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Acórdão 962/96, de 15 de Outubro

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, e dos nºs 1 e 2 do artigo 1º do Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, na parte em que vedam o apoio judiciário, na forma de patrocínio judiciário, aos estrangeiros e apátridas que pretendem impugnar contenciosamente o acto administrativo que lhes denegou asilo, por violação das normas conjugadas do nº 1 do artigo 15º, nº 1 do artigo 20º, nº 6 do artigo 33º e nº 4 do artigo 268º da Constituição da República (Processo n.º 361/95).

Texto do documento

Acórdão 962/96
Processo 361/95
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I - 1 - O Procurador-Geral-Adjunto no Tribunal Constitucional vem requerer, nos termos dos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição e 82.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, e 1.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, na parte em que vedam a concessão de apoio judiciário, na forma de patrocínio judiciário, aos estrangeiros e apátridas que, havendo impetrado asilo político em Portugal, pretendem impugnar contenciosamente a decisão administrativa que o denegou.

Explicitando que por essa dimensão das normas, entre si conjugadas, se abrangem os estrangeiros e apátridas que não detêm autorização de residência válida em Portugal ou aqui não residem há pelo menos um ano, o Procurador-Geral-Adjunto conclui lembrando que as mesmas normas, naquela dimensão, foram já julgadas inconstitucionais por violação dos artigos 13.º, n.º 1, 15.º, n.os 1 e 2, 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República, entre outros, nos Acórdãos n.os 338/95, 339/95 (Diário da República, 2.ª série, de 1 de Agosto de 1995) e 340/95 (Diário da República, 2.ª série, de 2 de Novembro de 1995), de que junta cópia.

2 - O Primeiro-Ministro, notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, ofereceu o merecimento dos autos.

II - As normas e a fundamentação.
As normas que aqui se constituem em objecto do pedido são, pois, as dos artigos 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, sobre o acesso ao direito e aos tribunais, e 1.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, que regulamenta o sistema de apoio judiciário e o seu regime financeiro.

A norma do artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei 387-B/87, dispõe assim:
«Artigo 7.º
1 - ...
2 - Os estrangeiros e os apátridas que residam habitualmente em Portugal gozam do direito a protecção jurídica.»

E as normas do artigo 1.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 391/88:
«Artigo 1.º
1 - Para efeito de protecção jurídica, a residência habitual de estrangeiros ou apátridas titulares de autorização de residência válida, a que se refere o n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, implica a sua permanência regular e continuada em Portugal, por período não inferior a um ano, salvo regime especial decorrente de tratado ou convenção internacional que Portugal deva observar.

2 - O estrangeiro a quem for concedido asilo ou que goze de estatuto de refugiado pode usufruir de protecção jurídica a partir da data da concessão do direito de asilo ou do reconhecimento do estatuto de refugiado.»

Destas normas e da sua relação de sentido resulta que a protecção jurídica, na forma de apoio judiciário, aos estrangeiros e apátridas que, havendo pedido asilo em Portugal, pretendem impugnar contenciosamente o acto da Administração que o denegou não está universalmente garantida. E não está, porque ali se estabelecem duas condições de acesso - a de detenção de autorização de residência válida e a de permanência regular e continuada em Portugal por período não inferior a um ano «salvo regime especial decorrente de tratado ou convenção internacional que Portugal deva observar», que, em si mesmas, consubstanciam uma restrição da incidência subjectiva daquela garantia. Os estrangeiros e apátridas que não preenchem aquelas condições não têm acesso ao apoio judiciário na impugnação contenciosa do acto que lhes denegou asilo político.

Esta solução é inconstitucional, desde logo, porque por ela se desconstrói a efectividade do direito de asilo, garantido aos estrangeiros e apátridas, nos termos do artigo 33.º, n.º 6, da Constituição. A desejabilidade constitucional de realização do direito de asilo, que se radica nos valores da dignidade do homem, na ideia de uma República de «indivíduos», e não apenas de «cidadãos», e na protecção reflexa da democracia e da liberdade seria claramente inconseguida aí onde à proclamação do direito apenas correspondesse o poder de impetrar o asilo junto da Administração sem garantia de controlo judicial.

A efectividade do direito de asilo exige assim, decisivamente, o acesso ao apoio judiciário: exige-o em todos os casos de insuficiência económica, em ordem à concretização do direito ao tribunal.

Para mais, este direito é garantido a «todos» pela Constituição. Os mandados da norma do artigo 20.º, de asseguramento do acesso ao direito e aos tribunais, constituem mesmo a estrutura central da ordem constitucional democrática, que é ordem aberta à dimensão internacional dos direitos do homem.

Da centralidade no sistema constitucional da norma do artigo 20.º, enquanto momento de defesa e enquanto momento de pretensão a uma actuação positiva do Estado, ou seja, do significado da tutela judicial como direito à garantia dos direitos, resulta que o acesso ao tribunal integra o núcleo irredutível do princípio da equiparação de tratamento entre nacionais e estrangeiros e apátridas, estabelecido no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição.

Esse princípio de equiparação, se bem que susceptível de excepções a ditar pelo legislador (artigo 15.º, n.º 2), não pode ser limitado ao ponto de desvirtuar o estatuto dos estrangeiros constitucionalmente fixado (artigo 15.º).

Esse estatuto assenta na dignidade do homem, como sujeito moral e sujeito de direitos, como «cidadão do mundo». Daí que seja a própria semântica do artigo 15.º da Constituição a ditar os limites heterónomos da actuação legislativa (cf., neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 135).

O direito à tutela judicial fixa, indubitavelmente, um desses limites.
Na situação em apreço, fixa-o tanto mais quanto se sabe que por detrás dessa tutela é verdadeiramente o direito de asilo que está em causa. E justamente a propósito deste direito, lembra Jorge Miranda que a sua garantia é um dos momentos inelimináveis do princípio da equiparação: «como cláusula geral, o n.º 1 do artigo 15.º aplica-se aí onde não sejam decretadas expressamente exclusões de direitos dos estrangeiros e estas não podem ser tais (ou tantas) que invertam o princípio [...] Designadamente no que concerne aos refugiados, não poderia a lei recusar-lhes tal soma de direitos que vulnerasse o próprio sentido da concessão do asilo» (Manual de Direito Constitucional, t. III, 3.ª ed., revista e actualizada, Coimbra, 1994, p. 142).

As normas dos artigos 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei 387-B/87 e 1.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 391/88 contrariam, assim, a dimensão universalista dos direitos do homem que está na ordem constitucional portuguesa. Afrontam as normas conjugadas dos artigos 33.º, n.º 6, 20.º, n.º 1, 268.º, n.º 4, e 15.º, n.º 1, da Constituição da República.

Foi também assim que concluíram os Acórdãos n.os 338/95, 339/95 (Diário da República, 2.ª série, de 1 de Agosto de 1995) e 340/95 (Diário da República, 2.ª série, de 2 de Novembro de 1995).

IV - Decisão.
Nestes termos, o Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, e 1.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, na parte em que vedam o apoio judiciário, na forma de patrocínio judiciário, aos estrangeiros e apátridas que pretendem impugnar contenciosamente o acto administrativo que lhes denegou asilo, por violação das normas conjugadas dos artigos 33.º, n.º 6, 20.º, n.º 1, 268.º, n.º 4, e 15.º, n.º 1, da Constituição da República.

Lisboa, 11 de Julho de 1996. - Maria da Assunção Esteves - Bravo Serra - Maria Fernanda Palma - Vítor Nunes de Almeida - José de Sousa e Brito - Armindo Ribeiro Mendes - Alberto Tavares da Costa - Antero Alves Monteiro Dinis - Luís Nunes de Almeida - Messias Bento - Fernando Alves Correia - Guilherme da Fonseca - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/78038.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2015-06-15 - Acórdão do Tribunal Constitucional 296/2015 - Tribunal Constitucional

    Não conhece da ilegalidade da norma do artigo 6.º, n.º 1, alínea a), e n.º 4 da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio, na redação que, por último, lhe foi conferida pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho, no segmento em que exige pelo menos um ano de residência legal em Portugal, para reconhecimento do direito ao Rendimento Social de Inserção aos cidadãos nacionais; não declara a ilegalidade do artigo 6.º, n.º 1, alínea a), e n.º 4 da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio, na redação que, por último, (...)

  • Tem documento Em vigor 2018-06-07 - Acórdão do Tribunal Constitucional 242/2018 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, n.º 3, Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, na parte em que recusa proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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