier a ser julgada improcedente. Por este motivo, não se justifica, neste tipo de situação, a intervenção de um processo declarativo urgente, como o processo de intimação
», concluindo no sentido de que
[n]ão estamos, na verdade, em terreno no qual se manifestem as insuficiências da tutela cautelar
»(in ob. cit., pp. 1091/1092).
4.3.4.9-Importa, ainda, notar que a tutela dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos estrangeiros envolvendo dissídios e litígios com a AIMA, IP para além da intimação prevista no n.º 2 do artigo 87.º-B (pretendido aditar à Lei 23/2007) se mostraria assegurada também, nomeadamente pelo recurso e uso à ação administrativa (cf. artigos 37.º, 50.º e ss., 66.º e ss. do CPTA) conjuntamente como os meios cautelares (cf. artigos 112.º e ss. do CPTA), na certeza de que noutros dissídios/litígios em que os seus direitos e interesses possam vir a ser lesados os mesmos sempre disporão de todos os demais meios contenciosos (v.g. do contencioso administrativo, mormente o previsto nos artigos 109.º e ss. do CPTA).
4.3.5-O artigo 20.º da Constituição garante a todos o direito de
acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos
»(n.º 1), determinando ainda que esse direito fundamental possa ser efetivamente exercido
mediante processo equitativo
»(n.º 4). E resulta, por seu turno, do n.º 4 do artigo 268.º da Constituição de que
[é] garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas
».
4.3.5.1-Ora o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no referido artigo 20.º da Constituiçãoenquanto
norma-princípio estruturante do Estado de Direito democrático (cf. …artigo 2.º)
»(cf. J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, anotação ao artigo 20.º, p. 409) constitui, porventura, a maior das garantias de defesa dos demais direitos fundamentais dos cidadãos, assumindo-se como
uma garantia imprescindível da proteção dos direitos fundamentais
», que detém
natureza de direito prestacionalmente dependente e de direito legalmente conformado
», compreendendo no seu âmbito normativo
quatro “subdireitos” ou dimensões garantística:
(1) o direito de ação ou de acesso aos tribunais;
(2) o direito ao processo perante os tribunais;
(3) o direito à decisão da causa pelos tribunais;
(4) o direito à execução das decisões dos tribunais
», sendo que se
o direito de acesso ao direito não é apenas instrumento da defesa dos direitos. É também integrante do princípio material de igualdade [...] e do próprio princípio democrático, pois este não pode deixar de exigir uma democratização do direito e uma democracia do direito. Daqui resulta também que artigo 20.º não pode ser interpretado como a consagração de um Estado Judiciário ou Estado de Justiça, entendido como um Estado em que o direito se realiza apenas através do recurso aos tribunais ou através da solução judicial de litígios. O direito de acesso aos tribunais ou o direito à via judiciária é uma das dimensões-porventura a mais importantemas não é a única de um direito de acesso ao direito
»(cf. idem, p. 410) [cf. também, entre outros, os Acórdãos n.os 440/94 (§ 4.) e 778/14 (§ 2.1.)].
4.3.5.2-E a propósito da concretização e delimitação deste direito refere Barbosa de Melo, por um lado, que
[n]em todas as questões jurídicasisto é, a resolver em termos de direito-serão justiciáveis numa ordem constitucional assente na geratriz da divisão de poderes
» e, por outro, queo princípio da juridicidade significa é que, em geral, ninguém está sujeito a aceitar como fatalmente irreversíveis as decisões administrativas, favoráveis ou desfavoráveis, que toquem na sua esfera jurídica
», sendo que o
princípio da efetividade da tutela jurisdicional dos direitos e dos interesses dos particulares (artigo 20.º e artigo 268.º, n.º 4, da CRP)
»envolve a previsão legislativa de meios processuais suficientes para a proteção dos direitos e interesses dos particulares postos em causa por atos ou comportamento da Administração pública
», reclamando a existência de um
dever de o legislador inventar ou descobrir e estabelecer medidas cautelares adequadas à proteção de facto dos interesses dos particulares em jogo no processo jurisdicional
», pelo que o
princípio da efetividade da tutela jurisdicional vem ao encontro da necessidade de proteção do demandante contra os efeitos da demora e da execução medio tempore da decisão administrativa, reclamando medidas provisórias capazes de os anular ou minimizar na prática
»(v. em “Parâmetros constitucionais da justiça administrativa”, in Reforma do Contencioso AdministrativoDebate Universitário (trabalhos preparatórios), vol. I, 2003, pp. 387-389).
4.3.6-Flui, assim, do exposto e dos ensinamentos colhidos que tratando-se de uma alteração legislativa cujo principal propósito parece ser o de reverter a orientação fixada no Acórdão do STA n.º 11/2024, temos que o inciso
comprometa, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível
» não tem, a nosso ver, o alcance que lhe é atribuído no acórdão, não configurando uma restrição do direito de acesso ao meio de tutela jurisdicional aqui em apreço (cf. artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, ambos da Constituição), ou a outros meios idóneos a assegurar uma tutela eficaz e em tempo útil dos direitos liberdades e garantias cuja lesão possa estar em causa, que deva ser submetida a um controlo de proporcionalidade.4.3.7-Restaria, assim, aferir se a circunstância de se restringir o acesso a este meio de tutela à proteção de direitos, liberdades e garantias pessoais, embora conforme com a exigência constante do n.º 5 do artigo 20.º da Constituição, não configuraria um tratamento diferenciado suscetível de contender com os princípios da igualdade e da equiparação, tal como este vem sendo entendido na jurisprudência constitucional [v., a este respeito o Acórdão 96/2013, (§ 8.), e a jurisprudência aí citada] e, como tal, admissível apenas se fundado em razões legítimas e atendíveis e se contido na justa medida que o princípio da proporcionalidade impõe. Mas, caso a questão tivesse sido apreciada a esta luz, sempre cumpriria ter presente que estarmos perante uma medida que visa acudir a uma situação de litigiosidade elevada, queao contrário do que se pressupõe no acórdãonada indica que seja temporária ou que exija apenas respostas extraordinárias. Ora, conquanto esteja em causa a disciplina de meios processuais que visam assegurar uma tutela célere e expedita de direitos, liberdades e garantias pessoais, sempre deve ser reconhecida ao legislador democrático a necessária margem de conformação na modelação ou reconfiguração dos seus contornos ou pressupostos, quando e na medida em que esta responda a exigências de interesse público na eficiência e operatividade do sistema judiciário, como é o caso.
4.3.8-Daí não se poder concluir pela existência de uma restrição do direito à tutela jurisdicional efetiva, não se descortinando qualquer infração dos artigos 20.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, todos da Constituição, ou de qualquer outro parâmetro constitucional.
5-Vencido também quanto à motivação e ao juízo firmado quanto à alínea f) do dispositivo quando reportado à pronúncia no sentido da não inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 87.º-B, a ser aditado à Lei 23/2007 pelo artigo 3.º do Decreto 6/XVII da AR (cf. § 81. do Acórdão), porquanto pugnei por um juízo positivo de inconstitucionalidade por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 20.º, 111.º, 202.º e 268.º todos da Constituição, explicito, agora, o meu entendimento e juízo divergentes.
5.1-Como interpretado supra o n.º 2 do artigo 87.º-B ressalta ter-se passado, por um lado, a limitar o âmbito ou amplitude do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias quando envolvendo
atuação ou omissão da AIMA, IP
» apenas quando estejam em causa direitos, liberdades e garantias pessoais, exigindo-se, por outro lado, como requisitos de dedução/uso do processo que tal atuação/omissãocomprometa, de modo comprovadamente grave, direto e irreversível, o exercício, em tempo útil
» daqueles direitos, liberdades e garantias ecuja tutela não possa ser eficazmente assegurada através dos meios cautelares disponíveis
».
5.2-Ora mostra-se limitada a amplitude do âmbito de direitos, liberdades e garantias passíveis de tutela naquele processo de intimação envolvendo atos ou omissões da AIMA, IP, exigindo-se que a lesão do direito, liberdade e garantia a tutelar ou defender seja, mormente direta, pelo que nos situamos neste concreto preceito do processo legislativo sob apreciação perante um quadro de resposta àquilo que foi a jurisprudência uniformizada do STA referida e a amplitude do objeto/adequação detidos e que passaram a ser reconhecidos a este processo de intimação (cf. supra §§ 4.3.2. a 4.3.2.3.) e àquilo que foram as suas implicações e consequências também sinalizadas (cf. supra § 4.3.2.5.).
5.3-Neste contexto, aquilo que constituíam ou se poderiam considerar como os receios do âmbito e da amplitude do objeto/adequação detidos pelo processo de intimação decorrentes da jurisprudência uniformizada, temos que os mesmos se mostrariam como clara e inequivocamente ultrapassados com a introdução feita pelo n.º 2 do artigo 87.º-B, a ponto de já não ser possível a dedução procedente de pretensões com vista à discussão centrada na invocação dos atrasos decisórios, do incumprimento dos prazos e da inércia da AIMA, IP, e tutela conexa de outros direitos potencialmente envolvidos nos procedimentos e matérias disciplinados pela Lei 23/2007, obtendo decisão condenatória da AIMA, IP, tãosó para que esta proceda ao agendamento o ato omitido/devido.
5.4-Se assim é e me parece ser esse o efetivo desiderato e fim prosseguidos pela previsão da introdução do n.º 2 do artigo 87.º-B, então as decisões judiciais a adotar pelos juízes administrativos, no quadro destes processos de intimação assim disciplinados e com o âmbito delimitado aos atos e omissões da AIMA, IP, terão ou irão incidir apenas sobre direitos, liberdades e garantias pessoais direta, grave e irreversivelmente lesados e carecidos de tutela, não estando mais incluídos naqueles processos de intimação as pretensões que foram e vêm sendo deduzidas no quadro legal vigente e tal como o mesmo resulta interpretado na e pela jurisprudência uniformizada em referência.
5.5-E se as decisões e pronúncias do juiz administrativo a tomar nestes processos de intimação deixariam de ter a amplitude, o objeto e alcance com que hoje são confrontados pergunta-se, então, qual a razão e justificação válida, legítima e necessária para o juízo e ponderação que sobre o mesmo passa a recair, se requerido pela AIMA, IP na defesa produzida, por força do previsto no n.º 3 do artigo 87.º-B? Para que serve, então, que o juiz na decisão de mérito a tomar ou adotar no processo de intimação, que, frise-se, tem o novo âmbito/amplitude e requisitos/pressupostos mais apertados, tenha ponderar
o número de procedimentos administrativos que correm junto daquela entidade
», as
eventuais pressões anormais de pedidos e solicitações
», os
meios humanos, administrativos e financeiros disponíveis, que é razoável esperar
» ou, ainda,as consequências que possam resultar da intimação para tratamento equitativo de todos os requerimentos dirigidos à AIMA, IP
»?
5.6-Nos processos de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, o que se pretende do juiz é
a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa
» que se tenha porindispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia
»(cf. o artigo 109.º, n.º 1, do CPTA), ciente de que, nos termos dos artigos 202.º e 203.º da Constituição, lhe incumbe dirimir os conflitos submetidos à sua apreciação com independência, no respeito pela legalidade e pela defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
5.7-Presumindo que, por certo, não se trata e não estamos ante a consagração de um juízo inútil ou que venha a reiterar um juízo/ponderação com consagração já expressa e que se realiza [cf., v. g. os artigos 95.º, n.º 4, 111.º, n.º 4, 164.º, n.º 4, alínea d), 169.º, 172.º e 179, n.º 3, todos do CPTAimposição de sanção pecuniária compulsória] e inovandocomo resulta ser o entendimento maioritário firmado pela posição que obteve vencimento, que se apoia numa interpretação que perscruta um só sentido/fim que o legislador teria em vista para, assim, o conformar com a Constituiçãojulgo, então, que o juízo de ponderação ora imposto pelo legislador, mercê do objeto de tutela e requisitos/pressupostos de decretação da intimação, terá um alcance e amplitude diversos.
5.7.1-Desde logo, o mesmo juízo de ponderação, mostrando-se requerido, como o será certa e repetidamente, passa a carecer de prévio contraditório da contraparte, de possíveis e necessárias diligências de instrução probatória e respetivo contraditório, entorpecedores e geradores de dilações no tempo de resposta e de decisão, ao arrepio e em prejuízo de uma tramitação célere e eficaz como o reclama o próprio tipo de processo e tutela pretendida, a que se segue uma efetiva e autónoma pronúncia, sob pena de arguição de nulidade por omissão de pronúncia, abrindo-se mais uma questão a ser objeto de recurso jurisdicional.
5.7.2-Mas de modo mais relevante e impressivo o juízo de ponderação que ali se prevê, considerando o objeto de tutela e os requisitos/pressupostos de decretação da intimação definidos e fixados no n.º 2 do artigo 87.º-B gera, implica e admite que o juízo de mérito a adotar pelo juiz administrativo no processo de intimação possa ou venha ser condicionado ou mesmo negada a tutela do requerente dela carecida ante a lesão sofrida, improcedendo a pretensão, em face do que sejam falhas, insuficiências/incapacidades, restrições humanas, administrativas e financeiras da AIMA, IP demonstradas e provadas nos autos, transferindo e colocando, sob o ónus e responsabilidade do julgador, que este passe a fazer as avaliações das opções de gestão, de organização, de capacitação técnica e humana, bem como de opções políticas, legislativas e de orçamentação feitas.
Ao vincular o juiz a
ponderar, se requerido, o número de procedimentos administrativos que correm junto daquela entidade, em face de eventuais pressões anormais de pedidos e solicitações, os meios humanos, administrativos e financeiros disponíveis, que é razoável esperar, bem como ter em conta as consequências que possam resultar da intimação para o tratamento equitativo de todos os requerimentos dirigidos à AIMA, IP
», no momento de tomada da decisão, entendoao contrário do que entendeu a maioriaque o legislador pretende impor ao juiz mais do que um mero dever de ponderação ou pronúncia, antes um dever de especial consideração daquilo que são as limitações ou constrangimentos de uma das partes-a Administraçãoque não se confunde, antes claramente excede, os juízos de razoabilidade no decretamento de sanções pecuniárias compulsórias (cf. o artigo 169.º do CPTA, para o qual remetem vários preceitos do mesmo Código), ou até de ponderação/proporcionalidade próprios do decretamento de providências cautelares (cf. o artigo 120.º do CPTA).
5.8-O cumprimento de tal dever traduzir-se-á, no mínimo, para o juiz num ónus acrescido de fundamentação das decisões desfavoráveis à AIMA, IP, que venha a proferir, ónus esse a meu ver dificilmente coadunável, seja, com a exigência de um processo equitativo que salvaguarde a igualdade das partes e a isenção e equidistância do decisor (cf. o artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), seja com a ideia de tutela jurisdicional efetiva dos administrados no confronto com a Administração (cf. o artigo 268.º, n.º 4, da Constituição), na medida em que se impõe ao juiz administrativo a responsabilidade de, mais do que zelar por um justo equilíbrio entre o interesse público e a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, proceder a juízos associados à gestão dos recursos humanos e materiais (em regra escassos) da Administração, antes de tomar uma decisão, num desvirtuar do que é e deve ser a função jurisdicional no estrito respeito do princípio da separação dos poderes. Além de não ser claro o fim visado por este condicionamento imposto aos tribunais, não se vê que este possa ser considerado legítimo, quando entendido no sentido de pretender fazer prevalecer, sobre a adoção de decisões que se têm por indispensáveis para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia pessoaldireitos que ao Estado incumbe garantir [cf. o artigo 9.º, alínea b), da Constituição]-, a consideração dos constrangimentos/limitações administrativos que ao mesmo Estado incumbiria suprir/evitar, razões pelas quais entendo que este preceito era igualmente merecedor de censura jurídicoconstitucional (cf. artigos 20.º, n.º 4, 18.º, n.º 2, 202.º e 268.º, n.º 4, todos da Constituição).
6-Passando, agora, à motivação sumária do nosso entendimento e juízo quanto à pronúncia no sentido da inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 98.º, da Lei 23/2007, na redação decorrente das alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da AR, por violação dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1 e 71.º, n.º 2, todos da Constituição, acompanhei tal juízo positivo de inconstitucionalidade no estrito segmento em que, na derrogação do regime regra previsto naquele n.º 3, não resultaram incluídos o cônjuge ou equiparado do requerente do reagrupamento familiar, bem como os filhos incapazes a cargo do casal ou os filhos menores (incluindo os adotados) de um dos cônjuges.
6.1-Acompanho no essencial os dados de enquadramento desenvolvidos e a motivação que resulta expendida no acórdão no seu ponto B.1., sinalizando os seus §§ 29. a 38., 40. a 45., naquilo que resulta, justifica e motiva o estrito segmento por mim isolado como gerador de inconstitucionalidade, já que considero que ante o quadro definido pela Diretiva 2003/86/CE (em especial o seu artigo 4.º, n.º 1), pela CDFUE (artigos 7.º, 9.º, e 24.º, n.º 3), pela CEDH (artigo 8.º), pela Convenção sobre os Direitos das Crianças (artigos 9.º e 10.º-vigente relativamente a Portugal desde 21 de outubro de 1990, após aprovação por ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de setembro e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, da mesma data) e pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (artigos 4.º, 7.º e 23.º-adotada em Nova Iorque em 30 de março de 2007 e ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 30 de julho), a derrogação do regime regra para o reagrupamento familiar previsto naquele n.º 3 do artigo 98.º feita pelo n.º 1 do mesmo preceito apenas infringe os comandos constitucionais supra enunciados enquanto conjugados com os standards de proteção decorrentes dos quadros normativos internacional e supranacional citados, tal como interpretados e aplicados pelo TEDH e pelo TJUE, no segmento em que ali não resultaram incluídos o cônjuge ou equiparado do requerente do reagrupamento familiar, bem como os filhos incapazes do mesmo ou do casal, que estão a seu cargo ou do casal, ou ainda os filhos menores (incluindo os adotados) do cônjuge ou equiparado, tanto mais que relativamente aos demais membros da família a poderem ser incluídos no leque ou elenco temos que cada EstadoMembro goza, desde logo e nos termos do n.º 2 do artigo 4.º da citada Diretiva, de liberdade na sua definição de membros da família a serem incluídos, liberdade essa que pode leválos à sua ampliação gradativa, bem como à sua eliminação.
6.2-Assim, a norma do n.º 1 do artigo 98.º aporta uma desagregação da família nuclear do cidadão estrangeiro residente em território nacional que, frise-se, é portador de título válido que lhe foi conferido ou atribuído e que legaliza a sua permanência no mesmo território, como residente, na medida em que apenas lhe permite manter a convivência com os filhos menores impondo, face à exigência de cumprimento de um prazo de dois anos contado da obtenção da data de autorização de residência, o afastamento pelo referido lapso temporal do cônjuge ou equiparado, bem como dos filhos incapazes do mesmo ou do casal, que estão a seu cargo ou do casal, ou ainda dos filhos menores (incluindo os adotados) do cônjuge ou equiparado, privando-o do direito à convivência conjugal ou equiparada.
6.3-Por fim, e, como última nota, concedendo que o regime do artigo 106.º, n.º 3, da Lei 23/2007, encerra regime com o qual se visa introduzir e acomodar juízos de ponderação e de salvaguarda exigidos e impostos no e pelo quadro normativo da União, aliás, assim assinalados reiteradamente na jurisprudência do TJUE, não se descortina, todavia, que o mesmo, nem mesmo outros mecanismos inscritos e previstos no diploma (cf. v.g., os artigos 122.º ou 123.º ambos da Lei 23/2007), confiram uma garantia e uma resposta cabal que obvie à lesão e aos efeitos nefastos gerados, considerando os termos e os efeitos de como a definição do prazo resulta concretizada pelo quadro normativo objeto de apreciação sem a devida adequação ao diploma no seu conjunto, que não quadram, nem com as exigências do referido quadro normativo, nem como a jurisprudência que vem sendo produzida e sinalizada na matéria.
7-Por fim, passo a explicitar as razões do juízo no sentido da inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 101.º, decorrente das alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da AR, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição.
Tendo acompanhado o juízo negativo de inconstitucionalidade firmado no Acórdão que havia sido acometido às alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 101.º (cf. §§ 54. a 58 e 61. do Acórdão) acompanhei apenas o juízo positivo de inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 101.º motivado e fundamentado em consonância com o expendido sob o § 60. do presente Acórdão no estrito segmento em que a definição do elenco ou leque de medidas de integração a que o requerente do pedido de reagrupamento familiar e dos respetivos familiares ficam sujeitos surge enunciada de modo que interpreto como meramente exemplificativo ao fazer recurso do sintagma adverbial
designadamente
». Com efeito, o advérbio inserido no texto da norma, à luz da significância que o mesmo vem adquirindo no plano jurídico, tem ou assume um sentido especificativo com o qual se pretende particularizar in casu o leque de medidas de integração a serem criadas e implementadas, sugerindo que estas, não formando um conjunto fechado em si mesmo, as medidas ali referidas seriam parte de um conjunto mais vasto, pelo que o elenco efetuado tem um caráter meramente exemplificativo e não taxativo. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
DECLARAÇÃO DE VOTO
1-Estamos vencidos em todas as alíneas da decisão em que o Tribunal Constitucional se pronuncia pela inconstitucionalidade. Não obstante algumas opções do legislador consubstanciadas nas normas que integram o objeto do pedido serem polémicas e discutíveis, como é natural numa matéria de elevada sensibilidade, cremos que são, até mais ver, perfeitamente razoáveis e legítimasuma expressão normal da arbitragem democrática do dissenso político. A legislação numa democracia constitucional não deve ser o produto de uma transação entre as preferências políticas da maioria parlamentar e da maioria dos membros da jurisdição constitucional, mas um exercício de liberdade programática limitado pelo respeito pelos direitos fundamentais e princípios estruturantes de uma república de pessoas livres e iguais. Ora, para que um juízo constitucional informado por valores tão abstratos e elásticos se revele um exemplo de razão jurídica, em vez de uma escolha ideológica, deve satisfazer um ónus exigente de fundamentação, muito aquém do qual se situam, no nosso juízo, os argumentos do presente acórdão.
É certo que as opções do legislador em matéria de direito dos estrangeiros, que atingem pessoas em princípio destituídas dos direitos políticos e dos meios indispensáveis para participar no processo de formação da vontade democrática, devem merecer um escrutínio severo ou um controlo intensificado por parte do juiz constitucional, porventura reforçado, no caso das normas que constam do diploma enviado para promulgação, pelo modo abreviado do procedimento legislativo. Só que um escrutínio judicial intenso não pode ser um pretexto para os juízes transportarem para o plano constitucional as convicções que legitimamente têm enquanto cidadãosviolando a igualdade democrática-, antes constituindoos num dever acrescido de se inteirarem dos factos pertinentes, examinarem os textos aplicáveis, consultarem doutrina autorizada e articularem argumentos consistentes, cuidadosos, ponderados e persuasivos. Como nada disto é verdadeiramente viável num processo de fiscalização preventiva com um pedido de urgênciaque vinculou o Tribunal Constitucional a tomar posição sobre muitas e difíceis questões num prazo de quinze dias-, incidindo sobre matéria espinhosa e largamente inexplorada na nossa jurisprudência, o melhor que se poderia fazer, com sentido de responsabilidade institucional, seria procurar respaldo noutras jurisdições com lastro neste domíniosobretudo o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e o Tribunal de Justiça da União Europeia-, confinar o movimento dos raciocínios a território jurídico seguro e reservar juízos mais afoitos para oportunidades processuais, tempos deliberativos e condições intelectuais mais promissoras e condizentes com a função específica do juiz constitucional numa democracia. Em vez disso, profere-se um acórdão em que se fazem exigências constitucionais inéditas e se desenha o esboço de um caderno de encargos.
2-Antes de darmos breve conta das razões da nossa divergência quanto aos juízos de inconstitucionalidade que incidem sobre as normas do decreto, importa firmar três premissas que, em larga medida, esclarecem o contexto, o sentido e o alcance das opções do legislador. Em primeiro lugar, o regime sindicado aplica-se a imigrantes, não a refugiados, ou seja, a pessoas que, ainda que por necessidade económica, escolhem livremente residir em Portugal, sem que a sua dignidadenomeadamente, o respeito pelos seus direitos humanos-seja, em princípio, posta em causa no país de origem; por isso, as restrições de direitos que se lhes aplicam não são
ablações
» ouagressões
», impostas contra a sua vontade, mas condições destinadas a integrar o seu estatuto de residentes devidamente autorizados. Em segundo lugar, no estado atual do direito português, de acordo com a informação conhecida, o reagrupamento familiar só existe, salvo raras exceções, nomeadamente no que respeita a menores em território nacional, no plano livresco, uma vez que é praticamente impossível agendar a apresentação de um pedido junto da AIMA, cuja capacidade limitada de decisão se encontra principalmente afeta aos numerosos pedidos de autorização de residência. Em terceiro lugar, os números oficiais da imigração dão conta de um crescimento astronómico num período de apenas sete anosde 2017 a 2024-, o que coloca ao país grandes desafios políticos, que testam os limites das suas possibilidades materiais (v. g., habitação, educação e saúde) e culturais (v. g., respeito mútuo e coesão social) de integração responsável.
3-Na versão do diploma enviado para promulgação, o n.º 1 do artigo 98.º dispõe que o cidadão com autorização de residência válida tem direito ao reagrupamento com os membros da família que sejam menores de idade. O n.º 3 do artigo 98.º determina que, quanto aos demais membros da família mencionados no artigo 99.º, o direito ao reagrupamento depende do transcurso de um prazo de dois anos de residência do requerente. A redação destes preceitos está longe de ser famosa, causando especial perplexidade o uso das expressões
dentro
» efora
» do território nacionalmatéria em que acompanhamos a interpretação proposta no acórdão −, mas compreende-se que o legislador tenha pretendido consagrar, exceção feita aos menores, pela sua especial vulnerabilidade, um período experimental das necessidades permanentes e da capacidade de acolhimento da sociedade portuguesa antes de promover o enraizamento familiar do titular da autorização de residência. As exceções do n.º 2 do artigo 98.º contemplam os casos em que, no entender do legislador europeu ou nacional, a necessidade de imigração duradoira não carece de ser comprovada pelo decurso do tempo, correspondendo, pelo contrário, a um interesse público premente.Segundo os juízos que fizeram vencimento, o direito à unidade familiar, bem como, dependendo dos casos, os deveres de proteção da família, das crianças, dos jovens, dos idosos e das pessoas portadoras de deficiência, conjugados com os princípios da proporcionalidade e da equiparação, impõem as seguintes diretrizes ao legislador:
(i) que a solução do n.º 1 do artigo 98.º-o direito ao reagrupamento sem moratória para os membros da família que sejam menores-se estenda ao cônjuge ou equiparado;
(ii) que o prazo de dois anos do n.º 3 do artigo 98.º para o reagrupamento dos demais membros da família (a que acresce o prazo de nove meses para decisão do pedido, prorrogável por igual período em circunstâncias excecionais, nos termos do n.º 1 do artigo 106.º), seja reduzido, em medida não quantificada; e (iii) que a moratória para o reagrupamento possa ser afastada no caso concreto por razões ponderosas, quando se trate de membros da família que se encontrem em território nacional, uma hipótese não prevista no novo diploma e que a maioria supõe inexistente no quadro legal vigente. Não nos revemos em nenhuma destas conclusões.
4-Tanto a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (com destaque para o Acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento v. Conselho, C-540/03, EU:
C:
2006:
429, § 98), como a do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (com destaque para o Acórdão de 9 de julho de 2021, M. A. v. Denmark, § 162), asseveram que um período de dois anos de residência legal para a aquisição do direito ao reagrupamento familiar, sem deixar de constituir uma restrição significativa do direito fundamental à unidade familiar, não é um meio excessivodesadequado, desnecessário ou desproporcional − para promover uma imigração sustentável e responsável no país de acolhimento. Nenhuma destas jurisdições considerou que o legislador deve contemplar uma exceção geral e abstrata para os cônjuges ou equiparados dos residentes legais, muito menos que, quanto a estes, se não possa exigir moratória alguma para o reagrupamento. O que ambos os tribunais sublinharam é a necessidade do que se pode designar como uma
válvula de escape
» ou umórgão respirador
», que autorize o aplicador do direito a afastar o prazo em circunstâncias excecionais, sobretudo (mas não exclusivamente) quando se trate da expulsão de familiares em situação irregular no país de acolhimento. Só que esse mecanismo já existe, aliás sob diversas formas, no quadro legal vigente. Com efeito, a alínea k) do n.º 1 do artigo 122.º salvaguarda a posição dos estrangeiros que
tenham filhos menores residentes em Portugal ou com nacionalidade portuguesa sobre os quais exerçam as responsabilidades parentais e a quem assegurem sustento e educação
», uma disposição que complementa a tutela conferida aos menores. Acrescelhe o regime excecional do artigo 123.º, que autoriza, nomeadamente por razões humanitárias, a concessão de residência em casos não contemplados no artigo 122.º Finalmente-e com especial importância para a matéria que nos ocupa-, o n.º 3 do artigo 106.º determina, com grande clareza e abertura, que
[a]ntes de ser proferida decisão de indeferimento de pedido de reagrupamento familiar, são tidos em consideração a natureza e solidez dos laços familiares da pessoa, o seu tempo de residência em Portugal e existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem
».
A desvalorização que o acórdão faz deste preceito não deixa de ser irónica, visto que a sua redação é, para o que aqui nos importa, idêntica à do artigo 17.º da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao reagrupamento familiar, a disposição expressamente invocada pelo Tribunal de Justiça, no § 99 do citado acórdão de 27 de junho de 2006, para concluir que o artigo 8.º, que autoriza os EstadosMembros a fixar um prazo de até dois anos neste domínio, não viola o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanosjuízo este entretanto corroborado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no referido caso M. A. v. Denmark. Se o artigo 17.º da Directiva constitui, no entender das jurisdições invocadas no presente acórdão para justificar a exigência de um mecanismo de
avaliação casuística
», uma solução perfeitamente adequada, parecenos forçoso concluir-se o mesmo quanto ao n.º 3 do artigo 106.º, um preceito que o diploma enviado para promulgação deixou intocado. Cabe notar que este artigo se aplica, nos seus próprios termos, assim como nos da disposição europeia homóloga, tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça, a todos os requisitos legais do direito ao reagrupamento, sejam eles quais forem, pelo que, uma vez alterada a lei no sentido de se exigir ao requerente um período de residência de dois anos, passa a ser possível invocálo para obviar ao indeferimento do pedido com esse específico fundamento. A interpretação propugnada neste acórdão, que ignora as origens europeias da disposição, negandolhe a virtualidade de autorizar a derrogação dos pressupostos do direito ao reagrupamento familiar, em particular da moratória de dois anos, é não apenas pouco caridosa, como profundamente equivocada.
Em suma, ao contrário do que é invocado pela maioria, a alteração do quadro legal promovida pela nova redação do artigo 98.º satisfaz plenamente, em todas as suas vertentes, o estalão regional e europeu de direitos fundamentais, resultante de uma experiência jurisprudencial acumulada de que o Tribunal Constitucional, largamente neófito neste domínio sensível e operando num contexto deliberativo empobrecido, não tem argumentos para se afastar. Repudiamos, pois, a afirmação implícita, apenas com o éter dos princípios, sem sólidos raciocínios jurídicos, de um putativo
nível de proteção mais elevado
» da ordem constitucional portuguesa em relação a outros sistemas de proteção de direitos fundamentais com longa tradição em matéria de reagrupamento familiar.5-O juízo de inconstitucionalidade que recai sobre o n.º 1 do artigo 105.º do diploma enviado para promulgação, nos termos do qual o prazo de decisão do pedido de reagrupamento familiar é de nove meses, prorrogável por igual período, é ainda mais extraordinária. Entende-se que este prazoque se toma como sendo, na prática, de dezoito meses-, ao qual haveria ainda que somar o tempo de reação da justiça administrativa em caso de indeferimento, acresce ao período de dois anos para a aquisição do direito. Ora, como o prazo total, de acordo com este raciocínio, é de três anos e meio, pelo menos, o regime português, se entrasse em vigor, violaria os limites impostos pelo estalão europeu e regional referido anteriormente.
Só que a aritmética da maioria mistura realidades distintas-a moratória do direito ao reagrupamento com o prazo para a decisão administrativa-, que obedecem a finalidades claramente diversas. Nem o Tribunal de Justiça da União Europeia, nem o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, incorreram em tal equívoco, pois o período de dois anos a que se referem as suas decisões diz respeito somente às condições do reagrupamento familiar, a que acresce necessariamente um prazo razoável de decisão administrativa. O efeito cumulativo da condição temporal e do prazo de decisão para o reagrupamento familiar só foi mencionado pelo TEDH, no § 169 do Acórdão de 9 de julho de 2021, M. A. v. Denmark, porque o regime nacional aplicável nesse caso impunha uma moratória de três anos, bem acima do período de dois anos até ao limite do qual os Estados gozam de ampla margem de apreciação. Acresce que é a própria Diretiva 2003/86/CE, de onde provém o padrão dos dois anos como limite superior normal para o direito ao reagrupamento familiar, que estabelece, no seu artigo 5.º, n.º 4, um prazo máximo de nove meses a contar da data da apresentação do pedido para a decisão administrativa, prorrogável em circunstâncias excecionais associadas à complexidade do mesmo. Não consta que este preceito, que o legislador teve o cuidado de observar, tenha merecido censura alguma, pelo que também aqui o Tribunal Constitucional, não obstante invocar o estalão europeu e regional de direitos fundamentais, encerra a decisão política em margens constitucionais estreitas e inéditas, cuja essência se reduz ao mero impressionismo.
6-Considera-se ainda no acórdão que é inconstitucional, por violação da reserva de lei parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias, o n.º 3 do artigo 101.º do diploma enviado para promulgação, segundo o qual
[o] requerente e os respetivos familiares devem cumprir medidas de integração, designadamente relativas à aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais portugueses, bem como da frequência do ensino obrigatório no caso de menores, conforme regulado em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações, da educação e do trabalho
». São alegadamente duas as fontes de indeterminação geradas por este preceito. Por um lado, ao usar o advérbio
designadamente
», o legislador outorgou às medidas de integração mencionadas um carácter meramente exemplificativo, reenviando para o poder administrativo a definição de outras que, por onerarem o exercício de um direito legal (o reagrupamento familiar) que se destina a efetivar um direito de liberdade (à unidade familiar), se inscrevem em matéria reservada ao legislador parlamentar. Por outro lado, a lei não é esclarecedora sobre o problema de saber se a aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais são requisitos do direitoónus cuja satisfação é condição necessária do seu exercícioou deveres que nascem na esfera jurídica dos visados no momento em que é deferido o pedido de reagrupamento familiar.
Trata-se de considerações especiosas.
Informam os dicionários que o advérbio
designadamente
» tanto pode querer dizer especificadamenteindicando um elenco exaustivo de casoscomo exemplificativamente-indicando um elenco aberto de hipóteses. Em abstrato, esta ambiguidade semântica pode ser geradora de uma incerteza quanto ao alcance de um preceito, a qual pode, por seu turno, licenciar uma interpretação de que decorra um poder administrativo discricionário desautorizado por normas constitucionais. Só que não é isso que se passa neste caso, porque o contexto sintático e o senso comum resolvem facilmente a ambiguidade da expressão, que não pode deixar de possuir o primeiro significado, do que resulta serem admissíveis somente as medidas de integração mencionadas no preceito legal. Assim é porque não são concebíveis outras medidas de integração constitucionalmente legítimas. Com efeito, o que mais poderia o legislador exigir, sem violar ostensivamente os próprios princípios constitucionais nos quais pretende que o requerente e os seus familiares fiquem devidamente instruídos? Depositar flores na campa de um dos vultos maiores da história pátria? Cantar o hino nacional com os olhos marejados de lágrimas? Participar numa romaria popular a um local sagrado? Recitar algumas estrofes da melhor poesia portuguesa? Mostrar a preferência por pratos típicos da nossa gastronomia? São hipóteses absurdas, caricatas e ilegítimas. Para o intérprete razoável, ao qual o legislador não tem de explicar o que é evidente, o sentido da disposição é, neste aspeto, inteiramente claro e preciso, não deixando ao alcance do poder administrativo mais do que meros pormenores de execução.Também não podem restar dúvidas sérias de que as medidas de integração incluídas neste preceito não constituem condições doantes deveres constituídos peloexercício do direito ao reagrupamento familiar. Há duas razões para se chegar a esta conclusão. Em primeiro lugar, são poucos os exemplos de legislações estrangeiras, pelo menos no âmbito do Conselho da Europa, que exigem o cumprimento de medidas de integraçãocomo a aquisição de um nível mínimo de competência linguísticaantes da obtenção de uma autorização de residência, sendo a lei expressa nesses casos, precisamente por se tratar de um desvio em relação ao padrão normal. Em segundo lugar, tendo em conta que, como decorre do teor da disposição e é reconhecido no acórdão, as medidas de integração devem ser cumpridas por todos os requerentes e seus familiares, entre os quais os beneficiários da isenção de moratória ao abrigo do n.º 2 do artigo 98.º, importa sublinhar que o n.º 3 do artigo 26.º da Diretiva (UE) 2016/801, do Parlamento e do Conselho, de 11 de maio de 2016, e o n.º 3 do artigo 17.º da Diretiva (UE) 2021/1883, do Parlamento e do Conselho, de 20 de outubro de 2021, impõem que, para os investigadores e trabalhadores altamente qualificados, bem como para as respetivas famílias, o cumprimento de medidas de integração não seja exigido antes da obtenção da autorização de residência. Ora, não sendo crível a violação ostensiva, pelo legislador, de instrumentos de direito da União Europeia que teve a manifesta preocupação de observar noutros pontos do regime, resta concluir que as medidas de integração não são uma condição da autorização de residência, antes objetos de deveres que desta procedem.
7-Por fim, o Tribunal Constitucional pronuncia-se pela inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 87.º-B, aditado pelo artigo 3.º do diploma enviado para promulgação, por entender que o requisito de
comprovada irreversibilidade
» da atuação ou omissão da AIMA para a apreciação de um pedido de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias constitui uma violação do direito dos administrados a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.Se bem compreendemos a posição da maioria que se formou a este respeito, o problema estaria em que, ao acrescentar expressamente este pressuposto processual, o legislador pretendeu reservar a intimação aos casos de irreversibilidade jurídica ou absolutaem que a tutela cautelar é impossível, por ter o mesmo objeto que a ação principal, e esta é impotente, por não ter o caráter de urgência que a causa reclama-, excluindo os casos de irreversibilidade fáctica ou relativaem que a tutela cautelar, ainda que possível, constitui um estado de coisas cuja reversão futura provoca danos consideráveis, e em que ação principal preserva uma utilidade diminuída por não ter a virtualidade de modificar o passado. Assim, por exemplo, em matéria de unidade familiarum direito inequivocamente pessoal, em virtude da inserção sistemática do artigo 36.º da Constituição-, supõe-se que o preceito exclui a intimação para o deferimento de um pedido de reagrupamento, uma vez que a ação comum de condenação à prática do ato administrativo não é, nessas circunstâncias, absolutamente desprovida de utilidade, ao contrário do que sucede no exemplo de escola da proibição de uma manifestação; nem é impossível, por outro lado, a tutela cautelar consubstanciada numa providência antecipatória, designadamente mediante a emissão de um título provisório, visto que não constitui uma resolução definitiva da situação. Só que em casos deste tipo a tutela cautelar é um remédio imperfeito, pois constitui um estado transitório de convivência familiar cuja reversão judicial futura provoca danos avultados e tem uma eficácia truncada pelo decurso do tempo. A reversão jurídica pode mesmo vir a revelar-se inadmissível ou intolerável, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, como impõe o n.º 3 do artigo 106.º da Lei dos Estrangeiros, em conjugação com o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, se implicar uma medida de expulsãouma intervenção restritiva manifestamente excessiva, após um longo período de convivência, no direito à unidade familiar.
A ideia de que o legislador quis resolver definitivamente, em determinado sentido, estes problemas perenes da relação entre a tutela cautelar e a tutela urgente de direitos é uma fantasia. O n.º 2 do artigo 87.º-B não dá nenhuma solução unívoca para o problema de saber se o meio processual adequado para condenar a AIMA a decidir um pedido de reagrupamento familiar é uma ação administrativa conjugada com um processo cautelar ou a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias. Na verdade, caberá aos tribunais concretizar, nesses como noutros casos difíceis, os requisitos de
comprovada irreversibilidade
» eineficácia da tutela cautelar
», sopesando os benefícios da intimação nos planos da realização integral do direito e da segurança jurídica dos administrados com o sacrifício do tempo deliberativo próprio da justiça administrativa e os riscos de uma trivialização autofágica da tutela urgentetudo valores com pleno assento constitucional. O que se retira da exigência de
comprovação
» não é nenhuma conceção particular de irreversibilidade, matéria que o legislador confiou ao juízo dos tribunais, mas uma preferência ou presunção (in dubio pro…) de adequação da ação administrativa conjugada com a tutela cautelar. Esta surgenos como uma medida compreensível e proporcional, sobretudo se atendermos ao congestionamento processual das intimações para a proteção de direitos, liberdades e garantias no domínio das migrações. Descortinar nesta solução uma qualquer ofensa aos direitos consagrados no n.º 1 do artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º-ao mesmo tempo que se reconhece que não é violado (ou sequer atingido) o n.º 5 do artigo 20.º, a norma que dispõe especificamente sobre a matéria em causa-parece-nos, salvo o devido respeito, um paradigma da confusão entre limites constitucionais e opções legislativas, a fronteira que os juízes constitucionais têm por missão primeira salvaguardar, por maior que seja a tentação de a subverterem nos processos de elevada temperatura política. Gonçalo de Almeida RibeiroJosé António Teles PereiraDECLARAÇÃO DE VOTO
O legislador optou pela aprovação em processo de urgência do Decreto a que pertencem as normas sob fiscalização nos presentes autos. Tal opção implicou uma redução do debate parlamentar em duas vertentes, decorrentes do regime do processo de urgência (artigos 263.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República):
na densidade e extensão das intervenções dos deputados; na densidade e extensão das intervenções dos deputados; e na eliminação da participação de entidades externas ao Parlamento. No que especificamente respeita a este último aspeto, o Acórdão afasta-e bem-a violação do princípio democrático. Mas isso não significa que a opção do Parlamento pelo processo de urgência não releve noutro plano.
A matéria do Decreto é política e socialmente muito relevante e sensível; de um ponto de vista jurídicoconstitucional, situa-se no plano dos direitos, liberdades e garantias, e em especial de restrições a direitos fundamentais dessa espécie (para o legislador, a possibilidade de estarmos perante restrições não poderia deixar de ser vista como uma possibilidade forte, ainda que, naturalmente, pudesse estar convencido do contrário). Isso é quanto basta para que a opção pelo processo de urgência releve no âmbito do princípio do Estado de Direitoapelando ao conceito de devido processo legal na elaboração da lei (“due process of lawmaking”) em forte relação com a reserva de competência legislativa parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias-, na medida em que afeta indelevelmente as possibilidades de escolhas substantivas do conteúdo da lei A matéria do Decreto é política e socialmente muito relevante e sensível; de um ponto de vista jurídicoconstitucional, situa-se no plano dos direitos, liberdades e garantias, e em especial de restrições a direitos fundamentais dessa espécie (para o legislador, a possibilidade de estarmos perante restrições não poderia deixar de ser vista como uma possibilidade forte, ainda que, naturalmente, pudesse estar convencido do contrário). Isso é quanto basta para que a opção pelo processo de urgência releve no âmbito do princípio do Estado de Direitoapelando ao conceito de devido processo legal na elaboração da lei (“due process of lawmaking”) em forte relação com a reserva de competência legislativa parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias-, na medida em que afeta indelevelmente as possibilidades de escolhas substantivas do conteúdo da lei:
num eixo polarizado entre máxima racionalidade e máxima voluntas do legislador, menos alternativas em debate e consideração (resultantes do contributo mais intenso dos deputados e de entidades externas ao Parlamento) deslocam o resultado final da deliberação parlamentar no sentido do último, afastando-se do primeiro. As matérias e alterações específicas em causa no Decreto não podem deixar de implicar um controlo de constitucionalidade de alta intensidade, como o Acórdão sublinha, com a abrangência e densidade exigidas pelo princípio do Estado de Direito, pelo que a opção do legislador pelo processo de urgência não deixa de relevar em certas projeções desse mesmo princípio, designadamente no que ao controlo de proporcionalidade das restrições diz respeito.
Assim é, prima facie, no que toca ao apuramento da legitimidade substantiva dos fins justificativos de medidas restritivas e, desde logo, da aptidão ou idoneidade destas (o primeiro dos testes a que o respeito pela proporcionalidade obriga, em termos classicamente assentes) para atingir tais fins. De modo muitíssimo sintético, a premissa é a seguinte:
o processo de urgência não pode obliterar elementos suficientes para um tal apuramento, diminuindo desrazoavelmente as possibilidades de controlo da proporcionalidade pela justiça constitucional, ainda que em processo de fiscalização preventiva. Por outras palavras, o Tribunal Constitucional não pode ficar materialmente impedido de
administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional
» e de realizar uma fiscalização substantiva da constitucionalidade de normas, desde logo em sede de fiscalização preventiva (artigos 221.º, 223.º, n.º 1 e 277.º e seguintes da Constituição); nem a deferência que o Tribunal Constitucional funcionalmente deve ao legislador, por força do princípio democrático, pode encapsular a sua função de controlo quando a opção pela urgência do processo de aprovação parlamentar deixe de apresentar uma racionalidade justificante das reduções referidas supra.Ora, em várias das normas objeto de controlo nos presentes autos esse problema coloca-se, designadamente, no que respeita às restrições introduzidas pelo artigo 98.º, n.os 1 e 3 e pelo artigo 87.º-B, n.º 2 do Decreto. Atentos os elementos disponibilizados pelo Parlamento na nota técnica enviada a este Tribunal, mas também os publicamente disponíveis (designadamente, no Diário da Assembleia da República), ora não são claros os fins efetivamente pretendidos pelo legislador, dificultando de tal modo o apuramento da sua aptidão ou idoneidade que este teste não pode ter-se por superado, ora são drasticamente diminuídas as possibilidades de aferição de medidas alternativas igualmente eficazes e menos restritivas no âmbito do teste ou subprincípio da necessidade no controlo de proporcionalidade-o que afeta sobretudo as medidas emergentes do artigo 98.º, n.os 1 e 3, e do artigo 87.º-B, n.º 2.
Tudo o que antecede implica, no caso dos autos, uma menor deferência para com o legislador em resultado da opção deste pelo processo de urgência, obrigando o Tribunal Constitucional a um controlo de maior exigência quanto à especificidade dos fins visados pelo legislador e à aptidão das medidas sob controlo em face dos mesmos, bem como uma maior amplitude no recurso a regras de experiência no teste da necessidade, como condição de não ficar diminuída a função constitucionalmente atribuída ao Tribunal Constitucional na fiscalização da constitucionalidade de normas. Mariana CanotilhoRui Guerra da FonsecaAntónio Ascensão Ramos Atesto também a subscrição da Declaração pelo Senhor Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias, que não assina por não estar presente. Mariana Canotilho DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida.
1-A rejeição, pela maioria, das alterações à Lei 23/2007, de 4 de julho (doravante, Lei da imigração)-por, em seu entender, se afigurarem inconstitucionais-, tem, como consequência, a manutenção de uma política de fronteiras abertas, expressão de um indirizzo politico firmado em momento histórico anterior e em contexto social e económico diverso, que não o da pressão de um fluxo migratório repentino, contínuo e massivo. Por assim ser, essa rejeição, materializada na presente pronúncia de inconstitucionalidade, mostra-se alheada (ou não tem na devida consideração), antes de tudo, da realidade socioeconómica atual do país, com setores vitais, como a saúde, a habitação e o ensino, em risco de colapsar. Basta viver em Portugal e ter em atenção e, mais do que isso, sentir a realidade que nos rodeia para ter a certeza de que a situação catastrófica que presentemente presenciamos no nosso país, não entra na categoria das
fake news
». Situação catastrófica que não afeta apenas os cidadãos nacionais, mas que, de igual modo, gera uma incapacidade sistémica que afeta a integração dos imigrantes, com o que isso implica em termos de não poderem ser acolhidos em condições condignas. Alheada, outrossim, das enormes dificuldades que enfrenta a AIMA para dar vazão aos milhares de pedidos de autorização de residência e de pedidos com eles conexos, e, de igual modo, das dificuldades dos tribunais, em particular do TAC de Lisboa e, já em parte, do TCAS, para dar conta da litigiosidade associada ao fenómeno da imigração. Dificuldades que indiciam já um problema de sustentabilidade sistémica e não apenas de eficiência e eficácia da jurisdição administrativa. Alheada, ainda, do princípio da realidade; do conceito de
reserva do possível
»; do inexorável e expetável dinamismo das ponderações que envolvem conflitos de direitos fundamentais ou destes direitos com bens ou valores constitucionais (ponderações que não têm, nem podem, ficar imobilizadas ou petrificadas no tempo, dado o próprio dinamismo da vida e da história); do diferente grau de proteção conferido pela Constituição portuguesa, em termos de titularidade de direitos fundamentais, aos cidadãos portugueses (artigo 12.º), aos estrangeiros residentes em Portugal (ao abrigo da equiparação constante do artigo 15.º), aos meramente presentes em território nacional e aos que pretendem entrar e permanecer em território nacional (os dois últimos grupos com uma proteção constitucional mais débil, ainda que também beneficiem de uma tutela multinível no que, primordialmente, a direitos fundamentais básicos ou nucleares se refere, na medida da sua proximidade mais imediata com o princípio da proteção da dignidade da pessoa humana). Alheada, ademais e em grande parte, dos instrumentos jurídicos internacionais (e não apenas dos supranacionais) a que Portugal está vinculado por força, desde logo, do disposto no artigo 8.º da Constituição. E, last but not the least, alheada da capacidade dos juízes nacionais de levarem a cabo, no âmbito da resolução de litígios associados à imigração, uma leitura necessária e adequada do complexo quadro normativo, interno, internacional e supranacional, que uma tal resolução implica.2-Antes de iniciarmos o nosso périplo pelos vários preceitos que foram considerados pela maioria como desconformes com a Constituição, impõem-se algumas notas de enquadramento, sempre úteis para tornar mais clara a nossa posição.
Como primeira nota prévia, gostaríamos de chamar a atenção para o objeto específico da política pública concretizada através da Lei da imigração.
Estavam em causa neste pedido de fiscalização preventiva requerido pelo Presidente da República (Requerente) medidas legislativas que materializavam uma política pública (destinada, portanto, a resolver um problema de relevância nacional e coletiva), relativa esta última, mais especificamente, à imigração, acolhimento e integração de cidadãos estrangeiros extracomunitários. Uma política pública com este propósito tem que ver forçosamente com decisões de autoridades administrativas e judiciais que se reportam, desde logo, à entrada e à permanência de estrangeiros no território nacional, território que, em conjunto com o povo e a soberania (autoridade/poder), constitui um dos elementos do Estado. Ora, dando como adquirido o enfraquecimento do elemento soberania, como consequência dos compromissos internacionais e supranacionais que o Estado português assumiu e com as consequentes obrigações e vínculos que daí derivam, ainda assim, não pode o nosso Estado, como não o pode nenhum Estado independente, abdicar de vigiar as suas fronteiras. Aliás, da nossa adesão ao Acordo Schengen resultaram obrigações relacionadas com o controlo das fronteiras externas da UE. Com tudo isto, o que se pretende sublinhar é que estamos num domínio em que o legislador goza de uma margem de conformação apreciável, o que deveria ter sido devidamente sopesado na ponderação que levou à presente decisão de inconstitucionalidade.
Como segunda nota prévia, mais breve, dá-se conta de que não existe, nem nas fontes internas, nem nas internacionais, um direito à imigração, qual direito de entrar e permanecer no território de um Estado.
Como terceira e última nota, gostaríamos de convocar os artigos 9.º (
Tarefas fundamentais do Estado
») e 81.º (
Incumbências prioritárias do Estado
») da nossa Constituição, em especial, respetivamente, as alíneas d) e a alíneas a), j) e l). A chamada à colação destes preceitos serve, desde logo, para sublinhar que estas tarefas e incumbências que impendem sobre o Estado português também não poderiam deixar de ser equacionadas na ponderação e harmonização dos direitos, valores e bens conflituantes levada a cabo, em primeira linha pelo legislador, e, em sede de controlo da constitucionalidade, por este Tribunal. E nem se diga que estamos perante tarefas e incumbências que constam de normas programáticas. É que, bem vistas as coisas, não nos parece que os deveres do Estado que constam dos artigos 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1 (contidos, portanto, em preceitos que consagram direitos económicos, sociais e culturais) possuam uma força normativa superior àquelas, pelo menos de forma evidente ou expressiva.
3-Comecemos, então, por indicar as razões da nossa discordância relativamente aos juízos que fizeram vencimento no acórdão a que esta declaração de voto vai aposta.
Artigo 98.º:
Impõem-se algumas notas prévias.
Com as alterações que pretendeu introduzir no que ao direito ao reagrupamento familiar diz respeito, o legislador entendeu manter a diferença de regimes aplicável, por um lado, aos titulares de autorização de residência que pretendem exercer esse direito para reagrupar familiares que entraram legalmente no nosso território e aqui se encontram, e, por outro, aos titulares de autorização de residência que pretendem exercer esse direito para reagrupar, reunificando, familiares que não se encontram no território nacional. Por assim ser, dificilmente se poderá afirmar que os n.os 1 e 2 do artigo 98.º constituam exceções à regra do n.º 3 do mesmo dispositivo. Como visto, estão em causa situações radicalmente distintas.
Como facilmente se percebe, no que se refere aos familiares que entraram legalmente no nosso território e aqui se encontram, nada impede que os mesmos vivam em e como família. A vantagem visível do reagrupamento familiar está na atrelagem dos prazos das autorizações de residência, que passarão a ter como referência o prazo da autorização de residência do requerente de reagrupamento familiar.
A lei atual já permite, de um lado, que um menor seja abrangido pela autorização de residência do seu progenitor (artigo 81.º, n.º 2), e, de outro, que o pedido de reagrupamento familiar seja feito em simultâneo com o pedido de autorização de residência (artigo 1.º, n.º 5).
A reter, ainda, que valendo as alterações propostas para o futuro (artigo 7.º do projeto de lei), mostram-se estabilizadas e consolidadas as situações de reagrupamento já definitivamente reguladas.
O direito ao reagrupamento familiar visa, primacialmente, a família nuclear composta pelo cônjuge e os filhos menores de idade ou a eles equiparados. Em legislações próximas da nossa os filhos maiores não são considerados, salvo em situações excecionais.
Passando, agora, à análise do n.º 1 do artigo 98.º, temos que o mesmo estabelece que os familiares do requerente do reagrupamento familiar que sejam menores de idade, que tenham entrado legalmente no nosso território, que aqui se encontrem e que com ele coabitem e dele dependem não precisam de esperar um prazo idêntico ao previsto no n.º 3 (sendo este o entendimento a que chegou a maioria) para se reagruparem com um dos seus progenitores ou com os dois. As críticas que conduzem às apontadas inconstitucionalidades reportam-se à omissão da situação do cônjuge ou unido de facto, dos filhos maiores e dos filhos menores que não se enquadrem no programa normativo do preceito em análise. Quanto ao cônjuge ou unido de facto, é possível, com base no espírito da lei, na proteção direta dada aos cônjuges ou unidos de facto pela Constituição, no DUE (nas suas normas e na sua jurisprudência) e, ainda, com base no argumento por maioria de razão, levar a cabo uma extensão teleológica que, sem grande dificuldade, inclua o cônjuge ou o unido de facto na norma impugnada. Mas sempre se diga que, se o cônjuge ou unido de facto se encontram legalmente no nosso território, é porque lhes foi concedida uma autorização de residência autónoma, cujo prazo pode vir a ser estendido nos termos da lei. Quanto aos filhos maiores, está dentro da margem de conformação do legislador não os ter em consideração para efeitos do direito ao reagrupamento familiar. Relativamente aos filhos maiores dependentes, v. g., por motivos de deficiência, poderão os mesmos ser equiparados aos filhos menores. E, sempre se diga, a permanência dos filhos maiores no nosso território pode ser assegurada por outros meios que não necessariamente através da figura do reagrupamento familiar. Quanto aos filhos menores que não se enquadrem no programa normativo do n.º 1 do artigo 98.º, a aplicação do argumento da paridade de razão leva a que os mesmos possam ser equiparados aos menores que se encontram na situação expressamente contemplada pelo n.º 1.
Como visto, tendo em consideração o direito interno, internacional e supranacional em rede e com recurso às tradicionais ferramentas da interpretação, facilmente se chega a interpretações juridicamente consentidas e consistentes que resolvem os problemas que a maioria entendeu conduzirem inexoravelmente à inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 98.º Relativamente ao n.º 2 do artigo 98.º, acompanhamos a maioria que fez vencimento (no sentido da não inconstitucionalidade), rejeitando uma leitura que vê na solução proposta pelo legislador uma desconsideração, porque menos dignos, dos imigrantes (mais) ‘pobres’ por comparação com os imigrantes mais ricos ou detentores do capital.
As diferenciações de tratamento não são proibidas per se pela nossa Constituição (desde que preencham certos requisitos) e, por vezes, até são determinadas pela própria Constituição. Veja-se, desde logo, o próprio artigo 15.º, que, no seu n.º 2, reserva algumas categorias e tipos de direitos apenas aos cidadãos portugueses; que, no seu n.º 3, prevê um regime diferente, sob específicas condições, para As diferenciações de tratamento não são proibidas per se pela nossa Constituição (desde que preencham certos requisitos) e, por vezes, até são determinadas pela própria Constituição. Veja-se, desde logo, o próprio artigo 15.º, que, no seu n.º 2, reserva algumas categorias e tipos de direitos apenas aos cidadãos portugueses; que, no seu n.º 3, prevê um regime diferente, sob específicas condições, para
os cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal; os cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal; e que, nos seus n.os 4 e 5, atribui certos direitos a determinadas categorias de estrangeiros residentes em território nacional (n.º 5:
eleições para o Parlamento Europeu) ou que, em todo o caso, condiciona a titularidade aí prevista a exigências de reciprocidadealém da inultrapassável condição de residência (n.º 4:
eleições autárquicas). Atente-se, de igual modo, na consagração constitucional de direitos categoriais-v. g., artigos 68.º a 72.º
As diferenças de tratamento são, não quantas vezes, indispensáveis para a obtenção e realização de determinados objetivos (legítimos) da governação. Estamos em crer que o legislador constituinte, ao estabelecer, de forma expressa, aquelas diferenças de tratamento não pretendeu diminuir ou atentar contra a dignidade de certas pessoas. Quanto às diferenças de tratamento estabelecidas pelo legislador ordinário, também elas não significam inexoravelmente que se esteja a degradar a dignidade de uma determinada pessoa ou de grupos de pessoas. Em ambos os casos, prever direitos fundamentais só para certas pessoas ou categorias de pessoas ou restringir direitos fundamentais só para certas pessoas ou categorias de pessoas significa, apenas, que, no balanceamento ou ponderação de direitos, valores e bens conflituantes, se entendeu dar mais peso a uns deles com base numa análise objetiva e circunstanciada (não sendo assim, obviamente, haverá desconformidade com a Constituição). Em suma, atribuir direitos fundamentais a certas pessoas ou categorias de pessoas ou restringir direitos fundamentais a certas pessoas ou categorias de pessoas não é o mesmo, nem tem forçosamente como consequência a restrição da dignidade das pessoas excluídas ou visadas.
Posto isto, temos que as migrações económicas não têm de ser vistas aprioristicamente e necessariamente como inimigas dos direitos fundamentais. Bem pelo contrário, num país em dificuldades, com vários setores vitais em risco iminente de colapso sistémico (v. g., habitação, saúde e ensino), o investimento é fundamental. Ora, se há escassez de capital e é necessário investimento, e se não é possível captar investimento nacional ou se ele não é suficiente, haverá que atrair investidores estrangeiros. Sucede que a captação deste tipo de imigrantes (à semelhança do que sucede com os imigrantes identificados nos artigos 90.º e 121.º-A da Lei da imigração) é bem mais difícil do que a captação de imigrantes necessários para outros setores da economia. Recentemente o jornal Público dava conta, baseando-se em dados oficiais, de que, de 2020 a 2025, no âmbito do programa Golden Visa Cultural, foram concedidos
mais de 30 vistos
»! Vale o que vale, mas é irrealista, segundo cremos, pensar que a capacidade de captação e atração de estrangeiros é sempre a mesma.
Ainda a propósito deste n.º 2, não excluímos a hipótese de o legislador ter considerado antecipadamente o impacto desta opção políticaem termos, portando, da previsível entrada desta categoria de imigrantes (e dos seus familiares) em território nacional. É que, por um lado, aos imigrantes identificados no n.º 2 é concedida uma autorização de residência com condicionamentos temporais, e, por outro lado, o investimento de capital a realizar num determinado país não implica necessariamente a residência nesse paísao contrário do que se passa com os imigrantes que vêm trabalhar para Portugal, que, por razões óbvias, têm de residir em território nacional.
Tudo visto e somado, é patente que há razões legítimas, objetivas, suficientes e razoáveis para estabelecer a diferenciação jurídica relativa aos imigrantes investidores, sem com isso diminuir a dignidade dos restantes imigrantes. Nem sequer se trata de estratificar dignidades em função das posses dos imigrantes, antes se trata de, assumindo que todos têm a mesma dignidade, estabelecer ponderações diferentes em função, de um lado, dos interesses coletivos do Estado, e, do outro, da diversidade objetiva dos imigrantes em termos do que têm para oferecer, numa conjuntura em que o acolhimento de imigrantes não é compatível com uma política de fronteiras abertas.
Estamos também vencidas quanto ao quanto ao juízo de inconstitucionalidade referente ao n.º 3 do artigo 98.º, remetendo, neste específico ponto, para a declaração de voto conjunta dos Senhores Conselheiros José António Teles Pereira e Gonçalo de Almeida Ribeiro.
Artigo 101.º
Ficámos vencidas quanto ao juízo de inconstitucionalidade que incidiu sobre n.º 3 deste preceito. A alegada inconstitucionalidade deste preceito residia em três questões concretas:
(i) a utilização do advérbio
designadamente
»;(ii) a questão da aplicação subjetiva; e (iii) a questão da temporalidade relevante, vale por dizer, a questão de saber o momento em que se deve exigir o cumprimento das exigências de integração.
Não entrando em questões filológicas relacionadas com os possíveis sentidos do advérbio
designadamente
», as dúvidas de constitucionalidade manifestadas pelo Requerente prendem-se com a compreensão de que se trata de uma exemplificação. Com efeito, o receio da maioria é o de que através de mera portaria governamental sejam acrescentadas exigências que restrinjam direitos fundamentais dos requerentes do reagrupamento familiar, o que geraria dois tipos de vícios:
formal (e também orgânico, porque a matéria de restrição de direitos, liberdade e garantias se insere na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP) e material, por compressão indevida de direitos fundamentais. Ora, não vemos que se possa afirmar aqui a inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 101.º Como é sabido, a utilização, por parte do legislador, de listas exemplificativas, em vez de listas fechadas ou taxativas (v. g., de exigência legais), é muito habitual e responde às dificuldades com que se confronta esse mesmo legislador quando se trata de entrincheirar no texto de uma norma a multiplicidade e complexidade de situações que a mesma pode abranger. Que esta técnica legislativa tem os seus perigos, ninguém pode ignorar. Mas essa é uma contingência com a qual o legislador não pode antecipadamente lutar (porque se trata de meras hipóteses), a não ser que desista da técnica em questão, optando, ao invés, por listas fechadas ou taxativas que sempre geram o fenómeno pernicioso das lacunas. In casu, o tipo de exigências que constam do n.º 3, cuja heterogeneidade obedece a um padrão comum, dá já uma indicação precisa do tipo de exigências que o legislador tem em mente e que não foram questionadas, do ponto de vista da sua conformidade com a Constituição, pelo Requerente, nem atestadas como inconstitucionais pelo presente acórdão. Assim sendo, ou a portaria se afasta da lei, criando novas exigências que nada têm que ver com aquelas que já estão tipificadas, e temos a violação do princípio da legalidade. Ou o Governo, através de portaria, resolve acrescentar exigências que, ainda que próximas daquelas já tipificadas na lei, violam ostensivamente a Constituição (que não são enquadráveis na CRP), caso em que, à semelhança da situação anterior, a portaria, e não a lei, poderá vir a ser considerada inconstitucional.
No que respeita à questão da aplicação subjetiva desta norma, entendeu-se no acórdão que existe uma indeterminação da lei, incompatível com o parâmetro constitucional, no que respeita às exigências de integração que valem para todos os imigrantes que, no contexto do exercício do direito ao reagrupamento familiar, vêm ou já se encontram no nosso território ou apenas para aqueles que ainda não se encontrem em território nacional. Uma vez que o Estado português tem todo o interesse no acolhimento e integração dos imigrantes e suas famílias, a medida valerá para todos os imigrantes extracomunitários, não estando impedido o Governo, designadamente através de portaria, de ter em consideração a situação dos imigrantes que se encontrem legalmente em Portugal, introduzindo algumas nuances (v.g., prevendo a possibilidade de apresentação de um certificado de língua ou a realização de um teste de conhecimento da língua portuguesa).
Por fim, temos a questão do momento do cumprimento das exigências de integração:
as exigências de integração aplicam-se antes (como pressuposto) ou depois (como efeito ou consequência) da concessão de autorização de residência? Por outras palavras, as ditas exigências são condição da concessão de autorização de residência ou do seu exercício?
O teor literal (
Condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar
») sugere que se trata de condição de exercício e não de condição de concessão da autorização propriamente dita. Sendo essa a interpretação que decorre do teor literal do preceito em causa, para se chegar a outro resultado interpretativoque se está perante condição ex ante (solução minoritária nos países que integram o Conselho da Europa)-haveria que retirar de outros elementos interpretativos que a vontade do legislador não corresponde ao teor literal do preceito, em especial, da respetiva epígrafe (cf. o artigo 9.º do Código Civil). O que até seria estranho tendo em vista que no DUE (mais concretamente nas Diretivas 2003, de 2016 (artigo 26.º, n.º 3) e de 2023 (artigo 17.º, n.º 3) [v. declaração de voto conjunta dos Conselheiros José António Teles Pereira e Gonçalo de Almeida Ribeiro] se afirma com bastante clareza que a imposição deste tipo de exigências só é viável se forem tidas como condições de exercício do direito ao reagrupamento familiar. E nem se diga que o legislador nacional, ao legislar especificamente sobre entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, não fica dispensado de reproduzir ou replicar o teor das Diretivas já transpostas para o ordenamento interno. Se podia fazêlo, não era obrigado a fazêlo.
Para um melhor conhecimento da rede normativa dos instrumentos jurídicos internos, internacionais e supranacionais que contêm válvulas de segurança sistémicas para os destinatários das normas agora visadas (e para os seus direitos, fundamentais ou não), instrumentos que sempre deverão ser tidos em consideração pelo julgadorpor força da sua aplicação direta no nosso ordenamento jurídico ex vi do artigo 8.º da Constituição-, remetemos para a declaração de voto do Senhor Conselheiro João Carlos Loureiro.
Artigo 105.º
Relativamente às razões da nossa divergência relativamente ao juízo de inconstitucionalidade que incidiu sobre normas deste preceito, remetemos, uma vez mais, para a declaração de voto conjunta dos Conselheiros José António Teles Pereira e Gonçalo de Almeida Ribeiro.
Artigo 87.º-B (aditado) Entendeu-se no acórdão que, não obstante o n.º 5 do artigo 20.º da Constituição associar a tutela urgentíssima (a previsão de
procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade
» para a obtençãode tutela efetiva e em tempo útil
») à proteção de direitos, liberdades e garantias pessoais, o facto de o CPTA, no seu artigo 109.º prever, sem mais, a proteção de direitos, liberdades e garantias, faz com que este regime trate de forma distinta e contrária à Constituição os imigrantes. Perante a possibilidade de, atento o teor do artigo 20.º, n.º 5, sempre ser possível ao legislador, por razões ponderosas relacionadas com a defesa do interesse coletivo, estabelecer essa diferenciação, restritiva de direitos, liberdades e garantias, sem que daqui decorra uma qualquer inconstitucionalidade evidente, optou-se por invocar um parâmetro constitucional distinto. Ainda assim, discordamos da decisão e da respetiva fundamentação, também em relação a este específico ponto.
Bem vistas as coisas, e como se verá de seguida, a maior parte dos requerentes de autorização de residência até só poderão beneficiar da proteção conferida pelos (ou por alguns) direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal.
É importante antes de tudo chamar a atenção para a circunstância de que a restrição em causa é bem menos ampla do que possa parecer. Tenhamos em consideração os restantes tipos de direitos, liberdades e garantias. São eles os direitos, liberdades e garantias de participação política e dos trabalhadores. Vejamos então.
Recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias de participação política afetados por ações e omissões da AIMA (considerando que a Lei da imigração regula a entrada, a permanência, a saída e o afastamento de estrangeiros [afastamento coercivo ou expulsão judicial], diríamos que as ações e omissões se reportam a decisões a elas relativas):
Atentando nos direitos, liberdades e garantias de participação política (tal como consagrados na nossa Constituição) e, de igual modo, nas várias categorias de titulares de direitos, liberdades e garantias envolvidos pelo preceito em apreço (imigrantes extracomunitários legalmente residentes em território nacional, requerentes de autorização de residência extracomunitários presentes em Portugalnão ou ainda não legalizados-e requerentes de autorização de residência extracomunitários que residem fora do território nacional), verifica-se, quanto aos direitos em apreço, que o n.º 2 do artigo 15.º da CRP os exceciona em relação aos estrangeiros e apátridas residentes (legalmente) em Portugal. Por maioria de razão, não se vê como se possa reivindicar esta categoria de direitos a estrangeiros extracomunitários que não residam em Portugal (ou que aqui residam ilegalmente). É verdade que sucessivas revisões constitucionais permitiram suavizar a exceção em causa, para os estrangeiros residentes em Portugal e em condições de reciprocidade (ou seja, desde que os portugueses beneficiem de idêntico tratamento nos seus países). Assim, no que se refere ao direito de sufrágio ativo e passivo a exercer no âmbito das eleições autárquicas, valem as exigências de residência e de reciprocidade (n.º 4). Ainda no que concerne ao direito de sufrágio ativo e passivo, mas desta feita no tocante às eleições para o Parlamento Europeu, além daquelas exigências, a titularidade do direito em causa apenas vale para
cidadãos oriundos de Estadosmembros da União Europeia
»(n.º 5)-ou seja, para cidadãos que não são visados pela legislação em questão (cf. artigo 4.º). Em suma, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias nunca serviria para a tutela dos direitos de participação política dos estrangeiros extracomunitários pela simples razão de que eles não são deles titulares (ou apenas o serão, alguns deles, nas condições do n.º 4 do artigo 15.º).
Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores:
Comecemos por elencar este tipo de direitos. São eles os seguintes:
segurança no emprego (artigo 53.º), direitos das comissões de trabalhadores (artigo 54.º), liberdade sindical (artigo 55.º), direitos das associações sindicais e contratação coletiva (artigo 56.º), direito à greve e proibição de lockout (artigo 57.º). Logo daqui resulta mais ao menos claro quais as reais possibilidades de utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores por parte dos estrangeiros extracomunitários afetados por ações e omissões da AIMA. Mas ainda é possível concretizar melhor as situações previsíveis em que se lançaria mão da intimação. Relativamente a ações ou omissões da AIMA relacionadas com a entrada no nosso país, não sendo previsível que se reaja contra decisões de concessão de autorização de residênciarestando, pois, as decisões de recusa de concessão a cidadãos que estão fora do território nacional, a cidadãos que estejam, v. g., nas zonas internacionais de portos e aeroportos ou a cidadãos que estejam ilegalmente em Portugal-, mais nítida se torna a utilidade (ou falta dela), para eles, da intimação para proteger os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. No que toca a ações ou omissões da AIMA relacionadas com a permanência no nosso país (v. g., a renovação de autorização de residência), uma vez mais se põem de lado as decisões positivas, tendo em conta apenas as decisões de rejeição ou recusa. E em relação a estas últimas, chama-se a atenção, e remete-se, para os motivos que podem levar a essa rejeição ou recusa. As mesmas considerações são transponíveis, mutatis mutandis, para as decisões relacionadas com a saída e com o afastamento dos imigrantes, esta última por via das figuras do afastamento coercivo e da expulsão judicial. Atente-se também nos limites legalmente impostos à expulsão. Por tudo isto, não vemos como o condicionamento da utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para à tutela de direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal possa servir para fundar a inconstitucionalidade da medida em apreço.
Relativamente à exigência do caráter grave, direto, irreversível da lesão, remete-se para a declaração de voto do Senhor Conselheiro Carlos Medeiros de Carvalho.
Apenas se impõe uma nota final. A adequação de uma medida a implementar no futuro deve ser apreciada em função dos efeitos que produzirá. Assim, o que importa para aferir se a norma em questão passa o teste da adequação não consiste na afirmação de que esta medida não se mostra idónea para acabar com ou atenuar o volume de processos que já entraram na AIMA e/ou nos tribunais administrativos. O teste da adequação mostra-se cumprido porque a medida em causa vai evitar que, a partir do momento que a mesma entre em vigor, o volume incomportável de pedidos e processos judiciais vai certamente abrandar. E nem se diga que, restringido o âmbito de utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, a AIMA e os tribunais vão ser inundados com igual volume de pedidos, de ações judiciais declarativas e de pedidos de tutela cautelar. É que, levando em conta os distintos resultados que se podem obter com cada um dos meios processuais em questão, e tendo em conta que os imigrantes têm recorrido esmagadoramente à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias (em virtude, certamente, das vantagens imediatas que esta apresenta), mostra-se bastante temerário traçar um paralelismo relativamente à cadência futura de ações judiciais declarativas e de pedidos de tutela cautelar. A latere, sempre fica a questão de saber se todos os imigrantes terão posses e conhecimentos para intentar uma ação em Portugal, in casu, uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Maria Benedita Urbano DECLARAÇÃO DE VOTO 1-Os subscritores da presente declaração de voto encontram-se vencidos quanto à alínea f) do dispositivo, no segmento relativo à norma constante do n.º 2 do artigo 98.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, na versão decorrente das alterações introduzidas pelo Decreto 6/XVII da Assembleia da República, por entenderem que o regime de exceção ali consagrado, no que se refere aos titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo do artigo 90.º-A do mesmo diploma legal, viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 1.º do artigo 13.º da Constituição.
2-Uma nota prévia se impõe, porém, relativamente ao regime, também ele de exceção, que respeita aos cidadãos titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo dos artigos 90.º e 121.º-A da Lei 23/2007, por via da solução constante do novo n.º 2 do artigo 98.º e que comporta, não mais, aquilo que resulta da Diretiva (UE) 2016/801 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2016 e da Diretiva (UE) 2021/1883, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado, em vigor desde novembro de 2023. Nestes diplomas, o legislador europeu pretende que seja acautelado pelos EstadosMembros um regime destinado a favorecer a entrada, permanência e mobilidade em território da União Europeia dos membros da família do titular da autorização de residência para efeitos de (i) investigação, de estudos, de formação, de voluntariado, de programas de intercâmbio de estudantes, de projetos educativos e de colocação au pair, bem como de (ii) emprego altamente qualificado, que consiste, em suma, em estender àqueles o regime de que beneficia o próprio titular da autorização de residência enquanto esta se mantiver válida.
As razões subjacentes à previsão destes regimes especiais foram consideradas válidas pelo legislador europeu e, até ao momento, não parecem ter sido objeto de censura pelo TJUE, nomeadamente à luz do artigo 20.º da CDFUE. No caso, acresce que, ainda que se tivesse entendido justificar-se, devido à existência de uma questão de interpretação do direito da União Europeia, um reenvio prejudicial para o TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º, 2.º parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, sempre este recurso seria incompatível com os prazos previstos para que seja proferida decisão no presente processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade (cf. artigo 278.º da Constituição).
Tal circunstância, pelas razões expostas no parágrafo n.º 11 do Acórdão, não podia deixar de ser considerada, com consequente limitação da margem de apreciação do Tribunal Constitucional.
3-O mesmo não se verifica, no entanto, relativamente aos titulares da autorização de residência previstas no artigo 90.º-A da Lei 23/2007. Quanto a estes, a opção de permitir o reagrupamento familiar com qualquer dos familiares referidos nos artigos 99.º e 100.º da mesma Lei, que tenham entrado legalmente em território nacional e aqui se encontrem, que com ele coabitem e dele dependam, poupandoos ao regime geral que fixou na nova redação dada ao n.º 1 do artigo 98.º desta mesma Lei, e que limita aos filhos menores de idade esse mesmo direito ao reagrupamento, é inteiramente imputável ao legislador nacional e não pode deixar de importar uma flagrante violação do princípio da igualdade, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição.
São duas as razões que nos levam a concluir desta forma.
Em primeiro lugar, estando em causa a preservação da unidade familiar, a distinção a que se propõe o legislador não dispõe de qualquer fundamento constitucionalmente atendível. A família, nas suas múltiplas formas e configurações, constitui um alicerce fundamental na vida de todas as pessoas, independentemente da sua origem, cultura, interesses ou atividades. A família representa para todas as pessoas o mesmo espaço de pertença, acolhimento e apoio mútuo, cuja real importância apenas varia, enquanto estrutura vital de afeto, segurança e estabilidade, em função da efetiva intensidade dos laços familiares e do real grau de dependência entre os seus membros. É por isso que o Estado se encontra obrigado a respeitar a convivência familiar de todas pessoas, sem qualquer distinção que não se apoie na preservação dos próprios direitos fundamentais de algum dos seus membros em particular, como sucede no caso dos menores de idade, quando retirados à família. No caso da separação forçada dos membros da família por expulsão de algum dos seus membros do país onde todos se encontram a residir, os efeitos emocionais, afetivos, sociais e económicos provocados pela cessação da convivência familiar, nomeadamente da convivência dos cônjuges (ou unidos de facto) entre si e de algum deles com filhos comuns menores de idade que permaneçam em território nacional, não estão sujeitos a qualquer variação de grau que dependa ou possa relacionar-se com o maior ou menor investimento económico a realizar no país pelo titular da autorização de residência. E, no que diz particularmente respeito à proteção das crianças, a obrigação do Estado Português em garantir que
a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem [...] que essa separação é necessária no interesse superior da criança
»(artigo 9.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança) não é mercadejável, não podendo por isso conhecer distintos níveis de acatamento e concretização em razão do valor que a entrada e permanência do titular da autorização de residência aporta à economia nacional.
Em segundo lugar, e sem pretender obviamente negar a existência de um interesse público relevante na facilitação da entrada e permanência em Portugal de cidadãos oriundos de países terceiros que se proponham investir no país através da constituição de novas empresascom tudo o que isso implica, desde a criação de novos postos de trabalho até ao aumento da receita fiscal, tal como resulta referido no Acórdão-, cabe referir que essa facilitação, podendo ocorrer de múltiplas e variadas formas, não pode ser levada a cabo através de distinções que importem um distinto nível de consideração pela unidade da família constituída e de respeito pelos direitos à convivência entre os membros da família, em especial do direito fundamental dos pais conviverem com os seus filhos e de estes conviverem com os seus pais, assegurado pelo artigo 36.º, n.º 1 e 6, da Constituição.
Do ponto de vista da obrigação de não ingerência em cada um destes direitos, o interesse económico que representa para o país a entrada e permanência de cidadãos estrangeiros dispostos a realizar avultados investimentos constitui uma razão imprestável e jurídicoconstitucionalmente inatendível para justificar a diferenciação que decorre dos n.os 1 e 2 do artigo 98.º, tal como alterados pelo Decreto.
4-Ter-nos-íamos, pois, pronunciado pela inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 98.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, na redação decorrente das alterações introduzidas pelo artigo 2.º do Decreto 6/XVII da Assembleia da República, no segmento em que se refere aos titulares de autorizações de residência concedidas ao abrigo do artigo 90.º-A da mesma Lei, por violação do artigo 13.º, n.º 1, da Constituição, divergindo, com estes fundamentos, do percurso argumentativo e do sentido da decisão que, quanto a esta que, foram seguidos no Acórdão.
Joana Fernandes CostaRui Guerra da FonsecaDora Lucas NetoAntónio José da Ascensão RamosJosé João Abrantes A presente declaração de voto é igualmente subscrita pelo Senhor Juiz Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias, que não assina por não estar presente. Joana Fernandes Costa DECLARAÇÃO DE VOTO Fiquei vencido quanto à alínea a) do dispositivo. A meu ver, o legislador democrático não está proibido de exigir ao requerente do reagrupamento familiar um certo período de residência em Portugal antes de cônjuge e familiares maiores vulneráveis se lhe virem juntar.
Por outro lado, quanto à alínea b) do dispositivo, não subscrevo a totalidade da fundamentação. Em meu juízo, o vício de inconstitucionalidade consiste na fixação de um período de espera até ao reagrupamento com o cônjuge (ou equiparado) de tal modo longo que põe em causa a natureza, substância e subsistência do direito à vida familiar.
1-O direito à família, consagrado no artigo 36.º da Constituição, é uma emanação da dignidade da pessoa (BARBOSA DE MELO, “A família na Constituição da República”, Communio, 1986, p. 497). Nele se inserem a garantia de convivência familiar (Acórdão 181/1997) e a proteção da unidade da família enquanto elemento estrutural da sociedade (RUI MEDEIROS, “Anotação ao artigo 36.º”, Constituição Portuguesa Anotada, tomo 1, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 813).
Trata-se de um direito fundamental que é, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da Constituição, atribuído aos estrangeiros que residam legalmente em Portugal. O que se compreende:
os imigrantes são pessoas, e não meios de produção. Razão pela qual a Constituição impede que o Estado possa atuar como tirano em relação a nãocidadãos legalmente autorizados a trabalhar e residir no território nacional, explorando a sua capacidade laboral mas marginalizando o seu estatuto na comunidade, impedindoos de viver como seres humanos comuns e acabando por priválos da oportunidade de se integrarem na sociedade de acolhimento.
Assim, em direta decorrência da tutela constitucional da família, a Constituição protege o direito ao reagrupamento familiar, assente na garantia de convivência familiar inerente aos artigos 36.º e 67.º da Constituição.
2-É justamente por essa razão que não vejo qualquer inconstitucionalidade na norma do n.º 1 do artigo 98.º:
ela limita-se a concretizar o direito à convivência familiar e a efetivar a garantia de não separação dos filhos dos pais, nos termos constitucionalmente devidos.
A circunstância de cônjuge e familiares maiores vulneráveis não beneficiarem desse regime só seria inconstitucional se fosse vedado ao legislador condicionar o seu reagrupamento a um qualquer período de residência do requerente. Ora, sendo verdade que a exigência de um certo tempo de residência em Portugal é uma restrição ao direito à convivência familiar, também não é menos verdade que a Constituição não proíbe restrições a direitos, liberdades e garantias, desde que cumpram os requisitos do artigo 18.º Até porque o propósito dessa limitação é constitucionalmente solvente:
trata-se de aferir a estabilidade e efetividade da permanência em território nacional antes do ingresso da família do requerente.
Assim, sendo constitucionalmente possível a subordinação do reagrupamento à verificação de um certo período de residência em Portugal, nenhuma censura se pode fazer à norma que dispensa tal condição quanto aos familiares menores. Os eventuais vícios, mesmo quanto ao cônjuge ou equiparado, terão de ser encontrados na norma que sujeita o reagrupamento a tal requisito-o n.º 3 do artigo 98.º 3-Em decorrência deste entendimento, apesar de convergir no juízo de inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 98.º, não subscrevo a totalidade da fundamentação. A meu ver, o legislador não está constitucionalmente obrigado a estabelecer uma específica e especial cláusula de salvaguarda, que acresça às normas gerais da atividade administrativa e aos casos já abrangidos pelos artigos 122.º e 123.º da Lei 23/2007 (pontos 39. a 42. da fundamentação).
Segundo creio, o vício de inconstitucionalidade reside no facto de o reagrupamento do cônjuge (ou equiparado) poder ficar subordinado a um período de espera de tal modo extenso-2 anos antes do requerimento, a que podem acrescer 18 meses para decisão pela AIMAque põe em causa a natureza e subsistência do direito fundamental à unidade conjugal. Com efeito, se o prazo fixado for excessivamente longo, é a própria existência do direito que é comprometida, ficando amputadas as reais possibilidades de ser estabelecida uma vida familiar.
É o que sucede com o período legal que, por força da conjugação do n.º 3 do artigo 98.º com o artigo 105.º, pode ascender a três anos e meio. Tal como concluiu o Comité Europeu dos Direitos Sociais, um prazo com esta dimensão determina a alteração qualitativa da restrição do direito à convivência conjugal:
afeta a própria natureza e subsistência dos laços familiares, esvaziando o direito ao reagrupamento familiar (cf. Conselho da Europa, Case Law of the European Social Charter, Suplemento n.º 3, 1993, p. 163). Afonso Patrão
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei pela não inconstitucionalidade de todas as normas objeto do pedido, divergindo, pois, da maioria que teve vencimento. Estando em causa uma temática bastante relevante para a República, geradora de acalorados debates, não raro em registos que não cumprem os requisitos de uma cultura argumentativa, importa, para eventuais leitores não juristas, tornar claro que não está aqui em causa aferir da bondade política das decisões. Num quadro de separação de poderes, é irrelevante o que cada juiz constitucional pensa sobre o mérito das soluções resultantes de opções políticolegislativas, devendo apenas nortear-se por uma avaliação jurídicoconstitucional, num quadro marcado por uma relevante internormatividade, em que importam referentes internacionais e supranacionais.
Para informação presente e memória futura, com todo o respeito institucional que é devido, entendo tornar claro que este aresto e esta Declaração foram escritos em circunstâncias particularmente difíceis. Em regra, um processo de fiscalização preventiva, com um prazo máximo de 25 dias, obriga a um árduo exercício, sobretudo em temas mais complexos e com uma menor densificação na jurisprudência do Tribunal. Por inoportuna convergência de calendários, num período marcado pelo labor quase diário em torno de processos de anotação de coligações, que não podem deixar de ser decididos com a celeridade prevista na lei eleitoral, o Tribunal viu-se confrontado com a necessidade de se pronunciar num prazo drasticamente amputado em 40 % do período normal, ou seja, menos 10 dias. A conveniência de uma decisão desta natureza ser tomada pelos 13 juízes já implicaria uma compressão na casa dos 20 %. Na sua faculdade de avaliação quanto à adequação do prazo, o Presidente da República, nos termos do artigo 278.º, n.º 8, in fine, encurtou-o
por motivo de urgência
». Atendendo à complexidade da temática, ao número de normas objeto do pedido, ao especial peso da normatividade e da jurisprudência, internacionais e supranacional, à necessidade de um diálogo com outras ordens jurídicas, e sem prejuízo do empenhamento dos juízes constitucionais no cumprimento das suas obrigações, ao menos para mim a compressão não deixa de se refletir nesta Declaração de Voto.
Assim, para além da redução argumentativa noutros pontos, por manifesta impossibilidade temporal não será avaliado o artigo 87.º-B que se pretende aditar neste diploma, em tempos muito difíceis de sobrecarga judicial em geral e, no caso, no que toca à justiça administrativa (afetando especialmente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa). Havendo já instrumentos específicos como o habeas corpus, foi criada a intimação para proteção de direitos, liberdade e garantias, na sequência do n.º 5 do artigo 20.º da Constituição. Repare-se que o preceito não impõe um modelo monista (uniforme) neste campo, antes se abre a uma pluralidade de figuras. O texto constitucional refere-se a
procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos
»(itálico meu).
Realce-se que o n.º 5 se refere a direitos, liberdades e garantias pessoais e que a “banalização” expansiva do meio processual intimação (em número e no que toca ao âmbito material de aplicação) teve e tem consequências sistémicas graves, comprovadas estatisticamente. A sua massificação provoca uma sobrecarga sistémica (em geral, vd. Suzana Tavares da Silva, Administrative law for the 21st Century:
administrative law on an illiberal and postdemocratic context, Cham, Springer, 2024, pp. 79-81, falando, inter alia, de
falha do controlo da atividade administrativa
» e de ser necessário“[re]organizar” o controlo da atividade administrativa de acordo com objetivos e métodos
»), pelo que o acesso prioritário conseguido por via desta figura (e que o n.º 2 do artigo 87.º-B, que o Decreto quer aditar à Lei 23/2007, de 4 de julho, pretende limitar) retarda outras decisões (o mundo da litigiosidade está longe de se esgotar neste campo) e, por via de uma soma de microdecisões, tem impacto quer no funcionamento da Administração (desde logo, da sua eficiência, valor com tutela constitucional) quer nos direitos das pessoas que, por várias razões, não lançam mão deste instrumento, com impacto no
tratamento equitativo
» dos pedidos. Com relevância também noutras partes da discussão, recordam-se a trilogia de Miguel Realenorma, facto e valor(cf. Teoria tridimensional do direito. Teoria da justiça. Fontes e modelos do direito, Lisboa, Imprensa NacionalCasa da Moeda, 2003), as exigências de realidade no próprio processo hermenêuticonormativo [Friedrich Müller/Ralph Christensen, Juristische Methodik, Band I:Grundlegung für die Arbeitsmethoden der Rechtspraxis, 11.ª ed., Berlin, Duncker & Humblot, 2013, pois a norma conjuga
programa normativo
»(Normprogramm) e
domínio normativo
»(Normbereich)], a distinção entre
reserva do possível
» ereserva do necessário
»(quanto a esta, vd. José Carlos Vieira de Andrade, “Conclusões”, in Tribunal Constitucional, 35.º Aniversário da Constituição de 1976, Vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 175-189, p. 184), tomando a sério a(s) escassez(es), com implicações em matéria de sustentabilidade (não apenas económicofinanceira, mas também social, em termos de pobreza, por exemplo) e de socialidade. Na verdade, o Estado Constitucional, expressão de uma opção fundamental por uma República assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, enquanto Estado de direito, democrático, social e ambiental, tem indispensáveis custos e imposições,
tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno
»(Preâmbulo da Constituição da República Portuguesa). Mas, nesse processo, a par de um indisponível que se inscreve na
reserva do necessário
», urge não olvidar o contexto e a realidade, o horizonte de (im)possibilidades, sob pena de, na prática, em vez da realização dos direitos, podermos assistir à sua degradação e, no limite, à sua dramática ou mesmo trágica denegação.
Quanto ao n.º 2 do artigo 87.º-B, a exigir uma análise fina da reconfiguração da figura, cerzindo memória legislativa, jurisprudencial e dogmática, tomo a liberdade de remeter para a Declaração de Voto do Juiz Conselheiro Carlos Medeiros de Carvalho, em que, no essencial, me revejo. Já em relação ao n.º 3, com o alcance que foi dado no aresto ao preceito (limitado aos efeitos, nomeadamente temporais), não vejo problemas de inconstitucionalidade. No entanto, esta leitura está longe de ser pacífica, não se podendo descartar outra que nos reconduz ao plano do mérito, com implicações na avaliação jurídicoconstitucional.
Depois desta breve nota introdutória, esta Declaração está estruturada em díptico, a saber:
I. (Algumas) questões gerais (procedimento; imigrantes e direitos fundamentais) I. (Algumas) questões gerais (procedimento; imigrantes e direitos fundamentais);
II. Algumas questões em especial:
análise da constitucionalidade.
I-(Algumas) questões gerais:
procedimento; procedimento; imigrantes e direitos fundamentais
1-Procedimento:
(ir)relevância jurídicoconstitucional em sede de controlo
O Requerente tece algumas considerações sobre o procedimento legislativo, assinalando que este
foi tramitado na Assembleia da República de forma urgente, não tendo havido-efetivas-consultas e audições, nomeadamente audições constitucionais, legais e/ou regimentaisobrigatórias ou nãoou, quando solicitadas, foramno sem respeito pelos prazos legalmente fixados e/ou em prazos incompatíveis com a efetiva consulta
»(§ 8.º).
Relembra que o processo de fiscalização abstrata preventiva se limita ao controlo da constitucionalidade e não da legalidade de um elenco de normas. Tratando-se, pois, de um controlo judicial em sede de fiscalização preventiva, não se analisa aqui a questão de saber se (atendendo a que, do ponto de vista constitucional, o controlo da legalidade por parte do Tribunal se limita à defesa de um bloco de
legalidade qualificada
») e em que termos existe uma violação da legalidade por inobservância de audições obrigatoriamente previstas. A propósito da preterição de normas do Regimento da Assembleia da República, discute-se doutrinariamente discutido se algumas delas possam ser havidas como tendo natureza de lei reforçada. Escreve José Joaquim Gomes Canotilho (Direito constitucional e teoria da constituição, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 857):
Resta saber se a violação de normas regimentais directamente executoras da Constituição não configurará um caso de ilegalidade sujeito a controlo jurisdicional e se para este efeito não será de atribuir ao regimento o estatuto de “lei reforçada”
».
Neste controlo ex ante, é pacífico que o Tribunal Constitucional não pode curar do conhecimento de questões de ilegalidade. Contudo, tendo presente a relevância procedimental que tem vindo a ser acentuada na doutrina e na jurisprudência, importa ver se, no caso, a discussão se limita a uma mera avaliação no plano da
justiça procedimental
» ou se assume-a única que é pertinente para o exercício da competência do Tribunal Constitucional-relevância jurídicoconstitucional. Prima facie, dir-se-ia que a questão é de fácil e rápida resolução:os vícios procedimentais geradores de um juízo de inconstitucionalidade são apenas aqueles que resultam de obrigações constitucionais expressas, que correspondem a um número muito limitado de hipóteses (em matéria de legislação do trabalhoartigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição; os vícios procedimentais geradores de um juízo de inconstitucionalidade são apenas aqueles que resultam de obrigações constitucionais expressas, que correspondem a um número muito limitado de hipóteses (em matéria de legislação do trabalhoartigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição; audição das Regiões Autónomasartigo 229.º, n.º 2, da Constituição).
Lendo a doutrina, sublinha-se a crescente relevância da exigência da racionalidade das normas, discutindo-se quer o chamado procedimento interno (Prozedur), relativo ao plano argumentativo, quer, e é o que ora nos interessa, o procedimento externo (Verfahren), no caso legislativo [sobre esta exigência de racionalidade e do seu sentido num quadro parlamentar que é marcado por profundas dimensões compromissórias, vd. a síntese de Franz Reimer, “§ 11 Das Parlamentsgesetz als Steuerungsmittel und Kontrollmaßstab”, in Andreas Voßkuhle/Martin Eifert/Christoph Möllers (Hrsg.), Grundlagen des Verwaltungsrechts, Bd. I, 3.ª ed., München, C.H. Beck, 2022, pp. 777-854, pp. 781-784, especialmente o ponto, com interrogação, respeitante à
racionalidade como parâmetro constitucional
», a que responde recusando a existência de uma
exigência geral de racionalidade, por exemplo como subprincípio do princípio do Estado de Direito
»-p. 783]. Em abstrato, poderia perguntar-se se não haverá outras obrigações constitucionais de audição (incluindo consultas) além daquelas que constam explicitamente do texto constitucional, podendo discutir-se as vias trilhadas. Por exemplo, lançando mão de instrumentos hermenêuticonormativos, proceder a uma leitura da lei fundamental que reconduza a preceitos constitucionais (direitos fundamentais, por exemplo) obrigações de audição e consulta, podendo discutir-se, nesse processo, o lugar do Regimento da Assembleia da República; ou considerar que algumas obrigações legais são hoje materialmente constitucionais, o que significaria a sua elevação de estalão. Contudo, atenta a compreensão de constitucionalização material que subscrevo, a pressupor o seu enraizamento na consciência jurídica da comunidade, tratando-se de uma via excecional de constitucionalização, que não deve ser banalizada, neste caso, a minha resposta é negativa. Esta leitura exigente da constitucionalização material foi brilhantemente sintetizada, em termos de jurisprudência, pelo Juiz Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa (Acórdão 150/85), na discussão em torno da existência de um direito à fundamentação dos atos administrativos, face à versão originária da Constituição de 1976:
decisiva para a improcedência do argumento-é, porém, a circunstância de ele assentar necessariamente num pressuposto básico que não pode ter-se por verificado, a saber, no pressuposto de que o direito à fundamentação dos actos administrativos era já, antes da revisão da Constituição, um direito
análogo
» aos direitos, liberdades e garantias. Na verdade, estaanalogia
» era (e continua, naturalmente, a ser) condição do funcionamento ou aplicação da cláusula do artigo 17.ºSimplesmente, para que ela se verifique, não basta que ocorra uma semelhança de estrutura, e mesmo porventura de conteúdo, entre determinado direito e os direitos, liberdades e garantiasou seja, não basta que aquele também se perfile, designadamente, como um direito subjectivo de carácter geral e permanente, e que se traduza na atribuição às pessoas de uma posição jurídica subjectiva (faculdade de exigir ou pretender certo comportamento) paralela a outras compreendidas no catálogo constitucional (ou até complementar delas). É ainda necessário que tal direito se apresente com suficiente
consistência
» para merecer aprotecção constitucional
» que se traduzirá na sua subordinação aoregime dos direitos, liberdades e garantias
».
Com efeito, esta subordinação, em qualquer caso, só se justifica quando se esteja perante um direito já tão radicado na consciência jurídica coletiva, como elemento
fundamental
» do ordenamento, que dele se possa dizer que verdadeiramente passou a integrar o acquis constitucional, ou obloco de constitucionalidade
».
Nem assim estará descartada a possibilidade de haver aqui um vício constitucionalmente relevante, pelo que importa passar a uma segunda pergunta, associada a uma terceira:
em que medida a utilização da figura da declaração de urgência prevista no artigo 170.º, n.º 1, da Constituição se poderia repercutir (ou não) neste âmbito. Assim:
em caso de pedido de pareceres ou da chamada a uma Comissão parlamentar de especialistas, representantes de instituições públicas ou de associações de interesses, não haverá obrigações constitucionais no que toca ao modo do seu exercício, nomeadamente, no que aqui nos importa, um prazo mínimo adequado de preparação, em função de fatores como a complexidade do tema, por exemplo? Respostas que podem apoiar-se em princípios como o Estado de Direito e democrático ou ainda, como afirmaram a dogmática e a jurisprudência alemãs, os direitos dos próprios deputados (vd., para uma síntese desta discussão, com outras indicações, Jan Helbig, Fehler im Gesetzgebungsverfahren:
eine Untersuchung unter besonderer Berücksichtigung einer allgemeinen Fehlerfolgenlehre, Berlin, Duncker & Humblot, 2023, esp. pp. 201-206).
Jan Helbig sublinha, por exemplo, que:
Em termos funcionais, a oposição é exercida no processo legislativo através da crítica, do controlo e da apresentação de propostas alternativas. As audiências solicitadas por minorias, nos termos do § 70, n.º 2, frase 1, do GOBT [Geschäftsordnung-Regimento], cumprem exatamente esta função. Em primeiro lugar, permitem avaliar publicamente a ação legislativa da maioria, bem como apontar as desvantagens e fraquezas do projeto de lei, recorrendo a conhecimentos especializados externos
»(p. 205).
Na jurisprudência alemã e tendo presente que o Tribunal Constitucional Federal tem outras competências, este foi chamado a interferir no próprio procedimento em curso ainda em sede parlamentar, tendo por base o § 32 (1) da Gesetz über das Bundesverfassungsgericht (Bundesverfassungsgerichtsgesetz-BVerfGG). Numa decisão em 2023 [Beschluss vom 05.07.2023-2 BvE 4/23], com um governo de coligação conhecida como semáforo [Ampelkoalition:
SPD, vermelho;
FDP, amarelo;
Bündnis 90/Die Grünen, verde), o Tribunal impediu, a título cautelar, a continuação do procedimento de um diploma resultante da iniciativa do legislativa do Governo (Gesetzentwurf der Bundesregierung zur “Änderung des Gebäudeenergiegesetzes und zur Änderung der Kehrund Überprüfungsordnung”). Na sequência de uma alteração profunda da proposta, um deputado da oposição reagiu em sede de justiça constitucional, por não ter sido dado um prazo razoável para a estudar, tocando nos seus direitos de participação política [no caso, entre a entrega do texto (significativamente) alterado, na terça feira, às 17h48 m, e o começo das deliberações em comissão (quarta feira, às 8h30m) transcorreram apenas 14 horas e 42 minutos, incluindo a noite (Beschluss vom 05.07.2023-2 BvE 4/23, 58].
Não é possível, na
motorização
» deste processo de fiscalização preventiva, proceder a outras precisões. Atendendo às circunstâncias do caso sub iudice e tendo sido tramitado na Assembleia da República de forma urgente, o que decorre de uma legítima escolha políticolegislativa que não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar (só em situações-limite, em que, visando a redução dos direitos dos deputados, a maioria adotasse como forma normal do procedimento legislativo essa nota de urgência), não vejo que as questões suscitadas no plano dajustiça procedimental
»(desde logo, pedidos de parecer com prazo de um dia) abram portas para uma pronúncia pela inconstitucionalidade, que atingiria todo o Decreto.
Com a brevidade necessária, entendo, pois, que, no caso, não há um vício de procedimento que o inquine em sede jurídicoconstitucional. Como juiz, é a este aspeto e só a ele que me tenho de ater, no quadro do respeito pelo princípio constitucional de separação de poderes.
2-Direitos e política(s) de estrangeiros:
linhas de força
Sem prejuízo de uma abordagem específica, importa, em termos gerais, precisar as linhas de força da leitura jurídicoconstitucional aqui considerada. Pelas suas particularidades e tendo presente as alterações legislativas propostas e o objeto do pedido, deixamos de fora o direito de asilo, reconhecido no artigo 33.º, n.º 8, da Constituição (o n.º 9 remete para o legislador a definição do estatuto do refugiado político).
Assim:
a) Não há nenhum direito fundamental à entrada de um estrangeiro ou apátrida no território nacional. Esta é uma decisão soberana dos Estados nacionais, sendo a admissão ou não resultante de uma política determinada pelos interesses de cada comunidade política. A cidadania política continua a ser, neste ponto, um elemento diferenciador, que se traduz constitucionalmente na distinção cidadão/estrangeiro (ou apátrida). No entanto, no quadro da sua vinculação internacional e supranacional, pode o Estado ter obrigações nesta matéria.
b) Políticas consideradas restritivas de migrações não têm de ser vistas como inimigas dos direitos fundamentais. É verdade que se assiste, de forma encapuçada ou mesmo desavergonhadamente assumida, a discursos racistas que fazem de pessoas de outras etnias verdadeiros bodes expiatórios (numa analítica mais fina, vd., por todos e em geral, a obra de René Girard, nomeadamente Le bouc émissaire, Paris, Grasset, 1982). Nas memórias dolorosas da Europa e, em geral, do mundo, conhecemos as tragédias, ilustradas e efetivadas a partir do
mito ariano
»(com expressão também na Península Ibérica:
cf., por exemplo, Léon Poliakov, The Aryan myth:
a history of racist and nationalist ideas in Europe, New York, Basic Books, 1974, pp. 11-16).
Num país marcado pela
questão da culpa
»(Schuldfrage)-falo da Alemanha-, que desenvolveu uma cultura de acolhimento, foi suspensa (durante dois anos) a reunificação familiar no caso dos titulares da chamada proteção subsidiária [Gesetz zur Einführung beschleunigter Asylverfahren vom 11. März 2016, BGBl. I, p. 390, o que está de novo na agendacf. Comissão do Parlamento Federal (Beschlussempfehlung und Bericht des Innenausschusses (4. Ausschuss) a) zu dem Gesetzentwurf der Fraktionen der CDU/CSU und SPDDrucksache 21/321-Entwurf eines Gesetzes zur Aussetzung des Familiennachzugs zu subsidiär Schutzberechtigten b) zu dem Antrag der Abgeordneten Clara Bünger, AnneMieke Bremer, Katrin Fey, weiterer Abgeordneter und der Fraktion Die LinkeDrucksache 21/349-Familiennachzug zu Schutzbedürftigen erleichtern statt aussetzen, 25.06.2025]. Note-se que estamos no domínio mais estrito de requerentes que necessitam de proteção internacional, campo que, atendendo às perseguições que alicerçam a concessão, beneficia, em regra, de uma outra consideração em sede jusfundamental, distinta das migrações por razões económicas. O Governo Federal, assente numa grande coligação-CDU/CSU e SPD (o chamado Gabinete Merkel IV)-, depois de convocar o crescimento exponencial nos anos de 2016 e 2017 da proteção subsidiária, apresentou uma proposta tendo em vista um novo quadro normativo para os titulares de autorização de residência assente na referida proteção subsidiária [Entwurf eines Gesetzes zur Neuregelung des Familiennachzugs zu subsidiär Schutzberechtigten (Familiennachzugsneuregelungsgesetz). Na proposta, sustentava que:
1) A suspensão até 16 de março de 2018 (§ 104/13 da Aufenthaltsgesetz) foi consequência do
interesse dos sistemas de acolhimento e integração do Estado e da sociedade
»[Interesse der Aufnahmeund Integrationssysteme von Staat und GesellschaftDeutscher Bundestag Drucksache 19/2438, 19. Wahlperiode, Gesetzentwurf der Bundesregierung Entwurf eines Gesetzes zur Neuregelung des Familiennachzugs zu subsidiär Schutzberechtigten (Familiennachzugsneuregelungsgesetz, 04.06.2018, p. 1];
2) Apesar da redução significativa de requerentes, essa capacidade continuava muito afetada em domínios como a habitação, a educação e a formação profissional, incluindo a
possibilidade de aquisição de conhecimentos de língua alemã
»(Möglichkeit zum Erwerb deutscher Sprachkenntnisse). Ou seja, em campos a que, em Portugal, com uma relevante constituição social, correspondem direitos fundamentais, como resulta da leitura do texto constitucional, sem prejuízo de diferenças doutrinárias e, no limite, objeções ao próprio sentido e alcance da sua fundamentalidade (vd., para uma súmula da discussão, Jorge Reis Novais, Manual de direitos fundamentais, Lisboa, AAFDL, 2024, pp. 137-180).
c) Em relação aos estrangeiros e apátridas residentes, que, como regra, estão equiparados aos nacionais (princípio da universalidade em sentido amplo, resultante da conjugação do artigo 12.º, n.º 1, com o artigo 15.º, n.º 1, ambos da Constituição), discute-se a existência de um direito fundamental ao reagrupamento familiar e, a verificar-se, qual a sua âncora normativa na lei fundamental.
A relevância constitucional da proteção da família projeta-se na avaliação das soluções legislativas do reagrupamento familiar, ou seja, o artigo 36.º da Constituição é aqui mobilizado, da mesma forma que preceitos equivalentes (na Alemanha, artigo 6 da Grundgesetz, doravante GG, por exemplo) o são noutros países. Saber se estamos ou não perante um direito fundamental passa, no entanto, por tentar concretizar o seu âmbito. Aqui temos já um estrangeiro ou apátrida residente, mas, ainda assim, os familiares continuam a não ter um direito de entrada no território. Ana Rita Gil (Imigração e direitos humanos, 2.ª ed., Lisboa, Petrony, 2021) sustentou
que o artigo 36.º protege por si só, prima facie, o direito a entrar no território para efeitos de reunião com os membros da família, ainda que estrangeiros
»(p. 481).
Contudo, logo acrescenta que
[i]sso não impede, de resto, que tal direito possa ser sujeito a condições ou restrições consideradas legítimas
»(p. 481).
Assinalada esta nota, considere-se mais de perto, ainda que brevemente, o princípio da universalidade em sentido mais amplo. Não se ignoram raízes anteriores, paradigmaticamente a Constituição de 1911, que mereceu, aliás, a atenção de uma figura de referência no que toca à historiografia constitucional. Na verdade, Horst Dippel (Moderner Konstitutionalismus:
Entstehung und Ausprägungen:
England-Nordamerika-Frankreich-Deutschland-Europa/Europäische UnionLateinamerika, Berlin, Duncker & Humblot, 2021), ao analisar o quadro constitucional europeu dos princípios do século XX, menciona a primeira Constituição republicana portuguesa (1911), cujo Título II tem como epígrafe “Dos direitos e das garantias individuais”, que abre a titularidade de direitos a estrangeiros residentes no país. Escreve Marnoco e Sousa (Constituição política da República Portuguesa:
commentario, Coimbra, F. França Amado Editor, 1913, pp. 40-41; commentario, Coimbra, F. França Amado Editor, 1913, pp. 40-41; reeditada no quadro das comemorações do centenário da República, contando com um Prefácio de José Joaquim Gomes Canotilho:
Lisboa, Imprensa NacionalCasa da Moeda, 2011, p. 43):
A constituição consigna, quanto aos direitos individuais, a igualdade entre portugueses e estrangeiros residentes em Portugal. As outras constituições de 22, 26 e 38 limitavam estas garantias unicamente aos portugueses. No artigo 72.º da constituição brasileira, que serviu de fonte a este artigo, é que se estabeleceu a doutrina consagrada pela nossa constituição. Não podemos deixar de reconhecer que esta doutrina é superior à das constituições anteriores
».
Na Constituição de 1976, começa por se sublinhar a conexão com o ordenamento jurídico português, maxime com o território. Na formulação do artigo 15.º, n.º 1, da Constituição, a referência é a estrangeiros e apátridas
que se encontrem ou residam em Portugal
». Sem prejuízo de direitos que resultam de outras ligações com o ordenamento jurídico português (o ter sido nacional, por exemplo, antes da independênciacf. Acórdão 365/2000), é claro que não foi adotado o modelo do máximo universalismo que encontramos nalguns autores que sustentam um modelo de
fronteiras abertas
»(Open borders), assente num direito à livre circulação ou movimento mundial, a fundar uma escolha de residência (vd., para uma síntese, Matthias Friehe, “§ 106 Recht zum Aufenthalt im Staatsgebiet und Freizügigkeit”, in Klaus Stern/Helge Sodan/Markus Möstl, Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland im europäischen Staatenverbund, 2.ª ed., Bd. IVDie einzelnen Grundrechte, München, C.H. Beck, 2022, pp. 276-312, pp. 225-254, p. 226). Nesta ótica, os Estadosno que agora nos interessa, a República Portuguesaassumiriam como regra a referida abertura das fronteiras, devendo as restrições a essa mobilidade global (traduzida não apenas numa entrada para fins turísticos, mas num direito a residir no território)
necessitar de justificação jusfundamental
»[Matthias Friehe, “§ 106 Recht zum Aufenthalt im Staatsgebiet und Freizügigkeit”, p. 226, em registo crítico, a partir do próprio direito internacional].
No entanto, o mundo é um
pluriversum
»(Carl Schmitt, O conceito do político, Lisboa, Edições 70, 2015, p. 96:
[o] mundo político é um pluriversum, não um universum
»). Assim, desde logo num sentido históricouniversal de Constituição (com outros desenvolvimentos no constitucionalismo moderno), como magistralmente sublinhou Rogério Soares [“O conceito ocidental de constituição”, Revista de Legislação e de Jurisprudência (1986), pp. 36-39, 69-73, p. 36], cada comunidade política tem de responder, entre outras questões, à distinção entre nós e os outros, sem prejuízo da diversidade interna (recorde-se a nova trilogia constitucional de Denninger-segurança, diversidade e solidariedadevd. Erhard Denninger,“Neue Rechte im technologischen Zeitalter?”, Kritische Justiz 22 (1989), p. 147-156 (= “Sicherheit/Vielfalt/Solidarität:
Ethisierung der Verfassung?”, in Ulrich K. Preuß, Zum Begriff der Verfassung:
die Ordnung des Politischen, Frankfurt am Main, Fischer, 1994, pp. 95-129) que afasta monismos uniformizadores que esquecem que o povo é uma
grandeza pluralística
»(Peter Häberle, Die Verfassung des Pluralismus:
Studien zur Verfassungstheorie der offenen Gesellschaft, Königstein/Ts., Athenäum, 1980, pp 57, 88; entre nós, convocando expressamente este autor alemão, José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, p. 75).
Assim, sem prejuízo da sua recompreensão em termos do reforço de vinculações internacionais e, no caso português, também supranacional, a soberania dos Estados não desapareceu, sendo que, reafirma-se, cabelhe uma palavra decisiva sobre quem entra e quem reside, desde que respeitada a internormatividade [em especial, neste ponto, as obrigações decorrentes da vinculação internacional e supranacional e tendo presente, no caso da Constituição portuguesa, a opção constituinte da interpretação e da integração em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (entretanto rebatizada de Direitos Humanos), dos preceitos constitucionais e legais relativos a direitos fundamentais (artigo 16.º, n.º 2, da Constituição)].
A leitura generosa do princípio da universalidade expressa-se também na afirmação da (tendencial-cf. o n.º 2 do artigo 15.º da Constituição, sem que a referência à lei possa ser lida como uma
carta branca
» em termos de restrições:vd. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 6.ª ed., Coimbra, Almedina, 2019, p. 125) equiparação, em termos de titularidade de direitos (e de deveres), entre cidadãos portugueses e estrangeiros e apátridas (artigo 15.º, n.º 1, da Constituição). Contudo, importa ter presente uma metódica da diferenciação (não da discriminação) face a distintas situações. Deixando de parte os direitos exclusivamente reservados a portugueses, sublinha-se que a diferenciação entre estes e estrangeiros e apátridas também passa pela posição distinta na sua relação com o território português em termos de direitos. É isso que justifica a existência de direitos fundamentais só de estrangeiros, em registos diferenciados, assumindo a questão da relação com o território especial relevância neste contexto.
Desde logo, a equiparação entre portugueses e estrangeiros e apátridas não significa (deixando de fora a questão dos chamados
círculos de cidadania
») que mesmo em relação a estes últimos não haja distinções. Com efeito, para alguns direitos, não é a mesma coisa
encontrar-se
» ouresidir
» no país. Na verdade, se há uma série de direitos em relação aos quais tal é indiferente-a começar pelo direito à vida, que abre o rol constitucional dos direitos, liberdades e garantias pessoais (artigo 24.º, n.º 1, da Constituição)-, há direitos fundamentais (desde logo, o direito ao trabalhoartigo 58.º, n.º 1) de que não goza um cidadão estrangeiro que se encontra com um normal visto de curta duração (artigo 51.º, da Lei 23/2007, de 4 de julho) para fins de turismo (não se reconduzindo, pois, aos vistos de curta duração para trabalho sazonal por período igual ou inferior a 90 dias, previstos no artigo 51.º-A do referido diploma). Há outros direitos em que, sem prejuízo da universalidade na titularidade, existem diferenças significativas entre estrangeiros que se encontram no território, mas não são residentes e outros que aqui trabalham legalmente, estando enquadrados em termos previdenciais. Mais:há até direitos de que se é titular sem que alguma vez na vida se tenha de atravessar a fronteira (pense-se no direito à propriedade privada, artigo 62.º, n.º 1, da Constituição).
Acresce que, de acordo com o próprio texto constitucional, importa distinguir entre
quem tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional
»(artigo 33.º, n.º 2, da Constituição) e as pessoas que entraram ilegalmente no território nacional ou, tendo entrado regularmente, deixaram de ter título de permanência válido ou prosseguiram atividades não permitidas no visto que obtiveram. Como se lê na anotação de Damião da Cunha [in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa anotada, vol. I, 2.ª ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, p. 543):
É a própria Constituição que, implicitamente, reconhece que é diferente a situação jurídica do cidadão estrangeiro que tenha entrado irregularmente no território nacional
»(o que vale para quem permaneça em situação de irregularidade).
Sendo titular de direitos, trata-se de uma tutela fraca, construa-se a proteção em termos objetivos ou subjetivos.
Ab initio, há uma diferença de estatuto entre os cidadãos portugueses que têm direito a entrar no território nacional, a nele residir e a não serem expulsos (artigo 33.º, n.º 1, da Constituição), beneficiando também de um regime de extradição excecional (artigo 33.º, n.º 3, da Constituição). Universalidade não é necessariamente sinónimo de uniformidade.
Repare-se que, como é próprio da disciplina em matéria de estrangeiros e sem prejuízo da vinculação internacional, a regra aplicável aos casos de entrada e/ou permanência ilegal no território nacional é o afastamento coercivo ou a expulsão judicial (artigo 134.º, n.º 1, alínea a), da Lei 23/2007, de 4 de julho).
II. Algumas questões em especial:
análise da constitucionalidade
1-Artigo 98.º
O Decreto da Assembleia da República n.º 6/XVII introduziu alterações significativas na solução vigente em matéria de reunificação familiar, contrastando com a atual redação. No diploma enviado para promulgação, o regime regra consta agora do n.º 3 do preceito, constituindo os n.os 1 e 2 exceções. Deixando de parte o n.º 2, que não foi considerado inconstitucional, centrarei a análise no n.º 3 e no n.º 1.
Lê-se:
3-O cidadão com autorização de residência válida e que resida, há pelo menos 2 anos, legalmente em território nacional, tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da família que se encontrem fora do território nacional, nos termos do artigo 99.º, que comprovadamente com ele tenham vivido noutro Estado ou que dele dependam, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente
».
Trata-se, pois, do preceito que estabelece o regime geral aplicável à reunificação familiar. Exige-se que o titular tenha uma autorização de residência válida e estabelece-se um prazo mínimo de residência, o que contrasta com o quadro jurídico vigente. Este prazo de dois anos é entendido, pela maioria que fez vencimento no acórdão, como um
prazo absoluto
», sem nenhuma válvula de escape.
O parâmetro é, ainda aqui, a Diretiva 2003/86/CE, mais exatamente o seu artigo 8.º:
Os EstadosMembros podem exigir que o requerente do reagrupamento tenha residido legalmente no respectivo território, durante um período não superior a dois anos, antes que os seus familiares se lhe venham juntar. A título de derrogação, se a legislação de um EstadoMembro em matéria de reagrupamento familiar, em vigor à data de aprovação da presente directiva, tiver em conta a sua capacidade de acolhimento, o EstadoMembro pode impor um período de espera, não superior a três anos, entre a apresentação do pedido de reagrupamento e a emissão de uma autorização de residência em favor dos familiares
».
Foi introduzido um período de espera, permitido pelo direito da União Europeia, como se verá e que existe em diferentes legislações (infra). No entanto, assinala-se que estão em curso discussões e até mesmo alterações em matéria de direitos dos estrangeiros (incluindo situações que vão para lá do âmbito de aplicação pessoal da Lei 23/2007, de 4 de julho).
A novidade do artigo 98.º, n.º 3, em termos de redação passa, pois, pela exigência do decurso de um prazo mínimo de dois anos de residência autorizada antes de se poder pedir o reagrupamento. Segundo o acórdão, seria, além de mais, um prazo absoluto, indiferente às circunstâncias, pelo que seria inconstitucional (sobre esta questão, ver 1.1.4. infra).
1.1-Prazo ou período de espera
1.1.1-A sua admissibilidade face ao direito europeu
Este prazo de espera é uma possibilidade prevista, como se viu, pela Diretiva, no n.º 1 do artigo 8.º O Tribunal de Justiça da União Europeia validou-o (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 27 de junho de 2006, proferido no processo Parlamento c. Conselho, C-540/03):
98 Essa disposição não tem, pois, por efeito impedir em absoluto o reagrupamento familiar, mas sim manter em benefício dos EstadosMembros uma margem de apreciação limitada, ao permitirlhes assegurarem-se de que esse reagrupamento terá lugar em boas condições, após o requerente do reagrupamento ter residido no Estado de acolhimento durante um período suficientemente longo para que se possa presumir uma instalação estável e um certo nível de integração. Por conseguinte, o facto de um EstadoMembro tomar esses elementos em consideração e a faculdade de diferir o reagrupamento familiar por, consoante o caso, dois ou três anos, não são contrários ao direito ao respeito pela vida familiar consagrado, nomeadamente, no artigo 8.º da CEDH, tal como interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
99 No entanto, há que recordar que, conforme resulta do artigo 17.º da directiva, o tempo de residência no EstadoMembro é apenas um dos elementos que devem ser tidos em conta por este último ao examinar um pedido e que não pode ser imposto um período de espera sem ter em consideração, em casos específicos, todos os elementos pertinentes.
100 O mesmo é válido para o critério da capacidade de acolhimento do EstadoMembro, que pode ser um dos elementos tomados em consideração no exame de um pedido, mas não pode ser interpretado no sentido de que autoriza qualquer sistema de quotas ou a imposição de um prazo de espera de três anos sem ter em conta as circunstâncias particulares de casos específicos. Com efeito, a análise de todos os elementos, tal como prevista no artigo 17.º da directiva, não permite ter apenas esse elemento em consideração e exige que se proceda a um exame real da capacidade de acolhimento no momento do pedido.
101 Ao efectuarem essa análise, os EstadosMembros devem ainda, como é recordado no n.º 63 do presente acórdão, procurar assegurar que o interesse superior dos filhos menores seja tido em devida consideração
».
Com clareza, afirma-se que:
103 Por conseguinte, não se pode considerar que o artigo 8.º da directiva viola o direito fundamental ao respeito pela vida familiar ou a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, nem enquanto tal nem na medida em que autorizaria expressa ou implicitamente os Estados Membros a agir dessa forma
».
Na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre as orientações para a aplicação da Diretiva 2003/86/CE relativa ao direito ao reagrupamento familiar (COM/2014/0210 final), a propósito do período de espera (4.6.), lê-se:
O artigo 8.º salvaguarda uma margem limitada de apreciação aos EM [Estados-Membros], permitindolhes exigir que o requerente do reagrupamento tenha residido legalmente no seu território por um período não superior a dois anos antes que os seus familiares se lhe venham juntar. Se um EM optar por exercer esta opção, não pode impor um período de espera geral aplicado uniformemente a todos os requerentes, sem ter em conta as circunstâncias particulares de casos específicos e o interesse superior de crianças menores [...]. O TJUE sublinhou que o tempo de residência no EM é apenas um dos elementos que devem ser tidos em conta por este último ao examinar um pedido e não pode ser imposto um período de espera sem ter em consideração, em casos específicos, todos os elementos pertinentes, sempre na perspetiva de assegurar o interesse superior dos filhos menores [...].
Esta disposição visa permitir aos EM assegurarem-se de que o reagrupamento familiar ocorra em boas condições, após o requerente ter residido no Estado de acolhimento durante um período suficientemente longo para que se possa presumir para os familiares uma instalação estável e um certo nível de integração [...]. A admissibilidade ao abrigo da diretiva de um período de espera e a respetiva duração dependem de este requisito servir este propósito e respeitar o princípio da proporcionalidade. Para evitar afetar a vida familiar de forma desproporcionada, a Comissão insta os EM a manter os períodos de espera tão curtos quanto o estritamente necessário para cumprir o objetivo da disposição, em especial nos casos que envolvem filhos menores.
A Comissão considera que para determinar a duração da
residência legal
» de um requerente do reagrupamento, deve ser contabilizado qualquer período de tempo no qual tenha residido no território de um EM em conformidade com a legislação nacional, a partir do primeiro dia. Este período pode ser de residência com base numa autorização de residência ou em qualquer outro título legal que autorize a estada. No entanto, devem ser excluídas estadas irregulares, incluindo períodos de tolerância e de regresso adiado[itálico meu].
1.1.2-Razões a favor de um período de espera
O leque de razões para estabelecer um período de espera, tendo como critério o interesse público, é variado. Desde logo, uma medida legislativa deste tipo pode ser adotada para permitir reforçar as capacidades de integração e de acolhimento de uma determinada comunidade política (fundamentos convocados, por exemplo, na Alemanha, num projeto da CDU, de 2016, para suspender a reunificação familiar nos casos de proteção subsidiária, tendo presente o elevado número de requerentescf. Deutscher Bundestag Drucksache 18/7538, 18. Wahlperiode 16.02.2016, Gesetzentwurf der Fraktionen der CDU/CSU und SPD Entwurf eines Gesetzes zur Einführung beschleunigter Asylverfahren, p. 1, disponível em https:
//dserver.bundestag.de/btd/18/075/1807538.pdf).
Numa decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (entretanto rebatizado de Direitos Humanos)-caso M.T. and others v. Sweden, de 20 de outubro de 2022, 22105/18)-, lê-se no § 59:
Os requerentes tinham interesse em serem reunificados, enquanto o Estado sueco tinha interesse em servir os interesses gerais do bemestar económico do país, regulando a imigração e controlando as despesas públicas
».
Estes prazos podem também ser entendidos como um período para avaliar em que medida o migrante, com autorização de residência, se integra. Neste sentido, tendo presente embora a relevância da proteção constitucional da família e a convivência associada, na ponderação com o interesse público o seu peso não é o mesmo. Com o passar do tempo no país (a que se associa uma maior integração na vida do Estado de acolhimento-cf., por exemplo, BVerfGE 76, 1, 2 BvR 1226/83, 2 BvR 101/84, 2 BvR 313/84, n.º 145), cresce a relevância do artigo 36.º da Constituição no referido processo de balanceamento, sendo constitucionalmente vedados prazos que, no século passado, faziam dos migrantes
filhos de um deus menor
».
Assim, não se trata apenas de o direito da União Europeia permitir esses prazos, mas também de saber se, atento o interesse público, que tem um papel muito relevante neste campo, tal está constitucionalmente vedado. Tendo presente o que acontece com outros Estados constitucionais, respondo negativamente, não havendo violação da Constituição. No entanto, no exercício da sua margem de escolha políticolegislativa, o legislador pode manter o atual regime ou estabelecer prazos inferiores a dois anos.
1.1.3-Direito comparado:
ilustrações
A aceleração da
aceleração
» imposta pelo encurtamento dos prazos permite apenas uma breve referência a outros ordenamentos jurídicos nacionais. No Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação da Diretiva 2003/86/CE relativa ao direito ao reagrupamento familiar, Bruxelas, 29.3.2019, COM (2019) 162 final, lê-se:Muitos EstadosMembros não definiram um período de espera antes de a família do requerente do reagrupamento ser elegível para requerer o reagrupamento familiar. Nos casos em que esta disposição é aplicável, o período de espera pode ser de um ano [ES, LU, NL], um ano e meio [FR], dois anos [CY, EL, HR, LT, LV, MT, PL] ou três anos [AT], a contar do momento em que o requerente do reagrupamento se tornou residente do país ou recebeu uma decisão final a concederlhe proteção internacional, sendo concedidas isenções por EstadosMembros individuais
»[baseado em estudo da Rede Europeia das Migrações, de 2017, p. 27-28].
Na impossibilidade de verificar, caso a caso, a situação em 2025, regista-se a existência de prazos de três anos, situação que, no caso dinamarquês, conduziu a importante acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em 2021, que, por exemplo, levou a Suíça a iniciar um procedimento tendo em vista a revisão da Loi fédérale sur les étrangers et l’intégration [Modification de la loi fédérale sur les étrangers et l’intégration (Modification du délai d’attente pour le regroupement familial des personnes admises à titre provisoire) Rapport explicatif en vue de l’ouverture de la procédure de consultation, Département fédéral de justice et police DFJP, Berne].
No acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, tratando-se embora de uma situação de proteção temporária, o caso releva indubitavelmente para o afastamento de prazos nas hipóteses que estamos a considerar. Estava em causa um prazo de três anos e a avaliação da sua conformidade com o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (entretanto rebatizada dos Direitos Humanos).
Afirma-se nesta relevante peça jurisprudencial que
[...] num caso que diz respeito tanto à vida familiar como à imigração, o âmbito da obrigação do Estado de admitir no seu território os familiares de pessoas que aí residem varia em função da situação específica das pessoas em causa e do interesse geral e exige a procura de um equilíbrio justo entre os interesses concorrentes em jogo. Os fatores a ter em conta neste contexto são a medida em que existe efetivamente um entrave à vida familiar, a extensão dos laços que as pessoas em causa têm no Estado contratante em causa, a questão de saber se existem ou não obstáculos intransponíveis à vida da família no país de origem do estrangeiro em causa e a questão de saber se existem elementos que digam respeito ao controlo da imigração
»(acórdão do TEDH, M.A. c. Dinamarca, § 132
».
Volvidos poucos meses, o Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht/Tribunal administratif federal/Tribunale amministrativo federale/Tribunal administrativ federal) da Confederação Helvética proferiu um acórdão (Arrêt du TAF F-2739/2022 du 24 novembre 2022). Estavam em causa dois requerentes de asilo, nacionais da Eritreia. No quadro do procedimento administrativo, foi dado parecer negativo ao pedido com base num duplo fundamento:
não verificação quer do requisito relativo à
independência financeira
» quer de três anos de estada. No processo, afirma-se a impossibilidade de reagrupamento familiar no Estado de Israel, onde residia o marido e pai, dado quenão dispunha de nenhum estatuto e vivia em condições de precariedade
»(5.2.). Convocando o artigo 190 da Constituição federal da Confederação suíça, nomeadamente a vinculação ao bloco de internacionalidade onde se inscreve a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (6.3.1), sustentou-se que o artigo 13 da lei fundamental nacional (direito ao respeito da vida privada e familiar) deve ser lido em registo de conjugação internormativa. De acordo com a jurisprudência helvética citada neste aresto, nem sequer haveria
violação da vida familiar se se puder esperar que os membros da família realizem a sua vida familiar no estrangeiro (ATF 144 I 91 consid. 4.2; violação da vida familiar se se puder esperar que os membros da família realizem a sua vida familiar no estrangeiro (ATF 144 I 91 consid. 4.2;
140 I 145 consid. 3.1; arrêt du TF 2C_950/2017 consid. 3.1). (6.3.1.)
». Tendo presente o caso dinamarquês no que toca ao período de espera, o Tribunal Administrativo Federal entendeu alterar a sua jurisprudência na matéria à luz da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (6.5). Em princípio, se o prazo for inferior a dois anos, não se verificarão, prima facie, os pressupostos para a efetivação do direito. Contudo, tendo de haver um processo individualizado para a recusa (como se explicitará), de acordo com a ponderação das circunstâncias, lê-se que o
reagrupamento familiar pode ser autorizado antes do termo desse prazo (princípio da proporcionalidade, art. 5, 2, da Constituição)
». Acrescenta-se que o período de espera é visto como uma
presunção refutável, compatível com o respeito pela vida familiar
»[Modification de la loi fédérale sur les étrangers et l’intégration (Modification du délai d’attente pour le regroupement familial des personnes admises à titre provisoire) Rapport explicatif en vue de l’ouverture de la procédure de consultation, p. 10].
1.1.4-A natureza do prazo
Para o presente acórdão o prazo de dois anos previsto no n.º 3 do artigo 98.º é o
único e decisivo critério atendível para efeitos de reagrupamento familiar
»,
um período mínimo de permanência inderrogável, sem qualquer abertura à consideração do grau de intensidade e impacto que [...] tem na convivência familiar, na relação do estrangeiro residente com os familiares a reagrupar, nos laços afetivos existentes entre ambos
». Nesta perspetiva, a maioria conclui que a
imposição de um prazo absoluto e imperativo de dois anos, sem atender ao circunstancialismo do caso em concreto, não permite assegurar, pois, a proteção da família dos cidadãos com autorização de residência válida que residam legalmente em território nacional, designadamente nos termos preconizados na Diretiva 2003/86/CE, sendo contrária aos deveres positivos que emergem para o Estado Português dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, da Constituição
».
Para fundamentar a sua posição, o aresto cita o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 27 de junho de 2006, proferido no processo Parlamento c. Conselho, C-540/03, segundo o qual resulta do artigo 17.º da Diretiva 2003/86/CE que
o tempo de residência no EstadoMembro é apenas um dos elementos que devem ser tidos em conta por este último ao examinar um pedido e que não pode ser imposto um período de espera sem ter em consideração, em casos específicos, todos os elementos pertinentes
»(§ 99), como
a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e o seu tempo de residência no EstadoMembro, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem
», critérios que
correspondem aos que são tomados em consideração pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ao apreciar se um Estado que indeferiu um pedido de reagrupamento familiar ponderou corretamente os interesses em presença
»(§ 64) [
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem precisou que, na sua análise, toma em consideração a idade das crianças em causa, a sua situação no seu país de origem e o seu grau de dependência em relação aos pais
»(§ 56)].
Porém, ao censurar o prazo previsto no artigo 98.º, n.º 3, o acórdão desconsideraafastando a sua aplicação-o disposto no n.º 3 do artigo 106.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, que o Decreto da Assembleia da República n.º 6/XVII deixa intocado, mantendo-se, pois, plenamente vigente:
Antes de ser proferida decisão de indeferimento de pedido de reagrupamento familiar, são tidos em consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa, o seu tempo de residência em Portugal e a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem
».
Este preceito reproduz justamente o referido artigo 17.º da Diretiva 2003/86/CE, com a seguinte redação:
Em caso de indeferimento de um pedido, de retirada ou não renovação de uma autorização de residência, bem como de decisão de afastamento do requerente do reagrupamento ou de familiares seus, os EstadosMembros devem tomar em devida consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e o seu tempo de residência no EstadoMembro, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem
».
Como afirmam Júlio A. C. Pereira e José Cândido de Pinho,
[o] que em substância se pretende é uma ponderação muito cuidada de uma decisão de indeferimento, que passará não apenas pela constatação dos requisitos formais, mas também por considerações de outra natureza, que considera o grau de ligação, o menor ou maior apego da pessoa ao país, traduzido nos elos que se foram criando no plano familiar, cultural ou social
»(Direito de estrangeiros:
entrada, permanência, saída e afastamento (Lei 23/2007, de 4 de julho, e Legislação Complementar)/anotações, comentários e jurisprudência, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 342. No mesmo sentido, vd. Ana Rita Gil, Imigração e Direitos Humanos, 2.ª ed., Lisboa, Petrony Editora, 2021, p. 483.
Trata-se de uma válvula de escape, que depõe a favor da proporcionalidade da solução, na medida em que possibilita a desejada
análise casuística
», mencionada no acórdão,
que permita ponderar um justo equilíbrio entres os interesses estaduais de controlo da imigração e o interesse individual de reunificação familiar
».
Para o acórdão, o regime do artigo 106.º, n.º 3, opera
num domínio em que existe discricionariedade administrativa, o que não sucede com o prazo de dois anos, que constitui um pressuposto do próprio direito ao reagrupamento familiar, e não uma mera condição do seu exercício
».
Nada autoriza, todavia, a convocação de uma distinção entre pressupostos do direito e condições do seu exercício. A lei refere-se a requisitos legaisquaisquer requisitos-do reagrupamento familiar, que podem ser dispensados como resultado da ponderação das circunstâncias previstas naquele preceito legal.
Com efeito, como se viu, é a própria Diretiva 2003/86/CE que estabelece regime idêntico (cf. artigo 17.º), precisamente com a finalidade de contrabalançar a rigidez do período de espera. Se o legislador nacional manteve a previsão com contornos idênticos, não é de supor que o fez com um sentido divergente. E é também assim que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem entendido aquele artigo 17.º (cf., respetivamente, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 27 de junho de 2006, proferido no processo Parlamento c. Conselho, C-540/03, e o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso M.A. v. Denmark, de 9 de julho de 2021, 6697/18).
Acresce que, em concretização da referida ideia de equilíbrio, a Lei 23/2007, de 4 de julho, prevê ainda outros mecanismos, como o do artigo 122.º, em que se dispensa de visto para obtenção de autorização de residência temporária os estrangeiros nas situações especiais elencadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 122.º, e o do artigo 123.º Neste último preceito consagra-se a possibilidade, a título excecional, de ser concedida autorização de residência temporária a cidadãos estrangeiros que não preencham os requisitos exigidos na lei, nomeadamente por razões humanitárias. Trata-se de uma disposição relacionada com as chamadas “cláusulas de exceção”, que
permitem às autoridades reconhecer um direito de imigração, e emanar a decisão administrativa necessária para esse efeito, ainda que os estrangeiros não cumpram os requisitos previstos da lei para as situações gerais
», sendo
importantes para evitar que as decisões em matéria de imigração sejam pautadas pelo automatismo, obviando a que as autoridades nacionais recusem mecanicamente um pedido de entrada ou de permanência no território pela simples verificação do não preenchimento dos requisitos legais previstos
»-Ana Rita Gil, Imigração e Direitos Humanos, 2.ª ed., Lisboa, Petrony, 2021, pp. 658-659 (note-se que a autora, na p. 660, assinala que
esta cláusula se encontra configurada na lei como um verdadeiro regime de exceção, ocorrendo mediante proposta da própria entidade administrativa
»).
1.1.5-A duração do período de espera
A censura dirigida pelo acórdão ao prazo de dois anos assenta não só no seu suposto carácter
automático, absoluto e inalterável
», mas também no efeito agravado que resulta da sua soma ao
tempo de espera pela decisão sobre o reagrupamento familiar
», remetendo aqui para o disposto no novo artigo 105.º, com o seguinte teor:
O pedido deve ser decidido no prazo de nove meses, podendo, em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido, ser prorrogado pelo órgão competente para a decisão final por igual período, sendo o requerente informado desta prorrogação
».
O problema da eventual inconstitucionalidade resultaria, assim, da agregação dos prazos:
os dois anos de espera acrescido do prazo de decisão. Neste ponto, discordo da tese quer do Requerente quer do acórdão.
O primeiro fala, por manifesto lapso, de um prazo
mínimo
» de três anos e meio, que considera de tal forma excessivo que impõe uma restrição desproporcionada do direito à preservação da unidade familiar consagrado no artigo 36.º da Constituição, desrespeitando ainda o superior interesse da criança.O segundo tem em conta os dois anos de espera, acrescidos do tempo necessário à tramitação do procedimento administrativo, que, segundo a nova redação do n.º 1 do artigo 105.º, poderá estender-se até 18 meses, contabilizando, ainda,
em caso de indeferimento, [...] o tempo necessário à prolação de decisão sobre uma eventual impugnação judicial
». Conclui que o prazo total de espera assim calculado, ou seja, três anos e seis mesespodendo ainda ser dilatado quando, após uma eventual decisão de indeferimento, o requerente recorra aos tribunais para obter a respetiva reversãonão é compatível com os deveres de proteção a que o Estado se encontra vinculado por força dos artigos 36.º, n.os 1 e 6, 67.º, n.º 1, 68.º, n.º 1, 69.º, n.º 1, da Constituição.
Relativamente ao suposto
efeito ampliador que o regime constante do n.º 1 do artigo 105.º [...] exerce sobre o período efetivo de espera pela reunificação familiar
», considero que o prazo que se tem de considerar é a soma de dois anos apenas com os nove meses. A prorrogação é verdadeiramente excecional e uma parte das razões suscetíveis de a fundamentar decorre de dificuldades objetivas ou até de insuficiências do requerente, designadamente quanto à documentação apresentada.
Importa não esquecer que nos movemos no quadro de transposição de Diretiva, estando densificada esta previsão que associa excecionalidade e complexidade. Recorde-se o n.º 4 do artigo 5.º da Diretiva 2003/86/CE, relativa ao direito ao reagrupamento familiar:
Logo que possível e em todo o caso no prazo de nove meses a contar da data de apresentação do pedido, as autoridades competentes do EstadoMembro devem notificar por escrito a decisão tomada à pessoa que apresentou o pedido.
Em circunstâncias excepcionais associadas à complexidade da análise do pedido, o prazo a que se refere o primeiro parágrafo poderá ser prorrogado.
A decisão de indeferimento do pedido deve ser fundamentada. As eventuais consequências da não tomada de uma decisão no prazo fixado no primeiro parágrafo devem ser determinadas pela legislação nacional do EstadoMembro em causa
».
E na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre as orientações para a aplicação da Diretiva 2003/86/CE relativa ao direito ao reagrupamento familiar (COM/2014/0210 final) lê-se:
O artigo 5.º, n.º 4, impõe aos EM [Estados-Membros] a obrigação de notificar por escrito, logo que possível, a decisão tomada relativamente a um pedido. O considerando 13 especifica que os procedimentos de análise dos pedidos deverão ser eficazes e poder ser geridos tendo em conta a carga normal de trabalho das administrações dos EM.
Por conseguinte, em regra geral, um pedido normal em circunstâncias de carga normal de trabalho deve ser prontamente processado sem demoras desnecessárias. Se a carga de trabalho excecionalmente exceder a capacidade administrativa ou se o pedido carecer de uma análise mais aprofundada, pode justificar-se o prazo máximo de nove meses. Este período tem início a partir da data em que o pedido foi apresentado pela primeira vez e não do momento de notificação da receção do pedido pelo EM.
A exceção prevista no artigo 5.º, n.º 4, segundo parágrafo, da prorrogação do prazo para além dos nove meses só pode ser justificada em circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido. A derrogação deve ser interpretada em sentido estrito e numa base individual. A administração do EM que pretenda recorrer a esta possibilidade deve justificar a referida prorrogação, demonstrando que a complexidade excecional de um pedido específico corresponde a circunstâncias excecionais. A questão da capacidade administrativa não pode ser invocada como justificação de uma prorrogação excecional e qualquer prorrogação deve ser limitada ao mínimo necessário para chegar a uma decisão. Entre as circunstâncias excecionais associadas à complexidade de um determinado caso contam-se, por exemplo, a necessidade de avaliar a relação familiar no contexto de unidades familiares múltiplas, uma grave crise no país de origem que impeça o acesso a registos administrativos, dificuldades em organizar audições dos familiares no país de origem devido à situação de segurança, dificuldades de acesso a missões diplomáticas ou ainda a determinação do direito de guarda legal em caso de pais separados
».
Embora se possa defender que seriam desejáveis prazos mais curtos, o interesse público que alicerça o prazo de dois anos é admissível à luz do parâmetro constitucional, tendo presentes as dimensões internacional e supranacional em causa, e, mesmo somando o prazoregra de nove meses, não viola, pela sua duração, a lei fundamental.
Uma das consequências do arrastamento poderia prender-se com a passagem à maioridade sem decisão. Contudo, a situação está acautelada no plano do direito da União Europeia. Lê-se nas Conclusões do AdvogadoGeral GERARD HOGAN, apresentadas em 19 de março de 2020 (Processos apensos C-133/19, C-136/19 e C-137/19):
O artigo 4.º e o artigo 18.º da Diretiva 2003/86/CE, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, lidos em conjugação com o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que um nacional de um país terceiro com idade inferior a 18 anos no momento da apresentação do pedido de reagrupamento familiar num EstadoMembro, mas que, no decurso do procedimento administrativo para apreciação do seu pedido, ou no decurso de um processo judicial subsequente para impugnação de um indeferimento da concessão do reagrupamento familiar, atinge a maioridade, deve, no entanto, ser considerado
menor
» para efeitos do artigo 4.º da Diretiva 2003/86.
Conhecida a situação de sobrecarga sistémica da AIMA (e não só, como se pode ver em relação a outros serviços), e sem prejuízo das obrigações dos poderes públicos de resolver a situação, refiram-se, rapidamente, exemplos no plano comparado da realidade noutros países.
Os Países Baixos, com uma longa história de migrações e vistos como uma
sociedade pluriforme
»(pluriforme samenleving), ilustram a situação e a necessidade de adoção de medidas de resposta adequada, tendo em atenção a escassez. Sendo embora dados referidos ao asilo (instituto que, constitucionalmente, assenta num direito fundamental de que, evidentemente, só estrangeiros podem ser titulares:
em Portugal, artigo 33.º, n.º 8, da Constituição), não deixa de ser impressionante a sobrecarga sistémica, recentemente assumida pela DiretoraGeral do Serviço de Imigração e Naturalização (IND-Immigratie-en Naturalisatiedienst, Rhodia Maas, no Prefácio do Stand van de uitvoering (25 de junho de 2025:
disponível em https:
//ind.nl/nl/documenten/06-2025/stand-van-de-uitvoering-2025.pdf?pk_campaign=stand_vd_uitvoering&pk_source=ind.nl&pk_medium=website&pk_keyword=stand&pk_cid=96):
Infelizmente, o tratamento do grande número de pedidos pendentes continua a ser um fator constante. Atualmente, cerca de 45 000 pessoas aguardam uma decisão sobre o seu pedido de asilo. Também cerca de 65 000 familiares aguardam uma decisão sobre a possibilidade de se reunirem com os seus familiares. As pessoas vivem demasiado tempo na incerteza. Por mais que trabalhemos arduamente. Porque, caso tenha dúvidas:
os meus colegas dão o seu melhor todos os dias para decidir sobre todos os pedidos de forma correta e atempada
».
No que toca ao reagrupamento familiar e sem prejuízo de diferenças em função da completude dos processos e da complexidade, encontram-se dados impressivos na página do referido Serviço de Imigração e Naturalização (IND-Immigratie-en Naturalisatiedienst) relativos ao tempo de espera entre o pedido e o início do tratamento da decisão, que chega a dois anos para cônjuges/unidos de facto e filhos menores:
https:
//ind.nl/en/when-will-the-ind-start-with-my-application-for-family-reunification). Para outros membros da família, o tempo de espera pode ser superior a dois anos.
Mais:
no referido relatório neerlandês (Stand van de uitvoering) pede-se o fim da imposição de sanções pecuniárias em virtude de atrasos nas decisões, considerando que, este ano, só nos primeiros cinco meses, o IND pagou 25 milhões de euros.
No caso alemão, e, na impossibilidade, pelas razões expostas nas considerações iniciais, de apresentação de um panorama mais global, assinala-se que, na página da Embaixada alemã em Rabat (https:
//rabat.diplo.de/ma-fr/service/visa-einreise/1788358-1788358), se apresentam estimativas (sem garantia de que poderão ser cumpridos os prazos, que são, assim, meramente indicativos) relativas ao tempo de espera entre a inscrição e uma entrevista (não a decisão). No caso do reagrupamento familiar, avança-se com
mais de um ano
».
Ainda na Alemanha, mesmo em relação ao asilo, que tem uma proteção constitucional autónoma (artigo 16a da GG), com uma relevante dimensão jusinternacional, discute-se a questão da
reserva de capacidade
»(Kapazitätsvorbehalt-Christian Hillgruber, “§ 108 Asylrecht”, in Klaus Stern/Helge Sodan/Markus Möstl, Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland im europäischen Staatenverbund, 2.ª ed., Bd. IVDie einzelnen Grundrechte, München, C.H. Beck, 2022, pp. 276-312, p. 306). Veja-se a redação do artigo 16a (2) [por facilidade de leitura, dá-se conta também do teor de (1)]:
Artigo 16a [Direito de asilo] (1) Os perseguidos políticos gozam do direito de asilo. (2) O §1 não poderá ser invocado por ninguém que entre no país vindo de um país membro das Comunidades Europeias ou de outro terceiro país, no qual esteja assegurada a aplicação da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados e a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Os países fora das Comunidades Europeias, nos quais se cumprem as condições citadas na primeira frase, serão determinados por uma lei que requer a aprovação do Conselho Federal. Nos casos da primeira frase, as medidas que põem fim à residência podem ser executadas independentemente de recurso judicial requerido contra elas
»(transcrição da tradução publicada com a chancela do Deutscher Bundestag, Lei fundamental da República Federal da Alemanha, 2019).
No que respeita à contabilização, defendida no acórdão do
tempo necessário à prolação de decisão sobre uma eventual impugnação judicial
», impõem-se as seguintes notas.
O Tribunal não pode considerar, neste quadro argumentativo, o que se situa para lá do funcionamento esperado do procedimento administrativo. Se a prorrogação é excecional, tendo de ser fundamentada, a decisão judicial que reverte o resultado do procedimento administrativo destina-se a corrigir uma anomalia, por natureza pontual, sendo exterior ao procedimento. A possibilidade de impugnação judicial é comum a qualquer procedimento administrativo, mas a reversão das decisões administrativas não se tem por sistematicamente prevalecente.
1.2-O n.º 1 do artigo 98.º
À semelhança do n.º 2, o n.º 1 é uma exceção ao regime comum estabelecido no n.º 3, afastando a regra de que, em princípio, para quem está irregularmente no país o caminho é a porta de saída. Há, no entanto, uma diferença significativa em termos de âmbito subjetivo.
Na verdade, o artigo 98.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, na redação vigente, consagra em matéria de direito ao reagrupamento familiar o seguinte:
1-O cidadão com autorização de residência válida tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da família que se encontrem fora do território nacional, que com ele tenham vivido noutro país, que dele dependam ou que com ele coabitem, independentemente de os laços familiares serem anteriores ou posteriores à entrada do residente
»[itálico meu].
E, para quem está irregularmente no território nacional, foi criada uma via que evita a resposta drástica, permitindo mantêlo no país, reconhecendo formalmente o direito a uma reunificação face a uma unidade de vida já existente:
2-Nas circunstâncias referidas no número anterior é igualmente reconhecido o direito ao reagrupamento familiar com os membros da família que tenham entrado legalmente em território nacional e que dependam ou coabitem com o titular de uma autorização de residência válida
».
Nas últimas décadas, houve lugar a vários processos extraordinários de regularização e o legislador nacional optou por medidas destinadas a facilitar, em certas situações, a reunificação.
Em relação ao n.º 1 do artigo 98.º, na versão constante do Decreto, votei no sentido da sua não inconstitucionalidade. Apesar de uma redação problemática, este preceito refere-se aos que entraram regulamente no país, ainda que tenham deixado de ter título, e à hipóteseregra em matéria de reunificação familiar, que é operar em relação a pessoas que estão fora do território nacional. O n.º 1 vem obstar à aplicação da regra de tratamento em relação a pessoas que, tendo cumprido as exigências de legalidade na entrada, deixaram de poder ter cobertura em termos de permanência.
A Diretiva 2003/86/CE dispõe, no n.º 3 do artigo 5.º (Apresentação e apreciação do pedido), o seguinte:
3-O pedido deve ser apresentado e analisado quando os familiares residirem fora do território do EstadoMembro em que reside o requerente do reagrupamento.
A título de derrogação, um EstadoMembro pode, em circunstâncias adequadas, aceitar que a apresentação do pedido seja feita quando os familiares se encontrarem já no seu território
».
No n.º 1 do artigo 98.º, desde que tenham entrado regularmente no país, é descartada a expulsão com base na situação irregular, ao mesmo tempo que não se afasta a possibilidade de dar vestes jurídicas a uma reunificação meramente fáctica que já ocorreu. Na lista de exceções referida na Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre as orientações para a aplicação da Diretiva 2003/86/CE relativa ao direito ao reagrupamento familiar (COM/2014/0210 final), está precisamente esta, atento o
interesse superior do filho menor
»(n. 31).
No acórdão, critica-se não esta solução de salvaguarda da posição dos filhos menores, mas o facto de ela ser curta em termos de extensão, ao não compreender, desde logo, o cônjuge, nem filhos maiores, nomeadamente pessoas com deficiência.
Quanto ao cônjuge ou unido de facto, embora politicamente se possa discutir a bondade, ou não, da medida, nomeadamente a partir da relevância da manutenção da unidade da convivência familiar ab initio ou, pelo menos, a sua reconstituição tão cedo quanto possível, o prazo de dois anos, previsto no n.º 3 do artigo 98.º, move-se no quadro de uma margem de decisão dos Estados, tendo presente uma ponderação entre as posições das pessoas e o interesse público da comunidade. Não há, como se viu, um direito à entrada, nem à permanência irregular no território. Compreendendo-se o drama de pessoas que, mesmo entrando regularmente no território nacional, caem em zonas obscuras marcadas pela ilegalidade, nem por isso se pode deixar de considerar a outra face da moeda, os custos negativos desta situação e até a iniquidade em relação às pessoas que cumprem as regras, que se veem ultrapassadas. A relevância jurídicoconstitucional da família, que resulta, desde logo, do artigo 36.º da Constituição, seja em chave que privilegie mais uma dimensão objetiva (compreendida em termos valorativos, mas com uma maisvalia jurídico-estrutural, isto é, no plano dos efeitos) ou mais subjetiva [sobre a dupla dimensão dos direitos fundamentais, vd., entre nós, José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pp. 105-109; para a densificação da dimensão objetiva, pp. 130-145 Quanto ao cônjuge ou unido de facto, embora politicamente se possa discutir a bondade, ou não, da medida, nomeadamente a partir da relevância da manutenção da unidade da convivência familiar ab initio ou, pelo menos, a sua reconstituição tão cedo quanto possível, o prazo de dois anos, previsto no n.º 3 do artigo 98.º, move-se no quadro de uma margem de decisão dos Estados, tendo presente uma ponderação entre as posições das pessoas e o interesse público da comunidade. Não há, como se viu, um direito à entrada, nem à permanência irregular no território. Compreendendo-se o drama de pessoas que, mesmo entrando regularmente no território nacional, caem em zonas obscuras marcadas pela ilegalidade, nem por isso se pode deixar de considerar a outra face da moeda, os custos negativos desta situação e até a iniquidade em relação às pessoas que cumprem as regras, que se veem ultrapassadas. A relevância jurídicoconstitucional da família, que resulta, desde logo, do artigo 36.º da Constituição, seja em chave que privilegie mais uma dimensão objetiva (compreendida em termos valorativos, mas com uma maisvalia jurídico-estrutural, isto é, no plano dos efeitos) ou mais subjetiva [sobre a dupla dimensão dos direitos fundamentais, vd., entre nós, José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pp. 105-109; para a densificação da dimensão objetiva, pp. 130-145; especificamente sobre a sua leitura, vd. Maria Benedita Urbano, “A dupla dimensão dos direitos fundamentais Quanto ao cônjuge ou unido de facto, embora politicamente se possa discutir a bondade, ou não, da medida, nomeadamente a partir da relevância da manutenção da unidade da convivência familiar ab initio ou, pelo menos, a sua reconstituição tão cedo quanto possível, o prazo de dois anos, previsto no n.º 3 do artigo 98.º, move-se no quadro de uma margem de decisão dos Estados, tendo presente uma ponderação entre as posições das pessoas e o interesse público da comunidade. Não há, como se viu, um direito à entrada, nem à permanência irregular no território. Compreendendo-se o drama de pessoas que, mesmo entrando regularmente no território nacional, caem em zonas obscuras marcadas pela ilegalidade, nem por isso se pode deixar de considerar a outra face da moeda, os custos negativos desta situação e até a iniquidade em relação às pessoas que cumprem as regras, que se veem ultrapassadas. A relevância jurídicoconstitucional da família, que resulta, desde logo, do artigo 36.º da Constituição, seja em chave que privilegie mais uma dimensão objetiva (compreendida em termos valorativos, mas com uma maisvalia jurídico-estrutural, isto é, no plano dos efeitos) ou mais subjetiva [sobre a dupla dimensão dos direitos fundamentais, vd., entre nós, José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pp. 105-109; para a densificação da dimensão objetiva, pp. 130-145 Quanto ao cônjuge ou unido de facto, embora politicamente se possa discutir a bondade, ou não, da medida, nomeadamente a partir da relevância da manutenção da unidade da convivência familiar ab initio ou, pelo menos, a sua reconstituição tão cedo quanto possível, o prazo de dois anos, previsto no n.º 3 do artigo 98.º, move-se no quadro de uma margem de decisão dos Estados, tendo presente uma ponderação entre as posições das pessoas e o interesse público da comunidade. Não há, como se viu, um direito à entrada, nem à permanência irregular no território. Compreendendo-se o drama de pessoas que, mesmo entrando regularmente no território nacional, caem em zonas obscuras marcadas pela ilegalidade, nem por isso se pode deixar de considerar a outra face da moeda, os custos negativos desta situação e até a iniquidade em relação às pessoas que cumprem as regras, que se veem ultrapassadas. A relevância jurídicoconstitucional da família, que resulta, desde logo, do artigo 36.º da Constituição, seja em chave que privilegie mais uma dimensão objetiva (compreendida em termos valorativos, mas com uma maisvalia jurídico-estrutural, isto é, no plano dos efeitos) ou mais subjetiva [sobre a dupla dimensão dos direitos fundamentais, vd., entre nós, José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pp. 105-109; para a densificação da dimensão objetiva, pp. 130-145; especificamente sobre a sua leitura, vd. Maria Benedita Urbano, “A dupla dimensão dos direitos fundamentais:
entre teorias e obviedades”, in João Carlos Loureiro (Coord.), Constituição, política e direitos fundamentais:
Estudos em homenagem ao Doutor Vieira de Andrade, vol. I, Coimbra, Almedina, 2023, pp. 239-252, referindo a proteção da família em sede de dimensão objetiva em vestes de garantia institucional-p. 243-, que não esgota o campo-pense-se nos deveres de proteção e de promoção, por exemplo], exige uma metódica de diferenciação em que, quanto ao reagrupamento familiar, não é indiferente a integração na comunidade que o decurso do tempo indicia.
São vários os países que consagram períodos de espera, sem ressalvar os cônjuges e unidos de facto. Repare-se que dois anos não se comparam com a legislação que existia, por exemplo, ainda na parte final do século passado, com um prazo de espera, na legislação do Estado Livre da Baviera, de…oito anos! (BVerfGE 76, 1-Familiennachzug, 1987]. Hoje, no § 30 [Ehegattennachzug](1) da Aufenthaltsgesetz prevê-se, na hipótese de 1 n. 3d) a necessidade de uma autorização de residência há pelo menos dois anos, que deve ser interpretada de acordo com o direito da União Europeia.
Em França, o Code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile prevê (artigo L. 434-2) um prazo de, pelo menos, 18 meses, para se poder exercer o direito de reagrupamento familiar no que toca ao cônjuge e aos filhos do casal menores de dezoito anos (na doutrina, com outras indicações, vd. a síntese constante de Xavier Vandendriessche, Code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile annoté et commenté, 15.ª ed., Paris, Éditions Dalloz, 2025, pp. 409-414). O Conseil constitutionnel reconheceu um direito ao reagrupamento familiar (Cons. const. 13 août 1993, n.º 93-325 DC), mas considerou que a existência de um prazona altura, de dois anosnão era inconstitucional (n.º 71).
Passando aos filhos maiores com deficiência, sublinha-se que não estamos, de modo algum, em registo paternalista, a abrir portas à sua menorização. No respeito pela sua autodeterminação, apenas um grupo mais pequeno de casos de dependência suscita a questão da reunificação familiar sem período de espera. Em relação a estas pessoas com deficiência que são filhos (maiores), apesar de, contrariamente ao que se verifica no quadro normativo de outros países, não haver uma norma específica, ainda assim não se podem desconhecer as vinculações do Estado português relevantes nesta matéria, desde o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos [General Comment No. 15:
The position of aliens under the Covenant, 1986, §5, HRI/GEN/1/Rev.9 (Vol. I), onde se pode ler que
em certas circunstâncias, um estrangeiro pode gozar da proteção do Pacto mesmo em relação à entrada ou residência, por exemplo, quando surgem questões relacionadas com o imperativo de não discriminação, proibição de tratamentos desumanos ou respeito pela vida familiar
»; itálicos meus] à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência [sobre esta, em geral, no corpo dogmático nacional, com outras indicações bibliográficas, vd. Filipe Venade de Sousa, A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no ordenamento jurídico português:contributo para a compreensão do estatuto jusfundamental, Coimbra, Almedina, 2018; contributo para a compreensão do estatuto jusfundamental, Coimbra, Almedina, 2018;
Eduardo António da Silva Figueiredo, Pessoa(s), corporeidade(s) e deficiência(s):
uma leitura interconstitucional, Coimbra, 2024; uma leitura interconstitucional, Coimbra, 2024; em termos específicos, o artigo 18.º, n.º 1-exigindo expressamente o reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência à liberdade de circulação, à liberdade de escolha da sua residência e à nacionalidade, em condições de igualdade com as demais-, não olvidando a aplicabilidade direta deste instrumento internacionalvd. artigo 4.º, n.º 2, in fine; uma leitura interconstitucional, Coimbra, 2024; uma leitura interconstitucional, Coimbra, 2024; em termos específicos, o artigo 18.º, n.º 1-exigindo expressamente o reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência à liberdade de circulação, à liberdade de escolha da sua residência e à nacionalidade, em condições de igualdade com as demais-, não olvidando a aplicabilidade direta deste instrumento internacionalvd. artigo 4.º, n.º 2, in fine; infra será também considerada a sua relevância em matéria de medidas de integração, nomeadamente no que toca ao conhecimento da língua], sem esquecer também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (vd., no plano jurisprudencial, o caso Martinez Alvarado v. the Netherlands, de 10 de dezembro de 2024, 4470/21, aliás, referido no acórdão).
2-Artigo 101.º, n.º 3
À semelhança do que acontece com outros ordenamentos jurídicos, o artigo 101.º passou a prever, em registo de obrigatoriedade, um conjunto de medidas de integração. Lê-se no seu n.º 3:
O requerente e os respetivos familiares devem cumprir medidas de integração, designadamente relativas à aprendizagem da língua portuguesa e dos princípios e valores constitucionais portugueses, bem como da frequência do ensino obrigatório no caso de menores, conforme regulado em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das migrações, da educação e do trabalho
».
Este número surge como um aditamento e uma inovação do diploma, sendo assumidamente um aspeto relevante para a integração na sociedade portuguesa.
Nos termos do pedido, o Tribunal foi convocado para avaliar se existe (i) violação do princípio da segurança jurídica, nomeadamente através do princípio da precisão ou determinabilidade das leis, por indeterminação sobre o modelo acolhido no que toca à temporalidade relevante para a verificação do cumprimento (antes ou depois da entrada no território nacional) e (ii) violação do princípio da reserva de lei, gerado pelo emprego do advérbio
designadamente
», na medida em que torna o elenco das medidas referidas meramente exemplificativo e não taxativo, abrindo-se a porta para que, em sede de regulamentação e sob a forma de portaria, se introduzam novas medidas.
No que respeita à temporalidade relevante, em termos de modelos em sede de direito comparado, encontramos sistemas ex ante e ex post. No primeiro caso, que se pode ilustrar com a solução prevista na Alemanha (§30 da Aufenhaltsgesetz), é requisito para a obtenção da autorização conhecimentos da língua alemã, sem prejuízo de exceções (§ 5 (2), 2) no caso de não ser possível fazêlo antes, em que esse conhecimento deve ser obtido após a entrada na Alemanha. Já no segundo modelo, a aprendizagem da língua não é requisito prévio, mas obrigam-se a conhecer a língua e cultura e princípios estruturantes da comunidade política.
Neste ponto, não acompanho a posição do acórdão, porquanto, desde logo, o elemento gramatical, filológico ou literal aponta para medidas depois da entrada:
“devem cumprir” aparece também associado à medida frequência do ensino obrigatório (estamos perante um bloco), que só pode ser a posteriori. Para se chegar a outro resultado interpretativo, então o legislador teria de o dizer expressamente, como acontece com a legislação de outros paísesalém do exemplo francês, que consta do arestoCode de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile (
no seu país de residência
» cf. artigos L. 411-1 e seguintes)-, o mesmo se verifica na Alemanha.Relativamente ao elenco das medidas de integração, concorda-se que a Constituição afasta a possibilidade de imposição de outras medidas adicionais que não as expressamente previstas no n.º 3 do artigo 101.º Com base neste entendimento, o acórdão conclui que, em consequência do emprego do advérbio
designadamente
» é reenviada ao poder regulamentar a tipificação de outras medidas para além daquelas que o legislador definiu, em violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.A minha discordância do aresto neste ponto decorre, desde logo, de não se ter considerado a possibilidade de interpretar o preceito em causa em conformidade com a Constituição.
Não discutindo aqui alguns aspetos mais gerais de compreensão da figura (princípio de conservação de normas e/ou “princípio de prevalência normativovertical e de integração hierárquico-normativa”
:
cf., criticando a primeira leitura e sustentando a segunda, José Joaquim Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador:
contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, Coimbra, Coimbra Editora, 1982, pp. 405-406), sempre se dirá que não está vedada a sua utilização em sede de fiscalização abstrata (vd. Rui Medeiros, A decisão de inconstitucionalidade:
os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1999, pp. 387-394), incluindo a preventiva (Rui Medeiros, A decisão de inconstitucionalidade:
os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, pp. 394-395).
O Tribunal Constitucional já o assumiu até no dispositivo, como resulta expressamente do Acórdão 334/94 (
Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
-não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas do decreto 146/VI da Assembleia da República, interpretando a disposição do n.º 2 do artigo 3.º no sentido de que a Polícia Judiciária, logo que, no decurso das acções descritas no artigo 1.º, tiver notícia de um crime, é obrigada a fazer a comunicação e denúncia ao Ministério Público
»-itálico meu). No mesmo aresto, refere-se que a interpretação em conformidade com a Constituição louva-se na
jurisprudência [do Tribunal], ao não ver obstáculo a aplicála à fiscalização preventiva (Acórdão 108/88)
». Neste último, relativo à transformação de empresas públicas em sociedades anónimas, convoca-se precisamente José Joaquim Gomes Canotilho (na altura, a 4.ª edição de Direito Constitucional; hoje, vd. Direito constitucional e teoria da constituição, 7.ª edição, pp. 1226-1227; também pp. 958-959).
Uma norma só deve ser declarada inconstitucional quando não possa ser interpretada em conformidade com a Constituição. A figura
ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma
»,
[d]aí a sua formulação básica:
no caso de normas polissémicas ou plurissignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição
»(José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1226).
Embora em contexto jurídico lhe seja frequentemente conotada uma noção de exemplificação, sobretudo se anteceder uma enumeração simples ou por alíneas, o advérbio
designadamente
» também tem um sentido indicativo, usando-se para particularizar o que se disse anteriormente.Tratando-se, assim, de uma norma polissémica, deve dar-se primazia à interpretação conforme com a Constituição, isto é, no sentido de que nela o legislador especifica as medidas de integração aplicáveis. Afastado o carácter exemplificativo do elenco dessas medidas e, consequentemente, a possibilidade de reenvio da sua tipificação ao poder regulamentar, não há violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Aliás, há quem entenda que se poderia chegar ao mesmo resultado a montante, com recurso aos normais critérioshermenêutico normativos (se, por via regulamentar, forem criadas outras medidas que não as previstas na lei, a portaria será inconstitucional, traduzindo-se numa violação do princípio da reserva de lei).
Finalmente, haveria ainda o caminho de uma inconstitucionalidade parcial [apesar de também este não ser pacífico entre nós;
José Joaquim Gomes Canotilho (Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1021) diz ser
duvidoso que esta possibilidade se estenda à fiscalização preventiva da inconstitucionalidade
»), ou seja, deveria ser considerado inconstitucional apenas o advérbio em causa (
designadamente
»).
Por sua vez, como o n.º 3 do artigo 101.º remete para portarias, importa ver se será necessário um maior nível de concretização das medidas de integração logo no plano da lei, em particular, no tocante ao grau de exigência, tendo presente que o Parlamento é o lugar de decisão política por excelência.
Dir-se-á que o essencial do regime integra portarias, mas este argumento tem de ser temperado com a existência de uma vasta rede de diplomas e de informação acessível.
No que respeita à aprendizagem da língua portuguesa, dispomos de um bloco normativo densificado e de uma oferta publicitada na página da AIMA, realidade que não deve ser desconhecida.
A Lei 23/2007, de 4 de julho, prevê, no artigo 80.º, n.º 1, alínea e), que a concessão de autorização de residência permanente depende da comprovação do
conhecimento do português básico
». Trata-se de uma exigência mínima, mas que funciona como parâmetro e limite dos requisitos que podem ser previstos quanto ao conhecimento exigido para a reunificação. Como a Assembleia da República já decidiu que, para efeitos de autorização permanente, o parâmetro a observar é esse, se, por via de portaria, se estabelecesse um limite mais elevado, tal regulamento seria claramente inválido, não escapando à censura de inconstitucionalidade. Apenas poderia haver dúvidas se o padrão de exigência linguística requerido para a concessão de autorização de residência permanente fosse mais elevado, isto é, poderia discutir-se se a reunificação se bastaria com um nível de conhecimento da língua menos exigente. Mas, como tal não é o caso, o n.º 3 do artigo 101.º tem de ser conjugado com o referido artigo 80.º, n.º 1, alínea e).
Nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 74.º do Decreto Regulamentar 84/2007, de 5 de novembro, o pedido de concessão do estatuto de residente de longa duração deve ser instruído com informação legalmente reconhecida e comprovativa do conhecimento de português básico, quando aplicável.
Aliás, no quadro do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o que se exige em termos de conhecimento da língua portuguesa é a conclusão do nível A2, como decorre do artigo 25.º, n.º 2, alínea e), do Decreto Lei 237-A/2006, de 14 de dezembro.
Pelo menos desde 2009, há todo um quadro de ensino do português como língua de acolhimento e fator de integração, com oferta de cursos, a que podem aceder até os portadores de visto de curta duração para trabalho sazonal, de estada temporária ou de residência. Os cursos de Português Língua de Acolhimento (PLA), criados no âmbito da Portaria 183/2020, de 5 de agosto (alterada pela Portaria 184/2022, de 21 de julho), visam responder às necessidades de aprendizagem da língua portuguesa junto de pessoas migrantes em Portugal. De acordo com o artigo 2.º da portaria, os cursos PLA destinam-se aos
cidadãos com idade igual ou superior a 16 anos cuja língua materna não é a língua portuguesa e/ou que não detenham competências básicas, intermédias ou avançadas em língua portuguesa, de acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECRL)
»(n.º 1), os quais
devem ser portadores de título de residência, nos termos da legislação nacional aplicável a cidadãos estrangeiros, ou devem apresentar um dos seguintes documentos:
a) Comprovativo de que foi iniciado o procedimento para a prorrogação da permanência em território nacional ou para a concessão ou renovação de autorização de residência;
b) Comprovativo de apresentação do pedido de proteção internacional ou proteção temporária;
c) Comprovativo da atribuição do Número de Identificação de Segurança Social (NISS)
»(n.º 2), e ainda aos
cidadãos portadores de visto de curta duração para trabalho sazonal, de estada temporária ou de residência, nos termos da legislação nacional aplicável a cidadãos estrangeiros, que se encontrem nas condições previstas no n.º 1
»(n.º 3). Estes cursos certificam os níveis A1 e A2 (Utilizador Elementar), B1 e B2 (Utilizador Independente), de acordo com o QECRL. Como se viu, a certificação de nível A2 ou superior faz prova do conhecimento de língua portuguesa para efeitos de pedido de concessão de autorização de residência permanente, de concessão de estatuto de residente de longa duração e de nacionalidade portuguesa.
Repare-se ainda que o Plano Nacional de Implementação do Pacto Global das Migrações, aprovado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 141/2019, de 20 de agosto [na sequência do Pacto Global para as Migrações Seguras, Ordenadas e Regulares, aprovado pela AssembleiaGeral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 2018 (Resolução A/73/L.66)] prevê, como medidas, i) a difusão de um Guia de Acolhimento para migrantes, sistematizando toda a informação necessária, ii) o incremento do ensino do português como língua não materna e iii) o reforço da eficácia dos mecanismos de reagrupamento familiar.
Impõe-se uma nota adicional, relativa à questão da universalidade da exigência prevista no n.º 3 do artigo 101.º Se, como regra, para efeitos de reunificação familiar é admissível a previsão de medidas de integração, a norma tem, no entanto, de ser interpretada com alguma ductilidade, em conformidade com a vinculação constitucional e internacional. Com efeito, embora não estabeleça quaisquer ressalvas [como faz o legislador alemão, que prevê expressamente uma exceção no que toca à comprovação pelo cônjuge do conhecimento da língua alemã por razões de doença ou deficiênciacf. § 30 (1) 1 Nr. 2], a norma não deve ser lida de forma a excluir pessoas com deficiência intelectual mais profunda, sob pena de desconformidade com a tutela dos
cidadãos portadores de deficiência
»(artigo 71.º da Constituição) e da vinculação internacional do Estado português, nomeadamente tendo presente o artigo 18.º (Liberdade de circulação e nacionalidade) da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência [sobre este preceito, mas, neste ponto, centrando-se na questão da aquisição da nacionalidade, vd. Geraldo Rocha Ribeiro (in Joaquim Correia Gomes/Luísa Neto/Paula Távora Vítor, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência:
Comentário, Lisboa, Imprensa NacionalCasa da Moeda, 2020, pp. 173-184, p. 179)]. João Carlos Loureiro DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido, divergindo da maioria, quanto ao juízo de não inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 98.º, conforme declaração conjunta anexa.
Votei também vencido a alínea e) do dispositivo, aderindo, no essencial, à declaração de voto do Senhor Conselheiro Carlos Medeiros de Carvalho. Devo acrescentar que dúvidas sobre uma eventual desconformidade constitucional se me colocaram, sim, face ao confronto entre a norma do regime geral da intimação (artigo 109.º do CPTA), ondediferentemente do n.º 5 do artigo 20.º do texto constitucionalnão se reduz a utilização desse instituto a “direitos, liberdades e garantias pessoais”, e este preceito do regime especial do novo artigo 89.º-A sub judice, que o faz; dúvidas essas com fundamento numa eventual violação do n.º 1 (não do n.º 5) do artigo 20.º da Constituição, sendo que, como escrevem Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa AnotadaVol. I, página 332, “para além do âmbito do artigo 20.º, n.º 5, não se vislumbra fundamento para impedir que a lei institucionalize processos céleres e prioritários para defesa de outras categorias de direitos” [cf., no mesmo sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa AnotadaVol. I, 4.ª Edição, anotação XV ao artigo 20.º, página 419 Votei também vencido a alínea e) do dispositivo, aderindo, no essencial, à declaração de voto do Senhor Conselheiro Carlos Medeiros de Carvalho. Devo acrescentar que dúvidas sobre uma eventual desconformidade constitucional se me colocaram, sim, face ao confronto entre a norma do regime geral da intimação (artigo 109.º do CPTA), ondediferentemente do n.º 5 do artigo 20.º do texto constitucionalnão se reduz a utilização desse instituto a “direitos, liberdades e garantias pessoais”, e este preceito do regime especial do novo artigo 89.º-A sub judice, que o faz; dúvidas essas com fundamento numa eventual violação do n.º 1 (não do n.º 5) do artigo 20.º da Constituição, sendo que, como escrevem Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa AnotadaVol. I, página 332, “para além do âmbito do artigo 20.º, n.º 5, não se vislumbra fundamento para impedir que a lei institucionalize processos céleres e prioritários para defesa de outras categorias de direitos” [cf., no mesmo sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa AnotadaVol. I, 4.ª Edição, anotação XV ao artigo 20.º, página 419:
“ao impor a obrigatoriedade de processos caraterizados pela celeridade e prioridade relativamente a direitos, liberdades e garantias pessoais (n.º 5, 1.ª parte), o texto constitucional não impede o legislador de introduzir processos céleres e prioritários para a defesa de direitos, liberdades e garantias de participação política, dos trabalhadores e, até, de outros direitos fundamentais”]. José João Abrantes
119454543
Anexos
- Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/6283804.dre.pdf .
Ligações deste documento
Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):
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1976-05-03 - Decreto-Lei 319-A/76 - Ministério da Administração Interna
Regulamenta a eleição do Presidente da República. Dispõe sobre capacidade eleitoral, sistema eleitoral, organização do processo eleitoral, campanha eleitoral, eleição (sufrágio, apuramento e contencioso eleitoral) e ilícito eleitoral.
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1979-05-16 - Lei 14/79 - Assembleia da República
Aprova a lei eleitoral para a Assembleia da República.
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1988-06-25 - Acórdão 108/88 - Tribunal Constitucional
DECIDE NAO SE PRONUNCIAR PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS DOS ARTIGOS 1,2, NUMERO 1, 4, 8 E 9 DO DECRETO NUMERO 83/V DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA DIPLOMA QUE DISCIPLINA A 'TRANSFORMACAO DAS EMPRESAS PÚBLICAS EM SOCIEDADES ANONIMAS', E PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA DO ARTIGO 7, NUMERO 2, DO MESMO DIPLOMA.
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1992-08-17 - Acórdão 285/92 - Tribunal Constitucional
PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA QUE SE EXTRAI DA CONJUGACAO DO ARTIGO 3, NUMERO 1, PARTE FINAL, COM O NUMERO 2 DO MESMO ARTIGO E O NUMERO 6 DO ARTIGO 2 DO DECRETO REGISTADO NA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS SOB O NUMERO 171/92 (QUE DEU ORIGEM AO DECRETO LEI 247/92, DE 7 DE NOVEMBRO), POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DE DETERMINABILIDADE DA LEI E DA RESERVA DE LEI, DECORRENTES DAS DISPOSIÇÕES CONJUGADAS DOS ARTIGOS 2 E 18, NUMERO 3, POR REFERÊNCIA AO ARTIGO 53, TODOS DA CONSTITUICAO. PRONUN (...)
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1996-10-15 - Acórdão 962/96 - Tribunal Constitucional
Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, e dos nºs 1 e 2 do artigo 1º do Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, na parte em que vedam o apoio judiciário, na forma de patrocínio judiciário, aos estrangeiros e apátridas que pretendem impugnar contenciosamente o acto administrativo que lhes denegou asilo, por violação das normas conjugadas do nº 1 do artigo 15º, nº 1 do artigo 20º, nº 6 do artigo 33º e nº 4 do artig (...)
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2001-11-07 - Acórdão 423/2001 - Tribunal Constitucional
Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, e do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 319/84, de 1 de Outubro, na medida em que reservam a nacionais portugueses a qualificação como deficiente das Forças Armadas ou equiparado, limitando os efeitos da inconstitucionalidade, de modo que estes apenas se produzam a partir da publicação oficial do acórdão. (Processo 774/99).
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2002-10-10 - Acórdão 345/2002 - Tribunal Constitucional
Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 22.º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril.
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2006-06-06 - Acórdão 5/2006 - Supremo Tribunal de Justiça
No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar «o sentido em que deve fixar-se jurisprudência» (artigo 442.º, n.º 2).
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2006-12-14 - Decreto-Lei 237-A/2006 - Ministério da Justiça
Aprova o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, publicado em anexo, e introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, assim como ao Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado por ele aprovado.
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2007-07-04 - Lei 23/2007 - Assembleia da República
Aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.
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2007-11-05 - Decreto Regulamentar 84/2007 - Ministério da Administração Interna
Regulamenta a Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros de território nacional.
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2007-12-11 - Portaria 1563/2007 - Ministérios da Administração Interna e do Trabalho e da Solidariedade Social
Fixa os meios de subsistência de que devem dispor os cidadãos estrangeiros para a entrada e permanência em território nacional, para efeitos de concessão de vistos e prorrogação de permanência e concessão e renovação de títulos de residência.
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2023-06-02 - Decreto-Lei 41/2023 - Presidência do Conselho de Ministros
Cria a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P.
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2024-06-03 - Decreto-Lei 37-A/2024 - Presidência do Conselho de Ministros
Altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, procedendo à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse.
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2024-11-07 - Lei 40/2024 - Assembleia da República
Altera o regime transitório previsto no Decreto-Lei n.º 37-A/2024, de 3 de junho, que altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, procedendo à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse.
Aviso
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